Reflexões sobre o princípio da insignificância no Direito Penal Brasileiro
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Resumo
O artigo explora o Princípio da Insignificância no Direito Penal brasileiro, um conceito que visa excluir da esfera criminal condutas de impacto irrelevante ou sem risco significativo à sociedade. Inicialmente, o texto contextualiza a relevância teórica do princípio como limitador da atuação estatal, assegurando que condutas sem relevância material não sejam objeto de punição. Em seguida, o estudo examina o desenvolvimento e os critérios de aplicação do princípio estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como a mínima ofensividade e a inexpressividade da lesão ao bem jurídico. O artigo também discute a jurisprudência recente e as divergências nos tribunais superiores quanto à aplicação desse princípio, refletindo sobre casos específicos e suas consequências para a política criminal brasileira.
Palavras-Chavepenal. insiginificância. tipicidade
Abstract
The article explores the Principle of Insignificance in Brazilian Criminal Law, a concept intended to exclude from the criminal sphere conduct that has negligible impact or poses no significant risk to society. Initially, the text contextualizes the theoretical relevance of the principle as a limit on state action, ensuring that conduct with no material relevance is not subject to punishment. The study then examines the development and application criteria established by the Supreme Federal Court (STF), such as minimal offensiveness and the insignificance of harm to the legal interest. The article also discusses recent case law and the divergences in higher courts regarding the application of this principle, reflecting on specific cases and their consequences for Brazilian criminal policy.
KeywordsCriminal. Insignificance. Typicity
1. INTRODUÇÃO
O Princípio da insignificância, conhecido por tratar de casos de pouca ou nenhuma relevância, tem chegado a mais alta corte do país. É um tema bastante relevante tanto para os aplicadores do direito, quanto para os cidadãos que eventualmente ocupem a posição de réus.
Considerar algo insignificante é apreciar o seu valor de maneira menos intensa. Isso é a justificativa teórica que embasa o funcionamento da máquina estatal para garanti-lo (princípio da insignificância); não mais subsistindo, ele é excluído do sistema jurídico.
Um fato interessante no presente estudo foi notado, pois durante a pesquisa realizada, constatou-se que para ser apreciado e aplicado, o princípio da insignificância deverá estar sob ótica dos Tribunais Superiores, geralmente na forma de Habeas Corpus, pois os juízes de primeiro grau têm encontrado dificuldade e resistência para reconhecer e aplicar a tese da bagatela.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Princípios como normas jurídicas
Qualquer ramo do direito fundamenta-se em determinados princípios, como elementos essências e diretores em sua maioria jurisdicizados, seja em nível constitucional, seja não constitucional.
Sobre o tema Luiz Regis Prado afirma o seguinte:
Os princípios penais constituem o núcleo essencial da matéria penal, alicerçando o edifício conceitual do delito – suas categorias teoréticas -, limitando o poder punitivo do Estado, salvaguardando as liberdades e os direitos fundamentais do indivíduo, orientando a política legislativa criminal, oferecendo, oferecendo pautas de interpretação e de aplicação da lei penal conforme a Constituição e as exigências próprias de um Estado democrático e social de Direito. Em síntese: servem de fundamento e de limites à responsabilidade penal[1].
Em nosso ordenamento jurídico, mais precisamente no Artigo 5º, §2º, da Constituição Federal, encontramos a fundamentação para sua aplicação no sistema judicial, vejamos:
Art. 5o, §2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
O Artigo 4º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro também aborda o mesmo tema:
Art. 4o – Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Assim, podemos concluir que os princípios são ensinamentos jurídicos essenciais em nosso sistema judicial, pois além de serem compostos de valores de uma cultura sócio jurídica coletiva, servem de base às outras normas jurídicas quando aplicadas na solução de casos concretos.
