Transação Penal, Suspensão Condicional do Processo e Acordo de Não Persecução Penal: Diferenciação, Limites e Aplicabilidade.
Autores
Resumo
O presente artigo tem como objetivo diferenciar as principais medidas despenalizadoras do ordenamento jurídico brasileiro: a Transação Penal, a Suspensão Condicional do Processo (SUSPRO) e o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Para tanto, analisa-se a natureza jurídica de cada instituto, seus requisitos, efeitos e impacto no sistema de justiça criminal. Destaca-se que, embora todas tenham como fundamento a mitigação do encarceramento e a busca por soluções alternativas à pena privativa de liberdade, cada uma possui particularidades essenciais que delimitam sua aplicação e consequências. Enquanto a Transação Penal impede o oferecimento da denúncia e pressupõe a inexistência de ação penal, a Suspensão Condicional do Processo opera após a denúncia, adiando a persecução penal sob condições determinadas. Já o Acordo de Não Persecução Penal, introduzido pelo Pacote Anticrime, insere-se em um contexto intermediário, permitindo a negociação de medidas alternativas antes da instauração do processo. Por meio de uma análise comparativa, o estudo busca demonstrar os limites e desafios desses mecanismos, bem como sua relevância para a celeridade processual e a efetividade da justiça penal.
Palavras-ChaveMedidas despenalizadoras; Transação Penal; Suspensão Condicional do Processo; Acordo de Não Persecução Penal; Justiça Penal; Política Criminal; Alternativas à Pena Privativa de Liberdade.
Abstract
This article aims to differentiate the main decriminalizing measures in the Brazilian legal system: the Criminal Transaction, the Conditional Suspension of the Process (SUSPRO) and the Criminal Non-Prosecution Agreement (ANPP). To this end, the legal nature of each institute, its requirements, effects and impact on the criminal justice system are analyzed. It is noteworthy that, although they are all based on mitigating incarceration and the search for alternative solutions to the custodial sentence, each one has essential particularities that define its application and consequences. While the Criminal Transaction prevents the filing of a complaint and presupposes the non-existence of criminal action, the Conditional Suspension of the Process operates after the complaint, postponing the criminal prosecution under determined conditions. The Criminal Non-Prosecution Agreement, introduced by the Anti-Crime Package, is inserted in an intermediate context, allowing the negotiation of alternative measures before the initiation of the process. Through a comparative analysis, the study seeks to demonstrate the limits and challenges of these mechanisms, as well as their relevance for procedural speed and the effectiveness of criminal justice.
KeywordsDecriminalizing measures; Criminal Transaction; Conditional Suspension of the Process; Non-Criminal Prosecution Agreement; Criminal Justice; Criminal Policy; Alternatives to the Deprivation of Liberty Sentence.
1. Introdução
O sistema penal brasileiro sempre enfrentou um cenário de superlotação carcerária e morosidade processual, que revela a urgência de alternativas eficazes à pena privativa de liberdade. Nesse contexto, o ordenamento jurídico adota medidas despenalizadoras, que visam conferir maior celeridade e eficiência à justiça penal, ao mesmo tempo que buscam evitar o encarceramento desnecessário. Dentre essas medidas, destacam-se a Transação Penal, a Suspensão Condicional do Processo (SUSPRO) e o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), cada qual com suas características, requisitos e efeitos próprios, oferecendo soluções diferenciadas para os diversos momentos do processo penal.
Com esse intuito, é oportuno trazer à colação a lição de Antônio Scarance (2015), que discorre sobre o tema.
“Os institutos despenalizadores, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo, têm sua origem nas teorias de direito penal mínimo, que buscam reduzir a intervenção estatal no âmbito penal e privilegiar a resolução de conflitos de forma consensual. Esses mecanismos são importantes não apenas para aliviar a sobrecarga do sistema de justiça criminal, mas também para promover a efetivação dos direitos fundamentais dos acusados e das vítimas, garantindo-lhes acesso à justiça de forma mais célere e eficiente”.
A Transação Penal, prevista pela Lei nº 9.099/1995, configura uma alternativa à instauração da ação penal, permitindo ao Ministério Público propor uma alternativa à pena ao infrator, com o intuito de evitar a judicialização do conflito. Por sua vez, a Suspensão Condicional do Processo (também regulada pela mesma Lei) ocorre após o oferecimento da denúncia, suspendendo a ação penal sob condições específicas, com possibilidade de extinção da punibilidade caso o réu cumpra os requisitos impostos. O Acordo de Não Persecução Penal, introduzido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), surge como uma inovação, sendo aplicado antes da denúncia, em casos de infrações sem violência ou grave ameaça, desde que o acusado aceite a proposta do Ministério Público, cumprindo as condições acordadas.
