Entre a palavra e a resistência: a escrita de conceição evaristo como espaço de (re)existência Uma análise da escrevivência como ferramenta de representação e emancipação da mulher negra na literatura brasileira.

Categoria: Artes e Letras Subcategoria: Literatura

Este artigo foi disponibilizado diretamente pelo autor e ainda não passou por revisão editorial.

21/12/2024

Autores

Foto do Autor
LEONARDO LORENZONI VIEIRA

Curriculo do autor: Leonardo Lorenzoni Vieira é graduado em Licenciatura em Letras - Português e Inglês pela Faculdade Castelo Branco (2017-2020) e possui experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa, atuando principalmente nos temas de literatura, gramática e produção de texto. Complementou sua formação com diversos cursos, incluindo Uso de Recursos Educacionais Digitais (MEC, 2023), Gestão Escolar (MEC, 2023), Introdução ao Google Classroom (IFES, 2022) e Formação para o Novo Currículo do Espírito Santo (SEDU/ES, 2021). Desde 2021, atua como professor na Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo (SEDU/ES), acumulando experiência também como estagiário e professor bolsista em outras instituições. Em relação às competências linguísticas, possui pleno domínio do português, compreensão e leitura razoáveis em inglês, além de bom entendimento de espanhol. Participou de diversos eventos acadêmicos e culturais, com destaque para atividades voltadas à diversidade, questões étnico-raciais e meio ambiente. Sua atuação inclui ainda produção de conteúdos educacionais em redes sociais, com foco em gramática e literatura, evidenciando sua dedicação ao ensino, à formação continuada e à inovação pedagógica.

Insira o texto exatamente como deseja que apareça na sua declaração. Se for aprovado pela revista, sua declaração sairá conforme pré-visualização abaixo

Resumo

Este artigo analisa a obra de Conceição Evaristo à luz do conceito de escrevivência, enfatizando sua relevância como espaço de resistência e (re)existência da mulher negra na literatura brasileira. A partir de uma abordagem interseccional, o estudo explora como suas narrativas denunciam opressões estruturais relacionadas à raça, gênero e classe, ao mesmo tempo em que celebram a ancestralidade e a força coletiva. Obras como Olhos d’Água e Ponciá Vicêncio são discutidas para evidenciar como Evaristo transforma memórias individuais e coletivas em literatura de resistência. O artigo também reflete sobre o impacto cultural e acadêmico de sua produção, destacando seu papel como referência para novas gerações de escritoras negras e como agente de transformação social e política.

Palavras-Chave

Conceição Evaristo; Escrevivência; Literatura Afro-Brasileira; Mulher Negra; Resistência.

Abstract

This article examines Conceição Evaristo's work through the concept of escrevivência, highlighting its significance as a space for resistance and (re)existence for Black women in Brazilian literature. Using an intersectional approach, the study explores how her narratives denounce structural oppressions related to race, gender, and class while celebrating ancestry and collective strength. Works such as Olhos d’Água and Ponciá Vicêncio are analyzed to demonstrate how Evaristo transforms individual and collective memories into a literature of resistance. The article also reflects on the cultural and academic impact of her work, emphasizing her role as a reference for new generations of Black female writers and as an agent of social and political transformation.

Keywords

Conceição Evaristo; Escrevivência; Afro-Brazilian Literature; Black Women; Resistance.

Introdução

A literatura afro-brasileira tem emergido como um campo de resistência e transformação no cenário cultural e acadêmico do Brasil. Neste contexto, a obra de Conceição Evaristo se destaca como uma produção que une memória, identidade e luta social. A escritora, conhecida por cunhar o termo escrevivência, utiliza sua escrita para narrar as vivências de mulheres negras, ressignificando histórias de silenciamento e opressão por meio de uma voz literária que é, simultaneamente, pessoal e coletiva.

A produção literária de Evaristo se insere em um movimento maior de contestação ao cânone literário brasileiro, historicamente marcado pelo apagamento das contribuições negras. Suas narrativas exploram temas como ancestralidade, resistência e desigualdade de gênero e raça, dando destaque ao protagonismo feminino negro. Obras como Olhos d’Água e Ponciá Vicêncio revelam não apenas as dores e os desafios enfrentados pelas mulheres negras, mas também sua capacidade de resistência e (re)existência.

