Regularização fundiária e reconhecimento de domínio rural no estado do Piauí

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

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Submissão: 10/10/2025

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Vitória Maria Carvalho de Abreu

Curriculo do autor: Analista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho - TST, graduada em Direito pela faculdade R.SÁ, Picos-PI, Pós-Graduada em Direito Público e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

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Resumo

O presente artigo analisa, sob o enfoque jurídico e constitucional, a possibilidade de reconhecimento de domínio e regularização fundiária de imóveis rurais no Estado do Piauí, com base na Lei Complementar Estadual nº 244/2019 e na Lei Estadual nº 7.294/2019. O estudo apresenta os fundamentos constitucionais, legais e principiológicos que sustentam a concessão de títulos de domínio a proprietários de boa-fé, destacando o papel da Administração Pública na garantia da segurança jurídica, proteção da confiança e efetivação do direito à terra. Metodologicamente, o trabalho baseia-se na análise normativa e doutrinária, com ênfase nos princípios da boa-fé, eficiência e legalidade administrativa. Os resultados apontam para a legitimidade da atuação estatal na correção de irregularidades dominiais, observando a sustentabilidade ambiental e o interesse público. Conclui-se que a regularização fundiária representa instrumento essencial para a efetivação da justiça social e consolidação da segurança jurídica no campo.

Palavras-Chave

Regularização fundiária. Domínio rural. Boa-fé. Segurança jurídica. Administração Pública.

Abstract

This article analyzes, from a legal and constitutional perspective, the possibility of land ownership recognition and rural land regularization in the State of Piauí, based on Complementary Law No. 244/2019 and State Law No. 7.294/2019. The study presents the constitutional, legal, and principled foundations that support the granting of ownership titles to good-faith holders, highlighting the role of Public Administration in ensuring legal certainty, trust protection, and the realization of the right to land. Methodologically, it is based on normative and doctrinal analysis, emphasizing the principles of good faith, efficiency, and administrative legality. The results indicate the legitimacy of state action in correcting ownership irregularities, observing environmental sustainability and public interest. It concludes that land regularization represents an essential instrument for achieving social justice and consolidating legal security in rural areas.

Keywords

Land regularization. Rural ownership. Good faith. Legal security. Public Administration.

1. Introdução

O presente estudo decorre da análise jurídica referente à possibilidade de reconhecimento de domínio e/ou regularização não onerosa de imóvel rural, à luz da legislação do Estado do Piauí e dos princípios constitucionais aplicáveis.

Durante o período do Brasil Colônia, as terras eram classificadas como públicas e pertenciam à Coroa Portuguesa, que as distribuía por meio do sistema de sesmarias, com a finalidade de viabilizar a exploração das terras em nome da Coroa. No entanto, os privilégios dos donatários eram pessoais e não hereditários, tratando-se de propriedade imperfeita (FREIRIA, 2023).

A preocupação primordial do Estado Português era ocupar a terra, com intuito de assegurar a sua conquista, o que resultou em distribuição desigual da terra e consolidou a estrutura agrária brasileira com base no latifúndio monocultor (FREIRIA, 2023).

No entanto, esse regime causou uma lacuna jurídica quanto a transmissão da propriedade. Com a evolução história e revogação do regime de sesmarias, a ausência de regime jurídico propriamente dito ensejou o modo de aquisição de terras a partir da devolução, ou seja, todas as terras não particulares são de domínio público.

Nesse sentido, Cassettari (2015, p. 152) explica que terras devolutas são áreas que não foram transferidas do patrimônio público ao particular por meio de processos legítimos, tenho em vista que o Brasil adota o princípio da posse histórica das terras, segundo o qual se presume que toda propriedade imobiliária tem origem pública.

Diante disso, busca-se examinar as alternativas legais, no Estado do Piauí, para regularização de propriedades que não contém o regular destaque do patrimônio público para o particular ou que tenham sido indevidamente apropriadas, à luz do interesse público.

2. Regime registral brasileiro de propriedade

O Código Civil Brasileiro de 2002 estabelece o sistema de título e registro para a transmissão do domínio, exigindo a devida formalização e publicidade dos atos (art. 1.227 e seguintes).

Quanto ao imóvel rural, Cassettari (2015) lembra que o art. 4º da Lei Material da Reforma Agrária define imóvel rural como o “prédio rústico, de área contínua, independentemente de sua localização, e que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola ou agroindustrial”.

A Constituição do Estado do Piauí adotou o modelo nacional de imóvel rural, conceituando-o pela sua destinação, como o imóvel afeto à atividade rural ou agropecuária, independentemente de sua localização.

No contexto brasileiro, embora diversas propriedades sejam devidamente registradas no cartório competente, é frequente a ocorrência de irregularidades nesses registros, o que impede a plena certeza quanto à transferência legítima do patrimônio público ao particular.

A Constituição Federal admite a regularização fundiária, como mecanismo de garantia do acesso à terra, e da dignidade do agricultor e da isonomia, tendo estabelecido como pressuposto ao exercício e manutenção da propriedade o cumprimento de sua função social (art. 5º, XXIII).

Nessa mesma linha, a Constituição Piauiense se preocupou com a regularização fundiária, editando legislação específica a respeito.

3. Regularização fundiária de terras públicas e devolutas no Piauí

A Lei Estadual nº 7.294/2019 do Piauí, dispõe sobre a política de regularização fundiária no Estado do Piauí, das ocupações exercidas sobre terras públicas e devolutas pertencentes ao Estado (art. 1º).

A regularização pode ocorrer a título gratuito ou oneroso, conforme o tamanho da área.

