O instituto da reclamação nos juizados especiais de causa cível
Autores
Resumo
O trabalho apresenta um estudo sobre o instituto da reclamação no processo civil brasileiro, especialmente sua aplicação no microssistema dos Juizados Especiais Cíveis. Inicialmente, expõe-se o tratamento legal conferido pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código de Processo Civil de 2015, bem como a natureza jurídica, cabimento, legitimidade e efeitos da reclamação. Em seguida, analisa-se sua incidência específica nos Juizados Especiais, destacando-se as controvérsias envolvendo a possibilidade de seu uso perante o STF e o STJ, especialmente no contexto da uniformização da jurisprudência. O estudo também aborda a evolução normativa, como as Resoluções 12/2009 e 3/2016 do STJ, e os entendimentos atuais sobre a competência dos Tribunais de Justiça para o julgamento de reclamações oriundas das Turmas Recursais. Por fim, enfatiza-se a relevância do instituto para a preservação da autoridade das decisões judiciais e a necessidade de aprimoramento legislativo e jurisprudencial.
Palavras-ChaveReclamação; Juizados Especiais; Processo Civil; STF; STJ; Uniformização de Jurisprudência.
Abstract
This paper presents a study on the legal mechanism known as "reclamação" (claim) within Brazilian civil procedure, with a particular focus on its application in the Special Civil Courts system. It first outlines the constitutional and statutory framework set forth by the 1988 Federal Constitution and the 2015 Code of Civil Procedure, addressing the legal nature, admissibility, standing, and effects of the claim. The paper then examines its specific applicability to the Special Civil Courts, highlighting ongoing controversies about its use before the Supreme Federal Court (STF) and the Superior Court of Justice (STJ), especially regarding case law uniformity. The analysis also covers the evolution of relevant regulations, including STJ Resolutions 12/2009 and 3/2016, and discusses current understandings of the jurisdiction of State Courts to adjudicate claims arising from the Recursal Panels. Lastly, the study underscores the importance of the mechanism for preserving judicial authority and stresses the need for legislative and jurisprudential improvements.
Keywords“Complaint; Small Claims Courts; Civil Procedure; Supreme Federal Court (STF); Superior Court of Justice (STJ); Uniformization of Case Law.”
1 – Introdução
O presente trabalho tem como objetivo principal a realização de um estudo e posterior explanação sobre a temática do instituto processual da reclamação aplicada ao microssistema jurídico dos juizados especiais.
Será feito inicialmente uma abordagem teórica sobre a reclamação propriamente dita, apresentando as suas principais normativas e o tratamento legal dado pelo Novo Código de Processo Civil de 2015. Combinada ainda com a interpretação do assunto trazida pelos principais doutrinadores nacionais.
Posteriormente será exposta a incidência específica do instituto estudado nos juizados especiais. Na qual serão apontadas as controvérsias acerca da temática, as nuances para que seja possível a aplicabilidade em tais casos e o entendimento das Cortes Superiores sobre o assunto.
2 – Sobre a reclamação
O instituto da reclamação recebe tratamento legal dispensado pelo CPC/15 no seu Livro III (Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais), Título I (Da ordem dos processos de competência originária dos tribunais) nos artigos 988 a 993. Não se trata, portanto, de um recurso propriamente dito, mas pode ter efeitos semelhantes aos do sistema recursal do ordenamento jurídico brasileiro. (THEODORO, 2020)
A própria Constituição Federal de 1988 aborda o tema ao garantir como competência originária do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, l) e do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, f) para processar e julgar reclamações com finalidade de preservação de sua competência e autoridade de suas decisões.
É configurado, desta forma, um mecanismo para que as mais altas cortes do país possam ser acionadas em casos de atos ou decisões ofensivas à sua competência ou força de seus julgados.
