Ofendículos: sua natureza jurídica e os limites de sua utilização

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

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Revisor: C.E.R. em 2025-09-20 06:36:10

Submissão: 13/09/2025

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Maxwell Ferreira Gomes

Curriculo do autor: Bacharel em Direito – Faculdade Projeção (2016.2) • Pós-Graduação em Direito Penal e Processual Penal – Faculdade UnyLeya (2018)

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Resumo

Este trabalho tem por objetivo analisar a questão da natureza jurídica dos ofendículos e a proporcionalidade no uso dos ofendículos. Para tanto, levou-se em consideração que os ofendículos são os objetos instalados para proteger a propriedade privada de determinada pessoa, como exemplos de ofendículos, pode-se citar: cacos de vidros colocados nos muros, cercas elétricas, cães de guarda, entre outros. Assim, tendo em vista que o objetivo dos ofendículos é evitar que ocorra uma lesão a algum bem juridicamente protegido, observou-se que na prática estava havendo um excesso, por parte dos proprietários dos bens e, por este motivo, a doutrina e a jurisprudência são importantíssimos instrumentos para estabelecer como deve ser a instalação desses objetos. Porém a doutrina diverge quanto à natureza jurídica dos ofendículos, sendo que alguns doutrinadores entendem tratar-se de uma legítima defesa preordenada, enquanto outros que a natureza jurídica é de exercício regular do direito, tal fato ocorre porque o Código Penal estabelece os requisitos necessários para que se configure a legítima defesa ou o exercício regular do direito e os autores que afirmam que a natureza jurídica é de exercício regular do direito afirmam que os ofendículos não cumprem os requisitos para que se configure legítima defesa. Outro ponto relevante quanto aos ofendículos está na análise, do caso concreto, se houve ou não proporcionalidade na conduta de instalação dos ofendículos, tendo em vista, que em muitos casos que são mostrados pela mídia, há um excesso do direito de defesa.

Palavras-Chave

Natureza jurídica. Ofendículos. Proporcionalidade.

Abstract

This work has for objective to analyze the subject of the juridical nature of the ofendículos and the proportionality in the use of the ofendículos. For so much, it was taken into account that the ofendículos is the objects installed to protect the property deprived certain person, as ofendículos examples, it can be mentioned: bits of glasses put in the walls, electric fences, watchdogs, among others. Like this, tends in view that the objective of the ofendículos is to avoid that happens a lesion the some well juridically protected, it was observed that in practice it was having an excess, on the part of the proprietors of the goods and, for this reason, the doctrine and the jurisprudence they are importantíssimos instruments to establish how the installation of those objects should be. However the doctrine diverges as for the juridical nature of the ofendículos, and some doutrinadores understand to treat of a foreordained self-defense, while others that the juridical nature is of regular exercise of the right, such fact happens because the Penal code establishes the necessary requirements for it is configured the self-defense or the regular exercise of the right and the authors that affirm that the juridical nature is of regular exercise of the right affirm that the ofendículos doesn't accomplish the requirements for self-defense to be configured. Another relevant point as for the ofendículos it is in the analysis, of the concrete case, there was been or no proportionality in the conduct of installation of the ofendículos, tends in view, that in many cases that they are sh

Keywords

juridical nature. Ofendículos. Proportionality.

INTRODUÇÃO

A propriedade sempre foi algo que os seus donos procuraram proteger, por este motivo, os proprietários passaram a ter o costume de cercar os limites de suas propriedades, com o objetivo de evitar que terceiros atrapalhassem a posse do bem, mas em determinadas situações, mesmo que cercada a propriedade, muitos indivíduos invadiam-nas para a prática de infrações contra a vida ou até mesmo o patrimônio dos possuidores do bem.

Assim, a pesar de inicialmente os muros ou cercas servirem para a limitação das propriedades e para a proteção dos bens que estivessem no interior da propriedade, ou até mesmo dos próprios proprietários, observou-se que essa proteção não estava mais sendo eficaz e, por este motivo, muitas pessoas começaram a proteger colocando objetos cortantes nos muros, como por exemplo, os cacos de vidro, cercas eletrificadas, arames, dentre outros, com a finalidade de que esses objetos impedissem a entrada de terceiros que tivesse fins ilícitos.

A doutrina passou a chamar tais instrumentos, aqueles que serviam de proteção à propriedade, de ofendículos e a conceituá-los como sendo obstáculos que tenham por objetivo primordial impedir ou dificultar a ofensa ao bem juridicamente protegido, bem como a proteger de agressões físicas a vida do agente e de seus familiares quem estejam na propriedade.

Porém, muitas pessoas acabaram ultrapassando os limites na proteção de suas propriedades, e, com isso, coloram em risco a vida de terceiros, que mesmo que tenham intenção de praticar algum delito, são protegidos legalmente, tendo em vista que a legítima defesa é permitida no ordenamento jurídico, mas devendo ser observada uma proporcionalidade entre a lesão ou risco de lesão com o meio empregado para se proteger.