O objetivo deste artigo é investigar como a escrita de Conceição Evaristo funciona como um espaço de representação e resistência, com foco na figura da mulher negra. Para isso, a análise abordará o conceito de escrevivência e suas implicações na literatura brasileira contemporânea, discutindo como suas obras ampliam a visibilidade das mulheres negras enquanto agentes criativas e intelectuais. Além disso, serão examinados os impactos culturais e acadêmicos de sua produção, destacando seu papel como inspiração para uma nova geração de escritoras e pensadoras.

Com isso, busca-se demonstrar como a escrita de Conceição Evaristo transcende os limites do literário, ocupando um espaço essencial no debate sobre racismo, feminismo e representação cultural no Brasil.

A Construção da Escrevivência

Conceição Evaristo introduziu na literatura brasileira um conceito transformador: a escrevivência. Mais do que narrar histórias, a escrevivência propõe uma escrita que emerge das vivências pessoais e coletivas, especialmente de mulheres negras, transformando experiências cotidianas em resistência literária. Como a autora declara, “a nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande e, sim, para acordá-los de seus sonos injustos” (Evaristo, 2017 apud GELEDÉS, 2021)​

A origem do conceito está enraizada nas experiências de Evaristo como mulher negra em um Brasil marcado pela desigualdade racial e social. Nascida em uma família pobre em Belo Horizonte, sua relação com a escrita começou como uma forma de enfrentar o racismo e a exclusão social. Evaristo transforma dor em poesia e memória em ferramenta política, unindo ancestralidade e contemporaneidade para dar voz aos sujeitos historicamente marginalizados (GELEDÉS, 2021; TODA MATÉRIA, s.d.)​

A escrevivência transcende a dimensão autobiográfica ao refletir a coletividade das vivências negras. Suas obras evidenciam a relação entre memória pessoal e memória social, trazendo para o primeiro plano histórias comuns de opressão, racismo e resistência. Essa interseção entre o individual e o coletivo é um elemento essencial de sua produção literária (SCIELO, 2018; JORNAL DA USP, 2021)​

Além disso, a escrita de Evaristo desafia a tradição literária elitista e excludente. Ao deslocar o foco para as vozes da periferia e da ancestralidade afro-brasileira, ela rompe paradigmas coloniais da literatura brasileira, consolidando-se como uma das principais intelectuais contemporâneas do país. Essa contribuição reforça a necessidade de maior representatividade nos espaços culturais e acadêmicos (SCIELO, 2016; TODA MATÉRIA, s.d.)​

Na próxima seção, abordaremos como essas narrativas de escrevivência se refletem na representação das mulheres negras nas obras de Conceição Evaristo.

A Representação da Mulher Negra

A obra de Conceição Evaristo é um espaço privilegiado para a análise da representação da mulher negra na literatura brasileira contemporânea. Suas narrativas destacam personagens que, embora enraizadas em contextos de opressão e desigualdade, apresentam força e agência para resistir e ressignificar suas experiências. Essa abordagem transforma a mulher negra em protagonista de sua própria história, rompendo com estereótipos historicamente perpetuados na literatura hegemônica brasileira (SCIELO, 2018; JORNAL DA USP, 2021)​

Uma das marcas mais profundas na produção literária de Evaristo é a exploração da dor compartilhada entre mulheres negras, conceito que ela chama de dororidade. Esse termo amplia a ideia de sororidade ao incorporar as experiências específicas de sofrimento racial e social. Em Olhos d’Água (2014), por exemplo, a autora narra histórias que vão além das questões individuais para revelar vínculos de solidariedade formados a partir dessas vivências de opressão e resistência (SCIELO, 2016; TODA MATÉRIA, s.d.)​

Nos romances e contos de Evaristo, como Ponciá Vicêncio (2003) e Insubmissas Lágrimas de Mulheres (2011), a mulher negra ocupa um lugar de destaque não apenas como personagem, mas como um símbolo de resistência cultural e social. A autora constrói personagens complexas, que enfrentam desafios relacionados à pobreza, ao racismo e ao sexismo, mas que também encontram formas de reconstruir suas identidades e criar novas possibilidades de existência (GELEDÉS, 2021; JORNAL DA USP, 2021)​

