A responsabilidade do comerciante no Código de Defesa do Consumidor
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Resumo
O presente estudo visa analisar aspectos relativos à aplicabilidade do instituto da responsabilidade civil, destacada pelo artigo 927 e seguintes do Código Civil, sobre a Lei n° 8.078 de 11.09.90, o Código de Defesa do Consumidor, à luz da proteção constitucional a este conferida. Após a exposição da evolução histórica que levou ao contexto consumerista atual e análise dos princípios da tutela do consumidor, o tema será delimitado com foco na responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto, que nasce em decorrência do defeito por este apresentado.
Palavras-ChaveResponsabilidade Civil. Código de Defesa do Consumidor. fornecedor. fato do produto
Abstract
The present study aims to analyze aspects related to the applicability of the civil liability institute, highlighted by Article 927 and the following articles of the Civil Code, concerning Law No. 8,078 of September 11, 1990, the Consumer Defense Code, in light of the constitutional protection granted to it. After presenting the historical evolution that led to the current consumer context and analyzing the principles of consumer protection, the topic will be delimited with a focus on the supplier's liability for the product's defect, which arises from the defect presented by it.
KeywordsCivil Liability. Consumer Protection Code. Supplier. Product Liability.
1. INTRODUÇÃO
Intensa polêmica e divergência doutrinária e jurisprudencial cercam a responsabilidade do comerciante expressa no artigo 13, da Lei 8.078/90. Aponta Nunes, precipuamente, que o “terceiro” citado no inciso III, do artigo 12, jamais deve ser confundido com o comerciante, pois se o artigo 13 usa o termo “igualmente”, fica claro ter o vendedor responsabilidade solidária. Ainda que se apure que o comerciante seja o responsável, de outra banda, não pode o produtor acionado tentar escapar da demanda alegando a responsabilidade do comerciante, em face da solidariedade.[1]
2. A RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE
O comerciante não é terceiro, ele está inserido no ciclo de produção, o que o torna co-obrigado. O consumidor pode acionar qualquer dos agentes do ciclo de produção por danos gerados pelo produto, pois todos são responsáveis solidários. O produto é composto por varias partes elaboradas por diferentes produtores, não sendo apenas o fabricante originário o responsável pela existência do bem e sua chegada ao contato direito com o comprador. Assim, o comerciante também responde, nas hipóteses do artigo 13, não afastando, contudo, os demais agentes da produção.
Interessante notar o tratamento dispensado pelo legislador ao importador. Apesar de os princípios inspiradores do CDC serem os mesmos o importador foi menos favorecido pela norma do que o comerciante. O importador não deixa de ser um comerciante, pois adquire produtos no exterior para revendê-los. Todavia, a responsabilidade do artigo 12 é mais pesada e geral, sem restrições, haja vista que desconsidera as hipóteses dos incisos do artigo 13, nas quais aparece o ônus sobre o comerciante.
O sentido de “igualmente” deve ser interpretado como a incidência sobre o comerciante da mesma responsabilidade do artigo 12, ou seja, da solidariedade com os agentes deste artigo. Contudo, conforme consta nos incisos I e II, do artigo 13, somente existe a responsabilidade porque o produto não está ou não foi identificado. Do contrário, inexistiria o dever de indenizar do comerciante.
Embora semelhantes, as disposições do I e II, do artigo 13, guardam diferenças. No primeiro teor, o legislador remeteu a impossibilidade de fornecimento da identificação do fabricante ou produtor. O comerciante não pôde fazê-lo. Freqüentemente, tal ocorre com os feirantes que compra do atacadista batatas de diversas origens e as põe à venda, mesmo misturadas. Outrossim, dá-se com os produtos hortifrutigranjeiros. A Lei responsabiliza o comerciante, embora não tenha ele a intenção de ocultar o produtor. O encargo incide sobre ele porque pôs sobre o fabricante a responsabilidade da garantia de qualidade.
Diverso o previsto no inciso II. O comerciante tem plenas condições de fornecer a identificação do fabricante, mas não o faz. O comerciante é responsável tendo em vista que desrespeitou o dever de informação inerente a toda oferta, consoante o artigo 31, da Lei. Não há impossibilidade de informar, mas negligência ao não fazê-lo. Concretizando-se uma ou outra hipótese esta pode dar ensejo às sanções administrativas e judiciais. No inciso I, com a permissão da venda, os produtos não poder sem apreendidos por falta de identificação do produtor, o que, contudo, pode ocorrer no caso do inciso II.