Essas medidas, embora partilhem o objetivo comum de desafogar o judiciário com a diminuição de demandas criminais, diminuir o encarceramento e promover a redução do encarceramento, apresentam distinções significativas quanto à sua aplicação, requisitos e consequências jurídicas. A utilização dessas alternativas, em muitos casos, tem sido defendida como uma resposta mais eficiente e menos punitiva ao sistema penal, refletindo uma mudança nas práticas jurídicas tradicionais. Compreender as diferenças entre elas é fundamental para garantir que cada medida seja utilizada de maneira adequada, respeitando os princípios da justiça penal e assegurando uma resposta proporcional à gravidade do delito.
Portanto, o presente estudo visa analisar e diferenciar as medidas despenalizadoras, com ênfase na Transação Penal, SUSPRO e ANPP, a partir de uma abordagem comparativa, buscando evidenciar as particularidades de cada uma e discutir sua efetividade na prática do sistema penal brasileiro. Esse estudo se justifica, especialmente, pela relevância da utilização dessas ferramentas na busca por uma justiça mais célere, eficiente e menos punitiva, em consonância com os direitos fundamentais do acusado e com os objetivos do processo penal.
2. Fundamentação Teórica
2.1 A Política Criminal e a Necessidade de Alternativas à Pena Privativa de Liberdade
A política criminal, enquanto conjunto de diretrizes e estratégias adotadas pelo Estado para lidar com a criminalidade, reflete a evolução das necessidades sociais e a compreensão sobre a natureza da punição. Tradicionalmente, a pena tem sido encarada como uma ferramenta punitiva, visando não apenas a retribuição pelo mal causado, mas também a prevenção de novos delitos. No entanto, ao longo das últimas décadas, especialmente com a consolidação dos direitos humanos, a função da pena passou a ser reinterpretada, enfatizando a ressocialização do infrator, a reparação do dano e a promoção da justiça restaurativa. Nesse novo cenário, as alternativas à pena privativa de liberdade emergem como um aspecto crucial da política criminal moderna.
Cumpre destacar que as medidas despenalizadoras não se confundem com as penas alternativas. O renomado professor Luiz Flávio Gomes, ao tratar das distinções entre ambas, expõe as diversas providências a serem adotadas em cada situação, conforme se observa a seguir:
Despenalizar consiste, como vimos, em adotar processos substitutivos ou alternativos, de natureza penal ou processual, que visam, sem rejeitar o caráter ilícito do fato, dificultar, evitar, substituir ou restringir a aplicação da pena de prisão ou sua execução ou, ainda, pelo menos, sua redução. Os ‘substitutivos penais’ não se confundem com os processos despenalizadores ‘alternativos’ (penas alternativas), porque enquanto aqueles substituem uma pena de prisão já fixada (ex: penas restritivas de direito no Código Penal, estes aparecem como ‘alternativa impeditiva’ da imposição de tal pena (…). Os processos despenalizadores, por outro lado, podem ser consensuais (conciliação, transação etc. – isso se deu agora com a Lei 9.099/95) ou não consensuais (impostos pelo juiz) (GOMES, 1995, p. 9).
O sistema penal brasileiro enfrenta diversos desafios, sendo um dos mais urgentes a superlotação carcerária, conforme ilustrado no gráfico a seguir, que evidencia a escassez de vagas nos presídios brasileiros ao longo dos anos.
As estatísticas demonstram que o Brasil ocupa uma das posições mais altas no ranking mundial de encarceramento, com unidades prisionais frequentemente superando sua capacidade máxima. Conforme exemplifica Fábio Correa a respeito deste tema:
Atualmente, o Brasil é o terceiro país com a maior população carcerária do mundo. Dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) indicavam um total de 832,2 mil detentos no sistema penitenciário em dezembro de 2022, dos quais 642.638 estavam em celas físicas pelas 27 unidades da Federação.
Essa superlotação não apenas prejudica as condições de vida dentro dos presídios, mas também agrava o processo de reintegração do indivíduo à sociedade. O encarceramento massivo tem mostrado sua ineficácia como medida de prevenção, ao passo que contribui para o aumento da reincidência criminal. Nesse contexto, a busca por alternativas à prisão tornou-se essencial para o reequilíbrio do sistema penal, não apenas no aspecto quantitativo, mas também em relação à qualidade da justiça prestada.
A necessidade de alternativas à pena privativa de liberdade está intrinsecamente ligada a um modelo de justiça mais humano e eficiente. Em vez de seguir com a tradicional resposta punitiva, a política criminal contemporânea se volta para soluções que permitam a reparação do dano, a recuperação do infrator e a diminuição dos impactos negativos da prisão.
Conforme aponta Bitencourt (2011), as penitenciárias obstruem ou perturbam o funcionamento dos mecanismos compensadores da psique, os quais são responsáveis pela manutenção da saúde e do equilíbrio mental. O autor aduz, ainda, que o ambiente penitenciário exerce uma influência tão deletéria que a ineficácia desses mecanismos psíquicos resulta no surgimento de desequilíbrios que podem variar desde uma reação psicológica temporária até um quadro psicótico persistente.
