Disposições sobre o IRDR à luz do CPC/15

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

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Submissão: 01/12/2025

Autores

João Inácio Gonçalves Goulart

Curriculo do autor: Graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Pós-Graduado em Interesses Difusos e Coletivos e em Direitos Humanos. Advogado.

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Resumo

O trabalho apresenta estudo sobre o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), enquanto mecanismo de tutela coletiva destinado à uniformização de entendimentos jurídicos em demandas repetitivas. São examinados seu conceito, fundamentos, objetivos, cabimento, legitimidade e funcionamento, além da análise do juízo de admissibilidade previsto no CPC/2015. Também é exposta a jurisprudência atual dos tribunais, destacando critérios práticos de instauração, limites e controvérsias sobre sua recorribilidade. Conclui-se pela relevância do IRDR para o sistema de precedentes brasileiro e para a racionalização do tratamento das demandas em massa.

Palavras-Chave

IRDR; Precedentes; Processo Civil; CPC/2015; Demandas Repetitivas.

Abstract

This paper presents a study on the Incident of Resolution of Repetitive Demands (IRDR), a legal mechanism within Brazilian civil procedure aimed at ensuring uniform interpretation of the law in repetitive cases. The paper examines the concept, foundations, objectives, admissibility, legitimacy, and functioning of the IRDR, as well as the admissibility review established in the Civil Procedure Code of 2015. It also analyzes relevant case law, highlighting the practical criteria for its initiation and current controversies regarding its appealability. The study concludes by emphasizing the importance of IRDR for strengthening the Brazilian precedent system and improving judicial efficiency in mass litigation.

Keywords

IRDR; precedents; civil procedure; CPC/2015; repetitive claims.

1 – Introdução sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR)

O incidente de resolução de demandas repetitivas, doravante IRDR, é, ao lado das ações coletivas uma das modalidades de tutela coletiva de direitos. Este representa um incidente processual aglutinador de diversas demandas individuais cuja decisão se estenderá para todas.

Ainda, como incidentes de aglutinação de demandas individuais podemos apontar a sistemática do recurso extraordinário e especial repetitivos e o incidente de assunção de competência como integrantes de tal modalidade de tutela coletiva junto ao IRDR. (NETO, SOUZA, CASTRO, MOLLICA, 2019)

Tais mecanismos têm o objetivo primordial de gerir os processos de modo a dar uma solução adequada e efetiva para os litígios coletivos de massa, que são cada vez mais recorrentes na contemporaneidade.

À luz do direito comparado o IRDR e o sistema de precedentes que o CPC/15 busca implantar no Brasil tem suas inspirações no Musterverfahrem (Alemanha), no Group Litigation (Inglaterra) e no Pilot-Judgment Procedure (Corte Europeia de Dirietos Humanos). (THEODORO, 2020)

Fato é que a codificação processual civil atual busca fortalecer e criar mecanismos antes diminutos no ordenamento jurídico brasileiro para fomentar a segurança jurídica por meio dos precedentes e, dentre tais ferramentas, podemos observar entre os art. 976 e 987 o IRDR como fruto das intenções legislativas de criar um sistema de precedentes próprios e adaptado para a realidade jurídica nacional.

O professor Humberto Theodoro Júnior conceitua o IRDR como:

“Um instrumento processual destinado a produzir eficácia pacificadora de múltiplos litígios, mediante estabelecimento de tese aplicável a todas as causas em que se debata a mesma questão de direito.”  THEODORO,JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Volume III, 53º ED. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020. P.892 – 984.

 

Ademais, Marcus Vinicius Rios Gonçalves trata do tema sob a seguinte ótica:

