Da Norma Constitucional da Cooperação à Cooperação Fiscal Capixaba

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

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Revisor: C.E.R. em 2025-09-26 12:59:00

Submissão: 24/09/2025

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Gabriel da Silva Petronetto

Curriculo do autor: Bacharel em Direito pela Faculdade Vale do Cricaré. Pós-Graduado em Direito Médico. Advogado.

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Resumo

A Emenda Constitucional nº 132 de 2023 promoveu a mais significativa reestruturação do sistema tributário brasileiro desde a Constituição de 1988, incluindo a unificação de tributos e a introdução de novos princípios constitucionais, como a simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente. O princípio da cooperação, em particular, visa transformar a tradicional relação de antagonismo entre Fisco e contribuintes, estabelecendo uma postura de colaboração e boa-fé. O artigo analisa o princípio da cooperação sob duas perspectivas: (i) como uma norma constitucional com impacto estrutural e (ii) como um desafio prático que exige mudanças institucionais para sua efetiva aplicação. A análise parte de uma leitura do novo arranjo tributário, abordando o papel da cooperação na gestão fiscal e as resistências a serem superadas. A implementação desse princípio, embora teórica e institucionalmente promissora, depende de um esforço contínuo e coordenado entre os entes federativos e os operadores do sistema tributário, para garantir um modelo de maior diálogo e corresponsabilidade. O estudo também discute a experiência do Estado do Espírito Santo com o programa de Cooperação Fiscal, destacando seus benefícios e a necessidade de ampliar a autorregularização, visando uma tributação mais justa e transparente.

Palavras-Chave

Emenda Constitucional nº 132/2023. Cooperação tributária. Simplicidade tributária. Justiça fiscal. Administração tributária. Regularização espontânea.

Abstract

Constitutional Amendment No. 132 of 2023 brought the most significant restructuring of the Brazilian tax system since the 1988 Constitution, including the unification of taxes and the introduction of new constitutional principles, such as simplicity, transparency, tax justice, cooperation, and environmental protection. The principle of cooperation, in particular, aims to transform the traditional adversarial relationship between the tax authorities and taxpayers by establishing a posture of collaboration and good faith. This paper analyzes the principle of cooperation from two perspectives: (i) as a constitutional norm with structural impact and (ii) as a practical challenge requiring institutional changes for its effective implementation. The analysis begins with a reading of the new tax framework, addressing the role of cooperation in tax management and the resistances that need to be overcome. The implementation of this principle, while theoretically and institutionally promising, depends on a continuous and coordinated effort between federative entities and tax system operators to ensure a model of greater dialogue and shared responsibility. The study also discusses the experience of the State of Espírito Santo with its Fiscal Cooperation program, highlighting its benefits and the need to expand self-regulation, aiming for a fairer and more transparent taxation system.

Keywords

Constitutional Amendment No. 132/2023. Tax cooperation. Tax simplicity. Tax justice. Tax administration. Voluntary regularization.

1. INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional nº 132 de 2023 (EC nº 132/2023), ao promover a mais profunda reestruturação do sistema tributário brasileiro desde a Constituição Federal (CF/88), não apenas unificou tributos e redesenhou a repartição de receitas, como também introduziu novos princípios constitucionais tributários que devem orientar toda a atuação estatal em matéria fiscal: simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente[1].

Entre os novos princípios consagrados, o presente trabalho destaca o princípio da cooperação, cuja presença no texto constitucional visa romper com a tradição de complexidade e distanciamento entre fisco e contribuintes, que historicamente marcam a tributação no Brasil.

Isso porque a positivação do princípio da cooperação na Constituição não deve ser compreendida como expressão simbólica ou valor programático, mas como diretriz normativa vinculante, capaz de irradiar efeitos sobre a produção legislativa, a administração tributária e à atividade jurisdicional. Trata-se de um vetor hermenêutico que impõe a observância da boa-fé objetiva, exigindo a superação de modelos disfuncionais e maior diálogo entre o fisco e os contribuintes.

