A Lei nº 14.843 de 2024 e a obrigatoriedade do exame criminológico na visão do STJ

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

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Submissão: 22/12/2024

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Bruno Vilarins de Noronha

Curriculo do autor: Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduado em Direito Constitucional e Direito Público. Servidor Público Federal do Ministério Público da União.

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Resumo

O presente estudo analisa a obrigatoriedade do exame criminológico para fins de progressão de pena a partir da Lei nº. 14.843/2024, que passou a exigir que todos os apenados devem se submeter a um exame criminológico antes de poder progredir de um regime mais rigoroso para um mais brando. Com efeito, aborda a progressividade do sistema de sanções penais e analisa o instituto do exame criminológico como instrumento importante para formação do convencimento do julgador sobre o mérito do condenado para progressão de regime. Trata, também, da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a obrigatoriedade do exame criminológico antes e depois da Lei nº 14.843/2024, que alterou a Lei de Execução Penal.

Palavras-Chave

Direito Penal e Processual Penal. Execução Penal. Exame criminológico.

Abstract

The present study analyzes the mandatory nature of the criminological examination for the purpose of sentence progression under Law nº 14.843/2024, which requires all inmates to undergo a criminological examination before progressing from a more rigorous regime to a more lenient one. In effect, it addresses the progression of the penal sanctions system and analyzes the criminological examination as an important tool for forming the judge's conviction regarding the convict's merit for regime progression. It also discusses the jurisprudence of the Superior Court of Justice on the mandatory nature of the criminological examination before and after Law nº 14.843/2024, which amended the Law of Penal Execution.

Keywords

Criminal Law and Criminal Procedure. Penal Execution. Criminological Examination.

1. INTRODUÇÃO

A Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210/1984, busca, a partir do mandamento constitucional da necessidade de preservação dos direitos fundamentais e, principalmente, da individualização da pena, disciplinar a execução das penas.

A referida lei traz uma série de disciplinas que envolvem o cotidiano do apenado durante a execução da pena, a saber: o labor, educação, assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e, ainda, religiosa, bem como faltas disciplinares, eventuais sanções, os deveres, direitos do apenado e o regramento da própria pena.

Com efeito, a LEP é um instrumento legal importantíssimo para concretização da execução penal orientada por valores constitucionais.

No entanto, em razão da dinâmica social, o referido diploma legal sofre constantes alterações legais para ajustá-la à nova realidade em que inserida a sociedade. Uma recente alteração foi a edição da Lei 14.843/2024, que será objeto de estudo neste artigo, principalmente na parte que disciplina o exame criminológico.

2. A PROGRESSÃO DE REGIME E O EXAME CRIMINOLÓGICO

O sistema penal pátrio adotou um regime progressivo de pena com o objetivo de resguardar um valor de ordem maior: o princípio da individualização da pena, segundo o qual a pena deve se adequar ao fatos que envolvem o apenado e às suas qualidades com o fito de ressocialização e reintegração social.

Ao consagrar o princípio da individualização da pena, a Constituição é enfática ao estabelecer, no art. XLVI, o que se segue:

Art. XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;”

Nesse toada, o Código Penal, em seu art. 34, também disciplina a submissão do preso, logo no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para fins de individualização da execução da pena, in verbis:

“ Art. 34 – O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução.

Por sua vez, a Lei de Execução Penal aborda o exame criminológico nos art. 5º, art. 8º e art. 112, parágrafo 1º, in verbis:

Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.”

Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução.”

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

[…]

§ 1º Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão.”

Desse modo, o sistema progressivo de penas deve seguir etapas até que o apenado conclua a terapêutica penal determinada pela lei. Ademais, envolve o preenchimento de requisitos objetivos e subjetivos por parte do preso.

O requisito objetivo impõe o cumprimento de uma fração específica da pena, que, segundo a legislação de regência, pode variar conforme a natureza do delito e as características do apenado.

Ademais, o requisito subjetivo, para ser atendido, demanda um bom comportamento do apenado no cárcere quando do cumprimento da pena, de modo que não ostente infrações disciplinares graves.

Com efeito, nesse contexto de cumprimento de requisitos de ordem objetiva e subjetiva, surge o exame criminológico justamente para averiguar a aptidão do condenado para fins de progressão.

Vale ressaltar que, a despeito de o exame criminológico ser instrumento importantíssimo para fins de progressão, tem caráter meramente opinativo, sem vinculação do juiz, que, diante de outros elementos, pode decidir de modo contrário à avaliação feita no referido exame para decidir se progride ou não o apenado.