“duas teorias que disputam primazia, a respeito da natureza do IRDR: a da “causa modelo” e da “causa piloto”. Para a primeira, o IRDR poderia ser instaurado, processado e decidido em abstrato, isto é, não propriamente como um incidente em processo concreto, pendente no tribunal, mas como um mecanismo autônomo, independente de qualquer causa em concreto, destinado a que o órgão competente possa dirimir, em tese e em abstrato, a questão jurídica versada em uma multiplicidade de processos. Assim, ao decidir o IRDR o órgão competente não estaria decidindo um caso concreto, mas apreciando a questão jurídica em abstrato, com eficácia vinculante para todos os processos concretos pendentes, subordinados àquele órgão. Já para a segunda teoria, a da causa piloto, o IRDR é um incidente. Portanto, só pode ser implementado em uma causa concreta pendente, que esteja no Tribunal ao qual pertence o órgão competente para julgá-lo. O IRDR é processado como incidente neste processo, e a questão jurídica é examinada no caso concreto, no qual o incidente foi instaurado. Assim, ao mesmo tempo em que o órgão examina o caso concreto, decide a questão jurídica, com força de precedente vinculante. E o que foi decidido deve ser aplicado nos demais processos pendentes, que versem sobre a mesma questão, e que estejam no Tribunal ou nas Instâncias inferiores.” GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. Saraiva, 2024, p. 518.

 

Seus objetivos precípuos são a racionalização do tratamento judicial das causas repetitivas e formar um precedente de força obrigatória. Neste é deliberada, no tribunal, uma questão idêntica de direito em diversas ações, que estão independentes entres si, mas suspensas até que o precedente seja formado para a sua aplicação no caso concreto.

Ademais, o IRDR pode ser qualificado como um claro instrumento de causa-modelo, na qual é decidida a tese de direito que deve prevalecer para todas as demandas com a mesma questão de direito. Neste julgamento é produzida a ratio decidendi, do precedente que é originado do caso concreto. (THEODORO, 2020)

O processamento do IRDR ocorre, em regra, nos tribunais de segundo grau, não dentro do processo que legitima a sua instauração. A competência deste é restrita ao julgamento do incidente e formação do precedente, que será aplicável às causas relacionadas e suspensas. (THEODORO, 2020)

Por fim, apontam-se questões práticas de cabimento e legitimidade para suscitar o IRDR.

Para que seja instaurado um IRDR é fundamental que seja observada a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito, exista risco à isonomia e à segurança jurídica e a inexistência de afetação da mesma questão em recurso especial ou extraordinário. Tais pontos devem ser observados cumulativamente para que seja cabível a instauração do IRDR nos tribunais. (NETO, SOUZA, CASTRO, MOLLICA, 2019)

Quanto à legitimidade para a promoção do IRDR é necessário observar o art. 977 do CPC/15. Segundo tal artigo o incidente pode ser formulado inicialmente pelas (i) partes em qualquer grau de jurisdição, a pedido de ambas ou apenas de uma das partes, (ii) pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, (iii) pelo juízo competente enquanto o processo se encontra do primeiro grau de jurisdição ou (iv) pelo relator, se o processo estiver no tribunal por conta de recurso pendente de julgamento. (THEODORO, 2020)

No mais, ao compreender o instituto do IRDR como uma das formas do direito processual brasileiro de assegurar a participação ampla em contraditório no processo e pelo processo, os tribunais superiores tem entendimento de que se as partes envolvidas na Lide selecionada não promoveram atos de abandono da causa, é imperiosa a garantia de sua efetiva manifestação no incidente.

Tal entendimento ressalta a primazia principiológica trazida pelo CPC/15 a fim de permitir a realização do contraditório efetivo, não apenas com ciência das partes, mas com possibilidade de manifestação e ainda de influência no processo decisório do juízo.

Nesse sentido:

Se as partes autoras dos processos selecionados em incidente de resolução de demandas repetitivas não os abandonaram ou deles desistiram, sua efetiva participação é imposição do princípio do contraditório. STJ. 2ª Turma. REsp 1.916.976-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 21/5/2024 (Info 19 – Edição Extraordinária).

Feita a contextualização sobre o instituto do IRDR é possível verificar que, a partir da observância dos requisitos de cabimento de da promoção do incidente pela parte legítima o feito é dirigido ao tribunal para que seja feito a admissibilidade e seu posterior julgamento para a formação do precedente. Ponto que alvo principal da presente pesquisa e será aprofundado no próximo tópico.

2 – Sobre a admissibilidade do IRDR

Inicialmente, após a feitura do registro, da autuação e dada a devida publicidade ao incidente, é verificado se o IRDR é cabível para o caso em questão, ou seja, se é admissível ou não.