No tocante ao III, inegável é a responsabilidade do comerciante por não conservar adequadamente o produto perecível. Todavia, reside certa complexidade na questão da prova da deterioração ter ocorrido, de fato, nas mãos do comerciante.[2] Por exemplo, quando um consumidor sofre intoxicação ao ingerir um iorgute, de grande fabricante, adquirido em um singelo mercado. Difícil elucidar em que momento o produto estragou ou foi infectado, o que pode ter ocorrido no mercado, durante o transporte, já dentro da fabrica.
Parece mais conveniente para o consumidor que pode ter sofrido prejuízos materiais e morais ajuizar ação contra a fabricante que teria bem mais condições de ressarci-lo do que o pequeno comércio. Destarte, prega Nunes[3] que em dúvida sobre o local da deterioração, o consumidor deve optar pelo produtor ou pelo comerciante. Independentemente, de quem for, depois, considerado responsável a vítima do fato do produto, será ressarcida, mesmo que tenha acionado a pessoa jurídica errada. Depois de indenizar o consumidor o responsável pode buscar ressarcimento frente ao outro co-obrigado, ou repartir com ele o que teve de pagar, devido à solidariedade.
Merece destaque, no parágrafo único do artigo 13, que a norma não se refere expressamente ao comerciante no início do dispositivo, mas sim diz “aquele”. Esta escrita parece evidenciar novamente que qualquer dos responsáveis podem ser demandados pelo consumidor, sem ser necessariamente o que provocou o estrago do produto. Se o legislador quisesse fixar dever de indenizar especifico sobre o comerciante, teria posto ali seu nome. Como não o fez, transparece sua opção pela solidariedade, conclui Rizzatto.[4] Além disso, o parágrafo citado trata-se de norma autônoma aplicável também aos vícios – quando se troca o produto, se devolve o dinheiro ou parte dele – e não somente aos defeitos – quando se fala em indenização -, não estando ligada apenas ao conteúdo do artigo 13. Assim, qualquer co-obrigado que seja acionado pode buscar o regresso contra o outro responsável solidário. Ademais, remete o parágrafo em análise à vedação da denunciação da lide, do artigo 88. A ação de regresso pode se dar nos mesmos autos ou de forma autônoma, tudo pela econômica processual e a celeridade em favor da defesa do consumidor.
O entendimento dominante da jurisprudência é pela responsabilidade solidária do comerciante. Nesse sentido:
“Apelação Cível. Ação de Indenização por danos morais e estéticos. Estouro de garrafa de espumante na gôndola de supermercado. Ocorrência de lesões na mão do consumidor. Nexo causal demonstrado. Relação de Consumo. Responsabilidade Objetiva. Arts. 12 a 14, do CDC. Inocorrência de conduta da vítima que possa imputar-lhe a culpa exclusiva pelo acidente. Danos morais. Ocorrência. Danos estéticos não comprovados. Responsabilidade solidária do comerciante (supermercado) e do fabricante. Art. 7º, parágrafo único, do CDC. Recurso provido. (Apelação Cível nº 992.05.140615-1, 35ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado do Estado de São Paulo, Rel. Piva Rodrigues, julgado em 15.03.2011, grifo nosso)”.
Para muitos, todavia, sendo o nexo de causalidade, a relação e causa e efeito, que deve existir entre o dano e o defeito do produto ou do serviço, se o nexo não incidir sobre o comerciante não deve ele ser responsabilizado e ainda não devem ser esquecidas as hipóteses do artigo 12. A cerca da responsabilidade do comerciante, assevera Sanseverino que ela foi restringida em confronto com a dos outros agentes do ciclo de produção. O contato do comerciante com o produto é restrito, que se limita a exposição deste no estabelecimento e as devidas explicações ao consumidor, que foram passadas ao vendedor pelo fabricante.
Assim, não tem o comerciante grande possibilidade de alterar ou estabelecer técnicas de produção do que vende. Não sem razão, ele não foi incluído na responsabilidade direta, por produtos defeituosos, do artigo 12, do CDC, “sendo somente responsabilizado, subsidiariamente, em situações excepcionais”.[5]
A responsabilidade objetiva não prescinde do nexo causal, inclusive para caracterizar a responsabilidade solidária. Esta só ficaria evidente, à luz do teor do § 1º, do artigo 25, do CDC, ou seja, quando houver mais de um responsável pelo dano. Caso o comerciante não seja responsável, não pode, segundo este entendimento, figurar como pólo passivo, ao ser acionado diretamente em indenizatória por fato do produto, ficando adstrito as hipóteses do artigo 13. Nesse passo, segue parte da jurisprudência:
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXPLOSÃO DE BATERIA DE CELULAR. ACIDENTE DE CONSUMO. FATO DO PRODUTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA RÉ COMERCIANTE. RECONHECIMENTO. Em se tratando de acidente de consumo pelo fato do produto, o comerciante só pode ser responsabilizado diretamente em casos específicos, pois não se enquadra no conceito de fornecedor (art. 12 do CDC), para fins de Responsabilidade solidária. (…) a responsabilidade do comerciante é subsidiária, e não solidária tal como estabelecido na sentença. Apelação Cível nº 70026053116, 9ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Rel. Marilene Bonzanini Bernardi, julgado em 02.04.2009, grifo nosso)”.