A prisão violenta o estado emocional, e, apesar das diferenças psicológicas entre as pessoas, pode-se afirmar que todos os que entram na prisão – em maior ou menor grau – encontram-se propensos a algum tipo de reação carcerária (Bitencourt, 2011, p.201).
Deste modo, tais alternativas visam garantir a efetividade da pena sem os custos sociais, econômicos e emocionais que o encarceramento acarreta. As medidas despenalizadoras, como a transação penal, a suspensão condicional do processo (SUSPRO) e o acordo de não persecução penal (ANPP), representam um avanço na busca por justiça penal mais célere, menos punitiva e mais eficaz.
O uso dessas alternativas deve ser visto não como uma diminuição da responsabilidade do infrator, mas como uma forma mais eficiente e proporcional de lidar com a criminalidade. Ao desconsiderar a pena privativa de liberdade como resposta única e imediata para todos os tipos de infrações, a política criminal brasileira abre espaço para um sistema mais justo, eficiente e capaz de atender de forma mais adequada às complexidades dos crimes e aos perfis dos infratores.
Portanto, a adoção de medidas despenalizadoras surge como uma necessidade para enfrentar os desafios contemporâneos do sistema penal, representando um modelo de justiça que busca não apenas punir, mas também prevenir a reincidência e promover a reconciliação do infrator com a sociedade. Conforme narra Fernando Parentes a respeito da reincidência:
(…) essas medidas contribuem para a redução da população carcerária e evitam a superlotação dos presídios. No longo prazo, a adoção dessas políticas pode auxiliar na diminuição do índice de reincidência e promover uma justiça mais humana e eficiente.
2.2 Medidas Despenalizadoras no Ordenamento Jurídico Brasileiro
O ordenamento jurídico brasileiro, ao longo das últimas décadas, tem adotado um movimento gradual de redução da severidade das penas, buscando alternativas à prisão como resposta para determinadas infrações. Esse movimento de despenalização está intimamente ligado a uma mudança de paradigma na política criminal, a qual prioriza soluções mais adequadas, proporcionais e eficazes para a resolução de conflitos penais, alinhadas com os direitos fundamentais do indivíduo e a redução da superlotação carcerária.
O conceito de medidas despenalizadoras refere-se a instrumentos jurídicos que permitem a resolução de determinadas situações de forma mais célere e menos gravosa para o réu, sem que seja necessário o enfrentamento do processo penal tradicional e a imposição de uma pena privativa de liberdade. A Lei 9.099/95, de maneira simplificada e objetiva, buscou estabelecer a orientação dos procedimentos, dispondo os princípios no artigo seguinte desse mesmo dispositivo legal:
Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (BRASIL, 1995).
O Brasil, por meio de sua legislação, tem implementado diversas medidas que visam justamente desonerar o sistema carcerário, ao mesmo tempo em que proporcionam alternativas ao encarceramento para delitos de menor potencial ofensivo e casos específicos em que a prisão não se mostra necessária.
Dentre as principais medidas despenalizadoras previstas no ordenamento jurídico brasileiro, destacam-se a Transação Penal, a Suspensão Condicional do Processo (SUSPRO) e o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Cada uma dessas ferramentas apresenta características próprias, mas todas têm em comum o objetivo de promover respostas mais adequadas, humanizadas e eficazes à criminalidade, evitando o encarceramento e promovendo, quando possível, a reintegração social do infrator.
2.3. A Transação Penal: Fundamentos, Requisitos e Efeitos
A transação penal, prevista na Lei nº 9.099/1995, constitui um dos pilares das alternativas à pena privativa de liberdade no ordenamento jurídico brasileiro. Ela é aplicada no âmbito dos Juizados Especiais Criminais e visa proporcionar uma resposta mais célere e menos gravosa ao infrator, especialmente nos casos de delitos de menor potencial ofensivo. A transação penal não apenas promove a desburocratização do processo penal, mas também busca atender a princípios constitucionais e garantir a reparação do dano de maneira eficiente. Deste modo, conforme dispõe o artigo 76 do referido dispositivo legal, conforme segue:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. (BRASIL, 1995)
O fundamento da transação penal está atrelado a uma mudança de paradigma na política criminal, que visa a substituição do enfoque punitivo pela busca por soluções mais adequadas, que envolvam a ressocialização do infrator e a reparação do dano. A transação penal reflete a ideia de que, em crimes de menor gravidade, a imposição de uma pena privativa de liberdade é desproporcional e ineficaz, além de representar um ônus para o sistema de justiça, que poderia ser mais bem aproveitado para a resolução de casos mais complexos. O significado de transação penal, segundo Oriana Piske de Azevedo Magalhães Pinto (2002), se define como:
A transação penal é instituto decorrente do princípio da oportunidade de propositura a da ação penal, o que confere ao seu titular, o Ministério Público, a faculdade de dispor da ação penal, ou seja, de promovê-la, sob certas condições, nas hipóteses previstas legalmente, desde que haja a concordância do autor da infração e a homologação judicial. (PINTO, 2005, p.43).