O entendimento atual do STF vai no sentido de considerar a Reclamação como um derivado direto do direito de petição disposto no art. 5º, XXXIV da CRFB/88 e por isso pode ser aplicado da mesma forma nas constituições estaduais. Preservando também o princípio da simetria e da efetividade das decisões judiciais, uma vez que há uma maior celeridade trazida pelo instituto para tais questões no Tribunal de Justiça local ou dos Tribunais Regionais Federais com relação aos juízes a eles vinculados. Entendimento positivado pelo NCPC/15 no art. 988, § 1º. (HOUAISS e NETO, 2018)
A reclamação, ao contrário sensu, não é considerada pela doutrina como um mero recurso. Isso ocorre devido ao fato de seus efeitos atingirem decisões judiciais e, também, qualquer ato de poder (desde que enquadrados no rol disposto nos incisos do art. 988 do CPC/15), conferindo ao instituto efeito muito mais amplo que àqueles inerentes aos recursos nos processos judiciais. (HOUAISS e NETO, 2018)
Consequentemente, a doutrina vem atribuir a natureza jurídica da reclamação como um direito de ação, que pode inclusive ser aplicado ao mesmo tempo que um eventual recurso do processo que é seu objeto.
No tocante ao cabimento do instituto é imperioso recorrer ao texto legal que dispõe sobre as hipóteses em que este poderia ser observado. In verbis:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I – preservar a competência do tribunal;
II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;
Quanto à abrangência da reclamação, os atos que podem ser objeto da ação podem ser tanto do poder judiciário quanto da Administração Pública de modo geral. Tendo sempre como objetivo a preservação de insubordinações frente a decisões judiciais proferidas pelo poder judiciário em seus órgãos superiores. (HOUAISS e NETO, 2018)
Preservando assim a força das decisões judiciais para a formação de uma jurisprudência mais consolidada no ordenamento jurídico brasileiro e garantir a todos uma estabilidade em termos de segurança jurídica dos julgados.
Os casos de inadmissibilidade são igualmente positivados pela codificação processual civil brasileira no art. 988, § 5º. Neste está a hipótese de propositura de reclamação após o trânsito em julgado da decisão reclamada e nos casos em que não foram esgotadas todas as instâncias ordinárias do processo reclamado, desde que a tese ferida pela decisão judicial seja fruto de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou em julgamentos de recurso extraordinário e especial repetitivos. In verbis:
§ 5º É inadmissível a reclamação:
I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada;
II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
Além disso, é fato que não fica prejudicada uma eventual interposição de reclamação mesmo que ainda seja possível atuar mediante via diversa por meio de outros remédios processuais como é o caso do mandado de segurança.
Tal faculdade decorre do sistema de tutelas diferenciadas, que tem respaldo na teoria da justa e efetiva tutela jurisdicional dos direitos prejudicados, presente no processo civil contemporâneo. (HOUAISS e NETO, 2018)
Os legitimados ativos para a propositura do instituto objeto do trabalho estão descritos no caput do art. 988 do Código de Processo Civil de 2015, sendo eles a parte interessada e o Ministério Público. Ademais, para que determinado indivíduo possa ser considerado como parte interessada, o entendimento dominante é que este deve ser o alvo prejudicado pela decisão que deslegitima determinado entendimento dos tribunais.
No polo passivo deve configurar aquele que praticou o ato que foi impugnado, podendo ser autoridade judicial ou administrativa, como disposto no art. 103-A, § 3º da CRFB/88, que também trata da incidência do instituto em matéria de súmulas vinculantes, e ampliado pelo CPC/15 para o caso dos recursos repetitivos ou incidentes de assunção de competência.
Ainda, com a emenda constitucional de número 92/2016 foi introduzido na Carta da República o art. 111-A, que trata em seu parágrafo 3º a possibilidade do uso da reclamação para a observância da competência e da autoridade das decisões do Superior Tribunal do Trabalho (TST).
Caso a demanda de reclamação seja acolhida pelo tribunal as consequências serão a imediata cassação da decisão violadora ou determinará, adequadamente a solução da controvérsia, determinando ao presidente do tribunal o cumprimento da decisão e posterior lavratura do acórdão. Como dispõe o CPC/15 nos seus artigos 992 e 993.
