O agravo de instrumento e a perda do objeto recursal
Autores
Resumo
Devido à grande demanda de ações judiciais em curso na Justiça brasileira, é comum certa demora no julgamento dos processos, o que acaba resultando na paralisação dos recursos de agravos de instrumento que, muitas vezes, resulta na superveniência de sentença, o que, geralmente, pode obstar o conhecimento do agravo de instrumento. Este estudo teve o objetivo de analisar as hipóteses de perda do objeto recursal do agravo de instrumento ante a superveniência de sentença de mérito no processo de origem, sem esgotá-las, a fim de identificar essas hipóteses e distinguir possíveis decisões equivocadas de decisões corretas. Analisou-se os requisitos e características dos recursos de agravo de instrumento e de agravo interno, e suas disposições previstas no Código de Processo Civil de 2015, bem como algumas hipóteses em que o julgamento do recurso de agravo de instrumento se faz necessária, mesmo sobrevindo sentença no processo de origem, e hipóteses em que não subsiste interesse no julgamento do agravo de instrumento, face ao julgamento do processo de origem. Dentre os autores pesquisados para a constituição conceitual deste trabalho destacaram-se José Frederico Marques (1997), Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2008) e Humberto Thoedoro Junior (2009). A metodologia utilizada foi a pesquisa exploratória tendo como coleta de dados o levantamento bibliográfico e jurisprudencial. A conclusão mais relevante é a ponderação do binômio interesse e utilidade no julgamento do recurso para identificar as hipóteses de perda ou não do objeto recursal.
Palavras-ChaveAgravo de instrumento. Agravo interno. Perda do objeto recursal.
Abstract
Due to the great demand of lawsuits in progress in the Brazilian court, certain delays are common in their judgment, resulting in the paralisation of the agravo de instrumento recourse, which often results in the supervenience of a verdict that usually avoids the knowledge of the agravo de instrumento recourse. This study had the objective of analyzing and identifying the hypotheses of object loss of the agravo de instrumento, without exhausting them, distinguishing possible wrong decisions from correct ones. The requirements and characteristics of the agravo de instrumento and agravo interno recourses were analyzed, and it’s provisions in the 2015 Processual Civil Code, as well as some hypotheses in which the judgment of the agravo de instrumento recourse is necessary, even when the verdict in the original lawsuit was gave. Among the authors researched for the conceptual establishment of this work, the most important were José Frederico Marques (1997), Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2008) and Humberto Theodoro Junior (2009). The methodology used was the exploratory research by bibliographical and jurisprudential data collection. The most relevant conclusion is the appraisal of interest and utility in the judgment of the recourse to identify the hypothesis of loss or not of the recourse object.
KeywordsAgravo de instrumento. Agravo interno. Object recourse loss.
1 INTRODUÇÃO
O meio próprio para atacar as decisões interlocutórias, proferidas nos processos de conhecimento, de execução ou de inventário, bem como na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, nos termos do art. 1.015 e parágrafo único, do CPC/2015, é o recurso nominado agravo de instrumento.
As decisões interlocutórias impugnáveis por meio do agravo de instrumento, via de regra, são decisões proferidas pelo Juízo de 1° grau. O provimento jurisdicional concedido em 2° grau, no recurso de agravo de instrumento, substitui a decisão do Juízo de 1° grau, confirmando-a ou alterando-a.
No entanto, em alguns casos, há a perda do objeto recursal do agravo de instrumento, que ocorre com a inexistência de interesse no prosseguimento do recurso face à superveniência de decisão nos autos de origem.
Ponto importante do presente estudo é a distinção das hipóteses nas quais o objeto do recurso de agravo de instrumento se esvai das quais subsiste o interesse no pronunciamento de 2° grau, ou seja, quando permanece a necessidade de proferir decisão para confirmar ou substituir a decisão proferida pelo Juízo de origem.
Tal distinção se faz necessária pois alguns provimentos concedidos em agravo de instrumento pelo Juízo de 2° grau vigoram, via de regra, até a prolação da sentença pelo Juízo de origem, como é o caso das antecipações de tutela concedidas em sede de agravo de instrumento.
