O papel da conciliação em demandas de baixa complexidade
Autores
Resumo
O presente artigo examina o papel da conciliação como mecanismo de acesso rápido à justiça, especialmente nas demandas de baixa complexidade que tramitam nos Juizados Especiais. A relevância do tema surge do cenário de sobrecarga do Judiciário brasileiro, sendo a conciliação uma alternativa eficaz para garantir soluções rápidas e acessíveis. O objetivo do estudo é analisar os benefícios desse modelo e os desafios enfrentados para sua plena implementação. A metodologia utilizada inclui uma revisão bibliográfica e documental, abrangendo leis e normas nacionais. Os resultados indicam que a conciliação oferece celeridade processual e redução de custos, além de promover soluções colaborativas. No entanto, desafios como a resistência cultural, a carência de conciliadores capacitados e a falta de incentivos institucionais limitam a sua ampliação. Conclui-se que, apesar dos obstáculos, a conciliação possui um caminho promissor, desde que sejam realizadas adequadas políticas públicas e investimentos na formação de conciliadores.
Palavras-ChaveConciliação. Juizados Especiais. Celeridade processual. Acesso à justiça. Redução de custos. Políticas públicas.
Abstract
This article examines the role of conciliation as a mechanism for quick access to justice, especially in low-complexity cases that are processed in Special Courts. The relevance of the topic arises from the Brazilian judiciary's overload, with conciliation being an effective alternative to ensure fast and accessible solutions. The study aims to analyze the benefits of this model and the challenges faced for its full implementation. The methodology includes a bibliographic and documentary review, covering national laws and regulations. The results indicate that conciliation offers procedural speed and cost reduction, in addition to promoting collaborative solutions. However, challenges such as cultural resistance, a shortage of trained conciliators, and a lack of institutional incentives limit its expansion. It is concluded that, despite the obstacles, conciliation has a promising path, provided that adequate public policies and investments in conciliator training are implemented.
KeywordsConciliation. Special Courts. Procedural speed. Access to justice. Cost reduction. Public policies
1. Introdução
A conciliação, prevista expressamente na Constituição Federal de 1988, ocupa papel central no sistema jurídico brasileiro, especialmente nos juizados especiais. Regidos pela Lei 9.099/1995, os juizados têm como premissas a simplicidade e celeridade no julgamento de demandas de baixa complexidade, e a conciliação surge como um dos principais mecanismos para a solução de conflitos. Sua função vai além de meramente resolver litígios: oferece uma alternativa mais ágil e acessível, contribuindo para desafogar o Judiciário e proporcionando soluções negociadas que atendem às partes envolvidas.
A relevância do tema é inegável no cenário atual, em que o Judiciário brasileiro enfrenta sobrecarga de processos. Com o crescimento exponencial das demandas judiciais, a conciliação desponta como uma estratégia eficaz para garantir que cidadãos tenham seus conflitos resolvidos de forma mais célere e econômica, sem desprezar o devido processo legal. Em especial nas demandas de baixa complexidade, a conciliação tem o potencial de assegurar o acesso à justiça, democratizando o atendimento judicial e garantindo que as partes obtenham resultados concretos em menos tempo.
O objetivo deste artigo é analisar como a conciliação tem facilitado o acesso rápido à justiça no Brasil, particularmente no âmbito das demandas de baixa complexidade que tramitam nos Juizados Especiais. A partir de uma análise dos mecanismos existentes e das vantagens desse modelo, busca-se discutir os benefícios que a conciliação oferece para o sistema judicial e para as partes envolvidas, bem como os desafios para sua plena implementação e eficácia.
A metodologia adotada para este estudo inclui uma revisão bibliográfica e documental de leis e normas brasileiras.
O artigo será dividido em três partes principais. A primeira parte abordará o panorama histórico e legislativo da conciliação no Brasil, destacando a sua evolução e os principais marcos legais. A segunda parte analisará os benefícios e as limitações do uso da conciliação nas demandas de baixa complexidade, considerando a sua aplicação prática nos Juizados Especiais. Por fim, a terceira parte tratará dos desafios para ampliar e aprimorar o uso da conciliação no sistema judicial.