O cabimento tem base no art. 981 do CPC/15, que atribui ao colegiado, ou ao relator, quando faz as vezes do colegiado, fazer o juízo de admissibilidade com base nos pressupostos elencados no art. 976 do CPC/15, quais sejam:

Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I – efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II – risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

§ 1º A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente.

§ 2º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.

§ 3º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.

§ 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

§ 5º Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.

 

Caso a deliberação aqui tratada seja feita de plano pelo relator, está é considerada como provisória, uma vez que a competência é, em último caso do órgão colegiado, sendo possível assim o manejo do recurso de agravo interno (art. 1021 CPC/15) para impugnar a decisão do relator, seja ela qual for.

Uma vez admitido o IRDR os processos que versem sobre a mesma questão de direito, em tramitação do respectivo tribunal ficam suspensos até que seja firmada a tese jurídica a eles aplicável no posterior julgamento de mérito do IRDR. (THEODORO, 2020)

Estando ausentes os pressupostos de admissibilidade do IRDR este será inadmitido. Ponto que não impede que posteriormente que este seja novamente suscitado em momento posterior (art. 976, §3º).

Ademais, segundo o art. 976, §4º do CPC/15 verificamos que o IRDR funciona de maneira excludente. Isso porque o mesmo tribunal não pode apreciar ao mesmo tempo incidentes contendo a mesma matéria, que vai de encontro com a sua proposta unificadora. Ainda, caso a matéria do IRDR seja alvo de recursos especiais ou extraordinários repetitivos não é possível admitir que o IRDR seja instaurado, sob pena de conflitar com a decisão dos tribunais superiores, que surtirão efeitos inclusive sobre os tribunais de segundo grau. (THEODORO, 2020)

Ao observar o dispositivo é notável que o legislador não define parâmetros demasiadamente estritos para o juízo de admissibilidade, deixando uma ampla margem interpretativa para aqueles que a realizarão. Ponto que gera controvérsias no âmbito jurisprudencial.

Nesse sentido é possível observar no julgado do TJDFT, que elenca como pressupostos de admissibilidade do IRDR três pontos, a efetiva repetição de processos que coloquem em risco a isonomia e a segurança jurídica, a restrição do objeto do incidente à questão unicamente de direito e a pendência de julgamento de causas repetitivas no tribunal competente, mesmo que no texto legal esta última não esteja expressa, mas possa decorrer da lógica.(THEODORO, 2020) In verbis:

PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. OBJETO. INSERÇÃO DO EXAME PSICOTÉCNICO COMO FASE AVALIATIVA, DE CARÁTER ELIMINATÓRIO, NOS CONCURSOS PÚBLICOS PARA PROVIMENTO DE CARGOS DA POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. PREVISÃO LEGAL. EXIGÊNCIA. LEGALIDADE E LEGITIMIDADE. ENTENDIMENTO INCONTROVERSO. INCIDENTE. INADMISSIBILIDADE. PRESSUPOSTO NÃO ATENDIMENTO. TRÂNSITO NEGADO (NCPC, arts. 976 e 981)1. O incidente de resolução de demandas repetitivas destina-se a assegurar a uniformidade de tratamento jurídico no caso de identificação de controvérsia que possa gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de decisões conflitantes, tendo como pressupostos de admissibilidade, (i) a efetiva repetição de processos que coloquem em risco a isonomia e a segurança jurídica; (ii) a restrição do objeto do incidente a questão unicamente de direito; e (iii) a pendência de julgamento de causas repetitivas no tribunal competente (NCPC, art. 976).2. Engendrado como fórmula de racionalização, aperfeiçoamento e agilização da prestação jurisdicional mediante a fixação de entendimento uniforme sobre questão de direito repetitiva que encontra soluções antagônicas no âmbito do mesmo tribunal, de molde a ser resguardada a previsibilidade das decisões judiciais e a segurança jurídica, o incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR – tem como premissa a subsistência de pluralidade de ações versando sobre idêntica de questão de direito sem resolução uniforme, não se satisfazendo com a simples subsistência de multiplicidade de processos se a questão de direito neles debatida tem entendimento uniforme (NCPC, art. 976).4. O incidente de resolução de demandas repetitivas está sujeito a exame prévio de admissibilidade, a ser realizado pelo órgão competente para processá-lo e julgá-lo (NCPC, art. 981), estando sua admissibilidade condicionada à realização dos pressupostos estabelecidos pelo legislador como forma de serem preservadas sua gênese e destinação, implicando que, não formatando questão de direito que, fazendo o objeto de multiplicidade de processos, tem tido resoluções dissonantes, afetando a segurança jurídica, não pode ser admitido (NCPC, art. 976). (Grifei)