Há ainda a divisão classificatória da reclamação em correcional e jurisprudencial. A reclamação correcional é uma medida administrativa e disciplinar com função jurídica e política. Esta visa a preservação dos julgados dos órgãos superiores permitindo a invalidação de atos nocivos à boa sistemática das decisões judiciais. A reclamação jurisprudencial tem um caráter mais próximo de uma ação autônoma de conhecimento com competência para julgamento e processamento originária dos tribunais superiores. Esta é fruto de uma garantia processual disposta na constituição, portanto, independe de ação principal para ocorrer. Atua, dessa forma, com a finalidade última de preservar a higidez do ordenamento jurídico e promover a segurança das decisões judiciais. (HOUAISS e NETO, 2018)
As hipóteses em que pode ser aplicada a última modalidade são a inobservância de súmulas vinculantes, decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade, teses jurídicas decorrentes de julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.
3 – A reclamação nos Juizados Especiais Cíveis
No microssistema dos Juizados Especiais o instituto da reclamação também pode ser aplicado, ressalvadas, por óbvio, determinadas nuances inerentes aos referidos órgãos, como por exemplo a existência das Turmas Recursais dos Juizados, que ora são consideradas como 2º grau de jurisdição e ora como mera 2º instância a depender do tratamento doutrinário. (ROCHA, 2019)
Nesses casos especificamente o entendimento caminha no sentido de conferir às decisões proferidas nos Juizados Especiais e nas Turmas Recursais a possibilidade de reclamação ao STF. (JAYME, LEROY e SILVEIRA, 2016)
As normativas legais positivadas na hipótese proposta também não diferem da justiça comum ordinária, são aplicadas as disposições dos art. 988 a 993 da Codificação Processual Civil brasileira, o art. 7º da lei 11.417/2009 e os art. 156 a 162 do regimento interno do próprio Supremo Tribunal Federal.
No tocante ao procedimento, a reclamação deve ser ajuizada perante o STF por meio de petição redigida por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil no prazo de 15 dias ainda que não tenha sido feito o devido preparo para o recolhimento das custas processuais.
Caso ocorra a rejeição liminar do pedido cabe ainda o agravo de instrumento como recurso cabível para tutelar os interesses do reclamante. Caso seja admitida, o relator do caso pode conferir medida liminar para evitar maiores efeitos danosos, pedir informações e ouvir o representante do Ministério Público ou a parte contrária. Não sendo o caso de julgamento monocrático, o relator do caso vai submeter a matéria ao plenário para ser apreciada.
Diante de um eventual acolhimento da reclamação pelo tribunal competente, este determinará a anulação do ato administrativo e cassação da decisão judicial reclamada. Podendo ainda substituir o ato guerreado por outro ou determinar que o órgão competente o faça.
Ocorre controvérsia ainda quanto ao entendimento acerca do cabimento de reclamação para o Superior Tribunal de Justiça de decisões provenientes dos juizados especiais e das turmas recursais. (COELHO, 2019)
Tal problemática ocorre devido à ausência de ligação direta por controle das decisões dos juizados e conexos em face do STJ por meio de recurso especial, por exemplo, tendo em vista que as turmas recursais dos juizados não são tribunais e por isso não admitem recurso especial de competência do STJ. (HOUAISS e NETO, 2018)
A problemática em questão foi mitigada pela decisão proferida pelo tribunal pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 571.572/BA. Nesta, buscou-se alterar os mecanismos de controle que regem o microssistema dos juizados em face do Superior Tribunal de Justiça. (HOUAISS e NETO, 2018)