Nesse sentido, o presente trabalho examinará o princípio da cooperação sob a dupla perspectiva: (i) como construção normativa com densidade constitucional e função estruturante; e (ii) como promessa sujeita ao rompimento de resistências institucionais e operacionais da Administração tributária.

A análise parte de uma leitura sistemática do novo arranjo constitucional tributário para, então, discutir os benefícios que a efetivação do princípio da cooperação promoverá na gestão tributária.

Ao fim, pretende-se demonstrar que, embora o novo modelo represente um avanço teórico e institucional, sua concretização depende de um esforço coordenado e contínuo entre os entes federativos, a Administração e os contribuintes, para, assim, consolidar um modelo que valorize o diálogo e a corresponsabilidade no cumprimento das obrigações tributárias, superando definitivamente a lógica do confronto e da punição como instrumento arrecadatório.

2. OS NOVOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da proteção ao meio ambiente foram elevados à condição de pilares normativos do novo sistema, orientando não apenas a criação e a aplicação das normas tributárias, mas também a conduta dos entes federativos e a interpretação jurídica em matéria fiscal. Nesse novo cenário, tais princípios passam a desempenhar função estruturante, condicionando a legitimidade e a efetividade de toda a atuação estatal na seara tributária.

A norma-princípio comporta classificação, inclusive, na Constituição. Assim, a própria Constituição autodenomina-se como fonte normativa de princípios fundamentais e de princípios gerais, ambas essas categorias disciplinando o microssistema constitucional tributário[2].

O professor Edvaldo Brito leciona que os novos princípios tributários são preceitos fundamentais “porque são princípios sensíveis, dado que operam no campo dos direitos e garantias individuais, constitutivos das cláusulas pétreas, matéria intocável”[3].

De modo semelhante, ainda que os princípios estejam expressamente previstos como normas jurídicas, sua plena compreensão quanto ao conteúdo depende, sobretudo, da interpretação e do desenvolvimento promovido pela doutrina e pela jurisprudência.

Por ora, basta considerar aquilo que a relação sintática com os demais elementos do sistema normativo já permite identificar. A Constituição determina que o sistema tributário nacional deve pautar-se por esses princípios, o que impõe a todos os operadores do direito tributário o dever não apenas de observá-los, mas também de resguardá-los contra quaisquer práticas que comprometam sua integridade[4].

2.1. O princípio como vetor de interpretação

Os princípios são diretrizes vinculantes, detêm eficácia jurídica plena e funcionam como normas obrigatórias. Paulo de Barros Carvalho leciona que os princípios jurídicos atuam como orientações fundamentais que conferem coesão aos diversos ramos do ordenamento, funcionando como elementos estruturantes que integram e organizam conjuntos de normas[5].

A influência se manifesta na capacidade de atrair e conformar regras específicas sob sua esfera de atuação, exercendo uma força integradora que direciona a interpretação e a aplicação do Direito[6].

Conforme a compreensão de Brito, embora o termo “princípio”, mesmo qualificado como jurídico, não possua um significado unívoco, prevalece na dogmática jurídica contemporânea o entendimento quase unânime de que os princípios são normas jurídicas[7].

Parte-se, assim, da concepção de que a norma jurídica é um gênero que abarca diferentes espécies, como a norma-preceito, a norma-simples e a norma-princípio. Esta última distingue-se por seu caráter mais abrangente e orientador, funcionando como parâmetro ou critério para as demais normas, ainda que, tal como elas, seja dotada de conteúdo prescritivo e possa produzir consequências jurídicas[8].

Disso resulta que violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma, na medida em que a desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema[9].

Assim, para Bandeira de Mello, essa é “a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”[10].

Na função interpretativa, os princípios desempenham o papel de direcionar, coerentemente, as soluções jurídicas dos casos submetidos à apreciação do intérprete, atuando como instrumentos de auxílio à interpretação jurídica e, portanto, são verdadeiros vetores que orientam as demais normas do ordenamento jurídico, dando compreensão às regras normativas, sendo denominados de princípios descritivos ou informativos[11].