Depois da conceituação do ofendículo, a doutrina começou a divergir quanto à natureza jurídica deste instrumento, e, por isso, foram criadas duas correntes no ordenamento jurídico: a primeira considera os ofendículos como sendo exercício regular do direito, enquanto a segunda corrente entende que os ofendículos tem natureza jurídica de legítima defesa.

Diante disso, este trabalho versa sobre os limites que devem ser observados pelos indivíduos que irão instalar os ofendículos, bem como sobre a natureza jurídica dos ofendículos. Defende-se a tese de que deve haver um limite imposto, pois não haveria segurança se houvesse um exagero no meio para se proteger o bem jurídico, e, que a natureza jurídica dos ofendículos é de EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO, tendo em vista, que eles irão servir para a defesa dos patrimônios que estejam na propriedade e para a proteção da integridade física do proprietário do bem, que é o objetivo mais importante dos ofendículos.

O presente trabalho justifica-se pela necessidade de mostrar como o ordenamento jurídico tem lidado com as consequências do uso dos ofendículos, ou seja, como o uso desses objetos para a proteção de bens juridicamente protegidos tem ultrapassado os limites da esfera cível atingindo a esfera penal.

Diante do exposto, o objetivo geral deste trabalho é analisar a natureza jurídica e os limites que estão sendo impostos para a instalação dos ofendículos. Para atingir esse objetivo, colheu-se o entendimento dos doutrinadores de direito penal e o entendimento dos tribunais brasileiros, sobre a natureza jurídica dos ofendículos e sobre os limites que os tribunais estão observando para considerar a prática de excesso.

Este trabalho será elaborado por meio de pesquisa exploratória, pois não serão formulados casos hipotéticos, apenas restringe-se a procurar mais informações sobre a natureza jurídica dos ofendículos e os limites que estão sendo observados para a consideração de excessos. Serão trazidas informações dos tribunais do Brasil, sobre os ofendículos e as divergências que forem identificadas entre os tribunais e serão abordados pensamentos de doutrinadores brasileiros acerca do tema.

1. DIREITO PENAL

Direito penal é o ramo do direito público que se preocupa em disciplinar as condutas abstratas, com a respectiva sanção, que objetivam a paz na sociedade e nas relações humanas. A partir do momento em que tais condutas abstratas forem observadas em concreto e que não seja possível a aplicação de qualquer outro ramo do direito para a solução do caso é que o direito penal será aplicado, assim, observa-se que o direito penal tem caráter subsidiário, sendo aplicado apenas nos casos de grande relevância jurídica. Portanto, o direito penal é a aplicação de sanções previstas nas regras abstratas às condutas que a ela se adequar.

1.1 Direito penal objetivo e direito penal subjetivo

O direito penal objetivo é o conjunto de normas – regras e princípios – que definem os fatos que serão considerados típicos e qual será sua respectiva sanção – normas incriminadoras.

De outro lado, o direito penal subjetivo é responsável por cuidar do direito de punir do Estado – ius puniendi –, ou seja, é o direito que tem o Estado de aplicar sanções aos que praticarem condutas tipificadas. O direito de punir divide-se em abstrato e concreto. O primeiro ocorre quando a regra penal é criada e significa que o Estado tem o direito de exigir, de todas as pessoas a quem a norma se dirige, que não pratiquem tais condutas. De outro lado, o segundo acontece quando o ato, apesar da advertência para que não se pratique, efetivamente ocorre e é por meio dele que surge do direito-dever do Estado de punir o agente que praticou a conduta.

1.2 Princípio da intervenção mínima

Como se viu, o direito penal é o ramo do direito penal que tem por objetivo manter a paz social e o bom convívio social e que quando tal objetivo é ofendido por alguma conduta surge o direito-dever do Estado de punir.

Uma das formas que o Estado encontrou de punir aqueles que viessem a praticar condutas típicas foi por meio da privação da liberdade, que junto com a vida são um dos bens mais preciosos de qualquer individuo.

Assim, pelo fato de atuar em uma área em que um importante direito poderá ser restringindo, o direito penal somente poderá ser utilizado pelo Estado, quando este não dispuser de outro instrumento que cause menos lesão àqueles que estão sendo processados, é por esse motivo que a doutrina fala que o direito penal é a “ultima ratio” e jamais a “prima ratio”.

Desse conceito de intervenção mínima do Estado, surgem duas características do direito penal que são: a subsidiariedade e a fragmentariedade.

A subsidiariedade consiste no fato de que havendo outros ramos do direito que são capazes de resolver um determinado fato, deve-se priorizar a aplicação desse outro ramo, deixando o direito penal apenas para os casos extraordinários, tendo em vista que quando da sua aplicação restringe direitos de grande importância do acusado, como por exemplo, a liberdade.

Por outro lado, a fragmentariedade consiste no fato de o direito penal aplicar-se somente a uma pequena parte dos comportamentos ilícitos dos jurisdicionados, assim, o direito penal somente irá se preocupar com os comportamentos mais graves, ou seja, comportamentos que coloquem em risco a paz social e o bom convívio social, por sem condutas que geram uma grande lesão ao bem juridicamente protegido.

