Sistemas de Investigação Criminal e o papel do Promotor Investigador
Autores
Resumo
O artigo analisa a interrelação entre a impunidade e a criminalidade, destacando a importância da efetividade nas investigações criminais como um meio de prevenção e repressão ao crime. A partir da contextualização histórica dos sistemas de investigação, o texto explora as características dos modelos inquisitivo, acusatório e a proposta do sistema do Promotor Investigador. O autor argumenta que, para promover uma maior efetividade nas apurações criminais, o Ministério Público deve assumir um papel central nas investigações, aproveitando sua independência e autonomia, ao invés de relegar essa função à polícia judiciária. A conclusão enfatiza que a adoção do sistema do Promotor Investigador pode resultar em investigações mais ágeis e eficazes.
Palavras-ChaveEfetividade das Investigações Criminais. Sistema do Promotor Investigador . Impunidade e Criminalidade
Abstract
The article examines the interrelationship between impunity and crime, emphasizing the importance of effective criminal investigations as a means of crime prevention and repression. By providing a historical context of various investigative systems, the text explores the characteristics of the inquisitorial and accusatorial models, along with the proposal of the Prosecutor Investigator system. The author argues that to enhance the effectiveness of criminal inquiries, the Public Ministry should take a central role in investigations, leveraging its independence and autonomy rather than relegating this function to the judicial police. The conclusion underscores that adopting the Prosecutor Investigator system could lead to more swift and effective investigations.
KeywordsEffectiveness of Criminal Investigations. Prosecutor Investigator System. Impunity and Crime
1. INTRODUÇÃO
A relação entre a impunidade e a criminalidade é umbilical. Dentro de um pensamento racional, pode-se concluir que a pessoa que, em determinado contexto de vida, está propensa a colocar em prática determinada conduta delitiva, passa a sopesar os benefícios e malefícios advindos da prática da respectiva infração penal.
Nesse cenário, o agente que tem a percepção de que os delitos praticados em determinado local não são devidamente apurados, impedindo-se, por conseguinte, o início da necessária persecução penal, fazendo com que o ius puniendi estatal não atinja seus fins, estará, indubitavelmente, mais propenso a deflagrar o iter criminis relativo à infração penal almejada.
A efetividade da apuração de condutas criminosas, portanto, revela-se de extrema importância, não apenas em uma perspectiva repressiva (investigação de delitos já praticados), mas, principalmente, em uma perspectiva preventiva, intimamente relacionada com o fim preventivo geral negativo dado à pena advinda da aplicação do Direito Penal, adotada pelos doutrinadores relativistas ou utilitaristas, que tem como principal estudioso Ludwig Feuerbach, de acordo com sua “Teoria da Coação Psicológica”, que indica o desestímulo causado quando o criminoso tem a de que certeza as leis penais serão devidamente aplicadas quando da prática de infrações penais[1].
Não é difícil perceber, destarte, a relação direta entre a inefetividade das investigações criminais e o aumento do quantitativo de crimes perpetrados em determinado País. Menos difícil ainda é perceber que o Brasil encontra-se, infelizmente, imerso nestes dois cenários que compõem a relação retrocitada, tendo em vista ser notório o elevado grau de delitos não solucionados em nosso País.
Exemplificativamente, quanto aos crimes de homicídio, e de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto “Sou da Paz”[2], apenas um a cada três homicídios são devidamente apurados, o que revela um enorme descompasso entre o que ocorre e o que deve ser, em termos de combate à criminalidade.
Exatamente nesse ponto, portanto, é que o presente artigo visa estudar os principais tipos de sistema de investigação criminal, e qual sistemática pode viabilizar uma maior efetividade quando da apuração das mais diversas infrações penais.
2. PRINCIPAIS SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Em uma detida análise do Direito Comparado, percebe-se que a forma sob a qual um sistema de investigação criminal se estrutura perpassa principalmente pelo principal responsável por sua condução[3]. A partir dessa definição, a forma que tal apuração de desenvolve se altera, seja na sua forma de atuação, seja na tutela dos direitos em conflito quando da prática delituosa e, numa perspectiva prática, na efetividade imanente à sua execução.