Segundo a compreensão de Paulo Bonavides, a constitucionalização dos princípios confere a eles um papel central na estruturação e na interpretação de todo o sistema normativo[12].

Importa ao presente trabalho, em especial, o princípio da cooperação, cuja positivação no texto constitucional reflete um esforço deliberado do legislador constituinte derivado de enfrentar a visão binária entre fisco e contribuinte.

3. DO PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO

O princípio da cooperação não constitui uma novidade introduzida pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023. Tal princípio já possuía respaldo no ordenamento jurídico, especialmente no âmbito do processo civil, conforme previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil.[13]

Embora esse dispositivo enfatize a aplicação do princípio cooperativo com o intuito de promover a redução da duração do processo, no campo do direito processual, é possível observar a expansão de sua função para além da mera busca por celeridade.

Independentemente da forma de aplicação, observa-se um ponto comum: a utilização do princípio da cooperação tem como finalidade precípua assegurar a efetividade do processo judicial, culminando em uma decisão de mérito justa.[14]

A introdução do Princípio da Cooperação no texto constitucional revela-se uma medida voltada à promoção de um ambiente mais equilibrado e colaborativo entre o Fisco e os contribuintes, inspirando-se na lógica cooperativa já consolidada no direito processual civil e penal.

Disso resulta que a alteração constitucional se insere em um contexto mais amplo de transformação da perspectiva fiscal, aliando-se a outros princípios como o da simplicidade, transparência e o da justiça fiscal, com o intuito de favorecer um convívio institucional menos conflituoso.[15]

Nota-se que o Princípio da Cooperação não impõe deveres unilaterais apenas ao Fisco ou ao contribuinte, mas propõe uma mudança de postura mútua entre os sujeitos da relação tributária[16].

O Princípio da Cooperação pressupõe um esforço conjunto entre Fisco e contribuinte para que ambos possam alcançar seus objetivos legítimos dentro da relação tributária. Trata-se de uma via de mão dupla, em que o Estado busca a arrecadação dos tributos devidos com base na legalidade, enquanto o contribuinte, por sua vez, deve cumprir a legislação de forma adequada, podendo assim planejar e exercer suas atividades econômicas de forma livre[17].

A introdução do Princípio da Cooperação no âmbito tributário implica, sobretudo, uma necessária mudança de postura na relação entre Fisco e contribuinte, orientando-a por uma lógica de diálogo, transparência e corresponsabilidade.

Importa destacar que, se anteriormente a ideia de cooperação no âmbito tributário dependia de uma interpretação sistemática de outros princípios constitucionais, é importante destacar que a simples positivação do Princípio da Cooperação não é, por si só, suficiente para assegurar sua efetiva concretização.[18]

Portanto, para que esse novo paradigma se consolide, é indispensável uma atuação conjunta, consistente e comprometida dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, no sentido de adotar políticas e decisões que reduzam a tradicional animosidade entre as partes e promovam um ambiente fiscal mais equilibrado, justo e colaborativo.

3.1. Simplicidade como vetor normativo à cooperação

O Princípio da Simplicidade, também expressamente incorporado pela Emenda Constitucional nº 132/2023, revela uma estreita conexão com os demais princípios e em especial com o da Cooperação. Isso porque, quanto mais claro e acessível for o regime tributário, maior será a possibilidade de se estabelecer uma relação transparente e colaborativa entre Fisco e contribuinte[19].