1.3 Princípio da proporcionalidade

No sentido original desse princípio entendia-se que a proporcionalidade era um limite do poder do Estado em face dos jurisdicionados, ou seja, buscava-se um equilíbrio entre a finalidade que a norma procurava alcançar e os meios de que ela se valia para ser aplicada.

O princípio da proporcionalidade é associado pela doutrina e pela jurisprudência à proibição do excesso e também a proibição de proteção deficiente, em outras palavras, o Estado não pode agir além do que deve, mas também não deve ficar inerte em situações de grande importância.

No sentido de proibição de excesso está relacionada à concepção de limites ao poder estatal, visando proteger os interesses individuais. Conforme ensina Fábio Roque Araújo:

A proporcionalidade surge vinculada à concepção de limitação do poder estatal, tendo em vista a tutela dos interesses individuais. Sendo certa que ao Estado cabe proceder à limitação destes interesses individuais, de molde a atender ao interesse público, a proporcionalidade aparece como medida de atuação do Estado; assim, o agir estatal há de ser proporcional, proporcionalidade esta que há de ser observada entre os meios a serem empregados e aos fins a serem alcançados.

No sentido da proibição de proteção deficiente a proporcionalidade consiste no fato de que o Estado será considerado omisso quando não adotar as medidas necessárias para que sejam atendidos os direitos fundamentais. Conforme Maria Streck:

O Estado também poderá deixar de proteger direitos fundamentais, atuando de modo insuficiente, ou seja, deixando de atuar e proteger direitos mínimos assegurados pela Constituição. A partir disso, vislumbra-se o outro lado da proteção estatal, o da proibição deficiente (ou insuficiente), chamada no direito alemão de Untermassverbot. (…) Portanto, o Estado democrático de Direito não exige mais somente uma garantia de defesa dos direitos e liberdade fundamentais contra o Estado, mas, também, uma defesa contra qualquer poder social de fato.

Para se chegar à conclusão de proporcionalidade de um determinado ato é necessário observar três elementos, são eles: a adequação do ato (a medida praticada pelo Estado deve ser apta a alcançar as finalidades pretendidas); a necessidade do ato (se for necessário uma medida do direito penal, este ato deve ser em último caso, ou seja, apenas depois que os outros ramos do direito forem analisados, mas não forem suficientes para solucionar o caso) e a proporcionalidade em sentido estrito (os meios que forem empregados não podem extrapolar a fronteira do que é aceito).

1.4 Excludentes de ilicitude no direito penal

De acordo com Marcelo Andre Azevedo e Alexandre Salim, ilicitude é a “contrariedade do fato com o ordenamento jurídico. Praticado um fato típico presume-se a ilicitude, que poderá ser afastada diante de alguma causa de excludente de ilicitude”. Ou seja, a partir do momento em que determinada norma é criada ela deve ser observada por toda a sociedade, mas caso um indivíduo, mesmo tendo conhecimento da proibição, pratique determinada conduta, tal ato é considerado um fato típico e por consequência será presumida a ilicitude da conduta, que poderá ser retirada, se comprovada alguma das causas excludentes da ilicitude.

As causas excludentes da ilicitude estão dispostas no artigo 23 do Código Penal, assim, os fatos que forem praticados nessas circunstâncias não serão considerados fatos ilícitos. De acordo com o Código Penal são quatro as excludentes de ilicitude, sendo elas: estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal. Apesar do leque de excludentes previstas no Código Penal, a doutrina aceita outras as excludentes supralegais, ou seja, aquelas não previstas em lei, fundamentando tal entendimento na analogia “in bonam partem”, tendo em vista que não é possível ao legislador prever todas as hipóteses de excludentes de ilicitude, como exemplo, pode ser citar o consentimento do ofendido.

1.4.1 Estado de necessidade

O conceito do estado de necessidade tem previsão no art. 24 do Código Penal, abaixo colacionado:

Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º – Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

Do texto legal é possível retirar os requisitos para caracterizar o estado de necessidade, que são: perigo atual, ameaça a direito próprio ou alheio, situação não causada pelo próprio sujeito de forma voluntária, ausência do dever legal de enfrentar o perigo, indispensabilidade da conduta lesiva e razoabilidade.

Assim, o estado de necessidade irá ocorrer quando, preenchidos os requisitos, a lei faculta ao individuo praticar determinada conduta, que normalmente é considerada ilícita, mas para que o indivíduo se proteja ou proteja terceiros a pratica de tal conduta típica é permitida.

A doutrina entende perigo atual é o perigo que está ocorrendo no momento da conduta e que tal perigo pode ser de origem humana, de ser um ser irracional ou de atos da natureza.

1.4.2. Legítima defesa

O conceito legal de legítima defesa encontra-se no artigo 25 do Código Penal, conforme se observa a seguir: “art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

O notável doutrinador Magalhães Noronha defende a aplicação da legítima defesa, como é possível observar:

A ordem jurídica exige respeito ao direito de outrem. Se este não fosse protegido, seria impossível a coexistência social. É mister respeitarmos o direito do próximo para que o nosso respeitado também seja. Ora, a legítima defesa, como o próprio nome está dizendo, é tutela do direito próprio ao de terceiro, e, portanto integra-se na ordem jurídica; consequentemente é um direito.