Ora, tratando-se de provimento precário, concedido com base na verossimilhança dos fatos e na probabilidade do direito, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela em 2° grau vigora até a prolação da sentença que, baseada em maior conjunto probatório, contraditório e ampla defesa, é mais eficaz e esgota o provimento jurisdicional de 1° grau, confirmando ou revogando a tutela anteriormente concedida.
Nesses casos, proferida sentença pelo Juízo de origem, esvai-se o objeto do recurso de agravo de instrumento ainda pendente de julgamento. Isto porque o objeto do recurso de agravo de instrumento – antecipação dos efeitos da tutela – possui natureza precária e substitui a decisão do Juízo de origem até a prolação da sentença, ato final que impõe o provimento jurisdicional às partes, favorável ou desfavorável, ocorrendo a perda do objeto recursal ante a inexistência de interesse no prosseguimento do recurso.
Por outro lado, alguns casos de superveniência de sentença não acarretam a perda do objeto recursal, uma vez que subsiste o interesse no prosseguimento do recurso de agravo de instrumento e na modificação da decisão interlocutória agravada, mesmo com a superveniência de sentença.
Tais casos possuem maior dificuldade de identificação pois demandam análise mais aprofundada das consequências da subsistência ou não da decisão agravada.
Cita-se, como exemplo, o agravo de instrumento interposto face à decisão que não concede à parte agravante os benefícios da justiça gratuita. Inexiste, no caso, perda do objeto recursal, subsistindo o interesse no prosseguimento do recurso face à superveniência de sentença, uma vez que a decisão interlocutória vigora e há necessidade do provimento jurisdicional de 2° grau para substituir a decisão do Juízo de origem, alterando-a ou confirmando-a.
Outra hipótese, não menos importante, são as decisões interlocutórias proferidas no Juízo de origem que, caso alteradas, possam macular o próprio provimento jurisdicional – sentença – tal como o indeferimento de produção de prova necessária para propiciar justa decisão às partes.
Nesse caso, ainda que no curso do agravo de instrumento sobrevenha sentença nos autos de origem, não ocorre a perda do objeto recursal, subsistindo o interesse no prosseguimento do agravo, uma vez que, em caso de provimento do recurso e alteração da decisão interlocutória proferida, a sentença é anulada e deve-se autorizar a produção da prova anteriormente indeferida para, posteriormente, proferir-se nova sentença.
Ademais, ainda que o agravo de instrumento que não tenha perdido seu objeto não seja conhecido pelo 2° grau, sob fundamento de inexistir interesse no prosseguimento do recurso, subsistem meios para questionar a decisão e requerer o efetivo provimento jurisdicional, que também serão objeto de estudo do presente artigo.
É evidente, portanto, a importância do estudo das hipóteses de perda do objeto recursal do agravo de instrumento e suas consequências, bem como dos meios específicos para atacar decisão imprecisa, identificando a sistemática do mencionado recurso – meio próprio para atacar as decisões interlocutórias – e da precariedade das decisões concedidas em 2° grau, para alcançar o recurso a sua finalidade.
2 O RECURSO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Trata-se do recurso previsto no art. 1.015 do Código de Processo Civil, próprio para atacar as decisões interlocutórias proferidas nos processos de conhecimento, de execução ou de inventário, bem como na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença.
O agravo de instrumento é o recurso cabível contra as decisões interlocutórias. É assim nominado porque seu processamento se faz em instrumento separado dos autos do processo, ou seja, interposto diretamente no tribunal competente. (Caluri, 2015)
Possui, geralmente, efeito devolutivo, não obstando o andamento do processo, ressalvado a hipótese de concessão, pelo relator, do efeito suspensivo ou de deferimento de antecipação de tutela, total ou parcial, da pretensão recursal, nos termos do artigo 1.019, do CPC.
O agravo de instrumento não tem efeito suspensivo, mas apenas o devolutivo (art. 497), de regra. E a devolução se opera em área delimitada pela decisão recorrida, a qual é submetida à reexame total pelo juízo ad quem (e igualmente pelo juízo a quo, na retratabilidade), no tocante à profundidade. Nada mais, no entanto, além da decisão recorrida cabe ao tribunal apreciar, em extensão, no julgamento do recurso. (Marques, 1997).