Segue o teor da ementa do caso da questão in verbis:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO ÀS CONTROVÉRSIAS SUBMETIDAS AOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS. RECLAMAÇÃO PARA O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CABIMENTO EXCEPCIONAL ENQUANTO NÃO CRIADO, POR LEI FEDERAL, O ÓRGÃO UNIFORMIZADOR. 1. No julgamento do recurso extraordinário interposto pela embargante, o Plenário desta Suprema Corte apreciou satisfatoriamente os pontos por ela questionados, tendo concluído: que constitui questão infraconstitucional a discriminação dos pulsos telefônicos excedentes nas contas telefônicas; que compete à Justiça Estadual a sua apreciação; e que é possível o julgamento da referida matéria no âmbito dos juizados em virtude da ausência de complexidade probatória. Não há, assim, qualquer omissão a ser sanada. 2. Quanto ao pedido de aplicação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, observe-se que aquela egrégia Corte foi incumbida pela Carta Magna da missão de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional, embora seja inadmissível a interposição de recurso especial contra as decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais. 3. No âmbito federal, a Lei 10.259/2001 criou a Turma de Uniformização da Jurisprudência, que pode ser acionada quando a decisão da turma recursal contrariar a jurisprudência do STJ. É possível, ainda, a provocação dessa Corte Superior após o julgamento da matéria pela citada Turma de Uniformização. 4. Inexistência de órgão uniformizador no âmbito dos juizados estaduais, circunstância que inviabiliza a aplicação da jurisprudência do STJ. Risco de manutenção de decisões divergentes quanto à interpretação da legislação federal, gerando insegurança jurídica e uma prestação jurisdicional incompleta, em decorrência da inexistência de outro meio eficaz para resolvê-la. 5. Embargos declaratórios acolhidos apenas para declarar o cabimento, em caráter excepcional, da reclamação prevista no art. 105, I, f, da Constituição Federal, para fazer prevalecer, até a criação da turma de uniformização dos juizados especiais estaduais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação infraconstitucional.
Em suma, foi determinado que enquanto não fosse criado um sistema com turmas para a uniformização de jurisprudência no âmbito dos juizados especiais estaduais, seria cabível o instituto denominado “reclamação constitucional”.
Devido aos efeitos de tal mecanismo as decisões proferidas pelo colegiado das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais podem ser reclamadas ao Superior Tribunal de Justiça. Desde que ocorra uma violação evidente à jurisprudência consolidada sobre a interpretação da lei federal envolvida. (JAYME, LEROY e SILVEIRA, 2016)
Instituto posteriormente regulado pelo STJ por meio da resolução 12/2009. Esta deixa expresso que a reclamação seria cabível para a resolução de controvérsias de direito material entre os acórdãos provenientes das Turmas Recursais dos Juizados especiais estaduais e a jurisprudência do STJ que estão dispostas em súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais repetitivos. (HOUAISS e NETO, 2018)
Contudo, com o avanço da doutrina, jurisprudência e a edição do Novo Código de Processo Civil de 2015 o STJ revoga tal normativa e edita a Resolução 03/2016. Nesta foi deslocada para as Seções Especializadas ou Câmaras Reunidas dos Tribunais de Justiça a competência para julgar as reclamações que têm como origem as decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais.(JAYME, LEROY e SILVEIRA, 2016)
A referida normativa recente é alvo de demasiadas críticas por parte da doutrina contemporânea brasileira. Alega-se que a edição desta nova regulamentação é uma afronta direta ao comando original do STF no acórdão do já mencionado ED Rext 571.572/BA. Fato que configura também uma violação à competência legislativa constitucional para legislar sobre direito processual conforme o disposto no art. 22, I da CRFB/88 e art. 988, § 1º do CPC/15. (HOUAISS e NETO, 2018)
Tal problemática recente vem trazendo entendimentos para ambos os lados, ora privilegiando como órgão competente o STJ, ora os Tribunais de Justiça Estaduais.
Fato que leva diversos Tribunais de Justiça dos Estados a suscitar perante o Supremo Tribunal Federal o conflito negativo de competência com o Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar as reclamações oriundas das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais. (HOUAISS e NETO, 2018)
Diante de tais questionamentos o Supremo Tribunal Federal vem negando a existência de qualquer conflito de competência entre os Tribunais de Justiça estaduais e o STJ pelo fato deste estar em uma posição hierarquicamente superior.