Os requisitos para que configure a legítima defesa são: agressão atual ou iminente; meio necessário, que é verificado de acordo com o caso concreto, e de uso moderado.

1.4.2.1. Erro de execução na legítima defesa

Ocorre quando o agredido vai se defender de alguma agressão, mas acaba atingindo um terceiro, neste caso a doutrina se divide em três correntes.

A primeira corrente, que é defendida por Nélson Hungria, entende que não fica caracterizada a legítima defesa, devendo-se aplicar a regra do erro. Mas o agente não responderá, nem ao menos a título de culpa, se o erro for inevitável.

De outro lado, há a segunda corrente, adotada por Aníbal Bruno, e entende que caracteriza estado de necessidade, tendo em vista que a ação não atingiu o agressor, mas sim um terceiro.

A terceira corrente é defendida por Noronha, que entende que configura legítima defesa, devendo-se aplicar a regra do erro de execução, ou seja, entende-se que o ato foi praticado contra o primeiro agressor, também chamado de vítima virtual.

1.4.2.2. Excesso

O artigo 23 do Código Penal, que disciplina sobre as excludentes de ilicitude, no seu parágrafo único determina que sempre que o agente exceder os meios necessários para se defender, seja dolosa ou culposamente, deverá ser responsabilizado. São espécies de excesso:

Excesso voluntário (ou doloso): O agente se excede intencionalmente no uso do meio utilizado para afastar a agressão. Neste caso irá responder pelo crime doloso que causou o excesso.

Excesso involuntário: O agente se excede de forma involuntária quando tenta repelir a agressão. Assim, se o erro/excesso pudesse ser evitado o agente responde a título de culpa. De outro lado, se o excesso for inevitável o agente não irá responder pelo excesso.

Excesso exculpante: É o excesso derivado de um sentimento, por exemplo, medo ou susto. Neste excesso o agente não responderá pelo excesso.

Excesso extensivo: O agente primeiramente age em legítima defesa, mas mesmo já tendo afastado a agressão continua praticando atos, o que ocasiona o excesso, que torna todos os atos praticados após a legítima defesa possíveis de serem punidos.

Excesso intensivo: Neste caso, o agente poderia evitar o excesso usando um meio menos prejudicial, mas que seria suficiente para afastar a agressão, ao agressor.

1.4.2.3. Legítima defesa preordenada

Legítima defesa preordenada ocorre quando alguém pretende se defender de uma futura agressão. Conforme ensina Guilherme de Souza Nucci:

Legítima defesa preordenada, voltando-se os olhos para o instante de funcionamento do obstáculo, que ocorre quando o infrator busca lesionar algum interesse ou bem jurídico protegido. Posicionamo-nos nesse sentido, como o fazem Hungria (Comentários ao Código Penal, v. I, t. II, p. 293), Noronha (Direito penal. parte geral, p. 197), Assis Toledo (Princípios básicos de direito penal, p. 206), Frederico Marques (Tratado de direito penal, v. II, p. 151), Flávio Augusto Monteiro de Barros (Direito penal – parte geral, p. 307). O aparelho ou animal é colocado em uma determinada propriedade para funcionar no momento em que esse local é invadido contra a vontade do morador, portanto serve como defesa necessária contra injusta agressão. (NUCCI, 2006, p. 252).

Assim, de acordo com Nucci, como exemplo de uma legítima defesa preordenada pode-se citar os instrumentos que protegem uma determinada propriedade contra uma invasão de um terceiro que tenha a intenção de nela adentrar para a prática de algum delito.

1.4.3. Estrito cumprimento do dever legal

O agente que no cumprimento de um dever, que lhe é outorgado por uma norma jurídica, não comete conduta ilícita. São exemplos, os policiais, os oficiais de justiça e, até mesmo, os particulares investidos em funções públicas.

Tal excludente de ilicitude é chamada de excludente em branco, tendo em vista que o legislador ao criá-la não mencionou nenhum requisito para fosse possível a aplicação de tal excludente.

1.4.4. Exercício regular do direito

Ocorre quando determinado agente pratica uma conduta que lhe é assegurada como um direito, exemplo, o direito de retenção. Neste caso, a conduta do agente não pode ser considerada ilícita, tendo em vista que há um direito que lhe é assegurado, assim, não pode ser considerado ilícito o que é permitido pela lei.

Apesar de direito atuar em determinadas situações, o agente deve exercer tal direito de forma regular, pois caso atue além do necessário poderá responder pelos excessos praticados, conforme previsão do parágrafo único do artigo 23 do Código Penal.

Assim, o exercício regular do direito está presente quando, por exemplo, um médico abre a barriga de uma mulher, durante a realização de um parto. Outro exemplo do exercício regular do direito é o caso das lesões que ocorrem nas lutas livres, conforme ensina o autor Cláudio Brandão:

Do mesmo modo que o exercício da medicina, as eventuais lesões provocadas por esportes, dentro dos limites de suas regras, o direito de correção dos pais em relação aos filhos, dentre outros, são acobertados pelo exercício regular de um direito. O exercício regular de um direito difere do estrito cumprimento do dever legal porque neste último existe a obrigação de prestar a conduta, enquanto no primeiro existe a faculdade de exercê-la.