Na nova sistemática, o recurso de agravo de instrumento é cabível taxativamente contra as decisões interlocutórias (art. 1.015, do Novo CPC), (Caluri, 2015), que versarem sobre tutelas provisórias; mérito do processo; rejeição da alegação de convenção de arbitragem; incidente de desconsideração da personalidade jurídica; rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; exibição ou posse de documento ou coisa; exclusão de litisconsorte; rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; redistribuição do ônus da prova e outros casos expressamente previstos em lei; além de decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário, consoante disposição expressa do art. 1.015 e parágrafo único do Código de Processo Civil.
O recurso será dirigido diretamente ao tribunal competente, por meio de petição instruída com os nomes das partes, a exposição do fato e do direito, as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão e o próprio pedido, além de nome e o endereço completo dos advogados constantes do processo, nos termos do art. 1.016, do Código de Processo Civil.
O agravo de instrumento tem ainda os caracteres seguintes: a) é recurso contra decisões interlocutórias, isto é, contra “ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente” (arts. 522 e 162, §2°); b) não obsta o andamento do processo, nem interfere na eficácia da decisão agravada, ressalvado o disposto no art. 558 (art. 497); c) deve sempre ser deduzido perante o tribunal competente para reapreciar a questão (art. 524); d) não esgota o oficio do juiz quanto à decisão agravada, uma vez que lhe será dado proferir novo ato decisório, para manter ou reformar a interlocutória que provocou o recurso (art. 529) (Marques, 1997).
Diferentemente da sistemática do anterior Código de Processo Civil, de 1973, a juntada do recurso passa a ser uma faculdade do agravante, novidade trazida pelo Novo Código de Processo Civil, obrigatória apenas quando os autos não forem eletrônicos, no prazo de 03 dias a contar da interposição do agravo de instrumento, importando inadmissibilidade do recurso o seu descumprimento, desde que arguido e provado pelo agravado, nos termos do art. 1.018, §§2° e 3°, do CPC/2015.
No CPC de 1973, é uma obrigatoriedade a juntada do recurso de agravo de instrumento. Pela nova sistemática, passa a ser uma faculdade ao agravante. Porém, não sendo eletrônicos os autos, o agravante tomara a providência da juntada da petição de agravo, protocolo e relação de documentos, no prazo de três dias a contar de sua interposição, e, em caso de descumprimento, desde que arguido e provado pelo agravado, importa inadmissibilidade do agravo de instrumento. (Caluri, 2015).
A cópia da decisão agravada no instrumento do agravo, no entanto, continua sendo indispensável, consoante art. 1.017, do CPC, devolvida a matéria delimitada ao Tribunal para reexame total.
A cópia da decisão agravada é indispensável, porque sem ela o tribunal não saberá contra o que o recurso foi interposto; a da certidão de intimação tem por finalidade permitir a verificação da tempestividade. Há casos em que a decisão nem foi publicada, não sendo exigível a certidão. O STJ tem decidido que a juntada da publicação da decisão no Diário Oficial é bastante para comprovar a data em que ela ocorreu, e tem o mesmo valor probatório da certidão. (Gonçalves, 2008).
3 AGRAVO INTERNO
O recurso do agravo interno é cabível contra decisão proferida monocraticamente pelo relator, oponível perante o órgão colegiado, nos termos do art. 1.021, do Código de Processo Civil.
A petição do recurso de agravo interno, o recorrente deverá impugnar especificadamente os fundamentos da decisão agravada (art. 1.021, do novo CPCP).
O recurso de agravo interno será dirigido ao relator, que intimará o agravado para sua resposta (contraminuta) no prazo de quinze dias. É facultado ao desembargador relator, ao final do prazo para resposta do agravado, fazer sua retração, caso contrário levará o agravo interno para julgamento perante o órgão colegiado, com inclusão em pauta. (Caluri, 2015).
Resulta no recurso cabível face a decisões monocráticas do Relator que julga prejudicado o recurso, ante a perda do objeto recursal, também chamada de perda superveniente do interesse recursal, pois viável sua utilização como forma de demandar análise para conhecer e julgar o agravo de instrumento prejudicado.
O agravo interno sempre constou nos regimentos internos dos Tribunais Superiores, e é também denominado de agravo de regimental, em virtude da previsão no regimento interno dos tribunais. Muitos operadores do direito denominam referido recurso como “agravinho”, cuja função é a impugnação das decisões tomadas individualmente pelo relator. (Caluri, 2015).