No presente julgado do TRF-1 foram seguidos os mesmos parâmetros do julgado anterior, mas consolidados em apenas dois pontos e não em três. (THEODORO, 2020)

PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). ADMISSIBILIDADE. BÔNUS DE EFICIÊNCIA E PRODUTIVIDADE NA ATIVIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA. PRESUNÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE AUDITORES FISCAIS NO CARF. 1. Há repetição de processos com decisões divergentes na Seção Judiciária do DF acerca da impossibilidade de auditores fiscais/conselheiros participar de julgamento de recursos administrativos no CARF em virtude do recebimento do “bônus de eficiência e produtividade na atividade tributária e aduaneira” instituído pela Medida Provisória 765/2016. 2. Estão em curso em quase todas as varas federais cíveis da SJ/DF (1ª, 2ª, 3ª, 5ª, 6ª, 7ª, 9ª, 13ª, 15ª, 16ª, 20ª e 22ª), vários mandados de segurança com decisões divergentes acerca da mencionada questão de direito com valor total de R$ 8.540.427.288,68. Está, portanto, atendido o primeiro requisito de admissibilidade do incidente nos termos do art. 976/I do CPC/2015. 3. Também existe o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (NCPC, art. 976/II). “Além do volume de processos envolvendo a mesma questão de direito, o fato é que esta celeuma possui o condão de gerar incalculáveis prejuízos ao erário, na medida em que a tese a tese vindicada pelos contribuintes possui simplesmente o efeito de PARALISAR TODO O CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO perante o CARF, o que acaba para paralisar a constituição definitiva de créditos tributários orçados na casa dos bilhões de reias”. 4. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) admitido. (Grifei)

 

Nesse mesmo sentido segue tal julgado do TRF-4:

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. TÉCNICA DE JULGAMENTO. TEMA ATINENTE A CERCEAMENTO DE DEFESA POR INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL. QUESTÃO DE FATO ATACÁVEL POR RECURSOS PRÓPRIOS. PRESSUPOSTOS DO ART. 976 DO CPC. NÃO PREENCHIMENTO. INADMISSIBILIDADE DO IRDR. 1. Não se poderá instaurar o IRDR, se não houver a demonstração de efetiva repetição, e de identificação de divergência de posição a partir de julgamentos ocorridos em causas envolvendo pretensões sobre o mesmo tema jurídico. 2. A controvérsia girando em torno da solução dada pelo julgador singular quanto à produção e valoração da prova, embora realmente se traduza em muitos feitos, ela se dá no plano fático, podendo nos recursos (apelos, agravos) apropriados ser perquirida a ocorrência ou não de eventual cerceamento do direito de defesa. 3. O NCPC impede, no âmbito do julgamento do IRDR, que se decida acerca das questões fáticas relativas aos processos repetitivos. 4. Destaque-se que a mens legis da norma processual para este instrumento do microssistema de precedentes é no sentido de que se firme tese sobre questão eminentemente de direito material e processual, resolvendo, com uma solução, várias demandas com o mesmo tema jurídico. 5. Considerada a ausência, na espécie, dos pressupostos que poderiam legitimar o ajuizamento do IRDR, esse instituto não pode não pode ser utilizado como um (inadmissível) sucedâneo recursal – uma vez que não configura instrumento viabilizador de reexame do conjunto fático-probatório, como pretende, por via, transversa, o suscitante. 6. Desse modo, em virtude de não se amoldar aos requisitos do art. 976 do CPC/2015 para a pretendida instauração do IRDR, torna-se evidente, no caso, a sua inadmissibilidade. (Grifei)

 