2. DIREITO FUNDAMENTAL À PROPRIEDADE PRIVADA

A aquisição de bens sempre foi um objetivo para o homem, pois a partir dessa aquisição passa-se a ter uma sensação de segurança e de evolução pessoal e o Estado sempre assegurou a propriedade a todos aqueles que a obtivessem.

Atualmente a propriedade é considerada um direito fundamental, assegurado na Constituição da República, no artigo 182, §2º e artigo 186, que estipulam os requisitos que a propriedade deve atender, ou seja, a sua função social, conforme se observa abaixo:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Cabe destacar ainda, que não bastando a previsão na Constituição Federal, o direito a propriedade privada conta com fundamento no artigo 1.228 do Código Civil, conforme se observa a seguir: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Portanto, não obstante toda a garantia dada pelo ordenamento jurídico ao proprietário é pacífico na doutrina o entendimento de que tal direito não é absoluto e que o proprietário não pode alegar a proteção a tal direito quando ofende um bem, de maior importância, de um terceiro.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua propriedade como sendo:

Direito individual que assegura a seu titular uma série de poderes cujo conteúdo constitui objeto de direito civil; compreende os poderes de usar, gozar e dispor da coisa de modo absoluto, exclusivo e perpétuo. Não podem, no entanto, esses poderes ser exercidos ilimitadamente, porque coexistem com direitos alheios, de igual natureza, e porque existem interesses públicos maiores, cuja tutela incumbe ao Poder Público exercer, ainda que em prejuízo de interesses individuais. Entra-se aqui na esfera do poder de polícia do estado, ponto em que o estudo da propriedade sai da orbita do direito privado e passa a constituir objeto do direito público e ao submeter-se ao regime jurídico derrogatório e exorbitante do direito comum.

Assim, a despeito de ser um direito com status constitucional, o direito à propriedade não é absoluto, devendo observar todos os requisitos legais, bem como a proteção desse direito – direito a propriedade – deve ser limitado, observando os direitos de terceiros, como por exemplo, a vida ou a integridade física.

A título de exemplo, desse excesso de proteção com a propriedade, pode-se citar o caso, que ocorreu em 2016 no estado do Amapá, em que uma criança de dez anos ao entrar no terreno de um dos vizinhos para pegar um coelho atingiu uma corda que acionou uma armadilha e uma arma disparou o que ocasionou a morte da criança. Ora por mais que houvesse a intenção do proprietário de proteger o seu bem, agiu sem tomar as corretas providencias, tendo em vista que quando da instalação de instrumentos de proteção, esses devem ficar visíveis à terceiros inocentes

3. OFENDÍCULOS

O dicionário técnico jurídico de Deocleciano Torrieri Guimarães conceitua ofendículos como sendo:

Meio mecânico de defesa da propriedade que consiste na instalação de arame farpado, cacos de garrafas em muros, cercas de ferro com pontas aguçadas (lanças), eletrificação de grades e maçanetas. Os ofendículos estão respaldados na inviolabilidade do domicílio, mas os excessos são puníveis (C. F., art. 5º, caput, XI e XXII).

De acordo com a doutrina e a jurisprudência, ofendículos são todos os dispositivos de defesa que tenham por finalidade evitar que um bem sofra lesão por um terceiro. São exemplos de ofendículos apontados pela doutrina: cacos de vidro no muro da propriedade, arame farpado, pontas de lanças, plantas com espinhos, cercas eletrificadas e cães de guarda.

Alguns autores diferenciam os ofendículos da defesa mecânica predisposta, para eles os ofendículos são os objetos que estão visíveis, como por exemplo, o caco de vidro no muro, as plantas com espinhos, enquanto que a defesa mecânica predisposta são os aparatos camuflados, tendo como exemplo as armadilhas ou cercas elétricas, conforme apontam André Estefam e Vitor Eduardo Rios Gonçalves:

Compreendem todos os instrumentos empregados regularmente, de maneira predisposta (previamente instalada), na defesa de algum bem jurídico, geralmente posse ou propriedade. Há autores que distinguem os ofendículos da defesa mecânica predisposta. Os primeiros seriam aparatos visíveis (cacos de vidro nos muros, pontas de lança etc.); os segundos, ocultos (cercas eletrificadas, armadilhas etc.).

Ainda sobre o conceito de ofendículos, cabe destacar o entendimento de Fernando Capez, que por sua vez, define os ofendículos como sendo:

(…) significa obstáculo, obstrução, empecilho. São instalados para defender não apenas a propriedade, mas qualquer outro bem jurídico, como, por exemplo, a vida das pessoas que se encontram no local. Funcionam como uma advertência e servem para impedir ou dificultar o acesso de eventuais invasores, (…).

Cabe destacar ainda, o conceito de ofendículos elaborado pelo ilustre doutrinador Julio Fabbrine Mirabete:

São aparelhos predispostos para a defesa da propriedade (arame farpado, cacos de vidros em muros, etc.) visíveis e a que estão equiparados os “meios mecânicos” ocultos (eletrificação de fios, de maçanetas de portas, a instalação de armas prontas para disparar à entrada de intrusos etc.).