Nos principais sistemas de investigação criminal, depreendem-se três autoridades públicas que assumem sua titularidade: o Juiz, o Promotor de Justiça e o Delegado de Polícia.
A centralidade em tais figuras é imanente ao sistema adotado quanto ao processo penal, que teve seu conteúdo alterado conforme a evolução de um sistema inquisitivo para um sistema acusatório.
O sistema processual inquisitivo, que passou a ganhar maior destaque na Idade Média, tem como principal característica a concentração dos poderes de acusar, defender e de julgar na figura do juiz inquisidor, o que, nitidamente, afeta a imparcialidade que deve ser imanente a qualquer atuação judicial.
Tal sistema, conforme ensina Leonardo Barreto[4], possui as seguintes características: não há exigência de que a acusação seja feita por um órgão público ou pelo próprio ofendido, tendo em vista a possibilidade de o juiz iniciá-lo de ofício; o juiz possui poderes de instrução probatória elevados, podendo determinar a produção de quaisquer provas de ofício, ainda que na fase pré-processual, centralizando, destarte, a gestão da prova em suas mãos; tal atividade probatória é justificada pelo princípio da busca pela verdade real; os poderes acusatórios prevalecem sobre os poderes defensivos; o réu não é visto como um sujeito de direitos, mas apenas como objeto do processo e da prova; acentuada relevância à prova advinda da confissão, sendo permitido, por isso, a prática de tortura para a sua consecução; predomina o sigilo, entre outras.
Percebe-se, nesse contexto inquisitivo, que o juiz era o titular dos meios de investigação criminal (sistema do juizado de instrução), coordenando e ditando seus rumos, o que, indubitavelmente, não deve prevalecer no atual Estado Democrático em que vivemos.
Em outro extremo, encontra-se o sistema acusatório, que, de acordo com a doutrina majoritária brasileira, é o adotado em nosso ordenamento jurídico, sendo, após a Lei nº 13.967/2019 (“Pacote Anticrime”), previsto expressamente no art. 3º-A, do Código de Processo Penal e implicitamente na Constituição Federal, ao elencar o Ministério Público como o titular exclusivo da ação penal pública (art. 129, I).
Tal sistema tem como características principais[5]: a separação das funções de acusação, defesa e julgamento; respeito ao contraditório e à ampla defesa; vigora, em regra, a publicidade; aceitação do princípio da presunção de inocência, preponderando, portanto, a regra de que o réu deve ficar em liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória; adoção do livre sistema de produção de provas, não havendo prevalência de uma espécie de prova sobre a outra; o juiz passa a não ter poderes instrutórios oficiosos, havendo uma gestão de prova compartilhada; igualdade material entre a acusação e a defesa; o réu é visto como sujeito de direitos; adoção do duplo grau de jurisdição, entre outras.
Após a adoção do sistema acusatório, principalmente após a consolidação dos direitos e garantias processuais penais da vítima e do investigado/acusado, tanto no âmbito internacional, quanto no âmbito interno, passou-se a estudar qual seria o órgão estatal que teria a capacidade de promover uma investigação criminal de forma efetiva[6], havendo doutrina que designa a polícia judiciária, e outra corrente afirmando que o Ministério Público deve ser o principal ator no campo das investigações criminais.
Passa-se a expor, destarte, os sistemas que estudam a investigação criminal de acordo com o ator que coordena suas atividades.
2.1. Sistema do juizado de instrução (juiz instrutor)
Tal sistema de investigação criminal é centrado na figura do juiz, sendo este o responsável tanto pela condução da apuração a ser levada a efeito, quanto do próprio julgamento da demanda. Percebe-se, nitidamente, a centralidade de todas as figuras do processo na pessoa do juiz inquisidor, que teria suas determinações colocadas em prática por meio da polícia judiciária, não sendo papel desta, portanto, coordenar as investigações criminais, mas apenas executá-las de acordo com o que foi determinado pelo juiz[7].
Tem origem franco-espanhola, sendo inicialmente adotado na França e, posteriormente, na Espanha. Nos tempos atuais, poucos países ainda adotam tal sistema de investigação criminal, principalmente em razão da decadência do sistema acusatório quando do reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais. A Argentina, por exemplo, ainda prevê o juiz como comandante das investigações, havendo a possibilidade o juiz transferir tal incumbência ao Ministério Público.