2. Desenvolvimento
2.1. Panorama histórico e legislativo da conciliação no Brasil
A história da conciliação no Brasil está profundamente ligada à evolução do sistema jurídico em si. Cabral (2017) aponta que a conciliação já se encontrava prevista no CPC/73 e em outros diplomas legais. Em sede constitucional, o mecanismo foi previsto desde a primeira constituição (1824), como registra Lopez (2010):
CF/24: Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum.
No entanto, foi a partir da promulgação da Constituição de 1988 que a prática ganhou contornos mais formalizados, tornando-se um instrumento essencial para garantir o acesso à justiça de maneira célere e eficaz.
No âmbito dos juizados, a conciliação nasceu junto com o sistema, pela Lei 7.244/84, que dispôs sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas. Posteriormente, foi sucedida pela Lei 9.099/95, a qual estabelece que, antes de qualquer outra medida processual, deve ser buscada a conciliação entre as partes. A conciliação se encontra intimamente ligada ao rito, encontrando-se previsão expressa na Constituição Federal de 1988 (art. 98, inc. I).
Com o advento do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, a conciliação foi mais uma vez reforçada como um meio de resolver conflitos no sistema jurídico brasileiro. O novo CPC introduziu a figura do mediador e conciliador judicial, profissionais especializados em auxiliar as partes a chegarem a um acordo, evitando, assim, o desgaste de longos processos judiciais. Seu art. 334 determina que, antes do início da fase instrutória de qualquer processo cível, o juiz deve marcar uma audiência de conciliação ou mediação, salvo quando ambas as partes manifestarem desinteresse. Essa medida visa estimular a pacificação social e reforça a ideia de que o Poder Judiciário deve ser, também, um facilitador de acordos, não apenas um espaço de litigância.
Outro ponto importante na evolução legislativa da conciliação foi a edição da Resolução 25/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses. O normativo tem como objetivo promover a cultura da conciliação e mediação, tornando esses métodos os preferenciais no tratamento de conflitos em todos os âmbitos do Poder Judiciário.
Nota-se que a conciliação passou de uma prática informal para uma ferramenta jurídica robusta e institucionalizada, cuja aplicação é incentivada em todas as esferas do Judiciário, com o objetivo de democratizar o acesso à justiça e tornar os processos mais céleres e resolutivos.
2.2. Os benefícios e as limitações do uso da conciliação nas demandas de baixa complexidade
A conciliação em demandas de baixa complexidade oferece inúmeros benefícios. No entanto, como qualquer mecanismo, não está isenta de desafios e restrições.
Inicialmente, um dos principais benefícios da conciliação é a celeridade processual. Isso porque ela permite que as partes envolvidas resolvam suas disputas sem a necessidade de percorrer todas as etapas formais de um processo judicial.
Além da rapidez, há a redução dos custos, pois a conciliação é consideravelmente mais econômica do que o trâmite processual completo.
A conciliação também promove uma abordagem mais colaborativa e menos adversarial entre as partes. Diferente de um julgamento tradicional, em que um juiz impõe uma solução, na conciliação as partes têm a oportunidade de negociar e construir um acordo mutuamente benéfico. Isso pode gerar resultados mais satisfatórios, uma vez que as partes estão diretamente envolvidas na formulação da solução. A postura cooperativa reduz o sentimento de “vencido” ou “derrotado”.
Por outro lado, apesar de seus benefícios, a conciliação também tem limitações. Uma delas é a sua dependência da disposição das partes em cooperar. A conciliação só é eficaz quando ambas as partes estão dispostas a negociar de boa-fé e a fazer concessões. Em muitos casos, especialmente em conflitos mais acirrados, uma ou ambas as partes podem não estar abertas ao diálogo ou podem ver o processo conciliatório como uma perda de tempo, preferindo aguardar uma decisão judicial que considerem mais favorável. Nessas situações, a conciliação acaba sendo infrutífera, e o processo judicial segue seu curso normal, o que anula os benefícios de celeridade e economia.
