Conflitos familiares e mediação: construindo alternativas

Categoria: Subcategoria: Direito, Neurociências, Psicologia, Psicologia Clínica

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Revisor: THAIS GUEDES em 2023-11-10 11:10:33

Submissão: 30/10/2023

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Paula Rainna Nascimento Santos

Curriculo do autor: Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Tiradentes. Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes. Analista judiciário do Tribunal de Justiça da Bahia. Assessora de magistrado.

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Resumo

Busca-se através do estudo examinar a especial sintonia da mediação com as peculiaridades das questões familiares. Objetiva-se, primordialmente, analisar as múltiplas contribuições da mediação para o tratamento adequado dos conflitos familiares, bem assim a necessidade de ampliação da sua prática.

Palavras-Chave

família. conflitos. mediação

Abstract

The study aims to examine the special alignment of mediation with the peculiarities of family issues. Its primary objective is to analyze the multiple contributions of mediation for the appropriate handling of family conflicts, as well as the need to expand its practice.

Keywords

family. conflicts. mediation

1. INTRODUÇÃO

Busca-se através do estudo examinar a sintonia da mediação com as peculiaridades das questões familiares. Objetiva-se, primordialmente, analisar as múltiplas contribuições da mediação para a gestão adequada dos conflitos familiares, enfatizando a necessidade de ampliação da sua prática para garantia do efetivo acesso à justiça.

Para tanto, inicialmente apresenta-se uma reflexão teórica em torno das particularidades dos conflitos familiares e do tratamento conferido a estes. Em seguida, examina-se os benefícios advindos da prática da medição familiar.

Trata-se de uma temática de extrema relevância no cenário atual, haja vista que reflete a preocupação com a qualidade e a afetividade do acesso à Justiça, isto é, com a garantia do acesso à ordem jurídica justa, que atenda às necessidades e anseios da sociedade.

Nesta senda, a presente abordagem temática tem como escopo promover a conscientização acerca das vantagens advindas da mediação familiar, intentando dar maior visibilidade ao instituto, no contexto da imprescindibilidade do abandono da mentalidade adversarial, em prol da valorização das soluções construídas através do consenso e da cooperação.

2. COMPLEXIDADE DOS CONFLITOS FAMILIARES

É cediço que, ao longo do tempo, a família vem enfrentando profundas transformações, que dão ensejo ao surgimento de novos tipos de conflitos.

As transformações sociais ocorridas da segunda metade do século XX até esta data, o grande desenvolvimento da ciência psicológica, especialmente na área das relações familiares e a queda das barreiras entre as ciências vieram a exigir mudanças no sentir, no pensar e no atuar de todos aqueles que entram em contato com famílias em situação de crise. (CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 49).

Os conflitos que surgem no âmbito familiar tendem a ser mais complexos e de difícil solução, considerando que geralmente são multifacetados e carregam uma forte carga de subjetividade, por se desenvolverem no contexto de relações íntimas de afeto.

Entre as situações conflitivas mais complexas e peculiares está a dissolução da sociedade conjugal, que envolve não apenas aspectos patrimoniais, mas também aspectos emocionais, muitas vezes contraditórios, como amor, desamor, paixão, desprezo, frustrações, entre outros.

A dissolução da sociedade conjugal é um momento marcado por desgastes emocionais que demandam uma abordagem adequada, de modo a viabilizar a reestruturação da vida dos envolvidos e a restauração da relação entre eles, o que é nitidamente possível através da mediação.

3. MEDIAÇÃO DE CONFLITOS FAMILIARES E A FIGURA DO MEDIADOR

A mediação familiar constitui um eficaz meio consensual de resolução de conflitos no âmbito da família ou de desagregação do núcleo familiar, que auxilia seus membros a enfrentar as adversidades de forma menos traumática e a encontrar o caminho que conduza à reorganização pessoal, bem como à restauração das relações abaladas.

Na visão de Sales e Vasconcelos (2010, p. 6):

[…] a mediação adequa-se aos conflitos familiares, apresentando-se como uma eficiente técnica de resolução de controvérsia, proporcionando, em tempo adequado, um intenso tratamento dos problemas e facilitando a continuação do relacionamento entre as partes por meio do diálogo e da mútua compreensão.

Denota-se que a mediação é menos dispendiosa e menos desgastante emocionalmente que a adoção da via jurisdicional. Durante o procedimento de mediação os mediados são estimulados a agir cooperativamente, a desenvolver sua maturidade para enfrentar os conflitos, sem a carga da competitividade.

Por conseguinte, a mediação representa uma forma de tratamento mais digno, mais humano aos conflitos que surgem no seio familiar. Emprega técnicas próprias, que conduzem o indivíduo à compreensão dos seus problemas através do diálogo, da reflexão, da escuta, da comunicação construtiva, eliminando o aspecto adversarial e viabilizando a restauração dos laços familiares.

Vislumbra-se que a mediação não encobre ou protela os conflitos familiares, não os reduz a aspectos meramente materiais, não ignora seus aspectos de ordem afetiva ou emocional e muito menos oferece aos mesmos um tratamento superficial.

Ao revés, considera os conflitos familiares em sua integralidade e complexidade, oferecendo a estes um tratamento efetivo. Respeita as diferentes configurações familiares, atenta para os aspectos afetivo-emocionais que permeiam os conflitos familiares, considera cada integrante do grupo familiar em sua singularidade.

