A execução dos alimentos indenizatórios: meios coercitivos e limites constitucionais da prisão civil
Autores
Resumo
A prestação de alimentos está intrinsecamente vinculada à proteção do direito fundamental à vida, funcionando como instrumento de amparo às pessoas que não dispõem de meios próprios para garantir sua subsistência, observando-se o binômio necessidade e possibilidade. Todavia, quando a obrigação alimentar decorre de ato ilícito, sua natureza jurídica difere daquela dos alimentos legítimos. Nesse contexto, o presente artigo analisa a constitucionalidade da vedação à prisão civil do devedor de alimentos indenizatórios, examinando as diversas espécies e classificações dos alimentos, suas características e distinções, bem como a aplicação dos meios coercitivos típicos e atípicos na execução dessa obrigação. Também se aborda a interpretação constitucional referente à prisão civil do devedor de alimentos. O estudo fundamenta-se em doutrinas de autores como Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha e Luiz Guilherme Marinoni, além de pesquisa jurisprudencial e artigos científicos sobre o tema.
Palavras-ChavePrisão civil; Alimentos indenizatórios; Meios de execução; Constitucionalidade.
Abstract
The obligation to provide maintenance is intrinsically linked to the protection of the fundamental right to life, serving as a means of support for individuals who lack the resources to sustain themselves, in accordance with the principle of need and ability. However, when maintenance arises from an unlawful act, the nature of the obligation differs from that of legitimate maintenance. In this context, the present paper examines the constitutionality of prohibiting civil imprisonment for debtors of compensatory maintenance, by identifying the different categories of maintenance, their classifications and characteristics, as well as by analyzing the use of typical and atypical coercive measures in the enforcement of compensatory maintenance obligations. The study also discusses the constitutional interpretation regarding the possibility of civil imprisonment in this type of case. The research is grounded on the theoretical framework of authors such as Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, and Luiz Guilherme Marinoni, in addition to jurisprudential analysis and relevant scientific articles.
KeywordsCivil imprisonment; Compensatory maintenance; Enforcement measures; Constitutionality.
1. INTRODUÇÃO
Os alimentos estão intrinsecamente vinculados ao direito fundamental à vida, constituindo garantia essencial às pessoas que não possuem condições de prover o próprio sustento e, por isso, necessitam de auxílio externo para sobreviver. Tal proteção decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana, valor basilar consagrado pela Constituição Federal e assegurado pelo Estado. Assim, o direito alimentar emerge como instrumento de concretização dessa dignidade, pautando-se no binômio necessidade e possibilidade.
Cumpre destacar que a obrigação alimentar não se limita ao âmbito do Direito de Família, podendo também derivar de ato ilícito, de imposição contratual ou de relação jurídica específica. Nessa perspectiva, quando se trata de alimentos indenizatórios decorrentes de ato ilícito, especialmente nos casos em que o ilícito resulta em morte e o dever de indenizar é transferido aos dependentes do falecido, verifica-se que a natureza dessa obrigação difere substancialmente daquela dos alimentos legítimos, cuja origem é legal e decorre de vínculo familiar.
Diante da relevância dessa obrigação, o seu inadimplemento autoriza a adoção de medidas destinadas a assegurar a satisfação do crédito alimentar, mediante a utilização dos meios executivos previstos em lei. Nesse contexto, a prisão civil por dívida alimentar assume papel relevante, funcionando como meio de coerção destinado a garantir o adimplemento da prestação devida ao alimentando, possuindo natureza eminentemente patrimonial.
Entretanto, no tocante aos alimentos indenizatórios oriundos de ato ilícito, há peculiaridades que os distinguem das demais espécies de obrigação alimentar, o que enseja divergências interpretativas sobre a possibilidade de aplicação de medidas coercitivas atípicas. Surge, então, o debate quanto à constitucionalidade da prisão civil como instrumento de coerção aplicável ao devedor de alimentos de natureza indenizatória.