Outra limitação significativa é a falta de uniformidade nas decisões obtidas por meio de conciliação. Em alguns casos, a parte economicamente mais forte ou melhor informada pode se beneficiar em detrimento da outra, gerando um desequilíbrio na relação processual. A ausência de um parâmetro legal claro pode ser prejudicial para quem não tem conhecimento suficiente para negociar de maneira justa.
Registra-que, no âmbito dos juizados especiais, há predominante jurisprudência no sentido de conferir os efeitos da revelia à ausência na audiência de conciliação, mesmo quando há apresentação de contestação:
REVELIA. Não comparecimento do réu à audiência de conciliação. Revelia que, no sistema do Juizado Especial Cível, não decorre da falta de apresentação de contestação, mas do não comparecimento do réu à audiência de conciliação. Revelia e arquivamento do processo que constituem penalidades impostas pela lei a quem não comparece à audiência de conciliação, já que esta é a tônica do Juizado Especial Civel e também do Novo Código de Processo Civil. Presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor não desmentida por outros elementos de provas presentes nos autos na data da sentença, do que resulta a conclusão de que o réu foi culpado pelo acidente de trânsito ensejador dos danos sofridos pelo autor no valor do serviço documentado por nota fiscal (fls. 09). Sentença mantida por seus próprios fundamentos (art. 46, Lei nº. 9.099/95). Recurso improvido.
(TJ-SP – RI: 10277430920168260001 SP 1027743-09.2016.8.26.0001, Relator: Ademir Modesto de Souza, Data de Julgamento: 21/02/2017, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 21/02/2017)
No passado, antes das audiências telepresenciais, esse dispositivo era um verdadeiro causador de desequilibro, pois, costumeiramente, se ajuízam ações contra litigantes residentes em outros estados, de forma que o simples comparecimento já representava uma barreira financeira. Por vezes, o custo do deslocamento e hospedagem era superior ao valor da causa. E como não há condenação em despesas, mesmo a vitória era um derrota.
Além disso, por mais louvável que seja o intento de estimular a conciliação, entende-se que atrelar os efeitos da revelia à presença ou não na conciliação é uma medida desproporcional.
2.3. Desafios para ampliar e aprimorar o uso da conciliação no sistema judicial
A eficácia da conciliação na resolução de conflitos, especialmente nas demandas de baixa complexidade, é inegável. Todavia, há diversos desafios a serem enfrentados para que seu uso seja ampliado e aprimorado.
O primeiro deles é a necessidade de mudança cultural tanto por parte dos operadores do direito quanto dos próprios cidadãos. Azevedo (2016) pontua que, de uma forma geral, os envolvidos num processo (mediadores, partes e advogados) não foram estimulados, ainda na infância, a atuar de forma cooperativa. Prevalece, no Brasil, a cultura de litígio. As partes tendem a preferir a decisão judicial, acreditando que a sentença advinda possa ser melhor. Mudar essa mentalidade exige esforço contínuo de educação e sensibilização.
Lopez (2010) consiga que, segundo estudos de organizações internacionais indicam, a taxa de acordos em conflitos nos países desenvolvidos varia entre 80% e 82%, enquanto nos países em desenvolvimento esse índice fica entre 30% e 35%.
O segundo é a formação e capacitação de conciliadores. Embora o Código de Processo Civil de 2015 e a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenham introduzido o conciliador como uma figura fundamental para o sucesso das audiências de conciliação, ainda há carência de profissionais devidamente treinados e capacitados para lidar com os diferentes tipos de conflitos. A falta deles pode comprometer a qualidade do processo conciliatório, levando a acordos insatisfatórios ou ao fracasso da tentativa de conciliação.
A sobrecarga do Judiciário também é um obstáculo. Em muitos tribunais, a alta demanda processual faz com que os juízes e servidores tenham pouca disponibilidade para conduzir as audiências de conciliação com a atenção necessária. A conciliação, para ser efetiva, requer tempo e dedicação, já que a solução negociada depende de uma abordagem minuciosa e cuidadosa. Quando as audiências são realizadas de forma apressada, as chances de sucesso diminuem.