Quanto à recorribilidade da decisão que define a inadmissibilidade ou admissibilidade do IRDR há divergência no âmbito doutrinário. Parte minoritária da doutrina entende como possível interpor recurso especial e extraordinário, contudo a grande maioria da doutrina aponta que tais recursos não seriam cabíveis para o caso em questão. (THEODORO, 2020)

Nesse sentido, julgado recente do STJ (REsp 1.631.846) vem pacificar a questão pelo menos quanto à possibilidade ou não de interposição de recurso especial contra decisão que admite ou inadmite a instauração do IRDR. Em seu julgamento, a corte superior fixou a tese de que não cabe recurso especial contra a decisão que inadmite ou admite o IRDR.(BARTILOTTI, PEIXOTO, 2020) In verbis:

CONSTITUCIONAL DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS. AUSÊNCIA. QUESTÃO LITIGIOSA DECIDIDA EM CARÁTER NÃO DEFINITIVO. 2- Não é cabível recurso especial em face do acórdão que inadmite a instauração do IRDR por falta de interesse recursal do requerente, pois, apontada a ausência de determinado pressuposto, será possível a instauração de um novo IRDR após o preenchimento do requisito inicialmente faltante, sem que tenha ocorrido preclusão, conforme expressamente autoriza o art. 976, §3º, do CPC/15. 3- De outro lado, o descabimento do recurso especial na hipótese decorre ainda do fato de que o novo CPC previu a recorribilidade excepcional ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal apenas contra o acórdão que resolver o mérito do Incidente, conforme se depreende do art. 987, caput, do CPC/15, mas não do acórdão que admite ou que inadmite a instauração do IRDR. 4- O acórdão que inadmite a instauração do IRDR não preenche o pressuposto constitucional da causa decidida apto a viabilizar o conhecimento de quaisquer recursos excepcionais, uma vez que ausente, na hipótese, o caráter de definitividade no exame da questão litigiosa, especialmente quando o próprio legislador previu expressamente a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido. (Grifei)

A relatora do caso em questão, a Ministra Nancy Andrighi, esclarece certos pontos da decisão e aponta o porquê da inadmissão do RESP nesses casos. Inicialmente argumenta no sentido de que, segundo o art. 976, §3º do CPC/15, é possível requer uma nova instauração de um IRDR se satisfeito o pressuposto que ocasionou a inadmissibilidade anterior, desde que sanado o vício existente no primeiro requerimento. (BARTILOTTI, PEIXOTO, 2020)

Além disso, alega-se que o legislador apenas prevê o cabimento do RESP e do REXT contra o acórdão de mérito que julga o IRDR, fixando a sua tese, e não o ato decisório que promove o juízo de admissibilidade (art. 987, caput do CPC/15). Isso porque não há causa decidida no acórdão que fatal juízo inicial, o que seria um requisito para o manejo dos recursos na natureza extraordinária. (NETO, SOUZA, CASTRO, MOLLICA, 2019)

Por fim, resta destacar o entendimento acerca da possibilidade da suspensão nacional em IRDR. Tal medida é reconhecida jurisprudencialmente pelo STF e, por meio desta, os processos que estão tramitando em outros estados da federação podem ser suspensos, por meio de requerimento feito à corte suprema. Para tal é imprescindível que a matéria do incidente se repita nos estados/regiões do país e trate de matéria constitucional (TEMER, 2020). In verbis:

Sabe-se que é possível a suspensão de processos que estejam tramitando em outros estados ou regiões. Essa providência se dará a partir de requerimento de suspensão nacional apresentado perante os tribunais superiores competentes para processar e julgar os respectivos recursos excepcionais. O requerimento de suspensão nacional em incidente de resolução de demandas repetitivas é uma faculdade a ser exercida pelos legitimados arrolados no art. 977 do Código de Processo Civil de 2015 e tem como objetivo assegurar a promoção da segurança jurídica, evitando a dispersão de entendimentos nos demais estados-membros ou nas regiões sobre a questão versada no referido incidente. É importante sublinhar que o legitimado deverá expor, no requerimento de suspensão nacional, que a questão objeto do incidente veicula matéria de envergadura constitucional e que ela se repete em processos seriais em outros estados-membros ou regiões. A par deste aspecto, entendo indispensável, como requisito para demonstração de interesse, a formalização de instauração do incidente versando idêntica controvérsia no estado-membro ou região do requerente, com a consequente comprovação da decisão de inadmissibilidade. No presente caso, a requerente não demonstrou estatisticamente o caráter serial da controvérsia em âmbito nacional, cingindo-se tão somente a mencionar algumas decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Ademais, a peticionante não evidenciou a inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, Corte de Justiça sob a qual tramita a sua demanda Ante o quadro revelado, indefiro o presente pedido de suspensão nacional em incidente de resolução de demandas repetitivas. (Grifei)