Sob essa ótica, os alimentos indenizatórios equiparam-se à prestação alimentar apenas para fins de apuração do valor da indenização e definição dos respectivos beneficiários. Assim, a execução desse tipo de obrigação deve ocorrer por meios executivos próprios, distintos daqueles tradicionalmente empregados nas prestações alimentares legítimas. Em razão de envolver restrição à liberdade, a decretação de prisão civil nesses casos deve ser interpretada de forma estrita, a fim de evitar que a norma se converta em violação a direitos e garantias fundamentais.
Outro aspecto relevante consiste na distinção entre alimentos legítimos e indenizatórios. Embora ambos possuam a mesma finalidade, assegurar a subsistência e a dignidade do alimentando, diferem quanto à sua natureza jurídica: os primeiros se inserem na esfera do direito público e refletem interesse social, enquanto os segundos pertencem à seara do direito privado, vinculando-se a obrigações de caráter patrimonial e negocial.
Assim, embora seja cabível a adoção de medidas executivas coercitivas para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação indenizatória, a prisão civil, por seu caráter excepcional, deve ser aplicada com parcimônia e dentro dos limites constitucionais.
2. Desenvolvimento
2.1 As diversas formas de espécie de alimentos, suas classificações e respectivas características.
Os alimentos podem ser classificados sob diversos critérios, como a origem, a estabilidade, a natureza e o momento de exigibilidade. No que se refere à origem, eles se subdividem em legítimos, voluntários e indenizatórios.
Os alimentos legítimos são aqueles que decorrem diretamente da lei, sendo devidos em virtude de vínculo de parentesco, casamento ou união estável. Já os alimentos voluntários têm fundamento na vontade das partes, resultando de negócio jurídico inter vivos ou mortis causa, como, por exemplo, o legado de alimentos previsto em testamento. Por sua vez, os alimentos indenizatórios são fixados como forma de reparação por danos oriundos de ato ilícito, assemelhando-se à prestação alimentar apenas para fins de apuração do valor e definição dos respectivos beneficiários (DIDIER JR; CUNHA et al, 2017).
Aprofundando a análise anteriormente exposta, Pereira (2018) destaca que os alimentos legítimos correspondem àqueles decorrentes do vínculo de parentesco, configurando-se como obrigações destinadas a suprir as necessidades básicas de quem não dispõe de recursos próprios para garantir a própria subsistência. Em outras palavras, têm por finalidade assegurar ao credor da prestação o mínimo existencial necessário à preservação de uma vida digna.
Por outro lado, os alimentos indenizatórios possuem natureza diversa, pois seu fato gerador está associado à prática de ato ilícito. Nesses casos, a obrigação surge como forma de reparação civil, podendo decorrer tanto de situações que resultam em morte, hipótese em que o dever de indenizar se transfere aos dependentes da vítima, quanto de casos em que o ilícito causa incapacidade permanente ou temporária à pessoa lesada.
Em se tratando da estabilidade dos alimentos, eles podem ser definitivos que são estabelecidos por sentença judicial transitado em julgado ou decorrente de acordo homologado pelo juiz, bem como, podem ser caracterizados como provisionais/provisórios que são alimentos fixados antecipadamente ou incidental, ou seja, são concedidos antes do julgamento final da causa, no entanto, a execução de ambas as classificações precisam estar vinculadas as regras de cumprimento de sentença para prestação de alimentos (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017, p. 62).
Já em relação à natureza Didier; Cunha et al (2017) definem como naturais sendo os alimentos essenciais/vitais para sobrevivência do indivíduo e para a sua subsistência, como forma de contemplar o exercício e desenvolvimento da dignidade da pessoa humana. Além disso, há os alimentos civis que abrangem elementos que vão além das necessidades vitais da pessoa humana, suprindo os anseios morais e intelectuais.
