Lei 14.133/2021: aquisição de medicamento patenteado e impossibilidade de fracionamento

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

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Submissão: 16/10/2025

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Vitória Maria Carvalho de Abreu

Curriculo do autor: Analista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho - TST, graduada em Direito pela faculdade R.SÁ, Picos-PI, Pós-Graduada em Direito Público e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

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Resumo

O presente artigo analisa a aquisição de medicamentos patenteados sob a ótica da Lei nº 14.133/2021, que institui o novo regime jurídico de licitações e contratos administrativos. A pesquisa tem por objetivo examinar as hipóteses de inexigibilidade de licitação e a vedação ao fracionamento de despesas, especialmente em situações que envolvem a exclusividade de fornecedores ou a inviabilidade de competição. A partir da análise normativa e jurisprudencial, verifica-se que a nova legislação busca compatibilizar a eficiência administrativa com os princípios da legalidade, moralidade e transparência, exigindo do gestor público rigor técnico e justificativas fundamentadas para a contratação direta. O estudo também destaca a importância da comprovação de exclusividade, da adequada instrução processual e do planejamento anual de compras como instrumentos de controle e prevenção de irregularidades. Conclui-se que a correta aplicação da Lei nº 14.133/2021 na área da saúde é essencial para assegurar a economicidade, a lisura dos procedimentos e o cumprimento do dever estatal de fornecer medicamentos à população, sem prejuízo da observância dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública.

Palavras-Chave

Lei nº 14.133/2021. Licitação. Inexigibilidade. Medicamentos. Administração Pública.

Abstract

This article analyzes the acquisition of patented medicines under Law No. 14,133/2021, which establishes the new legal framework for public procurement and administrative contracts in Brazil. The study aims to examine the hypotheses of bidding waiver (inexigibility) and the prohibition of expense fragmentation, particularly in cases involving exclusive suppliers or the impracticability of competition. Based on legal and jurisprudential analysis, it is observed that the new legislation seeks to reconcile administrative efficiency with the principles of legality, morality, and transparency, requiring public managers to adopt technical rigor and provide well-founded justifications for direct contracting. The research also highlights the importance of proving exclusivity, properly documenting procurement procedures, and conducting annual purchase planning as instruments of control and prevention of irregularities. It is concluded that the correct application of Law No. 14,133/2021 in the health sector is essential to ensure cost-effectiveness, procedural integrity, and the fulfillment of the State’s duty to provide medicines to the population, while respecting the constitutional principles that govern Public Administration.

Keywords

Law No. 14,133/2021. Public Procurement. Inexigibility. Medicines. Public Administration.

1. Introdução

A contratação pública de medicamentos envolve questões jurídicas e administrativas de elevada complexidade, especialmente diante das exigências impostas pela Lei nº 14.133/2021, que institui o novo regime geral de licitações e contratos administrativos no Brasil. Essa legislação busca conciliar os princípios constitucionais da Administração Pública, como legalidade, eficiência e economicidade, com a necessidade de garantir o interesse público e a continuidade dos serviços essenciais, como o fornecimento de medicamentos à população pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

No contexto da aquisição de fármacos, surgem situações peculiares em que a competição é inviável, como no caso dos medicamentos patenteados ou com fornecedor exclusivo, hipótese em que a licitação se mostra inexigível nos termos do art. 74, inciso I, da referida lei. Todavia, a inexigibilidade não exime a Administração de observar rigorosamente o devido processo administrativo, a demonstração de exclusividade e a justificativa de preço, sob pena de nulidade da contratação.

Além disso, a Lei nº 14.133/2021 também disciplina as hipóteses de dispensa de licitação em razão do valor da contratação (art. 75), vedando expressamente o fracionamento de despesas com o intuito de burlar o procedimento licitatório. Tal vedação é especialmente relevante no campo da saúde pública, em que a urgência na aquisição de medicamentos muitas vezes se contrapõe às exigências formais e de controle previstas na legislação.

Dessa forma, o presente artigo tem por objetivo analisar os principais aspectos jurídicos da aquisição de medicamentos patenteados à luz da Nova Lei de Licitações, com ênfase na inexigibilidade de licitação, na comprovação de exclusividade e na vedação ao fracionamento de despesas. Busca-se, assim, contribuir para a compreensão e aplicação correta da norma, de modo a compatibilizar a eficiência administrativa com a observância dos princípios da legalidade e da moralidade pública.

2. Inexigibilidade de licitação para aquisição de medicamento patenteado

A Constituição estabelece, como regra, que a Administração Pública realizará compras, alienações e contratações mediante procedimento licitatório (art. 37, XXI), ressalvadas as hipóteses previstas na legislação. A lei 14.133/21 veicula normas gerais de licitações e contratos. A partir de seu artigo, 72, são previstas as hipóteses de contratação direta, por dispensa e inexigibilidade.