2.2. Princípio da insignificância no Direito Penal
De início, é necessário pontuar que na esteira do princípio da lesividade, a tipicidade desdobra-se em formal e material, vale dizer, embora uma conduta possa se subsumir a um tipo penal, não necessariamente ela terá o condão de ofender um bem jurídico.
Nesse sentido, Carlos Vico Mañas ensina o seguinte:
“Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Todavia, não dispõe de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves. O princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático político-criminal da expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal”.
No que tange ao aspecto histórico, independentemente se sua origem, o princípio da insignificância tem forte aplicação jurídica nos dias atuais, pois através de sua origem e evolução, seu teor foi moldando, se tornando um princípio penal muito importante.
Contudo, nas palavras de CAPEZ, o princípio da insignificância é:
(…)originário do Direito Romano, e de cunho civilista, tal princípio funda-se no conhecimento brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na realização dos objetos sociais traçados pela moderna política criminal[2].
2.3. Natureza juridica
É certo que o crime de bagatela não se encontra previsão expressa na legislação penal brasileira, sendo a sua essência de construção doutrinária e jurisprudencial, que tem delimitado as condutas tidas como insignificantes, sob a ótica do caráter de ultima ratio inerente ao Direito Penal. Assim, não deve esse ramo das ciências jurídicas se ocupar de condutas dotadas de mínimo desvalor e que, portanto, não representem prejuízo relevante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade do tecido social.
Cuida-se de causa de exclusão da tipicidade (material) da conduta. O fato atípico não é ilícito penal, podendo, contudo, constituir um ilícito de outra natureza, seja ela civil, administrativa, ou mesmo ser objeto de tutela por outros controles formais e sociais eficazes.
Assim, o Princípio da Insignificância permite excluir a tipicidade da conduta penalmente insignificante alcançada pela abrangência abstrata do tipo penal, porquanto desprovidas de reprovabilidade. É fundamentado em valores de política criminal, evitando uma punição excessiva.
2.4. Requisitos de aplicbilidade pelo STF
A jurisprudência tem reconhecido em diversos julgados o princípio da insignificância, conforme o caso amolde-se nos seguintes requisitos objetivos:
- a) Conduta minimamente ofensiva do agente– este requisito não trata do dano sofrido pela vítima, o que importa essencialmente é saber o grau de ofensividade da conduta cometida pelo agente, pouco importando a lesão no determinado momento. Somente se justifica a intervenção estatal em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, que represente no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado
- b) Ausência de risco social da ação– deverá ser verificada a ausência de periculosidade social da ação, sendo analisada a conduta do agente e sua eventual descriminalização na sociedade.
c)Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento- o comportamento do agente deve ser considerado inexpressível diante da mínima caracterização da aceitação de sua conduta, de modo que seus atos sejam suscetíveis de compreensão e de não reprovabilidade.
d)Inexpressividade da lesão jurídica– Em análise ao último requisito para a concessão da aplicação do princípio bagatelar, está à inexpressividade da lesão jurídica provocada, onde, para que haja seu reconhecimento, este não deverá ofender ao interesse jurídico tutelado.
É necessário pontuar que para parcela da doutrina, esses requisitos fixados pelo STF carecem de densidade normativa, vale dizer, são conceitos abstratos que são facilmente substituíveis uns pelos outros.
Ainda vale destacar que o exame do seu preenchimento demanda não só de requisitos objetivos, mas também subjetivos exigidos para o seu reconhecimento, traduzidos no reduzido valor do bem tutelado e na favorabilidade das circunstâncias em que foi cometido o fato criminoso e de suas consequências jurídicas e sociais. Ou seja, enquanto os requisitos objetivos dizem respeito ao fato, os subjetivos, ao agente e à vítima do que em tese é descrito como crime/contravenção penal.
Nesse ponto de requisitos subjetivos, saliente-se que o STJ tem posição firme no sentido de que simples existência de maus antecedentes penais, sem a devida e criteriosa verificação da natureza desses atos pretéritos, não pode servir de barreira automática para a invocação do princípio bagatelar.