Além disso, é importante destacar que, embora a conciliação tenha se mostrado muito eficaz em demandas de baixa complexidade, ainda existem áreas em que sua aplicação é limitada ou ineficaz. Conflitos que envolvem questões sensíveis, como violência doméstica ou direitos humanos, muitas vezes não são adequados para a conciliação, devido à disparidade de poder entre as partes. Nesses casos, insistir na conciliação pode ser prejudicial, perpetuando situações de abuso ou desvantagem para uma das partes. É necessário um olhar atento para a adequação do uso da conciliação, garantindo que seja utilizada apenas nos casos em que pode efetivamente trazer benefícios sem comprometer a justiça.
Por fim, outro desafio para a ampliação da conciliação no sistema judicial é a falta de incentivos institucionais. Isso poderia ser feito por meio de políticas públicas que ofereçam benefícios concretos para as partes que optam pela conciliação, como incentivos fiscais para empresas que preferem a resolução extrajudicial. O próprio sistema de metas do Conselho Nacional de Justiça poderia incorporar métricas específicas para incentivar o uso da conciliação, premiando tribunais e magistrados que conseguirem resolver mais conflitos por essa via.
3. Considerações Finais
Observou-se que a conciliação é uma ferramenta essencial para a celeridade processual e a redução de custos no sistema judicial brasileiro, especialmente em demandas de baixa complexidade, como aquelas que tramitam nos juizados especiais. Através da revisão histórica e legislativa, identificamos como a conciliação foi institucionalizada no Brasil, especialmente com a criação dos Juizados Especiais e a evolução trazida pelo CPC/15. Os benefícios do método foram destacados, mostrando como ele contribui para desafogar o Judiciário, promover acordos mais colaborativos e facilitar a pacificação social.
O estudo evidenciou, ainda, as limitações e desafios enfrentados, especialmente a resistência cultural ao seu uso, a falta de conciliadores capacitados e a necessidade de uma estrutura mais eficiente e incentivos institucionais. A análise final mostrou que, apesar dos obstáculos, há um caminho promissor para que a conciliação seja cada vez mais utilizada e aprimorada, desde que sejam implementadas políticas públicas adequadas e promovida uma mudança de mentalidade entre os operadores do direito e os cidadãos.
4. Referências Bibliográficas
Azevedo, A. G. de (Org.). (2016). Manual de mediação judicial (6ª ed.). Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Cabral, T. N. X. (2017). A evolução da conciliação e da mediação no Brasil. Revista Fonamec, 1(1), 354-369. Disponível em https://portalidea.com.br/cursos/bsico-em-mediao-e-conciliao-de-conflitos-apostila03.pdf. Acesso em: 24 de outubro de 2024.
Conselho Nacional de Justiça. (2010). Resolução nº 125 de 29 de novembro de 2010. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156. Acesso em: 24 de outubro de 2024.
Lopez, I. D. F. W., & Miranda, F. S. M. P. (2010). A conciliação nos juizados especiais cíveis. Revista Eletrônica Direito, Justiça e Cidadania, 1(1). https://docs.uninove.br/arte/fac/publicacoes/pdfs/ilza.pdf. Acesso em: 24 de outubro de 2024.
Presidência da República do Brasil. (1824). Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 24 de outubro de 2024.
Presidência da República do Brasil. (1984). Lei nº 7.244, de 07 de novembro de 1984. Dispõe sobre a criação e funcionamento dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/l7244.htm. Acesso em: 24 de outubro de 2024.
Presidência da República do Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 24 de outubro de 2024.
Presidência da República do Brasil. (2015). Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 24 de outubro de 2024.
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
OLIVEIRA JUNIOR, Eliézer Guedes de (ORCID 0009-0000-9405-6256) . O papel da conciliação em demandas de baixa complexidade. Revista Di Fatto, Biologia, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2024, n. 3, aprovado e publicado em 11/11/2024. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/o-papel-da-conciliacao-em-demandas-de-baixa-complexidade-2/. Acesso em: 13/12/2025.