É importante destacar ainda que os ofendículos não servem apenas para a proteção dos bens patrimoniais, mas objetivam ainda a proteção da vida, da integridade física do proprietário e daqueles que se servem do bem.

Sem embaraço dessa diferença apontada por alguns doutrinadores, os ofendículos são aceitos pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas com a ressalva de que sempre devem estar visíveis e que terceiros inocentes não tenham acesso a tais objetos ou que tenha alertas sobre o obstáculo, como por exemplo, as placas de aviso sobre a presença de cachorros. A necessidade dos ofendículos estarem visíveis à terceiros inocentes, inclusive, é o entendimento da jurisprudência, conforme observa-se no julgado abaixo colacionado:

Dano moral. Óbito de homem de 24 anos em decorrência de eletroplessão em ofendículo irregularmente instalado pelo réu em local aberto ao público. Propositura da ação por sua companheira e seu filho, que contava com apenas 3 anos de idade na data dos fatos. Dispositivo instalado sem a devida advertência sobre seus riscos, em lugar muito próximo de onde o requerido recebia frequentadores de seu bar, montado no mesmo local de sua residência. Ofendículo instalado para afastar porcos que eram criados pelo réu. Demonstrada a culpa do demandado. Dever de indenizar configurado. Sentença que defere pensionamento mensal aos autores, além de indenização por danos morais no valor de 100 salários mínimos. Provimento, em parte, do recurso, apenas para reduzir o quantum da indenização para 50 salários mínimos, tendo-se em vista as especificidades do caso.

(TJ-SP – AL 44478820098260269 SP 0004447-88.2009.8.26.0269, Relator: Enio Zuliani, Data de Julgamento: 20/10/2011, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de publicação: 25/10/2011) (grifo meu).

3.1. Natureza jurídica dos ofendículos

Apesar de os ofendículos serem aceitos pela doutrina e pela jurisprudência brasileira, a sua natureza jurídica gera controvérsia entre os doutrinadores e tribunais, tendo em vista que para uma primeira corrente trata-se de legítima defesa predisposta ou preordenada, enquanto uma segunda corrente entende que a natureza jurídica dos ofendículos é de exercício regular do direito e, por último, a terceira corrente entende que no momento em que os ofendículos são postos, trata-se de exercício regular do direito, e quando de fato são utilizados caracteriza legítima defesa.

3.1.1. Legítima defesa

Conforme já foi mostrado acima, a legítima defesa é uma excludente da ilicitude, com previsão no Código Penal, e consiste no direito que as pessoas possuem de afastar determinada agressão que esteja sofrendo sem que lhe seja imputada a responsabilidade do ato de defesa da agressão.

Do artigo 25 do Código Penal é possível retirar os seguintes requisitos da legítima defesa: agressão injusta; que esteja ocorrendo ou prestes a ocorrer; a direito próprio ou de um terceiro; defesa com meios necessários; uso proporcional dos meios e o conhecimento da agressão.

Deve-se atentar para o fato de que somente o ser humano é capaz de agredir, assim, quem é atacado por um animal não está sofrendo agressão, portanto, se a pessoa matar tal animal estará protegida pelo estado de necessidade, porém caso o animal seja treinado e que receba ordem para atacar, a vítima poderá se defender e estará acobertada pela legítima defesa.

Nelson Hungria defende a tese de que os ofendículos possuem natureza jurídica de legítima defesa preordenada, assim, segundo o autor tais meios de defesa estarão protegendo a propriedade de uma agressão atual – que é um dos requisitos da legítima defesa – tendo em vista que os objetos instalados somente entrarão em funcionamento no momento em que estiver ocorrendo de fato a agressão.

3.1.2. Exercício regular do direito

Conforme foi visto, haverá o exercício regular do direito quando um indivíduo é autorizado, pela lei, a agir de determinada forma sem que venha a sofrer consequências legais pela conduta.

A corrente que entende que a natureza jurídica dos ofendículos é de exercício regular do direito defende que o fato de o ordenamento jurídico permitir a proteção da propriedade por meio dos instrumentos de defesa – ofendículos – configura-se o exercício regular do direito. Mas para que a colocação dos ofendículos efetivamente caracterize o exercício regular de direito deve o individuo observar a lei, quanto aos limites de seus atos, como por exemplo, deve ser observada a quantidade de energia que passará em uma cerca elétrica que esteja protegendo uma determinada propriedade, dessa forma pontua Magalhães Noronha:

Quem eletrifica a porta de sua casa, que dá para a calçada da rua, age com culpa manifesta, senão com dolo, pois qualquer transeunte pode tocar ou encostar nela. Entretanto, quem assim fizer com a porta de uma casa rodeada de jardins e quintais e cercada de altos gradis e muros, de modo que é necessário a escalada, à noite, para tocar naquela, não age com culpa stricto sensu. De observar ainda que na predisposição de meios deve haver também moderação – outro requisito da justificativa. Pode se proteger o patrimônio, v. g., com uma corrente elétrica, não é preciso que seja fulminante: uma descarga forte dissuadirá o mais animoso amigo do alheio.