3. A LEI 14.843/2024 E A OBRIGATORIEDADE DO EXAME CRIMINOLÓGICO

Conforme já mencionado anteriormente, o fundamento legal do exame criminológico reside principalmente na própria Lei de Execução Penal (Artigo 112 da Lei nº 7.210/1984), o qual assegura que a benesse da progressão de regime só pode ser concedida mediante a demonstração do cumprimento de certo lapso temporal da pena e do preenchimento de requisitos subjetivos – bom comportamento carcerário e cumprimento dos deveres pelo apenado – que podem ser averiguados administrativamente no presídio e conjugados com uma análise por meio do exame criminológico. Este instrumento indicará, também, a possibilidade de migração para regime menos rigoroso segundo avaliação multidisciplinar.

O exame criminológico, portanto, consiste em uma importante avaliação multidisciplinar que é desempenhada por uma equipe de profissionais especialistas, a saber, psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras. O referido exame faz uma detida análise do comportamento carcerário do apenado, da sua evolução durante o cumprimento da pena, a assimilação da terapêutica penal e a personalidade para averiguar se ele pode ou não migrar para regime menos rigoroso.

Recentemente, foi editada a Lei 14.843/2024, a qual trouxe alterações ao regime de saída temporária dos apenados. Ademais, dentre outras alterações, uma destas foi a obrigatoriedade do exame criminológico para que ocorra a progressão de regime. A propósito, em seu art. 1º, a Lei dispõe sobre seu objetivo:

Art. 1º Esta Lei, denominada Lei Sargento PM Dias, altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária.”

Com efeito, nos termos da novel legislação, todos os apenados devem se submeter a um exame criminológico antes de poder progredir de um regime mais rigoroso para um mais brando.

Quanto ao ponto, a Lei 14.843/2024 promoveu alteração no artigo 112, parágrafo 1º, da Lei de Execução Penal, que, nos seguintes termos, passou a vigorar:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

[…]

§ 1º Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão.”

Desse modo, com a nova previsão legal, segundo se observa do trecho acima escrito, a partir de uma interpretação literal, o exame criminológico tornou-se obrigatório para todos os presos, sem que houvesse qualquer tipo de exceção.

4. A JURISPRUDÊNCIA DO STJ ANTES E APÓS A LEI 14.843/2024

Numa retrospectiva das alterações legais, a Lei de Execução penal já assegurava, anteriormente, que o juízo poderia solicitar ou não, de acordo com as particularidades do caso, o exame criminológico para formar juízo de convicção sobre a transferência do preso para regime menos rigoroso.

Ainda no longínquo ano de 2003, houve alteração legal promovida pela Lei nº 10.792/2003, a qual permitia que, diante do cumprimento dos requisitos objetivos (lapso temporal) e subjetivos (bom comportamento), o preso pudesse realizar a progressão, sem qualquer obrigatoriedade do exame criminológico.

É o que se extrai do julgamento do AgRg no HC n. 868.028/SP, de relatoria do Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), no âmbito da Sexta Turma do STJ, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024:

Nos termos da jurisprudência desta Corte, desde a Lei n. 10.793/2003, que conferiu nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal, aboliu-se a obrigatoriedade do exame criminológico como requisito para a concessão da progressão de regime, cumprindo ao julgador verificar, em cada caso, acerca da necessidade ou não de sua realização, podendo dispensar o exame criminológico ou, ao contrário, determinar sua realização, desde que mediante decisão concretamente fundamentada.”

Diante dessa controvérsia, relacionada à falta de obrigatoriedade do exame criminológico, após a alteração legal, o STJ houve, por bem, concretizar a Súmula 439, ao mencionar que, ainda assim, era possível exigir o exame criminológico, desde houvesse fundamentação adequada.

Eis o teor da referida súmula:

Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada. (SÚMULA 439, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010) ”

Ocorre que, recentemente, foi publicada a Lei nº 14.843/2024, que passou a exigir o exame criminológico obrigatoriamente para todos os presos quando da análise da progressão, sem que houvesse qualquer tipo de exceção.

Consequentemente, o Superior Tribunal de Justiça se viu, novamente, obrigado a enfrentar o tema da obrigatoriedade do exame criminológico para fins de progressão.

Em recentes decisões, o colendo Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a referida alteração legal – obrigatoriedade do exame criminológico para fins de progressão – deve ser tratada como uma “novatio legis in pejus” – norma mais gravosa que a anterior -, de modo que não teria incidência retroativa com relação às condenações anteriores à nova previsão legal.