 

3 – Considerações Finais

Dessa forma, podemos verificar que o instituto do incidente de resolução de demandas repetitivas é uma ferramenta importante trazida pelo CPC/15 para que seja implantado um sistema de precedentes no Brasil e para a promoção de uma maior segurança jurídica por meio também de uma gestão judiciária eficiente das demandas processuais em massa.

Contudo, é fato também que o IRDR ainda carece de certo amadurecimento, jurisprudencial, legislativo e prático no ordenamento jurídico brasileiro para que questões inerentes ao seu funcionamento, admissibilidade, recorribilidade e legitimidade democrática na construção das teses jurídicas sejam de fato sedimentados na cultura jurídica brasileira de precedentes. Esta que ainda engatinha, se comparada à cultura de precedentes da common-law.

4 – Referências

DIDIER JR, Freddie; ZANETI JR, Hermes. Curso de direito processual civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e o processo nos tribunais. 17 ed. Juspodivm, 2020;

GONÇALVES, Marcos Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado – 8ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2017;

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 11ª Ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2019;

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Volume III 53ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020;

A (in)admissibilidade de Resp contra acórdão que inadmitiu a instauração de IRDR. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/a-inadmissibilidade-do-re-contra-acordao-que-inadmitiu-a-instauracao-de-irdr-31012020. Acesso em: 2025;

A decisão que não admite o IRDR e o não cabimento de recurso especial. Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/coluna/cpc-na-pratica/317310/a-decisao-que-nao-admite-o-irdr-e-o-nao-cabimento-de-recurso-especial. Acesso em: 2025;

Não cabe recurso especial contra acórdão sobre admissibilidade de IRDR. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-dez-09/nao-cabe-recurso-especial-admissibilidade-irdr. Acesso em: 2025;

Suspensão Nacional de Processos em IRDES: à paradoxal posição do STF e do STJ. Disponível em: https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/843927427/suspensao-nacional-de-processos-em-irdrs-a-paradoxal-posicao-do-stf-e-do-stj. Acesso em: 2025.

 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Se as partes autoras dos processos selecionados em incidente de resolução de demandas repetitivas não os abandonaram ou deles desistiram, sua efetiva participação é imposição do princípio do contraditório. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/12862/se-as-partes-autoras-dos-processos-selecionados-em-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-nao-os-abandonaram-ou-deles-desistiram-sua-efetiva-participacao-e-imposicao-do-principio-do-contraditorio. Acesso em: 27/11/2025 – 14:39

TJDFT, Câmara de uniformização, IRDR – nº 20160020123157IDR [0013657-81.2016.8.07.0000], Rel Des. Teófilo Cartano, decisão publicada em 29.05.2017.

TRF-1 – INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDE): 00080878120174010000, Relator: Desembargador Federal Novély Vilanova, Data de Julgamento: 31/05/2017, Quarta Seção, Data de Publicação: 22/06/2017.

TRF-4 – IRDR (seção): 5040278472016404000 5040278-47.2016.4.04.0000, Relator: Salise Monteiro Sanchotene, Data de julgamento: 20/10/2016, Terceira Seção.

STJ, 3ª Turma, REsp 1.631.846/DF, relatora para acórdão Min. Nancy Andrighi. Data de julgamento: 05/11/2019, Terceira Turma, DJe 22/11/2019.

STF – Suspensão Nacional do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 12 Rio Grande do Sul. Relator: Min. Presidente, DJe nº 88, divulgado em 13/04/2020.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOULART, João Inácio. Disposições sobre o IRDR à luz do CPC/15. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17879975, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 10/12/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/disposicoes-sobre-o-irdr-a-luz-do-cpc-15/. Acesso em: 13/12/2025.