Por fim, quanto ao momento da prestação, os alimentos podem ser classificados em pretéritos e futuros. Os alimentos pretéritos correspondem àqueles que deveriam ter sido pagos antes da fixação judicial ou convencional da obrigação, sendo, portanto, as parcelas vencidas e não satisfeitas desde a constituição do dever alimentar. Já os alimentos futuros referem-se às prestações devidas a partir da sentença transitada em julgado, da decisão interlocutória ou do acordo homologado judicialmente que estabeleceu a obrigação.
Cumpre ressaltar que essa distinção possui relevante repercussão prática, especialmente quanto à possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos, uma vez que somente os alimentos vencidos e não pagos e não os pretéritos acumulados. legitimam a decretação dessa medida coercitiva (AGOSTINI, 2017, p. 12-13).
2.2 A aplicação dos meios coercitivos típicos e atípicos as execuções de prestação alimentícia dos alimentos indenizativos.
A partir do momento em que o direito do alimentando é reconhecido e fixado judicialmente, impõe-se ao alimentante o dever de cumprir pontualmente as prestações estabelecidas na sentença ou no acordo homologado. O adimplemento dessa obrigação é essencial para garantir a efetividade da tutela jurisdicional e a proteção do direito à subsistência do beneficiário.
Entretanto, caso o devedor descumpra o que foi determinado, o credor de alimentos possui o direito de exigir o cumprimento forçado da obrigação, podendo valer-se dos instrumentos legais disponíveis para assegurar o pagamento devido. Assim, diante do inadimplemento voluntário, admite-se a utilização de meios coercitivos típicos e atípicos, destinados a compelir o devedor ao adimplemento da prestação alimentar e a preservar a finalidade social da obrigação.
O legislador estipulou três formas de execução de o credor alcançar o cumprimento da obrigação alimentar, em razão da relevância e necessidade da prestação alimentar ser efetivada, assim, se tem: o desconto em folha de pagamento, a coerção por meio da prisão civil e a expropriação. De acordo com Didier; Cunha et al (2017) não é estabelecido uma ordem legal de preferência ou hierarquia entre as formas executivas, mas o meio a ser utilizado deve observar a melhor forma para a tutela efetiva ao credor e a menor onerosidade para o devedor.
O desconto em folha é uma técnica processual executiva sub-rogatória e pode ser imposta no cumprimento de sentença ou no processo de execução, sendo um dos meios destacados pelo legislador precedente a imposição das medidas coercitiva, pois, no ato de cumprimento da prestação se faz necessário que a melhor técnica executiva seja eficiente para garantir o crédito ao exequente e menos onerosa para o executado. Nisso, é importante destacar que o Código de Processo Civil no artigo 833, inciso IV, estabeleceu:
“os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o” (BRASIL, 2018).
Assim, o artigo estabeleceu a impenhorabilidade de salários, subsídios e outras formas de remuneração, no entanto, o § 2° do mesmo artigo, garante que não se aplica à hipótese de impenhorabilidade para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais (ABELHA, 2015, p. 513).
O desconto em folha de pagamento constitui, em regra, uma forma prática e eficaz de assegurar o cumprimento da obrigação alimentar. Todavia, sua aplicação nem sempre é possível, especialmente nos casos em que o devedor exerce atividades de difícil aferição de rendimentos mensais, como ocorre com profissionais liberais, autônomos, artistas e outras categorias que não possuem vínculo empregatício formal. Nessas hipóteses, a ausência de remuneração fixa inviabiliza a adoção do desconto direto, exigindo a utilização de outros meios executivos.
No que se refere à expropriação de bens, trata-se de uma das medidas mais usuais na execução de alimentos, regida pelos mesmos princípios aplicáveis ao cumprimento de sentença que impõe o pagamento de quantia certa. Nessa modalidade, procede-se inicialmente à penhora e avaliação dos bens do devedor, que poderão ser alienados judicialmente, revertendo-se o valor obtido para a quitação do débito alimentar (PEREIRA, 2017).