A simplificação do sistema tributário demanda a elaboração de normas legais que sejam claras, acessíveis e que reduzam a ocorrência de incertezas interpretativas, as quais frequentemente resultam em litígios. Essa simplificação deve atuar não apenas na dimensão normativa, relativa à formulação das leis, mas também na dimensão operacional, voltada à redução dos custos envolvidos no cumprimento das obrigações tributárias por parte dos contribuintes e do próprio Estado.[20]

Do ponto de vista jurídico, o princípio da simplicidade tributária exige que as normas fiscais sejam construídas de forma clara, precisa e acessível, permitindo sua compreensão por qualquer cidadão, independentemente do grau de conhecimento técnico ou jurídico. O objetivo é assegurar que tanto as obrigações principais quanto as acessórias sejam estruturadas de maneira a reduzir ambiguidades e promover maior segurança na interpretação e aplicação das normas.[21]

3.2. Simplicidade advinda da unificação de tributos

A unificação de tributos, trazida pela reforma tributária, materializa de forma prática o princípio da simplicidade. A substituição de diversos tributos sobre consumo (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por dois novos tributos (CBS e IBS), dentro do modelo de IVA dual, representa um esforço legislativo para reorganizar a estrutura arrecadatória brasileira em bases mais simples, transparentes e harmônicas.

A distinção entre simplificação formal e material é fundamental para uma compreensão mais aprofundada da aplicação prática do princípio da simplicidade tributária.

A simplificação formal refere-se à redução da burocracia envolvida no cumprimento das obrigações acessórias e nos trâmites administrativos enquanto simplificação material, por sua vez, consiste na racionalização estrutural do sistema tributário, ultrapassando aspectos meramente procedimentais e abrangendo medidas como a unificação e harmonização dos tributos.[22]

Portanto, trata-se de uma simplificação formal a unificação de tributos aqui tratada, mas que deve ser devem ser implementados de forma integrada para garantir a efetividade plena do princípio da simplicidade tributária.

4. A COOPERAÇÃO NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Conforme dito, a inserção do princípio da cooperação no texto constitucional, por meio da EC nº 132/2023, representa um avanço normativo relevante ao estabelecer como diretriz vinculante o diálogo entre fisco e contribuinte. No entanto, sua concretização prática enfrenta sérios entraves decorrentes da própria arquitetura federativa brasileira, caracterizada pela coexistência de múltiplos entes tributantes com competências normativas, administrativas e decisórias autônomas.

Disso resulta a relevância do diálogo entre Fisco e contribuintes como instrumento essencial para a construção de um ambiente propício ao crescimento econômico sustentável em nível nacional, além de fortalecer a confiança do contribuinte nas instituições estatais e na legitimidade do sistema tributário.

4.1. O Programa de Cooperação Fiscal do Estado do Espírito Santo

A própria Secretaria de Fazenda do Estado do Espírito Santo apresenta o programa de cooperação fiscal como “parte da diretriz do Governo do Estado de melhoria do ambiente de negócios e é um desdobramento da atualização da Lei de Penalidades Tributárias”[23]. A proposta é oportunizar ao contribuinte a possibilidade de autorregularização de inconsistências identificadas pelo Fisco Estadual.

A cooperação fiscal está prevista no art. 132 do RICMS foi instituída por meio da Lei Estadual nº 10.467/2017[24], que determinou à Administração Fazendária a prévia intimação do contribuinte para sanar irregularidades que conduziriam à lavratura de um Auto de Infração.

Atualmente a aplicação do instituto da intimação amigável é taxativa no artigo 808 do RICMS/ES, que teve em seu corpo introduzido o parágrafo 3º, por meio do Decreto nº 4.982-R[25].

Com isso, há seis tipos de inconsistências passíveis de regularização via Cooperação Fiscal. São elas: 1. ICMS Declarado e Não Recolhido, ou ainda, Declarado e Recolhido a menor; 2. ICMS-ST Declarado e Não Recolhido, ou ainda, Declarado e Recolhido a menor; 3. Omissos de EFD; 4. Omissos de PGDAS; 5; NF-e de emissão própria não escriturada; 6. Diferença de Cartão (Simples Nacional).

O programa de cooperação fiscal propõe ao contribuinte a possibilidade de autorregularização de inconsistências identificadas pelo fisco estadual. Assim, cabe ao contribuinte justificar ou sanear as inconsistências identificadas pela Receita Estadual, nos termos e condições estabelecidos na comunicação, mantendo o benefício de redução das multas por espontaneidade durante o prazo concedido para saneamento.