A Lei Estadual 7.294 de 2019, estabelece, em seu art. 4º, que:

O Estado do Piauí promoverá medidas que permitam a utilização econômica das terras públicas de seu domínio, assegurando àqueles que preencham os requisitos legais a oportunidade de acesso à propriedade individual ou coletiva, sempre com o fim de atender aos princípios da justiça social da propriedade.

 A destinação de terras públicas deve atender às finalidades prioritárias de regularização de territórios tradicionais, assentamento de trabalhadores rurais, regularização fundiária e proteção de ecossistemas naturais e preservação de sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, espeleológico, paleontológico, ecológico e científico, nos termos do art. 5º da referida Lei.

Especificamente quanto à regularização fundiária, a legislação estadual dispõe que serão passíveis de regularização as ocupações exercidas por brasileiro, que nela pratique cultura efetiva (ou seja, que torne a terra produtiva), se comprovado o exercício da ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, anteriores a 1º de outubro de 2014 (art. 12), desde que a parte não seja beneficiária de programa de regularização fundiária anterior, dentre outros requisitos.

Resta evidente que a legislação estadual busca efetivar o direito à propriedade rural à luz de sua função social, privilegiando aqueles que tornaram a terra produtiva, muito embota não fossem detentores de seu domínio.

A regularização poderá ser gratuita ou onerosa, admitindo-se a primeira e, ocupações de áreas contínuas de até quatro módulos fiscais (art. 19), desde que o beneficiário esteja inscrito no Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social ou que se enquadre no art. 3º da Lei 11.326/06 e, a segunda, nos casos das ocupações não enquadradas nos parâmetros do art. 19.

4. Título de reconhecimento de domínio

A Lei Complementar Estadual nº 244/2019 regulamenta o art. 7º do ADCT da Constituição Estadual, que possibilita a regularização da propriedade, mediante concessão de título de domínio ao proprietário de imóvel rural detentor de título cujo destaque da propriedade pública para o domínio particular não se verifica regularmente, por falta de legitimidade ou não identificação de sua origem no registro público.

O reconhecimento de domínio poderá ser realizado pelo Estado do Piauí mediante pagamento pelo detentor de imóvel rural matriculado em Cartório do Registro de Imóveis, que, apesar da existência de registro público, não contém o regular destaque do patrimônio público para o privado, contendo falha na cadeia dominial (art. 3º).

Assim, há que se destacar a existência de interesse público no reconhecimento de domínio, por se tratar de instrumento de segurança jurídica e proteção à confiança legítima e à boa-fé.

É certo que os registros públicos possuem presunção de legitimidade e regularidade, sendo expedidos por delegatários do Estado. A existência do registro público confere ao adquirente a legítima expectativa de que sua emissão ocorreu de forma adequada e em conformidade com os requisitos legais.

Assim, ao sanar eventuais irregularidades na cadeia de domínio, a Administração preserva a segurança jurídica e a boa-fé.

A lei estadual estabelece como requisitos, dentre outros, que o imóvel tenha sido adquirido de boa-fé, que a matrícula originária tenha sido aberta antes de 1º de outubro de 2014, que a área não seja objeto de disputas judiciais, nem se sobreponha a territórios tradicionais, sendo indispensável a demonstração de cultura efetiva (art. 3º).

5. CONCLUSÃO

Conclui-se que a leis do Estado do Piauí oferecem um caminho para resolver questões históricas de propriedade da terra. Ao focar na boa-fé, na eficiência administrativa e no cumprimento da lei, o estado pode corrigir irregularidades e promover um ambiente mais seguro para os proprietários rurais.

Essa estrutura ressalta a importância da regularização fundiária como um meio de alcançar a justiça social, fortalecer a segurança jurídica e apoiar o desenvolvimento sustentável na região.

A ênfase em equilibrar reivindicações históricas com preocupações ambientais e o interesse público mais amplo garante uma abordagem equilibrada à gestão da terra, beneficiando, em última análise, tanto os proprietários individuais quanto a comunidade em geral.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 out. 2025.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 10 out. 2025.

CASSETTARI, Christiano. Direito Agrário / Christiano Cassettari. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015.

FREIRIA, Rafael Costa. Sinopses para Concursos – v. 15 – Direito Agrário / Rafael Costa Freiria e Taisa Cintra Dosso / coordenado por Leonardo Garcia – 5 ed., ver., altual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.

PIAUÍ. Lei Complementar Estadual nº 244, de 30 de setembro de 2019. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://interpi.pi.gov.br/documentos/legislacao-estadual/&ved=2ahUKEwjgjcqb5JmQAxXgKLkGHVZiDDwQFnoECBYQAQ&usg=AOvVaw2am4EXT_EpD-GUlE41jQLb. Acesso em: 10 out. 2025.

PIAUÍ. Lei nº 7.294, de 10 de dezembro de 2019. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://www.interpi.pi.gov.br/wp-content/uploads/2024/02/Lei-Estadual-no-7.294-de-10-de-dezembro-de-2019.pdf&ved=2ahUKEwj9zI3b45mQAxVeK7kGHZkINpAQFnoECA8QAQ&usg=AOvVaw0mYYUuWepHa_x9nNrZ8vGD. Acesso em: 10 out. 2025.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Vitória Maria Carvalho. Regularização fundiária e reconhecimento de domínio rural no estado do Piauí. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17329152, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 11/10/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/regularizacao-fundiaria-e-reconhecimento-de-dominio-rural-no-estado-do-piaui/. Acesso em: 28/10/2025.