Além disso, a transação penal é um reflexo do princípio da efetividade da justiça penal, que busca soluções que tragam resultados concretos em termos de reintegração social e prevenção de novos delitos. Ela visa, assim, a humanização do sistema penal, oferecendo ao réu a oportunidade de redirecionar sua conduta sem recorrer à prisão, por meio de um acordo com o Ministério Público, aceitando as condições impostas e reparando, sempre que possível, o dano causado à vítima. Exposto isto, Tânia Lopes(2009), conceitua a transação penal como sendo:
(…) consenso entre as partes, é convergência de vontades, é acordo de propostas, é ajuste de medidas, etc.; enfim, tudo o mais que se queira definir como verdadeira conciliação de interesses. (LOPES, 2009)
A transação penal também é uma expressão da aplicação do princípio da proporcionalidade, que exige que a resposta penal seja adequada ao tipo de infração cometida e ao perfil do infrator. Crimes de menor potencial ofensivo não demandam uma resposta excessivamente severa, podendo ser resolvidos por meios alternativos e mais proporcionais, como a transação penal.
Afrânio Silva Jardim (1998), ao realizar uma análise do artigo 76 da Lei nº 9.099/95, expõe, de maneira precisa e fundamentada:
(…) estabelecemos uma premissa para compreensão do sistema interpretativo proposto: quando o Ministério Público apresenta em juízo a proposta de aplicação de pena não privativa de liberdade, prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/95, está ele exercendo a ação penal, pois deverá, ainda de que maneira informal e oral – como a denúncia – fazer uma imputação ao autor do fato e pedir a aplicação de uma pena, embora esta aplicação imediata fique na dependência do assentimento do réu. Em outras palavras, o promotor de justiça terá que, oralmente como na denúncia, descrever e atribui ao autor do fato uma conduta típica, ilícita e culpável, individualizando-a no tempo (prescrição) e no espaço (competência foto). Deverá, outrossim, a nível de tipicidade (sic) demonstrar que tal ação ou omissão caracteriza uma infração de menor potencial ofensivo (competência de juiz), segundo definição legal (art. 61). Vale dizer, na proposta se encontra embutida uma acusação penal (imputação mais pedido de aplicação da pena). (JARDIM, 1998, p. 127)
A transação penal só é aplicável nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas cuja pena máxima não ultrapasse dois anos de prisão. Além disso, o infrator deve ser maior de idade e não deve ter sido processado ou condenado por outros crimes. A esse respeito, o jurista Fernando da Costa Tourinho Neto (2011) disserta de maneira precisa:
(…) para fazer a proposta, o Ministério Público tem de verificar se há os pressupostos para dar início à ação penal, no Juizado competente. Daí por que descer expor o fato criminoso, com todas suas circunstâncias, onde ocorreu, o lugar(ubi), quando se deu, o tempo(quando), sem minúcias classificar a infração penal, apostando seu autor (quis). São pressupostos básicos para precisar, inclusive, se o Juizado Especial é competente para conhecer do crime e se o cidadão apresentado é, realmente, seu autor. Verifica os dados, como se fosse oferecer a denúncia. (NETO, 2011, p. 68) (grifo nosso)
A transação penal depende da aceitação do réu, que deve concordar com as condições impostas pelo Ministério Público, o que implica em uma autocomposição entre as partes. A aceitação da proposta de transação penal não é automática; ela exige que o autor manifeste sua concordância expressa, de forma consciente, tendo pleno conhecimento das consequências de sua adesão. Para o professor Afrânio Silva Jardim:
(…) a proposta de transação penal corresponde a peça exordial de uma ação penal condenatória promovida pelo Ministério Público. Em outras palavras, é a manifestação de uma pretensão punitiva, já que a decisão que homologa a proposta, aceita pelo autuado e seu advogado, tem indisfarçável caráter punitivo. (JARDIM, 1998)
Os efeitos da aceitação da transação penal são diversos e significativos para o réu. Em primeiro lugar, a transação penal resulta na extinção da punibilidade do crime, ou seja, o infrator não terá mais sua conduta punida por meio de uma sentença condenatória. Em vez disso, ele se comprometerá a cumprir as condições estabelecidas no acordo, como o pagamento de multa, a prestação de serviços à comunidade, ou a participação em programas educativos ou de reabilitação. Outro efeito importante da transação penal é que, ao final do cumprimento das condições acordadas, o processo será extinto, o que implica na não existência de condenação penal formal. A transação penal, portanto, evita que o réu tenha um registro criminal decorrente daquela infração, o que pode ser de grande relevância para a sua reintegração social e para a preservação de seus direitos civis. É importante destacar que a transação penal não gera reincidência penal. Assim, mesmo que o réu seja beneficiado com a transação, o seu histórico criminal não será alterado de forma a prejudicar futuras avaliações por parte da justiça. Esse aspecto é fundamental para assegurar que a aplicação da transação penal não leve a uma marca negativa permanente na vida do infrator. A aceitação da proposta não corresponde ao reconhecimento de culpabilidade por parte do autor dos fatos.