Deste modo, aquele que instala os objetos de defesa, e quando o faz observa todos os mandamentos da lei, não poderá ser punido independente de quem tenha sido a vítima, pois o agente agiu conforme a lei e não poderá ser punido de acordo com a própria lei.

Fernando Capez afirma que os ofendículos não podem ter natureza jurídica de legítima defesa, pois um dos requisitos para que a configure é a de que a agressão seja atual ou iminente e ao colocar os ofendículos tais instrumentos estariam protegendo o indivíduo de uma agressão futura, e tal agressão pode não vir a ocorrer. Assim, nas palavras do renomado autor: “Se a agressão é futura, inexiste legítima defesa. Não pode, portanto, arguir a excludente aquele que mata a vítima porque está lhe ameaçou de morte (mal futuro)”.

Cabe destacar que o Tribunal de Justiça do estado do Paraná, em um julgado do ano de 2005, entendeu que o uso dos ofendículos caracteriza exercício regular do direito, conforme ementa do julgado colacionado abaixo:

APELAÇÃO 1. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CERCA ELETRIFICADA EM PROPRIEDADE RURAL. OFENDÍCULAS CONSTITUEM EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO DESDE QUE NÃO ULTRAPASSEM OS LIMITES DO RAZOÁVEL, E, EM ASSIM SENDO, GERAM O DEVER DE INDENIZAR. INEXISTÊNCIA DE PLACAS DE ADVERTÊNCIA NO LOCAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA 341 DO STJ. VÍTIMA FALECIDA EM DECORRÊNCIA DE CHOQUE ELÉTRICO. RESPONSABILIDADE CIVIL. REQUISITOS. CULPA. DANO E NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADOS. DANOS MORAIS. DEVER DE INDENIZAR. REDUÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CORRETAMENTE FIXADOS. APELAÇÃO 2. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PENSÃO MENSAL ESTABELECIDA EM FAVOR DOS PAIS DA VÍTIMA FALECIDA. MAJORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL PARA GARANTIA DO PAGAMENTO DA PENSÃO. DESPESAS DE FUNERAL E HOSPITALARES. INCIDÊNCIA DA CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA NOS TERMOS DA SÚMULA 43 E 54 DO STJ.

[…]

(TJ-PR – AC: 3000486 PR 0300048-6, Relator: Shiroshi Yendo, data do julgamento: 26/10/2005, 16ª Câmara Cível) (grifo meu).

Portanto, a maior parte da doutrina entende que a natureza jurídica dos ofendículos é de exercício regular de direito, tendo em vista que a legítima defesa possui alguns requisitos que não compatíveis com a forma que os ofendículos funcionam.

4. A proporcionalidade para evitar o excesso no uso dos ofendículos

O princípio da proporcionalidade, no seu conceito original, foi idealizado como um limite à atuação do poder do Estado em face dos jurisdicionados.

A Carta Magna de 1215, nos itens 20 e 21, traz uma ideia de proporcionalidade quando diz que: “por uma ofensa trivial, um homem livre será punido na proporção do grau de sua ofensa (…)”; “condes e barões serão punidos somente por seus pares, e na proporção da gravidade de sua ofensa”.

A doutrina e a jurisprudência estabeleceram duas faces do princípio da proporcionalidade sendo eles: a proibição de excesso e a proibição de proteção deficiente. A primeira consiste no fato de que a pessoa deverá ser responsabilizada na proporção do dano cometido, não podendo sofrer uma punição demasiadamente maior do que deve. A segunda face do princípio da proporcionalidade consiste no fato de que a punição para aquele de praticou um dano não pode ser não pode ser pequena, tendo em vista que uma das intenções da aplicação de sanções e que os autores não venham a pratica-las novamente.

Desta forma, uma das principais preocupações do princípio da proporcionalidade é analisar se diante de determinadas condutas houve ou não excesso, tanto por condutas do Estado em face dos jurisdicionados, como também em face de condutas de particulares contra outros particulares.

Conforme o que foi mostrado, no tópico das excludentes de ilicitude, o ordenamento jurídico dá o direito de a vítima se defender em algumas situações de uma injusta lesão ao seu bem jurídico, contudo, a conduta da vítima deve ser proporcional à lesão que esteja sofrendo ou prestes a sofrer, ou seja, apesar do ordenamento jurídico garantir o direito de defesa, o exercício de tal direito deve ser pautado no princípio da proporcionalidade. Conforme o entendimento de Luiz Régis Prado: “é mister que exista uma certa proporcionalidade entre a agressão e a reação defensiva, em relação aos bens e direitos ameaçados”.