Sua interposição permite o juízo de retratação do relator, que poderá conhecer e julgar o agravo de instrumento tido como prejudicado de imediato, ou, caso assim não ocorra, demandará análise e pronunciamento da Turma Julgadora.
Esse agravo interno, que cabe contra as decisões do relator, permite a ele o exercício do juízo de retratação. Se esta não ocorrer, a turma julgadora o apreciará e, se o provir, julgará o recurso. (Gonçalves, 2008).
É muito utilizado nas decisões que versem sobre antecipação de tutela, hipótese mais comum dentre as decisões monocráticas de perda de objeto recursal.
Nesse sentido, o enunciado n. 142 do Fórum Permanente de Processualistas Civis ressalta: da decisão monocrática do relator que concede ou nega o efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou que concede, nega, modifica ou revoga, no todo ou em parte, a tutela jurisdicional nos casos de competência originária ou recursal, cabe o recurso de agravo interno nos termos do art. 1.021 do CPC. (Caluri, 2015).
4 OBJETO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO E HIPÓTESES DE PERDA DO OBJETO RECURSAL
O objeto do agravo de instrumento é a decisão interlocutória proferida pelo Juízo de 1° grau e, interposto o recurso, é possível a retratação do decisum, pelo juiz de origem.
Uma das qualidades dos agravos, seja qual for o modo de interposição, é que eles permitem ao órgão a quo retratar-se da decisão. O agravo de instrumento também permite ao juiz que se retrate. (Gonçalves, 2008).
Caso o Juízo de origem se retrate, reconsiderando a decisão totalmente, o agravo de instrumento perderá o objeto, uma vez que o pretendido pelo agravante foi alcançado, desnecessário provimento jurisdicional para confirmar ou alterar a decisão de origem.
Se houver a reforma completa da decisão, nada mais restará ao relator senão julgar o agravo prejudicado. (Gonçalves, 2008)
No entanto, caso a retratação seja parcial, prosseguirá o agravo de instrumento em relação a parte do decisum que permaneceu inalterado, visando à alteração ou confirmação pelo Tribunal, órgão de 2° grau.
A retratação poderá ser total ou parcial. Se total, prejudicará o agravo; se parcial, o agravo será processado, mas o conhecimento do tribunal ficará limitado àquela parte que não foi objeto de reconsideração. (Gonçalves, 2008).
Ademais, como o efeito do agravo de instrumento é, em regra, apenas devolutivo, é recorrente que o processo cuja decisão interlocutória se pretende modificar siga o seu curso e que sobrevenha sentença, tornando, muitas vezes, prejudicado o objeto do agravo de instrumento.
Uma vez que o agravo não tem efeito suspensivo, pode acontecer que o processo chegue à sentença antes do julgamento, pelo Tribunal, do recurso manejado contra a decisão interlocutória. (Theodoro Junior, 2009).
Cabe aos operadores do direito identificar as hipóteses nas quais o julgamento do feito resulta em perda do objeto recursal do agravo de instrumento, e as hipóteses em que subsiste o interesso no prosseguimento do recurso, objetivando o manejo das soluções jurisdicionais cabíveis – tais como o agravo interno – ou mesmo o recurso de apelação face à r. sentença.
Mister identificar, assim, se a controvérsia discutida no agravo de instrumento é prejudicial à sentença ou não, pois, se sim, seu julgamento resultará em anulação do provimento jurisdicional definitivo, necessária nova prolação de sentença observando-se o determinado na decisão proferida no agravo de instrumento.
Diversa é, porém, a situação do processo em que a parte vencida apela da sentença antes de ser definitivamente julgado o seu agravo de instrumento anteriormente manifestado contra decisão interlocutória sobre questão prejudicial à solução contida na sentença (como, v.g, a arguição de incompetência do juízo prolator da sentença). Sendo apreciada a apelação antes do agravo, não se pode dizer que o trânsito em julgado da sentença prejudique o agravo. Na verdade, persistindo a litispendência, nem mesmo se chega a formar a coisa julgada, ou, se se entender que tal ocorreu, ter-se-á uma coisa julgada meramente formal e sujeita à condição resolutiva: se improvido o agravo, consolida-se o decidido na sentença; se provido, resolve-se a sentença, por ele prejudicado, voltando o processo ao estágio em que se encontrava no momento em que a decisão agravada for proferida. No caso de incompetência proclamada pelo acórdão do agravo, os autos principais serão encaminhados ao novo juízo, para que outra sentença seja prolatada pelo juiz reconhecido como competente pela instância superior. (Theodoro Junior, 2009).