Nesse contexto, evidencia-se que a mediação é um importante instrumento de efetivação do acesso à justiça, que evidentemente não se confunde com acesso ao Judiciário. Constitui mecanismo apto ao tratamento dos conflitos de forma satisfatória, adequada às necessidades e anseios da sociedade, possibilitando amplo e efetivo acesso à justiça.

Importa destacar que o procedimento da mediação é conduzido por um terceiro imparcial, com formação específica, desprovido de poder decisório ou coercitivo, que conduz o processo de mediação no âmbito familiar, atuando entre os mediandos como um facilitador da comunicação.

De acordo com Groeninga (2007), o mediador é um terceiro imparcial, que escuta os mediandos, utilizando sua sensibilidade e seu conhecimento do método da mediação, com a função de colaborar em dissolver os impasses e transformar os conflitos.

Vale ressaltar, por oportuno, que a figura do mediador não ocupa posição superior à dos mediandos, vez que não possui o poder de decidir o conflito, de impor a solução. Posiciona-se entre eles, atuando como intermediário da comunicação, enquanto o poder e a responsabilidade de decidir são conferidos às partes.

O mediador, em última análise, é um facilitador da comunicação entre as partes que se opõem, quando precisam ou têm interesse em resolver alguma pendência e pretendem chegar à solução, por acordo.
O mediador familiar, em especial, vai facilitar aos oponentes confrontar seus pontos de vista quanto às questões familiares, ajudando-os a discriminar seus interesses e necessidades e a se voltarem para o encontro de soluções que os ajudem a dissolver os conflitos interpessoais e a dirigir sua vida e de sua família, de forma adequada e saudável daí para frente. [..]
O mediador é um terceiro imparcial. A imparcialidade é indispensável para a consecução daqueles objetivos. Ele realmente precisará manter-se equidistante dos interesses e necessidades dos mediados, sob risco de não poder ajudá-los. (CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 165).

Nesta perspectiva, incumbe ao mediador familiar, valendo-se de ferramentas de negociação e comunicação, além de conhecimentos adicionais sobre peculiaridades do relacionamento humano, conceder voz e vez aos mediandos, fomentar o diálogo construtivo, esclarecedor, sem desqualificações ou ofensas, enfim, criar um ambiente de escuta, de respeito e de construção.

Sua função não é simplesmente fazer com que os conflitantes cheguem a um acordo qualquer. É, sobretudo, viabilizar a comunicação entre eles, reaproximá-los, oferecendo-lhes as condições necessárias para que encontrem a solução mais adequada para o conflito, resgatando assim a autonomia, o respeito e a responsabilidade dos mesmos pela resolução de suas controvérsias, bem como pela qualidade da convivência.

Ocorre que, a despeito dos incontáveis benefícios proporcionados pela prática da mediação familiar, ainda existem diversos desafios a serem superados para sua difusão no Brasil. Notadamente, em virtude da preponderância de uma cultura jurídica extremamente litigiosa, pautada na competição entre os conflitantes, no sistema de ataque-defesa, na lógica binária ganhar-perder, que desconsidera a possibilidade de satisfação mútua e que coloca os envolvidos em posições antagônicas, estimulando a disputa acirrada entre eles.

É necessário o conhecimento real da mediação, em nossa sociedade, para que ela realmente possa ser respeitada e utilizada na sua real finalidade de modificar ou transformar uma situação dolorosa em feliz, proporcionando uma nova visão de vida e a conservação do lar, base emocional de todo o ser humano (CACHAPUZ, 2011, p. 153).

Assim, para a expansão da prática da mediação é premente a superação da cultura do litígio e o fomento à construção de uma cultura jurídica pautada em valores como a cooperação, a solidariedade e o diálogo construtivo, bem como o incentivo à participação ativa do cidadão na construção de soluções consensuadas e harmônicas para os seus conflitos.

4. CONCLUSÃO

Ante o exposto, observa-se que diante do contínuo processo de transformações na estrutura familiar e da complexidade dos conflitos que surgem no seu contexto, a mediação oferece inúmeras vantagens a todos os componentes do núcleo familiar e, por conseguinte, a toda sociedade.

Verificou-se que entre as suas contribuições mais significativas estão, entre outros: o tratamento efetivo dos conflitos familiares, considerando-os em sua integralidade e complexidade; a prevenção de conflitos; a restauração e melhoria dos relacionamentos; a preservação das entidades familiares; a efetividade do acesso à justiça; a valorização da resolução consensual dos conflitos.

Trata-se, portanto, de um relevante instrumento que permite tanto a intervenção precoce, preventiva, como a intervenção em situações de conflitos mais aprofundados, facilitando o diálogo construtivo entre os envolvidos, para que assim possam chegar a decisões mutuamente satisfatórias.

É possível concluir, através do estudo em relevo, que a mediação familiar representa um importante passo em direção ao aprimoramento do tratamento dos conflitos familiares, com grandes perspectivas de atuação e êxito. Logo, imperiosa a adoção de medidas destinadas à superação dos obstáculos para sua disseminação no atual contexto brasileiro.

REFERÊNCIAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Paula Rainna Nascimento. Conflitos familiares e mediação: construindo alternativas. Revista Di Fatto, Direito, Neurociências, Psicologia, Psicologia Clínica, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2023, n. 1, aprovado e publicado em 10/11/2023. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/conflitos-familiares-e-mediacao-construindo-alternativas/. Acesso em: 28/10/2025.