Consoante observam Didier Jr. e Cunha et al. (2017), o exequente não está vinculado à adoção da expropriação de bens como via única para satisfação do crédito, competindo-lhe escolher o meio processual que melhor assegure a efetividade da prestação alimentar. Contudo, os autores salientam que a técnica expropriatória revela-se particularmente eficiente nos casos em que se verifica a liquidez patrimonial do executado ou de seu garantidor, permitindo a rápida conversão de bens em valores destinados ao cumprimento da obrigação.
Já em relação à prisão civil, de acordo com Theodoro Júnior (2017) não se trata de um meio de execução propriamente dito e sim, uma coação que não impede a penhora dos bens do devedor e o seguimento dos atos de execução. Sendo certo afirmar que não cabe ao juiz decretá-la de ofício, cabendo ao credor observar sua necessidade em relação à obrigação alimentícia, no entanto, a prisão só é cabível nos casos de alimentos legítimos e convencionais, mas não no caso de inadimplemento de alimento indenizativo.
Por fim, em se tratando de alimentos indenizativos é importante destacar uma peculiaridade em relação à execução, que se relaciona a constituição de renda, já que, o juiz poderá condenar, mediante requerimento do exequente, o executado a constituir renda que irá assegurar o cumprimento da obrigação, ou seja, se trata de uma forma em que os frutos do capital sirvam para assegurar o pagamento da dívida (DIDIER JR; CUNHA et al, 2017).
Abelha (2015, p. 513), reconhece constituição de capital para pagamento de indenização por ato ilícito como outra técnica executiva aplicável à execução da prestação alimentícia, presente no artigo 533 do Código de Processo Civil. Essa técnica processual se aplica apenas as modalidades de alimentos de vínculo indenizatório que não pode ser determinada pelo juiz, e sim, apenas pelo requerimento das partes. Essa técnica de prestação tem como objeto de garantir que no futuro haja o cumprimento da obrigação pelo devedor do crédito do valor mensal da pensão, sendo certo que o capital que constitua renda possibilite o pagamento mensal das prestações alimentares. Desta forma, o capital constituído decorre do patrimônio do devedor que estará sujeito à inalienabilidade e impenhorabilidade, embora continue ao domínio do executado. Assim, diante incertezas e alterações econômica, tal técnica executiva mostra-se de extrema importância para assegurar cumprimento da obrigação alimentar indenizatória.
Atualmente, observam-se novas medidas coercitivas voltadas à efetivação das obrigações alimentares, entre as quais se destacam o protesto do título executivo judicial e a inscrição do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes. Essas medidas visam reforçar a efetividade do cumprimento da sentença e ampliar os mecanismos de pressão legítima sobre o devedor.
A previsão do protesto possui caráter abrangente, aplicando-se a todas as hipóteses de cumprimento de sentença. Sua distinção, contudo, reside em sua força cogente, uma vez que o magistrado pode determinar o protesto de ofício, com o objetivo de compelir o devedor ao adimplemento da obrigação. Na regra geral, ao contrário, o protesto constitui mera faculdade do credor, que pode, se assim desejar, promover as diligências necessárias para sua efetivação (VALLADÃO, 2015).
Entre as inovações mais relevantes e debatidas introduzidas pelo Código de Processo Civil de 2015, destaca-se a denominada cláusula geral de efetivação, que confere ao juiz a possibilidade de adotar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de suas decisões, inclusive quando o objeto da obrigação envolver prestação pecuniária (BRASIL, 2018). Tal previsão amplia os poderes jurisdicionais em matéria executiva, permitindo que o julgador determine providências adequadas e proporcionais à efetivação da tutela jurisdicional.