Portanto, atualmente, quem detém a competência para processar e julgar a reclamação de Decisões proferidas pelas Turmas Recursais de Juizados Especiais Estaduais são as Seções Especializadas ou Câmaras Reunidas dos Tribunais de Justiça.
É relevante ainda ressaltar o caso particular dos Juizados Especiais Federais e Fazendários.
Nestes, não é latente a problemática de uniformização de jurisprudências realizadas pelo STJ. Isso porque as suas leis originais de criação têm previsões específicas para o Incidente de Uniformização de Jurisprudências (IUJ). Tal instituto é cabível no momento em que a decisão proferida pela turma recursal contraria o julgamento da mesma matéria pelas turmas do STJ. (JAYME, LEROY e SILVEIRA, 2016)
Fato que mitiga a necessidade do mecanismo da reclamação aplicável à justiça comum ordinária. Contudo, o fato de os Juizados Especiais Estaduais não contarem com a incidência do IUJ, foi imperioso que o STF criasse a sistemática especial da denominada “Reclamação Constitucional”, que não foi aplicada para os casos especiais dos Juizados Fazendários e Federais, por já contarem com um mecanismo próprio para a uniformização da jurisprudência e manutenção da higidez da interpretação do ordenamento jurídico brasileiro. (ROCHA, 2019)
4 – O pedido de uniformização de jurisprudência
A problemática apontada para os juizados especiais de causa cível foi superada a partir da instituição de procedimentos próprios e específicos para os juizados especiais da fazenda pública estaduais e juizados especiais federais. Trata-se dos pedidos de uniformização de jurisprudência, doravante “PUIL”.
Instituto que não tem sido aplicado aos juizados especiais cíveis, em que pese seja reconhecida a existência jurisprudencial e doutrinariamente do chamado microssistema de juizados especiais brasileiros. Isso em virtude da especificidade dos procedimentos e do silêncio eloquente da lei de nº 9099/95 face às previsões das leis de nº 10259/01 (art. 14) e 12153/09 (art. 19).
Dessa forma, no caso de acórdão de turma recursal dos juizados especiais federais ou da fazenda pública é cabível o “PUIL” quando contrariar súmula do STJ ou sua jurisprudência dominante, nos seguintes termos no seguinte rito:
Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.
§ 1o O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.
§ 2o O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.
§ 3o A reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica.
§ 4o Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.
§ 5o No caso do § 4o, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.
§ 6o Eventuais pedidos de uniformização idênticos, recebidos subseqüentemente em quaisquer Turmas Recursais, ficarão retidos nos autos, aguardando-se pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.
§ 7o Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias.
§ 8o Decorridos os prazos referidos no § 7o, o relator incluirá o pedido em pauta na Seção, com preferência sobre todos os demais feitos, ressalvados os processos com réus presos, os habeas corpus e os mandados de segurança.
§ 9o Publicado o acórdão respectivo, os pedidos retidos referidos no § 6o serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.
§ 10. Os Tribunais Regionais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição dos órgãos e os procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformização e do recurso extraordinário.
Art. 15. O recurso extraordinário, para os efeitos desta Lei, será processado e julgado segundo o estabelecido nos §§ 4o a 9o do art. 14, além da observância das normas do Regimento.
Art. 19. Quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização de que trata o § 1o do art. 18 contrariar súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.
§ 1o Eventuais pedidos de uniformização fundados em questões idênticas e recebidos subsequentemente em quaisquer das Turmas Recursais ficarão retidos nos autos, aguardando pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.
§ 2o Nos casos do caput deste artigo e do § 3o do art. 18, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.
§ 3o Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Presidente da Turma de Uniformização e, nos casos previstos em lei, ouvirá o Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 5o Decorridos os prazos referidos nos §§ 3o e 4o, o relator incluirá o pedido em pauta na sessão, com preferência sobre todos os demais feitos, ressalvados os processos com réus presos, os habeas corpus e os mandados de segurança.
§ 6o Publicado o acórdão respectivo, os pedidos retidos referidos no § 1o serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou os declararão prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.
