Inexigibilidade de licitação: aquisição de bens e serviços por detentor de patente
Autores
Resumo
O texto debate a possibilidade de contratação direta por inexigibilidade de licitação de um licitante que detenha a patente de um produto, sustentando a tese de que a patente por si só caracterizaria o fornecedor como exclusivo. Para tanto, veremos os argumentos sustentados por essas em empresas e o defendido pelo Tribunal de Contas da União.
Palavras-ChaveLicitação. Inexigibilidade. Contratação direta. Bens e serviços. Fornecedor exclusivo. Detentor de patente. Benefício. Tribunal de Contas da União. TCU.
Abstract
This paper discusses the possibility of direct contracting, through a non-competitive bidding process, with a bidder holding a patent for a product, arguing that the patent alone would characterize the supplier as exclusive. To this end, we examine the arguments put forward by these companies and those defended by the Federal Court of Auditors.
KeywordsBidding. Non-enforceability. Direct contracting. Goods and services. Exclusive supplier. Patent holder. Benefit. Federal Court of Auditors. TCU.
O presente estudo tem como objeto o debate sobre a possibilidade de contratação, por inexigibilidade de licitação, de um licitante que detenha a patente de um determinado produto. Há quem defenda que esse licitante pode ser contratado diretamente, visto se tratar de fornecedor exclusivo. Entretanto, veremos o atual entendimento do Tribunal de Contas da União é no sentido oposto. Para tanto, faremos um breve estudo sobre os principais conceitos ligados ao procedimento licitatório.
As contratações públicas são regidas por um procedimento especial, qual seja, o procedimento licitatório. Diferentemente dos particulares, que podem dispor livremente do seu patrimônio, o Poder Público está adstrito ao princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual à Administração é vedado dispor do patrimônio público ao seu bel-prazer.
O interesse público primário, aquele que atende às necessidades primordiais da população, deve ser o começo e o fim da atuação administrativa. Partindo dessa premissa, a Administração tem o dever de sempre contratar o bem ou serviço que melhor atenda ao interesse da coletividade, e não os interesses privados dos gestores, utilizando-se da menor quantidade de recursos, tais como tempo, dinheiro, energia e mão de obra, mas sem comprometer a qualidade dos resultados pretendidos. Esse é o posicionamento que melhor se alinha com o princípio da eficiência insculpido no art. 37, “caput”, da Constituição Federal.
Outra característica da indisponibilidade do interesse público é o princípio da impessoalidade, também constante no art. 37, “caput”, da Constituição Federal. O princípio da impessoalidade pode se materializar por uma das seguintes maneiras: concessão de tratamento igualitário e isonômico, imputação dos atos à Administração Pública e vedação à promoção pessoal dos agentes públicos. A vertente que mais nos interessa nesse momento é a do tratamento igualitário.
Voltando para o procedimento licitatório, o princípio da impessoalidade assegura a todos que desejarem contratar com o Poder Público o direito de concorrer em igualdade de condições, desde que apresentem os requisitos necessários de habilitação compatíveis com objeto da licitação. Dessa forma, salvo as exceções legalmente previstas, é vedada a concessão de tratamento favorecido a um licitante em detrimento dos demais.
A título de exemplo, uma das exceções admitidas no direito é o tratamento favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte. Nesse sentido, preceitua o art.47 da Lei Complementar nº123/2006 que “nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica”.
A regra no ordenamento é procedimento licitatório para aquisição de bens e serviços, onde o licitante habilitado e com o melhor preço firmará contrato com a Administração. Contudo, o legislador previu determinadas situações em que o administrador público poderá contratar diretamente com os particulares, sem a necessidade de estabelecer uma competição prévia entre os interessados. Tratam-se da dispensa e da inexigibilidade de licitação.
Registre-se que, mesmo dispensando a realização de procedimento licitatório, é indispensável a abertura de procedimento formal em que a Administração justificará as razões de sua contratação, assim como o valor do contrato.
A dispensa de licitação, prevista no art. 75 da Lei 14.133/2021, prevê hipóteses taxativas em que o administrador poderia realizar normalmente o procedimento licitatório, mas que por uma opção política reservou a prerrogativa ao administrador de dispensar a licitação. Por exemplo, para contratação que tenha por objeto (inciso IV) de bens, componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira necessários à manutenção de equipamentos, a serem adquiridos do fornecedor original desses equipamentos durante o período de garantia técnica, quando essa condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia (alínea “a”); hortifrutigranjeiros, pães e outros gêneros perecíveis, no período necessário para a realização dos processos licitatórios correspondentes, hipótese em que a contratação será realizada diretamente com base no preço do dia (alínea “e”); para contratação que possa acarretar comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos pelo Ministro de Estado da Defesa, mediante demanda dos comandos das Forças Armadas ou dos demais ministérios (inciso VI); entre outras hipóteses expressamente previstas em lei.
Por seu turno, a inexigibilidade de licitação (art.74 da Lei 14.133/2021) consiste em determinadas situações que, em razão do objeto, é inviável a competição entre os licitantes. São elas: I – aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos; II – contratação de profissional do setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública; III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; IV – objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento; V – aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha.