Caso o autor não aceite a proposta de transação penal, o processo penal prosseguirá de forma tradicional, com a possibilidade de julgamento e, eventualmente, imposição de pena. A rejeição da transação penal não implica em qualquer prejuízo adicional ao réu, já que ele mantém o direito ao devido processo legal, com as garantias do contraditório e da ampla defesa, mas impede que ele se beneficie de uma solução mais célere e menos gravosa.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se posicionado favoravelmente à aplicação da transação penal nos crimes de ação penal privada, entendendo que, nestes casos, a legitimidade para formular a proposta recai sobre o ofendido. Contudo, o STJ destaca que o querelante não está compelido a apresentar a proposta de transação penal, ainda que estejam presentes os requisitos legais para sua aplicabilidade.
(…) 1. Embora admitida a possibilidade de transação penal em ação penal privada, este não é um direito subjetivo do querelado, competindo ao querelante a sua propositura. (…). (…) II – A jurisprudência dos Tribunais Superiores admite a aplicação da transação penal às ações penais privadas. Nesse caso, a legitimidade para formular a proposta é do ofendido, e o silêncio do querelante não constitui óbice ao prosseguimento da ação penal. III – Isso porque, a transação penal, quando aplicada nas ações penais privadas, assenta-se nos princípios da disponibilidade e da oportunidade, o que significa que o seu implemento requer o mútuo consentimento das partes. (…)
Embora a transação penal seja uma alternativa eficaz para crimes de menor gravidade, ela exige o consentimento do réu e está sujeita a algumas restrições, como a impossibilidade de ser aplicada nos casos em que haja violência ou grave ameaça à vítima. A principal vantagem desse instrumento é a agilidade no processo, promovendo uma resolução rápida, evitando o encarceramento e permitindo que o réu se responsabilize pelo seu ato de maneira proporcional.
2.4. Suspensão Condicional do Processo: Aspectos Teóricos e Práticos
A Suspensão Condicional do Processo (SUSPRO), prevista no artigo 89 da Lei nº 9.099/1995, é uma medida despenalizadora essencial no contexto dos Juizados Especiais Criminais, visando à suspensão temporária do processo penal em casos em que a pena mínima seja igual ou inferior a um ano. A ideia central dessa medida é a possibilidade de evitar que o réu seja submetido ao sistema penal, que, em certos casos, pode ser excessivo ou contraproducente, promovendo alternativas que favoreçam sua reintegração à sociedade sem a imposição de uma pena privativa de liberdade. A respeito deste tema, a ilustre professora Ada Pellegrini Grinover expõe o seguinte entendimento:
O que bem explica a natureza jurídica da suspensão condicional do processo entre nós, em suma, é o nolo contendere, que consiste numa forma de defesa em que o acusado não contesta a imputação, mas não admite culpa nem proclama sua inocência. (GRINOVER, 1997, p. 224).
A SUSPRO difere de outras medidas despenalizadoras, como a transação penal, pois ocorre após o início do processo e não antes, sendo, portanto, uma solução processual. Ela permite que, ao invés de seguir com o trâmite do processo e eventualmente chegar a uma condenação, o réu tenha seu caso suspenso por um período determinado, desde que cumpra certas condições impostas pelo juiz. As condições podem incluir a reparação do dano à vítima, a prestação de serviços à comunidade ou a participação em programas de reabilitação, entre outras medidas que visem a recuperação do réu e a prevenção de novas infrações.
Essa suspensão do processo não equivale a uma absolvição, pois o réu ainda permanece sujeito ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz. Caso o réu cumpra com êxito as condições, o processo será extinto sem que haja uma sentença condenatória. Caso contrário, o processo será retomado e seguirá o curso normal, com a aplicação das sanções previstas para o crime em questão. Acerca desse fato, Maria Emília Loth Machado disserta sobre os antecedentes criminais, afirmando que:
(…) o acusado não admite culpa e continua primário, sem antecedentes criminais, não havendo, portanto, condenação. Os requisitos para a transação são mais simples, devendo o acusado ser primário, ter bons antecedentes e possuir boa conduta na sociedade. Ao cumprir a pena, o processo é extinto, não constando na folha de antecedentes criminais do acusado. (MACHADO, 2021, p. 32)
Uma das grandes vantagens da SUSPRO é a oportunidade que ela proporciona para que o autor evite as consequências de uma condenação, o que poderia impactar de forma positiva sua vida, sua reintegração social e a possibilidade de reconstruir seu futuro. Além disso, essa medida contribui para a descongestão do sistema penitenciário, evitando que indivíduos que cometeram infrações de baixo potencial ofensivo sejam encarcerados, o que, além de oneroso, pode ser prejudicial ao processo de reintegração desses indivíduos à sociedade. Em vez de adotar a punição severa da prisão, a SUSPRO privilegia a recuperação do réu, com ênfase na prevenção e na reabilitação.