Em uma decisão no ano de 2009 o TJDFT negou provimento ao recurso e manteve a decisão de pronúncia, em um crime de homicídio, em que uma adolescente de 15 anos de idade, quando foi ao quiosque comprar doces, encostou-se a uma grade, que o réu teria energizado com tensão 220 volts, conforme julgado colacionado abaixo:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. CRIME DE HOMICÍDIO SIMPLES. ENERGIZAÇÃO DE GRADE DE JANELA DE QUIOSQUE COM TENSÃO DE 220 VOLTS. CHOQUE FATAL EM VÍTIMA, ADOLESCENTE DE 15 ANOS DE IDADE, QUE PROCUROU O LOCAL PARA COMPRAR UM DOCE. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE NEGATIVA DE AUTORIA, LEGÍTIMA DEFESA PRÉ-ORDENADA POR USO DE OFENDÍCULO OU DESCLASSIFICAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO. PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JÚRI. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

[…]

2. NO CASO DOS AUTOS, VERIFICA-SE A EXISTÊNCIA DA PROVA DA MATERIALIDADE E DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE PARTICIPAÇÃO DO RÉU NA PRÁTICA DO CRIME DE HOMICÍDIO SIMPLES, EIS QUE ENERGINOU A JANELA DO QUIOSQUE COM TENSÃO DE 220 VOLTS, PENSANDO EXCLUSIVAMENTE NA SUA SEGURANÇA, SEM SE PREOCUPAR COM A APROXIMAÇÃO DE CRIANÇAS, ADOLESCENTES OU DE PESSOAS QUE COSTUMAVAM FREQÜENTAR O LOCAL.

[…]

4. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO PARA MANTER A DECISÃO QUE PRONUNCIOU O RÉU NAS SANÇÕES DO ARTIGO 121, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL, A FIM DE QUE SEJA SUBMETIDO A JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI DA CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTA MARIA, DISTRITO FEDERAL.

(TJ-DF – RSE: 25112820078070010 DF 0002511-28.2007.807.0010, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Data de Julgamento: 13/10/2009, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: 04/11/2009, DJ-e Pág. 212) (grifo meu).

Logo, pelo julgado observa-se que houve um abuso pelo réu no uso dos ofendículos, tendo em vista que mesmo na intenção de se proteger usou de meios desproporcionais que acabou por atingir um bem jurídico de um terceiro inocente.

No ano de 2011, ocorreu outro caso de abuso no uso dos ofendículos no Distrito Federal, após ter a sua casa invadida cinco vezes e ter vários bens furtados uma médica montou uma armadilha colocando seringas no muro de sua casa, cabe destacar que havia cartazes presos no portão informando que as seringas estavam infectadas com o vírus HIV.

Assim, apesar de existir o direito de defesa dos bens juridicamente protegidos, tal direito deve ser excedido dentro dos limites legais, tendo em vista que ofender outro bem também protegido pelo ordenamento jurídico em alguns casos pode configurar excesso e o agente pode ser responsabilizado por tal conduta.

CONCLUSÃO

A análise do tema em questão, ofendículos: sua natureza jurídica e os limites de sua utilização, serviu para mostrar que de fato é possível haver a proteção aos bens, para evitar lesões que terceiros possam vir tentar praticar e que tal proteção, aos bens juridicamente protegidos, por meio dos ofendículos, está, inclusive, prevista na Constituição Federal, bem como em outros diplomas legais. No entanto, verificou-se a divergência doutrinária quanto à natureza jurídica dos ofendículos, bem como o uso desproporcional nos uso desses instrumentos de defesa.

A divergência doutrinária ocorre porque parte da doutrina entende que a natureza jurídica dos ofendículos é de legítima defesa preordenada, tendo em vista que, aquele que se proteger de uma futura agressão estará acobertado pela legítima defesa, na sua modalidade preordenada, e os defensores desse entendimento entendem que os ofendículos se enquadram em uma proteção a uma futura agressão.

De outro lado, há quem defende que a natureza jurídica dos ofendículos é de exercício regular do direito, tendo em vista que a lei dá o direito de o proprietário defender-se de uma agressão que um terceiro provoque, sem que seja responsabilizado pela conduta, assim, para esses autores os ofendículos são a autorização da lei para que os proprietários protejam suas propriedades.

Outro importante problema causado pelos ofendículos foi o seu uso desproporcional e sem a devida atenção às regras de instalação desses instrumentos, haja vista que muitos proprietários estavam instalando armadilhas em suas propriedades que colocavam em risco a vida de terceiros inocentes, e apesar de, atingirem esses inocentes, os proprietários, em uma futura ação penal, alegavam estarem abrangidos por uma excludente de ilicitude (ou a legítima defesa ou o exercício regular do direito).

Portanto, quanto à natureza jurídica dos ofendículos, ainda há a divergência doutrinária, porém, observa-se que o que vem predominando entre os autores é que se trata de exercício regular do direito, tendo em vista que os ofendículos não se enquadram nos requisitos da legítima defesa. Cabe destacar que na jurisprudência também não há consenso na natureza jurídica dos ofendículos.

Quantos aos limites do uso dos ofendículos, a jurisprudência tem imposto alguns requisitos para a instalação desses instrumentos de defesa, como por exemplo, que tais instrumentos estejam visíveis a terceiros inocentes, outro exemplo de requisito que deve ser observado é a Lei 13.477 de 2017 que disciplina sobre cercas elétricas.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Maxwell Ferreira. Ofendículos: sua natureza jurídica e os limites de sua utilização. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17164820, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 20/09/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/ofendiculos-sua-natureza-juridica-e-os-limites-de-sua-utilizacao/. Acesso em: 13/12/2025.