Além disso, Evaristo utiliza a ancestralidade como ferramenta narrativa para conectar as mulheres negras às suas raízes históricas e culturais. Essa abordagem reafirma a identidade afro-brasileira como uma força vital, resgatando histórias e memórias que frequentemente são apagadas na literatura tradicional. A ancestralidade, em sua obra, não é apenas um retorno ao passado, mas um movimento para compreender e transformar o presente e o futuro (SCIELO, 2018; TODA MATÉRIA, s.d.)​

Essa representação da mulher negra como sujeito central é uma contribuição essencial de Conceição Evaristo para a literatura brasileira, ajudando a desconstruir imagens estereotipadas e a abrir espaço para novas narrativas. No próximo tópico, analisaremos como essas questões se relacionam com o feminismo negro e a interseccionalidade.

Feminismo Negro e Interseccionalidade na Obra de Evaristo

A escrita de Conceição Evaristo dialoga profundamente com os princípios do feminismo negro, ao destacar a interseccionalidade como chave para compreender as múltiplas opressões enfrentadas pelas mulheres negras. Em suas narrativas, Evaristo aborda o impacto cumulativo de raça, gênero e classe, ilustrando como esses fatores estruturam as experiências de suas personagens e influenciam seus percursos de vida. Esse olhar interseccional coloca sua produção literária no centro das discussões sobre desigualdade e representação na sociedade brasileira (SCIELO, 2018; JORNAL DA USP, 2021)​

O feminismo negro, conforme discutido por teóricas como Angela Davis e bell hooks, propõe a necessidade de considerar as especificidades das mulheres negras, cuja realidade não pode ser completamente explicada apenas pela perspectiva do feminismo ou do movimento negro de maneira isolada. Evaristo incorpora essa perspectiva ao criar personagens que enfrentam tanto o racismo institucional quanto o sexismo estrutural, mostrando como essas formas de opressão são interligadas e frequentemente invisibilizadas nos discursos dominantes (TODA MATÉRIA, s.d.; GELEDÉS, 2021)​

A noção de escrevivência também está intrinsecamente conectada ao feminismo negro, pois propõe uma escrita que nasce da experiência vivida e que denuncia as injustiças enfrentadas pelas mulheres negras. Em obras como Insubmissas Lágrimas de Mulheres (2011), Evaristo constrói narrativas que exploram as estratégias de sobrevivência, resiliência e solidariedade feminina. Essas histórias refletem uma rede de apoio construída entre mulheres que compartilham opressões, mas também conquistas, reforçando a importância de conexões baseadas na dororidade (SCIELO, 2016; GELEDÉS, 2021)​

A obra de Conceição também dialoga com outros nomes importantes da literatura afro-brasileira, como Carolina Maria de Jesus e Cristiane Sobral, mostrando que as mulheres negras são tanto criadoras quanto agentes transformadoras na cultura literária. Esse diálogo fortalece o movimento de reconhecimento da genealogia feminina negra na literatura, consolidando a contribuição única dessas autoras para o cenário cultural e acadêmico brasileiro (JORNAL DA USP, 2021; SCIELO, 2018)​

Com essa abordagem, Evaristo não apenas reconfigura o lugar da mulher negra na literatura, mas também utiliza sua escrita como ferramenta de resistência e ação política. Sua obra reafirma que a literatura não é neutra, mas profundamente conectada às questões sociais e à luta por direitos humanos. Na próxima seção, discutiremos os impactos culturais e acadêmicos de sua produção, bem como seu legado para futuras gerações.