Outro ponto relevante é que a SUSPRO não é uma medida aplicável a todos os réus ou a todos os tipos de crime. A lei exige que o réu tenha cumprido um conjunto de condições, como não ser reincidente e não ter cometido crimes graves, o que faz com que a aplicação da medida seja restrita a crimes de baixo potencial ofensivo. Assim, a SUSPRO se destina, principalmente, a pessoas que cometem delitos menores, com chance de reabilitação, e que não representam um risco iminente à sociedade. Determinados no § 2º do artigo 89 da Lei n.º 9.099/95, os requisitos para a concessão da Suspensão Condicional do Processo são os seguintes:
I – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. (BRASIL, 1995)
Caso o réu concorde com a proposta, o juiz homologará a suspensão condicional do processo e fixará o período de prova, que deve variar entre dois a quatro anos, conforme o § 1º do artigo 89. Durante esse período, o réu deve cumprir algumas condições impostas, que podem incluir:
I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II – proibição de frequentar determinados lugares;
III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. (BRASIL, 1995)
Em caso de descumprimento de alguma das condições impostas, o juiz pode revogar a suspensão e o processo será retomado, com prosseguimento regular, conforme imposto no § 3° do artigo 89 da referida lei:
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. (BRASIL, 1995)
Acerca da revogação, Nogueira (1996) ensina que:
A revogação é obrigatória se, no curso do prazo para o período de prova (2 a 4 anos), o beneficiário que vier a ser processados por crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. Obrigação facultativa se o beneficiário vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção ou descumprir condição imposta (NOGUEIRA, 1996, p.42).
Por fim, a Suspensão Condicional do Processo se configura como uma medida que promove a justiça restaurativa, ao permitir que o réu tenha a oportunidade de reparar o dano causado sem a imposição de uma pena privativa de liberdade. Em termos práticos, ela se mostra como uma solução eficaz para o tratamento de infrações leves, pois alia a prevenção à reincidência com o fortalecimento dos mecanismos de reintegração social. Dessa forma, a SUSPRO oferece uma alternativa eficaz para a despenalização do sistema de justiça criminal, garantindo que o tratamento da infração seja proporcional ao seu grau de gravidade e ao perfil do infrator.
3. Diferenças Fundamentais entre as Medidas Despenalizadoras
Todas são alternativas à pena privativa de liberdade, mas possuem especificidades que as tornam adequadas para diferentes contextos dentro do sistema penal.
A transação penal se configura como uma solução preambular ao processo, ou seja, ela é proposta pelo Ministério Público antes mesmo da formalização da ação penal, nos termos do art. 76 da Lei 9.099/95
Sua principal característica é a possibilidade de extinção da punibilidade do réu, desde que este aceite as condições impostas, como o pagamento de uma multa ou a prestação de serviços à comunidade. Trata-se de um acordo consensual entre o réu e a acusação, que visa evitar o início de um processo penal, proporcionando uma resposta célere e eficaz, sem a necessidade de adoção de medidas mais drásticas, como a imposição de uma sentença condenatória. A transação penal, no entanto, só pode ser aplicada a crimes de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não ultrapasse dois anos, e exige a concordância do réu com as condições oferecidas pelo Ministério Público. Em acréscimo a este assunto, o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (1997) ensina:
Nesta transação, o autor do fato sofre a imposição de uma sanção penal. No momento em que o autor do fato aceita a aplicação imediata de pena alternativa, está assumindo culpa, o que é natural em razão do princípio nulla poena sine culpa. Não mais poderá discuti-la, ressalvada a possibilidade de revisão criminal. (BITENCOURT, 1997, p. 103)
Por outro lado, a Suspensão Condicional do Processo (SUSPRO) ocorre no curso da ação penal, ou seja, após a instauração do processo. Essa medida é decidida pelo juiz, que, ao analisar as circunstâncias do caso concreto, pode suspender temporariamente o andamento do processo, desde que o réu atenda a certos requisitos, como a não reincidência e a gravidade do crime. Ao contrário da transação penal, a SUSPRO é um acordo entre as partes, mas uma decisão judicial, que visa oferecer ao réu uma oportunidade de reabilitação. Para Fernando Capez (2005):
(…) instituto despenalizador, criado como alternativa à pena privativa de liberdade, pelo qual se permite a suspensão do processo, por um determinado período e mediante certas condições. Decorrido esse prazo, sem que o réu tenha dado causa à revogação do benefício, o processo será extinto, sem que tenha sido proferida nenhuma sentença. (…)
Durante o período da suspensão, o réu deve cumprir condições ofertadas pelo Ministério Público e que foram homologadas pelo juiz, como a reparação do dano à vítima ou a prestação de serviços à comunidade. Caso o réu cumpra todas as condições estabelecidas, o processo será extinto sem a imposição de uma condenação formal. Se não houver o cumprimento das condições, o processo será retomado e seguirá o trâmite normal, podendo resultar em uma condenação.