2.3 A interpretação constitucional da prisão civil do devedor de alimentos.
A Constituição Federal permite, em seu art. 5º, LXVII, como exceção, a prisão civil por dívida do devedor de alimentos, a medida se justificaria porque o instituto dos alimentos tem por base valores importante como dignidade, urgência e solidariedade humana que são vetores interpretativos primordiais. Assim temos que a questão que sempre foi debatida entre os civilistas e processualistas diz respeito à possibilidade de se pleitear a prisão civil do devedor de alimentos indenizatórios, com base nesse dispositivo constitucional. A jurisprudência vinha se posicionando de forma diversa a sua viabilidade, sendo a única hipótese fundamentada nos alimentos familiares, devidos em caso de parentesco, casamento ou união estável (TARTUCE 2016).
Sobre a prisão civil do devedor, preconiza que ela é um instrumento, um meio executivo de finalidade econômica, que pretende de forma extrema forçar o executado a cumprir a obrigação para fim de evitar a sua prisão, ou seja, prende-se não para puni-lo, como se fosse um criminoso, mas para coagi-lo indiretamente a pagar, sendo uma medida vexatória e seus efeitos danosos para quem sofre (PINTO, 2017).
Assim, quando falamos em dignidade da pessoa humana, envolvemos os conceitos de direitos fundamentais, que são inerentes a todos, e direitos humanos, em face à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que o Brasil é signatário. E segundo as lições de Alexandre de Morais (2003), esse fundamento afasta a ideia de predomínio da privatização da liberdade individual em detrimento de outros direitos, ou seja, é uma dignidade que tem valor moral e espiritual inerente à pessoa, de forma que só de maneira excepcional possa se fazer limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Além do mais, o próprio Código Civil, disponibiliza de diversos meios típicos e atípicos para se prestar a obrigação, como por exemplo, os meios de coerção patrimonial, multas diárias, desconto na folha de pagamento, penhora de bens, e o legislador ainda inovou com o advento do artigo 782, §3º do NCPC, que prevê a hipótese de inclusão do executado em cadastro de inadimplentes, mediante requerimento da parte e acolhimento pelo magistrado, sendo necessária uma decisão judicial expressa. Ou seja, todos meios alternativos à prisão civil, que colide com princípios de direito supralegais positivados na própria (LOPES, 2018).
Compreende-se, ainda, que não há termos supérfluos nem lacunas no texto constitucional. Assim, quando o legislador prevê como única exceção à vedação da prisão civil o caso do devedor de alimentos, sem distinguir a origem da obrigação, deve-se interpretar tal dispositivo à luz do caso concreto e conforme a orientação consolidada da doutrina e da jurisprudência. Nesse sentido, entende-se que apenas os devedores de alimentos legítimos se enquadram na hipótese excepcional autorizadora da prisão civil.
Segundo Gois (2018), os alimentos legítimos são fixados com base no binômio necessidade e possibilidade, o que justifica a adoção da coerção civil, pois se trata de garantir a própria sobrevivência do alimentando, sendo presumida a má-fé do inadimplemento. Por outro lado, os alimentos indenizatórios decorrem de ato ilícito e são determinados conforme o dano efetivamente causado, independentemente da capacidade econômica do devedor, que pode, inclusive, encontrar-se em situação de hipossuficiência.
Por essas razões, a maior parte da doutrina defende uma interpretação restritiva do dispositivo constitucional, entendimento esse que se encontra consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual tem reiteradamente afirmado que a prisão civil não alcança os devedores de alimentos de natureza indenizatória.
Por outro lado, há uma corrente doutrinária que sustenta ser o silêncio do legislador intencional e significativo, entendendo que a prisão civil poderia ser aplicada a qualquer espécie de obrigação alimentar, inclusive àquelas de natureza indenizatória, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana do alimentando.
Todavia, ao se realizar a necessária ponderação entre direitos fundamentais, torna-se inegável que a liberdade individual constitui um dos bens mais valiosos do ser humano, devendo ser restringida apenas em situações excepcionais e devidamente justificadas. A própria norma constitucional prevê outros mecanismos executivos capazes de garantir a efetividade do crédito alimentar sem a necessidade de privação da liberdade. Assim, o verdadeiro propósito do texto constitucional não é autorizar a prisão civil por dívida, mas, ao contrário, vedá-la, permitindo-a apenas na hipótese excepcional expressamente ressalvada pelo próprio constituinte (GOIS, 2018).