É induvidoso que a doutrina exerce importante papel ao estudar certo instituto jurídico, sendo, inclusive, considerada fonte do direito penal. Por outro lado, quanto aos efeitos práticos, é a jurisprudência que com suas decisões revela-se importante. Portanto, abordaremos a seguir os julgados mais recentes abordando a matéria.
3. ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS RECENTES
A fim de não cansar o leitor, as informações sobre número e data de publicação dos julgados ficará na nota de rodapé.
É inviável a aplicação do princípio da insignificância ao furto praticado quando, para além do valor da res furtiva exceder o limite de 10% do valor do salário-mínimo vigente à época dos fatos, o acusado é multirreincidente, ostentando diversas condenações anteriores por crimes contra o patrimônio[3].
A multirreincidência específica somada ao fato de o acusado estar em prisão domiciliar durante as reiterações criminosas são circunstâncias que inviabilizam a aplicação do princípio da insignificância[4].
É possível a aplicação do princípio da insignificância para o agente que praticou o furto de um carrinho de mão avaliado em R$ 20,00 (3% do salário-mínimo), mesmo ele possuindo antecedentes criminais por crimes patrimoniais[5]
A despeito da presença de qualificadora no crime de furto possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias pode demonstrar a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância[6].
Por fim um tema controverso e que demanda solução em virtude do impacto que causa na sociedade é se a posse de ínfima quantidade para consumo próprio, aplica-se o princípio da insignificância. O STF e o STJ divergem[7].
4. CONCLUSÃO
Conforme o estudo realizado, observa-se que a raiz da ideia de insignificância, remonta desde a época do direito romano.
Diante a construção histórica do princípio da insignificância, verificou-se que a doutrina buscou restabelecer a legitimidade do Direito Penal, fazendo com que ele deixe de se preocupar com questões irrelevante ou socialmente aceitas, de forma a evitar que essas condutas não sejam objetos do Direito Penal.
Viu-se também, que já foram determinados critérios de aplicação do Princípio da Insignificância, a fim de se padronizar perante o cenário jurisprudencial, já tendo o Supremo Tribunal Federal estabelecido os requisitos indispensáveis, que irão determinar a possibilidade de seu reconhecimento, ou não, sendo eles: a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Analisou-se no decorrer do artigo, entendimentos recentes jurisprudencial sobre esse tema, inclusive que em muito tópicos a divergência nos Tribunais Superiores.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. v1. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2018
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. 3.ed. ver. atual. e ampl. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2013.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. v.1. 18. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: v1. parte geral: arts. 1ª a 120, 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994
[1] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: v1. parte geral: arts. 1ª a 120, 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
[2] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. v1. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 29.
[3] Processo sob segredo de justiça. Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/11/2022, DJe 22/11/2022
[4] STJ. 6ª Turma. REsp 1.957.218-MG, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), julgado em 23/08/2022 (Info 746).
[5] STF. 1ª Turma. RHC 174784/MS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/2/2020 (Info 966).
[6] STJ. 5ª Turma. HC 553.872-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/02/2020 (Info 665).
[7] STJ. 6ª Turma. RHC 35920 -DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014. Info 541.
STJ. 5ª Turma. HC 377.737, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/03/2017.
STJ. 6ª Turma. AgRg-RHC 147.158, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 25/5/2021
STF. 1ª Turma. HC 110475, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/02/2012.
STF. 2ª Turma. HC 202883 AgR, Relator(a) p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/09/2021.
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
FREITAS, Márcio José da Silva. Reflexões sobre o princípio da insignificância no Direito Penal Brasileiro. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciência da Computação, Direito, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2023, n. 1, aprovado e publicado em 10/11/2023. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/reflexoes-sobre-o-principio-da-insignificancia-no-direito-penal-brasileiro/. Acesso em: 24/04/2025.