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), introduzido pela Lei nº 13.964/2019, é uma medida despenalizadora aplicada antes da denúncia. Ele permite que, mediante negociação entre o Ministério Público e o réu, este evite a persecução penal ao cumprir condições específicas, como reparação do dano ou pagamento de multa. Se aceitas e cumpridas, as condições resultam na extinção da punibilidade. Diferente da transação penal, que ocorre antes do processo, e da SUSPRO, que é aplicada após a instauração do processo, o ANPP oferece uma alternativa pré-processual, visando à celeridade e à redução do número de processos. Conforme o advogado Altamiro Velludo Salvador (2020):
O acordo é conceituado pela doutrina como uma espécie de medida despenalizadora, uma forma de ampliação da justiça consensual/negociada no Processo Penalista. Ocasionando ao investigado a possibilidade de não exercer o seu direito de se defender e de ser submetido a um julgamento feito por um juiz natural e imparcial, desde que confesse a autoria do fato averiguado ainda na fase do inquérito policial. (NETTO, 2020, p. 78)
Portanto, as principais diferenças entre essas medidas estão no momento de aplicação, na natureza do ato (consensual ou judicial), nos efeitos (extinção da punibilidade versus suspensão do processo) e no tipo de infração a que se aplicam. A transação penal é uma solução processual antecipada, aplicável a infrações leves, enquanto a SUSPRO é uma medida processual aplicada após a instauração do processo, com o objetivo de oferecer uma segunda chance ao réu, sem que haja a imposição imediata de uma condenação. Ambos os institutos buscam, em última instância, evitar a pena privativa de liberdade, mas de maneiras distintas, alinhando-se aos princípios da eficiência e da justiça restaurativa.
3.2. Requisitos para Aplicação
Critério |
Transação Penal |
SUSPRO |
ANPP |
---|---|---|---|
Previsão Legal |
Art. 76 da Lei 9.099/95 |
Art. 89 da Lei 9.099/95 |
Art. 28-A do CPP (Lei 13.964/2019) |
Momento de Aplicação |
Antes da denúncia |
Após a denúncia, antes da instrução |
Antes da denúncia |
Pena Máxima Permitida |
Até 2 anos |
Até 1 ano |
Inferior a 4 anos |
Natureza do Crime |
Infrações de menor potencial ofensivo |
Infrações de baixo e médio potencial ofensivo |
Crimes sem violência ou grave ameaça |
Aceitação do Réu |
Sim |
Sim |
Sim |
Reconhecimento da Culpabilidade |
Não |
Não |
Sim (indiretamente, ao aceitar as condições) |
4. Impacto Prático das Medidas e Discussões Doutrinárias
4.1. Eficiência e celeridade processual: qual das três medidas tem maior impacto na redução da carga do Judiciário?
O impacto das medidas despenalizadoras na carga do Judiciário é um tema relevante, especialmente considerando as alternativas ao processo judicial tradicional. Entre as três principais medidas — Transação Penal, Suspensão Condicional do Processo (SUSPRO) e Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) — a Transação Penal se destaca pela sua aplicação imediata e pela sua natureza consensual, o que permite uma redução significativa na sobrecarga do Judiciário. No entanto, o ANPP, por sua vez, também tem ganhado destaque por ser um meio de resolução rápida e eficiente para infrações de médio potencial ofensivo, onde há uma negociação direta entre o Ministério Público e o réu, sem necessidade de posterior julgamento. Já o SUSPRO, sendo uma medida suspensiva, como a condição de pena suspensa, mas não apresenta a mesma celeridade das demais medidas, já que envolve mais fases do processo.
4.2. Críticas e desafios na aplicação: ANPP como alternativa ou concorrente ao SUSPRO?
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) tem sido considerado, por alguns doutrinadores e operadores do direito, como uma alternativa ao Suspensão Condicional da Pena (SUSPRO), pois ambos visam, de alguma forma, evitar a imposição de penas privativas de liberdade. No entanto, a crítica reside no fato de que o ANPP pode ser visto como uma medida excessivamente leniente em algumas situações, uma vez que, ao ser aplicado, o réu evita o prosseguimento de um processo penal, o que pode gerar insegurança jurídica em relação à efetiva responsabilização pelo crime cometido. Por outro lado, o SUSPRO tem um foco mais voltado para a suspensão do processo e a reintegração do réu na sociedade, com condições a serem cumpridas. As críticas surgem quando se questiona a real efetividade de ambas as medidas na prevenção de crimes e no alcance da justiça, considerando a pressão para evitar a criminalização excessiva.