Vê-se intensa divergência sobre o dever de indenizar que incide sobre o comerciante, haja vista ter o legislador, talvez, se equivocado ao tentar proteger o comerciante no artigo 13, ao mesmo tempo, em que prega a defesa máxima ao consumidor no restante da Lei consumerista. A última corrente considera, com ênfase, as disposições deste, restringindo a responsabilidade do comerciante ao constante nos incisos, respeita, pois, o que traz a Lei. O primeiro entendimento citado, por outro lado, interpreta a Lei, ressaltando o parágrafo único do artigo 7º e o § 1º, do artigo 25, pondo a solidariedade como mais adequada ao sentido da proteção do consumidor, veiculada no decorrer de toda a Lei. Nesse passo, para estes, e entendimento dominante atualmente, o melhor caminho parece ser mesmo o da solidariedade, em face da complexidade do cenário do mercado de consumo atual, mostra-se mais um percalço ao consumidor a preocupação de analisar sobre a identificação do produtor, no momento de acionar o responsável.
Contudo, merece muita atenção, a colocação de outros, afirmando que gera perigo a singela e pragmática idéia de uma idoneidade inerente ao consumidor. Nessa diapasão:
“É preciso ter cautela ao promover a defesa absoluta da inocência do consumidor e analisar com rigor os fatos ocorridos, pois consumidores de má-fé usam os mesmos direitos destinados àqueles que procedem embasados no respeito recíproco, causando-lhe danos por meio de ações e reclamações infundadas onde, somente ao fornecedor caberá o fornecimento de provas”.[6]
3. CONCLUSÃO
Diante já do mais avançado estagio da econômica nacional, não seria mais a massa de consumidores tão desprovida de informações, já que o Brasil há muito deixou de ser uma incipiente economia capitalista – pelo contrário disponta como potência emergente. Bem conhecida, hoje, é a indústria dos danos morais, na qual por meio de ações infundadas partes e advogados tentam criar, a qualquer custo, litígios para se enriquecer com indenizações indevidas. Recente acórdão do Tribunal de Justiça paulista vislumbra a ilícita intenção de um indivíduo em sustentar a inexistência de um contrato, por ele antes firmado com conhecida empresa de telefonia. O intento indenizatório foi facilmente desmentido por prova pericial, resultando em condenação por litigância de má-fé.[7] Nessa linha, pertinente, o artigo 13 ao proteger o comerciante, atenuando a total e irrestrita defesa ao consumidor, posto que a tutela a este deve evoluir no passo e, como espelho, das alterações sociais e históricas. Por fim, no atual panorama da jurisprudência do STJ a responsabilidade do comerciante pelo vício do produto ou serviço é solidária. No entanto, quando se trata de fato do produto ou serviço, a responsabilidade é subsidiária, numa interpretação sistemática dos art. 12 a 14, do Código de Defesa do Consumidor, conforme REsp n. 1.994.563/MG.
[1] Nunes, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 6ª Edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 332.
[2] Nunes, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 6ª Edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 336.
[3] Nunes, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 6ª Edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 338.
[4] Nunes, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 6ª Edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2011.p. 339.
[5] Sanseverino, Paulo de Tarso Vieira, Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor e a Defesa do Fornecedor, Editora Saraiva, 3ª Edição, 2002, São Paulo, p. 166/167.
[6] Martins, Adriano de Oliveira, Artigo “A relação jurídica de Consumo: Conceito e Interpretação”, 2010, p 06.
[7] INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Inscrição em cadastro de devedores – Cabimento – Comprovação por laudo pericial da autenticidade da assinatura do contratante – Dispensabilidade do aviso de recebimento (AR) na comunicação ao consumidor sobre a negativação do nome – Súmula 404 do C. STJ- Litigância de má-fé- Caracterização – Evidente tentativa de enriquecimento ilícito – Sentença confirmada – Aplicação do disposto no artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça – RECURSO NÃO
PROVIDO. Apelação Cível nº 0029892-23.2009.8.26.0071, 7ª Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rel. Elcio Trujillo, julgado em 02.03.2011)).
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
LEME, Gustavo. A responsabilidade do comerciante no Código de Defesa do Consumidor. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciências Humanas, Direito, Educação, Saúde Pública, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2024, n. 2, aprovado e publicado em 25/01/2024. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-responsabilidade-do-comerciante-no-codigo-de-defesa-do-consumidor/. Acesso em: 24/04/2025.