Segundo o doutrinador MIRABETE, “[…] nessa situação (novatio legis in pejus) estão as leis posteriores em que se comina pena mais grave em qualidade (reclusão em vez de detenção, por exemplo) ou quantidade (de 02 a 08 anos, em vez de 01 a 04, por exemplo); se acrescentam circunstâncias qualificadoras ou agravantes não previstas anteriormente; se eliminam atenuantes ou causas de extinção da punibilidade; se exigem mais requisitos para a concessão de benefícios, etc.” (MIRABETE, 2005, p.60)

Com efeito, a ideia de novatio legis in pejus decorre da situação em que uma nova lei é editada justamente para concretizar um tratamento mais severo ou prejudicial para o réu. Assim, a nova norma, por alguma razão, agrava a situação do agente se comparada com a situação normativa anterior.

É de conhecimento notório que essas normas penais ou processuais materiais mais gravosas não podem retroagir para prejudicar o réu. Nesse contexto, a Constituição assegura, em seu artigo 5º, inciso XL, que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. O referido dispositivo consagrou o princípio da irretroatividade da lei penal, mas, ao mesmo tempo, permite a retroatividade para apenas beneficiar o réu.

Desse modo, atenta ao arcabouço constitucional e legal sobre o tema, a Corte da Cidadania já se manifestou no sentido de que:

[…] A obrigatoriedade do exame criminológico, como novo requisito para todas as concessões de progressão de regime prisional, representa típico caso de novatio legis in pejus, uma vez que adiciona um requisito à concessão do benefício. […] Entendimento consignado pela Sexta Turma, no sentido da impossibilidade de aplicação da referida alteração aos casos anteriores.” (AgRg no HC n. 888.628/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 23/10/2024, DJe de 28/10/2024.)

Em outro julgado, também concluindo pela irretroatividade da previsão legal que institui a obrigatoriedade do exame criminológico, por ser norma mais gravosa, o colendo STJ assentou que:

A obrigatoriedade do exame criminológico para progressão de regime com base na redação dada pela Lei n. 14.843/2024 ao art. 112, § 1º, da Lei de Execução Penal só é aplicável às condenações por crimes cometidos após a vigência da modificação legal.” AgRg no HC n. 945.960/SP, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 8/11/2024.)

5. CONCLUSÃO

A partir do que ficou definido pela Lei 14.843/2024, a obrigatoriedade do exame criminológico para todos os apenados tem gerado questionamentos sobre a natureza da nova norma.

Conforme demonstrado alhures, o STJ vem consolidando entendimento de que a previsão legal tem natureza de novatio legis in pejus, de modo que, por ser mais gravosa, não tem aplicação retroativa, mas apenas para condenações efetuadas após a entrada em vigor do referido diploma.

Em suma, a partir do que foi apresentado, nas situações em que a condenação for anterior à nova Lei nº 14.843/2024, o julgador pode até exigir o exame criminológico, desde que apresente fundamentação adequada. No entanto, para condenações posteriores à nova previsão legal, é obrigatória a realização do exame criminológico.

Nessa quadra, o Superior Tribunal de Justiça, ao decidir que a aplicação da nova norma não teria cabimento para condenações anteriores à entrada em vigor do diploma legal, prestigia principalmente o princípio da irretroatividade da norma penal mais severa a fim de resguardar os direitos fundamentais do apenado assegurados pela Constituição Federal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 20/12/2024.

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BRASIL. Código penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 20/12/2024.

BRASIL. Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024. Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária. Brasília: Presidência da República, 2024a. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14843.htm. Acesso em 20/12/2024.

SÚMULA 439. Disponível em: Acesso em 20/12/2024

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 22a ed. São Paulo. Atlas. 2005. vol. 1.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC n. 868.028/SP, Sexta Turma do STJ, 15/4/2024.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC n. 888.628/SP, Sexta Turma do STJ, 23/10/2024.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC n. 945.960/SP, Sexta Turma do STJ, 8/11/2024.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NORONHA, Bruno Vilarins de.. A Lei nº 14.843 de 2024 e a obrigatoriedade do exame criminológico na visão do STJ. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.14555872, Joinville-SC, ano 2024, n. 3, aprovado e publicado em 25/12/2024. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-lei-no-14-843-2024-e-a-obrigatoriedade-do-exame-criminologico-na-visao-do-stj/. Acesso em: 28/10/2025.