4.3. Reflexos na política criminal: prevenção ao superencarceramento versus risco de impunidade
O impacto dessas medidas na política criminal é significativo, principalmente no contexto do superencarceramento. Ao adotar medidas como a Transação Penal ou o ANPP, o sistema busca, em parte, reduzir o número de pessoas encarceradas, aliviando a superlotação dos presídios e, ao mesmo tempo, permitindo que o réu tenha uma chance de reparar o dano sem a imposição de pena privativa de liberdade. No entanto, surge o risco de impunidade: ao se dar a oportunidade de resolver o caso sem processo formal, pode-se questionar se tais medidas são eficazes na prevenção de futuros crimes, caso não haja uma vigilância adequada. O equilíbrio entre prevenção do superencarceramento e o risco de não efetivar uma punição adequada é um dos grandes desafios das reformas penais contemporâneas. A aplicação criteriosa dessas medidas, levando em consideração a gravidade do delito e o histórico do infrator, é essencial para que se evite a sensação de impunidade enquanto se busca uma justiça mais célere e menos punitiva.
4.4. Redução de Custos, Gasto Público e o Princípio da Eficiência
A adoção de medidas despenalizadoras como a Transação Penal, a Suspensão Condicional do Processo (SUSPRO) e o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) não apenas impacta a celeridade processual e a política criminal, mas também promove uma significativa redução dos gastos públicos, em consonância com o princípio da eficiência, previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Esse princípio impõe à Administração Pública o dever de otimizar o uso dos recursos disponíveis, garantindo um serviço célere e eficaz, sem desperdícios.
O processamento de uma ação penal tradicional envolve custos elevados, desde a mobilização de agentes públicos para a condução do processo até a manutenção do sistema penitenciário. Cada fase processual demanda recursos financeiros e humanos, incluindo despesas com audiências, diligências, produção de provas, atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública, além do impacto financeiro de eventuais penas privativas de liberdade.
Nesse contexto, a Transação Penal se destaca como a medida com maior impacto na redução imediata de custos, pois evita a instauração da ação penal, eliminando gastos com todo o procedimento judicial subsequente. O ANPP também representa uma economia considerável, pois permite uma solução negociada antes da denúncia, reduzindo significativamente o tempo e os recursos despendidos com a persecução penal. Já o SUSPRO, ao suspender o curso da ação penal e condicionar sua extinção ao cumprimento de determinadas obrigações, contribui para evitar condenações que possam resultar no aumento da população carcerária e, consequentemente, dos gastos com o sistema prisional.
Ao garantir que os recursos do Estado sejam direcionados para a repressão de crimes mais graves, essas medidas concretizam o princípio da eficiência e permitem uma alocação racional dos recursos públicos. Assim, ao mesmo tempo em que promovem uma resposta penal proporcional e célere, contribuem para a sustentabilidade financeira do sistema de justiça, reduzindo custos desnecessários e assegurando uma atuação estatal mais estratégica e eficaz.
5. Conclusão
A análise das medidas despenalizadoras, como a Transação Penal, a Suspensão Condicional da Pena (SUSPRO) e o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), revela um esforço contínuo do ordenamento jurídico brasileiro em buscar alternativas mais ágeis e eficientes para o processo penal, visando, sobretudo, a redução da sobrecarga do Judiciário e a mitigação do superencarceramento. No entanto, a aplicação dessas medidas não está isenta de desafios, sendo necessário um equilíbrio delicado entre a celeridade processual e a efetividade da punição. O ANPP, por sua natureza de acordo entre as partes, propõe-se como uma alternativa moderna e eficaz, mas, por sua vez, enfrenta críticas quanto ao risco de impunidade em certos casos. O SUSPRO, por sua vez, mantém sua relevância na reabilitação do infrator, ainda que com menos rapidez.
É inegável que a adoção dessas medidas tem um impacto positivo no descongestão dos sistemas penitenciários e na promoção de uma justiça mais célere, mas deve-se garantir, simultaneamente, que não haja enfraquecimento da responsabilidade penal e da função preventiva do direito penal. A questão do superencarceramento e seus reflexos sociais permanece um desafio, mas as medidas alternativas representam um passo importante rumo a uma política criminal mais equilibrada, justa e menos punitiva.
Portanto, o uso criterioso dessas alternativas, aliado à contínua evolução da jurisprudência e da doutrina, será fundamental para assegurar que a justiça não apenas alivie a carga processual, mas também se mantenha eficaz na busca por uma sociedade mais equânime e segura.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
LIMA, Gabryel Fraga. Transação Penal, Suspensão Condicional do Processo e Acordo de Não Persecução Penal: Diferenciação, Limites e Aplicabilidade.. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.15383437, Joinville-SC, ano 2025, n. 4, aprovado e publicado em 11/05/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/transacao-penal-suspensao-condicional-do-processo-e-acordo-de-nao-persecucao-penal-diferenciacao-limites-e-aplicabilidade/. Acesso em: 17/08/2025.