Desprende-se das palavras de Humberto Theodoro Junior que se a questão discutida no agravo de instrumento for prejudicial à manutenção da sentença, tal como incompetência do juízo, concessão dos benefícios da justiça gratuita, indeferimento de prova crucial para o efetivo deslinde do feito, litispendência, etc, o agravo de instrumento não perde o seu objeto face à superveniência de sentença, devendo ser julgado para, caso provido, retornarem os autos ao estado em que se encontravam antes da prolação da sentença para prosseguirem observando-se o determinado na decisão proferida no agravo de instrumento.
Nesse sentido, o C. STF:
O efeito devolutivo do agravo de instrumento, interposto contra o despacho saneador, faz com que a sentença, proferida na causa, fique com sua eficácia condicionada ao desprovimento do agravo, no que concerne às questões nele ventiladas (STF, 1ª turma, RE 89.980/SP, Rel. Soares Munoz).
Nas palavras do Ministro do E. STJ Luis Felipe Salomão, para fins de análise da perda ou não do objeto recursal do agravo de instrumento pela superveniência da sentença, deve-se perquirir acerca de eventual e remanescente interesse e utilidade no julgamento do recurso, ponderando-se os critérios da cognição – onde o conhecimento exauriente da sentença de mérito absorve a cognição sumária da interlocutória, resultando na perda do objeto recursal; e o da hierarquia, que pressupõe a prevalência da decisão de segundo grau sobre a singular, quando então o julgamento do agravo se impõe.
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INCIDENTAL. SUPERVENIENTE PROLAÇÃO DE SENTENÇA DE MÉRITO. PERDA DE OBJETO. 1. Há dois critérios para solucionar o impasse relativo à ocorrência de esvaziamento do conteúdo do recurso de agravo de instrumento, em virtude da superveniência da sentença de mérito, quais sejam: a) o da cognição, segundo o qual o conhecimento exauriente da sentença absorve a cognição sumária da interlocutória, havendo perda de objeto do agravo; e b) o da hierarquia, que pressupõe a prevalência da decisão de segundo grau sobre a singular, quando então o julgamento do agravo se impõe. 2. Contudo, o juízo acerca do destino conferido ao agravo após a prolação da sentença não pode ser engendrado a partir da escolha isolada e simplista de um dos referidos critérios, fazendo-se mister o cotejo com a situação fática e processual dos autos, haja vista que a pluralidade de conteúdos que pode assumir a decisão impugnada, além de ensejar consequências processuais e materiais diversas, pode apresentar prejudicialidade em relação ao exame do mérito. 3. A pedra angular que põe termo à questão é a averiguação da realidade fática e o momento processual em que se encontra o feito, de modo a sempre perquirir acerca de eventual e remanescente interesse e utilidade no julgamento do recurso. 4. Ademais, na específica hipótese de deferimento ou indeferimento da antecipação de tutela, a prolação de sentença meritória implica a perda de objeto do agravo de instrumento por ausência superveniente de interesse recursal, uma vez que: a) a sentença de procedência do pedido – que substitui a decisão deferitória da tutela de urgência – torna-se plenamente eficaz ante o recebimento da apelação tão somente no efeito devolutivo, permitindo desde logo a execução provisória do julgado (art. 520, VII, do Código de Processo Civil); b) a sentença de improcedência do pedido tem o condão de revogar a decisão concessiva da antecipação, ante a existência de evidente antinomia entre elas. 5. Embargos de divergência não providos. (STJ – CE – Corte Especial – EAREsp 488188 / Embargos de divergência em Agravo em Recurso Especial – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j.07.10.2015).
Como já mencionado, nas hipóteses em que a decisão agravada for prejudicial a sentença, tais como incompetência do juízo, litispendência, indeferimento de prova crucial para o efetivo deslinde do feito, etc, a superveniência de sentença não prejudica o prosseguimento do agravo de instrumento, pois presentes o binômio interesse e utilidade no julgamento do recurso.