Impacto Cultural e Acadêmico

A produção literária de Conceição Evaristo transcende os limites do campo artístico, influenciando de forma significativa a cultura e o pensamento acadêmico no Brasil e além. Seu conceito de escrevivência e sua abordagem interseccional estabeleceram novas bases para a análise de literatura afro-brasileira, consolidando-a como uma referência essencial no estudo das relações raciais, de gênero e de classe no país (SCIELO, 2018; GELEDÉS, 2021)​

Reconhecimento Nacional e Internacional

Conceição Evaristo conquistou prêmios importantes, como o Prêmio Jabuti em 2015, pelo livro Olhos d’Água, e foi nomeada Personalidade Literária do Ano em 2019. Suas obras têm sido traduzidas para línguas como inglês, francês e espanhol, ampliando seu alcance para audiências internacionais. Essa recepção global reflete a relevância de sua escrita em temas universais, como memória, identidade e resistência (JORNAL DA USP, 2021; TODA MATÉRIA, s.d.)​

Contribuição à Formação Acadêmica e Intelectual

A obra de Evaristo também se tornou um objeto de estudo essencial em disciplinas como literatura comparada, estudos culturais e feminismo negro. Universidades brasileiras e estrangeiras têm incorporado suas obras como textos obrigatórios em currículos que buscam ampliar o debate sobre diversidade, representação e inclusão. Além disso, sua escrita inspira estudos interdisciplinares que abordam questões de direitos humanos e história afro-brasileira (SCIELO, 2016; GELEDÉS, 2021)​

Legado para Futuras Gerações

Mais do que uma autora consagrada, Conceição Evaristo é uma mentora para novas gerações de escritoras e escritoras negras. Suas obras criam um espaço de pertencimento para vozes frequentemente silenciadas, incentivando jovens autores a expressarem suas experiências e resistências por meio da literatura. Como Evaristo mesma afirma, sua escrita é um “convite à ação”, destinada a transformar tanto o leitor quanto a sociedade (GELEDÉS, 2021; JORNAL DA USP, 2021)​

Com sua influência cultural e acadêmica, Conceição Evaristo reafirma a importância de sua obra não apenas como literatura, mas como um agente de mudança. Na próxima seção, concluiremos o artigo sintetizando sua contribuição e refletindo sobre o impacto duradouro de sua escrita.

Conclusão

A escrita de Conceição Evaristo transcende o ato de narrar histórias e se torna um movimento político, cultural e social que redefine os caminhos da literatura brasileira. Por meio do conceito de escrevivência, Evaristo dá voz a memórias e vivências frequentemente marginalizadas, transformando a literatura em um espaço de resistência e emancipação. Suas obras não apenas ampliam o entendimento sobre a experiência da mulher negra no Brasil, mas também convidam os leitores a questionar as estruturas de desigualdade que moldam a sociedade.

Ao destacar temas como ancestralidade, interseccionalidade e dororidade, Evaristo consolida uma produção literária que é, simultaneamente, estética e política. Seus contos e romances reafirmam o protagonismo das mulheres negras, tanto como personagens quanto como criadoras de conhecimento e cultura. Essa abordagem rompe paradigmas coloniais e patriarcais, trazendo uma nova perspectiva ao cenário literário e acadêmico nacional.

Além de sua relevância no Brasil, a obra de Conceição Evaristo ganha reconhecimento internacional, consolidando-se como uma referência na literatura afro-diaspórica. Seu impacto ultrapassa as páginas de seus livros, inspirando novas gerações de escritoras e pensadoras a utilizar a escrita como ferramenta de luta e transformação.

Assim, a escrita de Conceição Evaristo nos lembra que narrar é também resistir, e que as histórias contadas a partir das margens têm o poder de reescrever o centro. Como ela mesma afirma, “nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande e, sim, para acordá-los de seus sonos injustos” (GELEDÉS, 2021)​. É nesse despertar que reside a força transformadora de sua obra.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEONARDO LORENZONI VIEIRA (ORCID 0009-0001-8329-9946) . Entre a palavra e a resistência: a escrita de conceição evaristo como espaço de (re)existência Uma análise da escrevivência como ferramenta de representação e emancipação da mulher negra na literatura brasileira.. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/entre-a-palavra-e-a-resistencia-a-escrita-de-conceicao-evaristo-como-espaco-de-reexistencia-uma-analise-da-escrevivencia-como-ferramenta-de-representacao-e-emancipacao-da-mulher-negra-na-literatura/. Acesso em: 24/04/2025.