O sistema em comento já foi adotado em terras tupiniquins, quando da adoção no inquérito judicial, previsto expressamente na antiga Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7661/45), que funcionava como um procedimento preparatório, comandado pelo juiz, para a ação penal quanto aos crimes falimentares, sendo revogado expressamente pela Lei nº 11.101/2005).
Percebe-se que, com a superação do processo inquisitório, tendo como marco principal a necessidade da atuação judicial com imparcialidade, não mais se permite que uma investigação criminal seja coordenada pelo juiz de direito. O ativismo promovido pelo juiz na fase pré-processual, indubitavelmente, interfere na sua percepção quanto aos rumos que a futura ação penal deverá tomar, passando esta a ser alheia à instrução probatória realizada amparada pelo contraditório e pela ampla defesa, agindo, destarte, de forma parcial[8].
2.2. Sistema da polícia judiciária
No sistema da investigação presidida pela polícia judiciária, esta não atua apenas no cumprimento de determinações do Juízes ou dos Membros Ministeriais, mas exercendo papel centralizador, de coordenação e implementação das diretrizes investigativas adotadas de acordo com o entendimento do respectivo Delegado de Polícia.
Adotado como regra no Brasil, os principais argumentos utilizados para defender este modelo de investigação criminal são o menor custo expendido para sua implementação, haja vista a não exigência de elementos humanos com um alto grau de especialização, bem como a maior capilaridade e, por conseguinte, abrangência do trabalho policial, tendo em vista sua presença ao longo de todo o território nacional, o que geraria, consequentemente, uma maior celeridade quando da atuação investigativa[9].
2.3. Sistema do promotor investigador
Em tal modelo, o papel do Ministério Público, além de atuar com os já reconhecidos poderes constitucionais requisitórios (art. 129, VI e VIII, da Constituição Federal de 1988), é de verdadeiro comandante das investigações criminais, estabelecendo suas diretrizes e fixando sua forma de execução.
No Brasil, o sistema do Promotor Investigador é adotado como exceção, sendo permitido pelo próprio Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário nº 593727), que este realize diretamente atividades investigatórias criminais de forma autônoma, não obstante a Polícia Judiciária exercer precipuamente tal função.
Levando em consideração a necessidade de adotar um sistema garantista de investigação, buscando-se atender os anseios do acusado, da vítima e da própria sociedade, passa-se a expor as principais razões que indicam a adoção do sistema de Promotor Investigador como o mais adequado à realidade brasileira, principalmente quando se leva em consideração a própria efetividade das apurações criminais.
3. A NECESSIDADE DE ADOÇÃO DO SISTEMA DO PROMOTOR INVESTIGADOR PARA FINS DE PROMOÇÃO DA EFETIVIDADE DAS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS
O Ministério Público, como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, tendo como objetivo a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui papel de relevantíssimo valor em toda a persecução penal.
Tradicionalmente, colocava-se o Parquet com uma função exclusivamente judicial, tendo como papel principal o recebimento de peças informativas (comumente o inquérito policial) para que, de acordo com seu entendimento e havendo justa causa para tanto, promova o respectivo oferecimento da denúncia criminal, passando a atuar predominante no bojo da vindoura ação penal.
Não obstante, nos últimos, anos, vem se relevando o relevante papel que o Ministério Público exerce ainda na fase pré-processual, pois, sendo ele o titular exclusivo da legitimidade para promover uma ação penal, nada mais lógico que ele centralize a forma como os elementos de informações que embasarão futura denúncia são angariados, selecionando aqueles necessários para tal fim, de forma eficiente e eficaz.
Com isso em mente, o Conselho Nacional do Ministério Público passou a normatizar o Procedimento Investigatório Criminal (inicialmente no bojo da Resolução nº 13/06 e, atualmente, na Resolução nº 181/17), instrumento administrativo que os Membros Ministeriais passaram a utilizar para promover investigações criminais por conta própria, instrumento este considerado plenamente constitucional, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (ADC nº 12).
Assim, delimitados os principais elementos probatórios necessários à futura ação penal, melhor será a apuração e desenvolvimento das atividades investigativas, fomentando-se uma objetividade e uma celeridade maior no campo de tais atividades.