Por outro lado, algumas questões submetidas ao Tribunal por meio do agravo de instrumento, caso não julgadas antes da prolação da sentença, deixam de demandar análise pelo Juízo de 2° grau, porquanto o exaurimento da matéria pelo provimento jurisdicional definitivo de 1° grau torna definitiva a questão discutida, ressalvada discussão no recurso de apelação, caso interposto.
Em relação ao agravo de instrumento interposto face à decisão que concede ou indefere a antecipação dos efeitos da tutela recursal, é evidente que a prolação da sentença torna prejudicado o recurso.
Se a decisão agravada é concessiva dos efeitos da tutela e a sentença julga procedente a ação, o provimento jurisdicional de primeiro grau se esgota e sua eventual modificação deverá ser discutida por meio do recurso de apelação. Caso a sentença julgue improcedente a ação, a decisão agravada que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela se torna sem efeito, ante a antinomia entre elas.
Quando o agravo de instrumento é interposto contra decisão que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela, a superveniência de sentença também resulta na perda do objeto recursal, uma vez que a procedência ou improcedência do pedido, decretada em sentença, é fruto de instrução probatória plena, em cognição exauriente, com caráter de definitiva.
Agravo interposto contra decisão que negou o pedido de medida liminar de caráter antecipatório. Sentença de improcedência do pedido. Neste caso, haverá carência superveniente do interesse recursal do agravante e o agravo, ipso facto, não poderá ser conhecido por falta do pressuposto do interesse em recorrer. O objeto do agravo é a obtenção de liminar antecipatória do mérito ou de algum efeito do mérito, liminar essa que fora negada pelo juiz de primeiro grau. Tanto no primeiro, quanto no segundo grau de jurisdição, o julgamento acerca do pedido de liminar será sempre provisório e fruto de cognição sumária do juiz ou tribunal, ou seja, mediante prova circunstancial e precária. Por outro lado, a sentença de procedência do pedido é proferida mediante prova ampla e cabal – instrução probatória plena -, em cognição exauriente, e tem caráter de definitiva. A sentença de improcedência prevalecerá contra toda e qualquer liminar concedida, que haja antecipado a providência de mérito ou algum de seus efeitos. Por esta razão, o tribunal não poderá julgar o agravo, ou, se o julgar, não poderá provê-lo porque esse provimento seria de nenhum efeito, já que não poderá prevalecer contra sentença de improcedência, isto é, contra provimento definitivo de mérito em sentido contrário (improcedência). O agravo perdeu o objeto e não pode ser conhecido porque, após a prolação da sentença de improcedência do pedido, a liminar eventualmente dada pelo tribunal como consequência de provimento do agravo já estará ipso facto cassada, ainda que o acórdão não haja consignado expressamente essa cassação. (Nery Júnior e Nery, 2013).
É esse o entendimento consolidado do E. STJ:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. DEFERIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE MÉRITO. PERDA DE OBJETO DO RECURSO ESPECIAL. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento segundo o qual “fica prejudicado, por perda de objeto, o exame de recurso especial interposto contra acórdão proferido em sede de agravo de instrumento que decide questão preliminar ou de antecipação de tutela, na hipótese de já ter sido prolatada sentença” (AgRg no AREsp n. 51.857/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, TERCEIRA TURMA, DJe 26/5/2015). Precedentes. 2. Agravo interno desprovido (STJ – T3 – Terceira Turma – AgInt no REsp 1690253 / Agravo interno no Recurso Especial – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – j. 26.06.2018).
Delimitadas, portanto, as hipóteses em que a superveniência de sentença prejudica o prosseguimento do agravo de instrumento, pois desnecessária manifestação do Tribunal acerca de questão resolvida por cognição exauriente de provimento jurisdicional definitivo de 1° grau.
5 O AGRAVO INTERNO FACE DECISÕES MONOCRÁTICAS QUE JULGAM PREJUDICADO O AGRAVO DE INSTRUMENTO
No entanto, há possibilidade do agravo de instrumento não ser conhecido pelo relator, em decisão interlocutória, sob fundamento de perda do objeto recursal ou do interesse superveniente, em casos em que de fato subsiste o binômio interesse e utilidade no julgamento do recurso.