Dentre as hipóteses de inexigibilidade de licitação, o art. 74, I, prevê que a licitação é inexigível quando for inviável a competição para aquisição de materiais ou outro gênero que só for possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante exclusivo.

O Estado, no cumprimento de sua obrigação de fornecer medicamentos à população, conforme diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS, não pode se eximir do dever de licitar.

No entanto, conforme sobredito, a própria legislação elenca situações nas quais a licitação é inviável ou inexigível, como é o caso dos medicamentos patenteados, que se enquadram na hipótese de inexigibilidade de licitação (art. 74, 1, Lei 14.133/21), quando disponibilizados ao mercado por fornecedor exclusivo.

Vale destacar, ademais, que o processo de contratação direta não é livre ou destituído de formalidades. O Administrador Público deve observar o procedimento do art.72 da referida lei, que exige que a demanda seja formalizada, com estimativa de despesa, parecer jurídico e técnico (se for o caso), demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários, comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação, justificativa de escolha do contratado e do preço acordado, bem como autorização da autoridade competente.

3. Inviabilidade de preferência por marca

Não é demais ressaltar que o objetivo primordial do procedimento licitatório é assegurar a contratação mais vantajosa para a Administração (art. 11), obedecidos os princípios da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, dentre outros (art.5°).

Diante disso, no cumprimento do dever de fornecer medicamentos, é vedado ao ente público que realize a contratação de marca específica, sem justificativa sólida, como por exemplo, se demonstrar inviabilidade de competição mediante atestado de exclusividade, contrato de exclusividade, declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos, vedada a preferência por marca específica” (art. 74, § 1°).

4. Necessidade de comprovação de exclusividade

Compete à Administração demonstrar a inviabilidade de competição, nos termos do § 1º do art. 74 da Lei 14.133/21, uma vez que se trata de exceção ao dever de licitar, imperativo constitucional (art. 37, XXI, CF/88). Cabe, portanto, ao agente de contratação verificar a idoneidade de comprovação de exclusividade (art. 8°).

A contratação direta irregular, havendo dolo, enseja a nulidade da contratação e, segundo entendimento do STJ, REsp nº 2.045.450 / RS (2022/0399405-6) autuado em 17/12/2022, será devido apenas o pagamento valor do custo do serviço ou produto, retirado o lucro, sob pena de enriquecimento ilícito das partes, desde que efetivamente prestado o serviço ou fornecido o produto.

Vale colacionar a ementa do julgado:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONTRATO VERBAL. SUBCONTRATAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL DE TODESCATO TERRAPLANAGEM LTDA. OBRIGAÇÃO DE O ENTE PÚBLICO EFETUAR O PAGAMENTO PELOS SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTO AUTÔNOMO E DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULAS 283/SF E 284/STF. 1. Trata-se, na origem, de ação de cobrança ajuizada contra o Município de Bento Gonçalves visando condenar o réu a indenizá-la pela prestação de serviços, contratados verbalmente, no período de 24.3.2012 até 8.9.2012, de retroescavadeira, pá carregadeira, caminhão toco e prancha para transporte de equipamentos. Aduziu que o valor total dos serviços é de R$ 102.570,20, mas que pende de pagamento a quantia de R$ 85.068,70 válidos para fevereiro de 2017. 2. Em primeiro grau o pedido foi julgado parcialmente procedente para condenar o réu a indenizar os serviços prestados no período apontado que não foram objeto de subcontratação, devendo o valor ser auferido em liquidação. 3. A Apelação da parte autora não foi provida, e a do réu foi provida na parte relativa aos índices de correção monetária e juros de mora. 4. O aresto recorrido entendeu devida a indenização pelos serviços executados, a despeito da irregularidade da contratação, por não se admitir o enriquecimento ilícito da Administração. Todavia, entendeu descaber pagamento dos serviços prestados ao município que foram objeto de subcontratação, sob o fundamento de que em desacordo com o art. 72 da Lei 8.666/93. 5. A jurisprudência do STJ é de que, mesmo que seja nulo o contrato realizado com a Administração Pública, por ausência de prévia licitação, é devido o pagamento pelos serviços prestados, desde que comprovados, nos termos do art. 59, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração. 6. O STJ reconhece que, ainda que ausente a boa fé do contratado e que tenha ele concorrido para nulidade, é devida a indenização pelo custo básico do serviço, sem qualquer margem de lucro. 7. A inexistência de autorização da Administração para subcontratação é insuficiente para afastar o dever de indenização, no caso dos autos, porque a própria contratação foi irregular, haja vista que não houve licitação e o contrato foi verbal. Assim, desde que provada a existência de subcontratação e a efetiva prestação de serviços, ainda que por terceiros, e que tais serviços se reverteram em benefício da Administração, será devida a indenização dos respectivos valores. Na mesma linha: REsp n. 468.189/SP, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 18/3/2003, DJ de 12/5/2003, p. 221. 8. Não há como conhecer do Recurso Especial do Município de Bento Gonçalves. O recorrente não infirma o argumento de que, ainda que haja irregularidade na contratação dos serviços, é devida a indenização dos efetivamente prestados sob pena de indevido enriquecimento sem causa do Município. O ente federativo nada discorreu acerca da tese de inviabilidade de locupletamento ilícito. Aplicam-se, por analogia, as Súmulas 283/STF e 284/STF, ante a ausência de impugnação de fundamento autônomo. 9. Agravo conhecido para não conhecer do Recurso Especial do Município de Bento Golçaves. Recurso Especial de Todescato Terraplanagem Ltda. parcialmente provido para assegurar o direito de ser indenizada pelos serviços subcontratados pelo custo básico deles, desde que provada a existência de subcontratação, bem como a efetiva prestação de serviços, mesmo que por terceiros, e ainda que tais serviços se revertam em benefício da Administração.”