Art. 20. Os Tribunais de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando os procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformização e do recurso extraordinário.
Art. 21. O recurso extraordinário, para os efeitos desta Lei, será processado e julgado segundo o estabelecido no art. 19, além da observância das normas do Regimento.
Por fim, o STJ fixou entendimento no ano de 2023 no sentido de que a expressão “jurisprudência dominante” que autoriza a utilização do PUIL deve ser compreendida de maneira ampla, não restrita aos casos do art. 927, III do CPC, mas atingindo nos embargos de divergência e pedidos de uniformização de lei federal já decididos pelo tribunal.
À falta de baliza normativo-conceitual específica, tem-se que a locução “jurisprudência dominante”, para fins do manejo de pedido de uniformização de interpretação de lei federal (PUIL), deve abranger não apenas as hipóteses previstas no art. 927, III, do CPC, mas também os acórdãos do STJ proferidos em embargos de divergência e nos próprios pedidos de uniformização de lei federal por ele decididos. STJ. 1ª Seção. PUIL 825-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 24/5/23 (Info 777).
5 – Conclusão
O instituto da reclamação é, portanto, de vital importância para o controle, uniformização das decisões e formação da jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro. Aplicado a fim de garantir cada vez mais a coerência e a segurança jurídica crescente no judiciário do Brasil.
É, contudo, necessário que o legislador e os intérpretes jurídicos atentem para meios igualmente coerentes e eficazes para suprir falhas sistemáticas como a encontrada na ausência de controle das decisões dos juizados especiais cíveis estaduais e suas turmas recursais por parte do STJ.
Uma das medidas encontradas foi a criação da “reclamação constitucional”, que já não é mais de competência do próprio STJ. Fato que não preza pela boa técnica e é alvo de diversas críticas doutrinárias e medidas judiciais.
Por fim, ressalto a necessidade de um estudo aprofundado sobre a temática e trabalho conjunto do legislativo e judiciário para promover a higidez do ordenamento jurídico, por mecanismos como a reclamação, prezando também pela boa técnica e coerência no sistema processual brasileiro.
6 – Referências
– HOUAISS, Lívia Pitelli Zamarian; MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Reclamação e juizados especiais cíveis: da consolidação normativa à alteração de competência pela Resolução no 3/2016 do STJ. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 55, n. 219, p. 75- 102, jul./set. 2018;
– Corte Especial do STJ vai discutir hipóteses de cabimento de reclamação. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-ago-14/stj-discutir-hipoteses-cabimento-reclamacao;
– ROCHA, Felippe Borring. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais teoria e prática. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 2019;
– THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 59ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018;
– NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 11ª Ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2019;
– Reclamação ao STJ de decisões proferidas pelos Juizados Especiais Cíveis Estaduais: Quis Custodiet Ipsos Custodes? Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/63632.
– (RE 571572 ED, Relator (a): Min Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2009, DJe-223 DIVULG 26-11-2009 PUBLIC 27-11-2009 EMENT VOL-02384-05 PP-00978 RTJ VOL-00216-01 PP-00540)
– CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A locução ‘jurisprudência dominante’, para fins de PUIL, deve abranger não apenas as hipóteses previstas no art. 927, III, do CPC, mas também os acórdãos do STJ proferidos em embargos de divergência e em pedidos de uniformização de lei federal. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/11768/a-locucao-jurisprudencia-dominante-para-fins-de-puil-deve-abranger-nao-apenas-as-hipoteses-previstas-no-art-927-iii-do-cpc-mas-tambem-os-acordaos-do-stj-proferidos-em-embargos-de-divergencia-e-em-pedidos-de-uniformizacao-de-lei-federal. Acesso em: 27/11/2025 – 14:21
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
GOULART, João Inácio. O instituto da reclamação nos juizados especiais de causa cível. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17879991, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 10/12/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/o-instituto-da-reclamacao-nos-juizados-especiais-de-causa-civel/. Acesso em: 13/12/2025.