Nessas hipóteses, o recurso cabível é o agravo interno, que possibilita retratação pelo relator ou, em caso de manutenção do julgado, conhecimento e análise pela Turma Julgadora.
AGRAVO INTERNO – Insurgência contra decisão monocrática que julgou deserta a apelação da insurgente, ante a falta de complementação do preparo recursal – Ordem atendida – Recolhimento efetuado – Deserção afastada – Recurso provido. (TJSP, 20ª Câmara de Direito Privado, Agravo Interno 1010978-10.2015.8.26.0320, – Rel. Correia Lima – j. 13.08.2018).
Já descritos os seus requisitos para interposição, esse recurso se mostra útil para reparar decisões monocráticas do relator equivocadas acerca de perda do objeto recursal ou de outros temas que demandem o conhecimento e análise do recurso de agravo de instrumento.
Não se tratando de decisão monocrática e existindo sentença no processo de origem, a discussão deverá ser suscitada no recurso de apelação interposto face à sentença, nos termos do art. 1.009, do CPC.
O agravo não é admissível contra despachos (art. 504) e, muito menos, contra sentença. O recurso será cabível tão-só contra decisões interlocutórias. (Marques, 1997).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como objetivo delimitar as características principais do recurso de agravo de instrumento, hipóteses de perda do objeto recursal e meios de sua identificação, o recurso do agravo interno e o seu manejo, e os casos nos quais subsiste o interesse no pronunciamento de 2° grau, ou seja, quando permanece a necessidade de proferir decisão para confirmar ou substituir a decisão proferida pelo Juízo de origem.
Tais considerações são necessárias pois alguns provimentos concedidos em agravo de instrumento pelo Juízo de 2° grau vigoram, via de regra, até a prolação da sentença pelo Juízo de origem, como é o caso das antecipações de tutela concedidas em sede de agravo de instrumento.
Por outro lado, alguns casos de superveniência de sentença não acarretam a perda do objeto recursal, pois subsiste o interesse no prosseguimento do recurso de agravo de instrumento e na modificação da decisão interlocutória agravada, que subsiste mesmo com a superveniência de sentença, evidenciado o binômio interesse e utilidade no julgamento do recurso.
Alguns casos possuem maior dificuldade de identificação pois demandam análise mais aprofundada das consequências da subsistência ou não da decisão agravada, requerendo maior atenção do operador do direito.
É o caso das decisões interlocutórias proferidas no Juízo de origem que, caso alteradas, possam macular o próprio provimento jurisdicional – sentença – tal como o indeferimento de produção de prova necessária para propiciar justa decisão às partes.
Nesse caso, ainda que no curso do agravo de instrumento sobrevenha sentença nos autos de origem, não ocorre perda do objeto recursal e subsiste o interesse no prosseguimento do agravo, pois em caso de provimento do recurso e alteração da decisão interlocutória proferida a sentença é anulada e deve-se autorizar a produção da prova anteriormente indeferida para, posteriormente, realizar-se novo julgamento.
Portanto, identificar as hipóteses de perda do objeto recursal ou de subsistência do interesse no julgamento do recurso, por meio da ponderação do binômio interesse e utilidade, é importante para traçar a melhor estratégia processual para cada caso, visando à satisfação da tutela jurisdicional pretendida.
REFERÊNCIAS
CALURI, Lucas Naif. Recursos no Novo Código de Processo Civil. São Paulo. LTR, 2015.
CASTRO, Claudio de Moura. A Prática da Pesquisa. São Paulo. Pearson Education do Brasil, 2012.
GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro I. 23ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 4ª Edição. São Paulo. Saraiva, 2008.
JUNIOR. Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1, 50ª edição comemorativa. Rio de Janeiro. Forense, 2009.
JUNIOR, Nelson Nery. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 13ª Edição. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2013.
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Volume III. Campinas/SP. Bookseller, 1997.
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
PINTO, Murilo Violaro. O agravo de instrumento e a perda do objeto recursal. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.16755097, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 06/08/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/o-agravo-de-instrumento-e-a-perda-do-objeto-recursal/. Acesso em: 17/09/2025.