3. CONCLUSÃO
Conforme exposto nas linhas introdutórias, os alimentos estão intrinsecamente vinculados ao direito à vida e possuem previsão constitucional, destinando-se a assegurar a subsistência daqueles que não dispõem de meios próprios de manutenção. Assim, a obrigação alimentar não se restringe ao âmbito do Direito de Família, podendo igualmente derivar da prática de ato ilícito. Dada a relevância dessa obrigação para a proteção da dignidade humana, o inadimplemento das prestações alimentares enseja a adoção de medidas executivas destinadas à satisfação do crédito, dentre as quais se discute a possibilidade de decretação de prisão civil do devedor de alimentos indenizatórios.
Verificou-se, ao longo da análise, que doutrina e jurisprudência não apresentam entendimento uniforme sobre a matéria. O princípio da dignidade da pessoa humana, nesse contexto, tem sido invocado tanto para sustentar a viabilidade da prisão civil quanto para fundamentar sua inaplicabilidade aos alimentos de natureza indenizatória.
Considerando os fundamentos favoráveis e contrários à medida, e diante da gravidade que envolve a restrição da liberdade, entende-se que não é possível estender a prisão civil aos devedores de alimentos indenizatórios. É certo que, independentemente da causa jurídica, os alimentos têm por finalidade essencial suprir as necessidades básicas daqueles que não podem fazê-lo por conta própria, e que os credores de alimentos indenizatórios também se encontram em condição de vulnerabilidade, em virtude da redução de sua capacidade de sustento.
Todavia, à luz dos critérios de proporcionalidade e razoabilidade, a prisão civil, mesmo no âmbito do Direito de Família, configura-se como medida extrema, aplicável apenas em última instância. Trata-se de uma coerção excepcional, que restringe o direito de locomoção e, paradoxalmente, pode dificultar o cumprimento da própria obrigação, embora exerça função de estímulo ao pagamento.
Dessa forma, mostra-se mais adequado que o magistrado se utilize de meios coercitivos atípicos, como bloqueio de ativos financeiros, suspensão de passaporte ou restrição de crédito, para garantir a efetividade da execução dos alimentos indenizatórios. Tais mecanismos, contudo, não legitimam a prisão civil, cuja aplicação encontra respaldo apenas nas hipóteses expressamente previstas no ordenamento jurídico e restritas às obrigações alimentares de natureza familiar.
Ressalte-se que o juiz dispõe de instrumentos coercitivos eficazes, mas nem todos possuem amparo legal ou observam o devido equilíbrio entre os direitos fundamentais em jogo, qualquer medida que importe violação ou sacrifício desproporcional de garantias inerentes à pessoa humana deve ser reputada ilegal e abusiva. O próprio legislador já previu alternativas adequadas à satisfação do crédito alimentar, razão pela qual se mostra inconstitucional a interpretação que admite a prisão civil nos casos de alimentos decorrentes de ato ilícito, limitando-se essa possibilidade aos devedores de alimentos originários do Direito de Família.
Por fim, o presente artigo não tem a pretensão de esgotar a matéria, mas de fomentar o debate e propor reflexões sobre caminhos interpretativos possíveis, sempre orientados pelos princípios constitucionais e pelos valores consagrados no Estado Democrático de Direito, buscando uma solução equilibrada e coerente com a proteção integral da dignidade da pessoa humana.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
SANTOS, Samanda Pereira. A execução dos alimentos indenizatórios: meios coercitivos e limites constitucionais da prisão civil. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17475778, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 29/10/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/os-limites-dos-meios-atipicos-de-execucao-constitucionalidade-do-impedimento-de-prisao-civil-do-devedor-de-alimentos-indenizativos/. Acesso em: 13/12/2025.