Saliente-se que não está, em nenhum momento, retirando a elevada relevância da atuação da polícia judiciária quando da angariação de elementos de informação. Sua imprescindibilidade é indubitável, e a coordenação das investigações criminais pelo Ministério Público, com sua consulta para ser conduzida a melhor forma de atuação pré-processual não exclui o trabalho que já é feito no bojo de tais corporações, pretendendo-se, portanto, apenas buscar um aprimoramento da atividade persecutória investigativa, que deve ser centralizada no Ministério Público em razão da sua natureza concedida pela própria Constituição Federal.
Com isso em mente, o Conselho Nacional do Ministério Público passou a normatizar o Procedimento Investigatório Criminal (inicialmente no bojo da Resolução nº 13/06 e, atualmente, na Resolução nº 181/17), instrumento administrativo que os Membros Ministeriais passaram a utilizar para promover investigações criminais por conta própria, instrumento este considerado plenamente constitucional, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (ADC nº 12).
Ademais, a efetividade das investigações criminais, perpassa, principalmente, pela própria independência da autoridade pública que as coordena.
Nesse sentido, o Ministério Público, como instituição independente e administrativa e financeiramente autônoma, possui maiores condições de implementar as ações necessárias para que as infrações penais sejam devidamente apuradas e prevenidas.
A polícia judiciária, pode ser hierarquicamente subordinada no campo do poder político, muitas vezes, não possui a autonomia e estruturas necessárias para colocar em ação as melhores práticas investigativas, em quaisquer contextos criminosos, sofrendo comumente ingerências externas quando da sua atuação, o que não ocorre no campo Ministerial, que não passa por qualquer tipo de controle quanto sua atividade-fim ante a constitucionalização do princípio da independência funcional (art. 127, §1º, CF/88)[10].
4. CONCLUSÃO
O sistema de investigação do Promotor Investigador, ante o exposto, revela-se como o meio mais eficaz para se implementar uma maior efetividade na apuração de condutas criminosas, principalmente ante as próprias características concedidas ao Ministério Público pela Constituição Federal de 1988.
Sua independência e autonomia funcional, tanto administrativa como financeira viabilizam a adoção de ferramentas que, em última análise, geram celeridade em tais apurações, tendo em vista uma maior objetividade nos trabalhos implementados, bem como na não adoção de atividades probatórias que não se revelam frutíferas para fins de uma futura ação penal, evitando-se, destarte, gastos de tempo de recursos desnecessários para a efetiva investigação criminal.7
[1]MASSON, Cleber, Direito Penal, pag. 616, 2017.
[2]https://soudapaz.org/wp-content/uploads/2019/11/Instituto-Sou-da-Paz_Onde_Mora_a_Impunidade.pdf – Acesso em 20/01/2024.
[3] ALVES, Leonardo Barreto Moreira, Manual de Processo Penal, p. 205, 2023.
[4] ALVES, Leonardo Barreto Moreira, Manual de Processo Penal, p. 133, 2023.
[5] ALVES, Leonardo Barreto Moreira, Manual de Processo Penal, p. 134-135, 2023.
[6] SOUZA, Alexander Araújo de, A Função Essencial do Ministério Público de Coordenar a Investigação Criminal Pré- Processual, p. 2.
[7]ALVES, Leonardo Barreto Moreira, Manual de Processo Penal, p. 205, 2023.
[8] SOUZA, Alexander Araújo de, A Função Essencial do Ministério Público de Coordenar a Investigação Criminal Pré- Processual, p. 4.
[9] ALVES, Leonardo Barreto Moreira, Manual de Processo Penal, p. 208, 2023.
[10] ALVES, Leonardo Barreto Moreira, Manual de Processo Penal, p. 209, 2023.
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
BARBOSA, Artur Pereira dos Reis. Sistemas de Investigação Criminal e o papel do Promotor Investigador. Revista Di Fatto, Subcategoria Direito, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2024, n. 2, aprovado e publicado em 25/01/2024. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/sistemas-de-investigacao-criminal-e-o-papel-do-promotor-investigador/. Acesso em: 24/04/2025.