5. Dispensa por valor e impossibilidade de fracionamento de despesa

Além das hipóteses mencionadas, como no caso de fornecedor exclusivo, o legislador elencou outras possibilidades de dispensa de licitação, especialmente no caso em que o custo do procedimento não for eficiente em face do montante da contratação.

Conforme dispõe o art. 75 da Nova Lei de Licitações, é dispensável a licitação:

I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores;       

II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;   

Trata-se, portanto, de dispensa de licitação por valor da contratação, conforme montante atualizado por decreto do chefe do poder executivo, a partir do valor inicialmente elegido pelo legislador.

O inciso II (art. 75) dispensa licitação para contratação que envolver valores inferiores a R$ 50.000,00 para outros serviços e compras, vedado o funcionamento de compras ou outros serviços num mesmo exercício financeiro para burlar o limite legal, devendo ser observado o valor das contratações anuais (somadas) para objeto de mesma natureza (art. 75, § 1º, I e II).

O fracionamento de despesas (art. 23, § 5º) é proibido por lei e caracteriza-se quando o gestor público divide a despesa com o intuito de burlar a modalidade licitatória adequada. Tal prática visa evitar modalidades mais rigorosas ou beneficiar determinadas partes.

Diante disso, na contratação de medicamentos por dispensa de licitação em razão do valor, o Administrador deve considerar a demanda total anual por aquele medicamente, não se admitindo o fracionamento de compras para dispensar a licitação por valor.

6. Conclusão

A análise da aquisição de medicamentos sob o regime da Lei nº 14.133/2021 evidencia o esforço do legislador em equilibrar a observância dos princípios licitatórios com a necessidade de garantir a eficiência administrativa e o direito fundamental à saúde. A norma, ao estabelecer hipóteses claras de inexigibilidade e dispensa de licitação, busca oferecer segurança jurídica às contratações públicas sem comprometer a transparência e a economicidade.

 No caso específico dos medicamentos patenteados ou com fornecedor exclusivo, resta evidente que a licitação é inviável, configurando hipótese típica de inexigibilidade prevista no art. 74, inciso I, da nova lei. Todavia, essa exceção não afasta o dever de formalização do processo, tampouco a necessidade de justificar a escolha do fornecedor e o preço contratado, sob pena de nulidade e responsabilização do agente público.

Do mesmo modo, a vedação ao fracionamento de despesas, prevista no art. 75, §1º, reforça o compromisso da Administração com a lisura e o planejamento das contratações. Tal prática, quando indevidamente utilizada para escapar dos limites legais de dispensa, compromete não apenas a moralidade administrativa, mas também a eficiência e a credibilidade do processo licitatório.

Diante disso, conclui-se que a correta aplicação da Lei nº 14.133/2021 nas contratações de medicamentos exige do gestor público uma atuação técnica, pautada na legalidade e na motivação dos atos administrativos. A efetividade da norma depende, sobretudo, de uma cultura institucional de planejamento, controle e responsabilidade, capaz de assegurar contratações íntegras, transparentes e voltadas ao interesse público.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei n.º 14.133, de 1º de abril de 2021. Estabelece normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Diário Oficial da União, Seção 1, Brasília, 1 abr. 2021. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2021/lei-14133-1-abril-2021-791222-norma-pl.html (www2.camara.leg.br). Acesso em: 16 out. 2025.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 2.045.450 – RS. Relator: Ministro Herman Benjamin. Segunda Turma. Brasília, DF, julgado em 3 set. 2024. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 9 set. 2024. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2248012&num_registro=202102337456&data=20240909. Acesso em: 16 out. 2025.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Vitória Maria Carvalho. Lei 14.133/2021: aquisição de medicamento patenteado e impossibilidade de fracionamento. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17379446, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 17/10/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/lei-14-133-2021-aquisicao-de-medicamento-patenteado-e-impossibilidade-de-fracionamento/. Acesso em: 28/10/2025.