Imperioso destacar que a doutrina majoritária considera que, diferentemente das hipóteses de dispensa de licitação, as hipóteses de inexigibilidade são exemplificativas, bastando que haja a inviabilidade de competição entre os licitantes.
Dentre as possibilidades previstas em lei, a que vai nos interessar para fins desse estudo é a inexigibilidade de licitação em razão de fornecedor exclusivo.
A exclusividade pode ser absoluta, quando somente existe um fabricante, empresa ou representante comercial no país, ou relativa, quando a depender das circunstâncias do caso concreto, exista somente na praça de comércio de atuação do representante.
Para fins de justificar a inviabilidade de competição, a Administração deverá demonstrar a existência de atestado de exclusividade, contrato de exclusividade, declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos, vedada a preferência por marca específica (§ 1º do art.72 da Lei 14.133/21). Segundo o TCU, a inviabilidade de competição pode ser demonstrada por qualquer documento, desde que idôneo e capaz de comprovar a exclusividade. Assim, é importante que a Administração verifique cuidadosamente a veracidade da documentação apresentada e, se necessário, realize diligências e instrua o processo com outros documentos adicionais que corroborem a informação.
Esse é o entendimento consubstanciado na Súmula 255 do TCU. Vê-se que a Corte de Contas possui entendimento flexível, decorrente do princípio do formalismo moderado, de modo a admitir uma gama de documentos que comprovem a exclusividade do fornecedor.
A despeito da vedação da preferência por marca específica, a própria Lei 14.133/21 excepciona essa regra em seu artigo 41. Segundo o dispositivo, a Administração poderá excepcionalmente indicar uma ou mais marcas ou modelos, desde que formalmente justificado, em decorrência da necessidade de padronização do objeto, em decorrência da necessidade de manter a compatibilidade com plataformas e padrões já adotados pela Administração, quando determinada marca ou modelo comercializados por mais de um fornecedor forem os únicos capazes de atender às necessidades do contratante ou quando a descrição do objeto a ser licitado puder ser mais bem compreendida pela identificação de determinada marca ou determinado modelo aptos a servir apenas como referência.
Nesse sentido, o TCU possui entendimento de que a indicação de marca só é permitida quando comprovada a sua necessidade por razões técnicas, formalmente justificadas, admitindo-se assim a contratação direta por inexigibilidade de licitação.
Feitas as devidas explicações, a celeuma que deu origem ao presente artigo reside no seguinte questionamento: uma empresa detentora de patente de um determinado produto pode ser contratada por inexigibilidade de licitação? A demonstração de exclusividade de marca comprova o requisito de inviabilidade de competição para fundamentar inexigibilidade de licitação?
Primeiramente, segundo o site do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Com este direito, o inventor ou o detentor da patente tem o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar produto objeto de sua patente. Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente.
À primeira vista, tende-se a concluir que uma empresa detentora de uma patente estaria, por si só, apta a ser contratada como fornecedora exclusiva de um produto. As empresas detentoras de patente rotineiramente sustentam essa tese como forma de garantirem sua contratação sem a necessidade de se submeterem ao processo competitivo de uma licitação.
Todavia, o entendimento do TCU, consubstanciado no Acórdão nº 2.950/2020, segundo o qual a mera existência de patente não é suficiente para justificar a contratação direta, visto que podem existir outros agentes autorizados a comercializar o produto, o que viabilizaria a licitação. É necessário destacar que a mera indicação de marca, isoladamente, não justifica a contratação direta por inexigibilidade de licitação, sendo necessário demonstrar que somente aquele produto, com características específicas, atende à necessidade pública.
Vejamos alguns trechos das conclusões do TCU:
“A existência de pluralidade de fornecedoras (fabricante e suas distribuidoras) torna inválida a declaração fornecida pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), em favor da Novartis, como fundamento para o reconhecimento da inexigibilidade de licitação para aquisição do cloridrato de fingolimode.”
“Conforme já dito, a vigência da patente que concedeu exclusividade para fabricação e comercialização do cloridrato de fingolimode não permite à Administração Pública adquirir o medicamento de outra origem. Contudo, a existência de várias fornecedoras (fabricante e suas distribuidoras) impede que a Administração Pública adquira o medicamento por inexigibilidade de licitação, diante da possibilidade de concorrência entre as fornecedoras (fabricante e distribuidoras) desse medicamento. ”
Dessa forma, é possível concluir que o procedimento licitatório é o que melhor atende aos princípios da impessoalidade e da eficiência, sempre garantido a aquisição de bens e serviços pelos melhores preços no mercado. Contudo, em determinados casos, será possível a contratação direta, mediante dispensa ou inexigibilidade de licitação.
Especificamente no caso de inexigibilidade de licitação por fornecedor exclusivo, a mera alegação pela licitante de ser detentora de patente, não lhe assegura a qualificação como fornecedora exclusiva, pois, para tanto, é necessário que ela apresente atestado de exclusividade, demonstrando não possuir outros fornecedores ou distribuidores no mercado, sendo esse o entendimento do Tribunal de Contas da União.
Referência Bibliográfica
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
FILHO, Pedro Ribeiro. Inexigibilidade de licitação: aquisição de bens e serviços por detentor de patente. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17316668, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 10/10/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/inexigibilidade-de-licitacao-aquisicao-de-bens-e-servicos-por-detentor-de-patente/. Acesso em: 28/10/2025.