4.2. Necessidade de ampliação de programas de cooperação fiscal.

A inserção do princípio da cooperação na Constituição Federal representa o reconhecimento de que o relacionamento entre Fisco e contribuinte não pode mais ser pautado por uma lógica meramente punitiva ou arrecadatória. Em vez disso, deve-se adotar uma postura horizontalizada, em que o Estado trata o contribuinte como um parceiro na realização do interesse público, e não como um oponente ou suspeito permanente.

O princípio da cooperação estabelece que as partes envolvidas, Administração Tributária e contribuintes, devem atuar de forma leal, colaborativa e com boa-fé recíproca, buscando soluções eficazes para o cumprimento das obrigações tributárias.

Isso inclui desde o dever estatal de prestar informações claras, de prevenir litígios e de privilegiar formas de regularização voluntária, até o dever do contribuinte de agir com transparência e honestidade fiscal.

Historicamente, o modelo de fiscalização tributária brasileiro muitas vezes se sustentou em práticas coercitivas, com a aplicação de multas desproporcionais e a utilização de sanções como meio indireto de forçar o pagamento de tributos, algo vedado, inclusive, por entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal (Súmula 323)[26].

No mesmo sentido, até nos crimes contra a ordem tributária, ainda que o contribuinte tenha cometido, de forma intencional, alguma das condutas previstas na Lei nº 8.137/90[27], a formalização de acordo para parcelamento do débito suspende a possibilidade de o Estado exercer sua pretensão punitiva. Além disso, se houver o pagamento integral do tributo, em qualquer fase da persecução penal, ocorre a extinção da punibilidade[28].

Diante disso, percebe-se que os instrumentos penais aplicáveis às infrações tributárias são frequentemente utilizados como forma indireta de cobrança, com foco na recuperação do crédito, e não propriamente na tutela da ordem tributária enquanto bem jurídico penalmente protegido.

Disso resulta que a constitucionalização da cooperação indica uma mudança de paradigma, na qual a função pedagógica e preventiva da atuação estatal ganha protagonismo.

O Estado, portanto, não pode ter como finalidade principal a arrecadação por meio de multas, especialmente quando estas assumem caráter confiscatório ou inibidor da atividade econômica. A atuação do fisco deve ser essencialmente orientadora, voltada à conformidade tributária, e não à mera produção de receita.

Voltando a experiência capixaba, a Secretaria da Fazenda divulgou dados de que o Cooperação Fiscal auxiliou na arrecadação direta de mais de R$ 600 milhões em ICMS e multas espontâneas já que, em algumas hipóteses, a lei prevê a redução da multa durante a regularização em espontaneidade[29].

Diante desse cenário, é urgente que se avance na ampliação das hipóteses de autorregularização, estendendo essa possibilidade a um número maior de infrações tributárias. Tal medida não apenas fortalece a cultura da conformidade, mas também promove um ambiente de confiança mútua entre Fisco e contribuinte.

Ao privilegiar o bom contribuinte, aquele que, mesmo diante de eventuais falhas, demonstra disposição em corrigir sua conduta de forma proativa, o Estado reafirma seu compromisso com uma tributação mais justa, proporcional e alinhada aos princípios da boa-fé, da cooperação e transparência, agora expressamente acolhidos no texto constitucional pela Emenda nº 132/2023.

5. CONCLUSÃO

A inserção do princípio da cooperação na Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, representa um importante avanço no sentido de transformar a cultura da relação entre o Estado e o contribuinte.

A constitucionalização desse princípio impõe à Administração Tributária a adoção de condutas mais transparentes, dialógicas e preventivas, em oposição a práticas historicamente punitivistas e arrecadatórias. Trata-se de um novo paradigma em que a conformidade fiscal é promovida não pela coerção, mas pela orientação e estímulo à regularização voluntária, assegurando maior justiça fiscal e segurança jurídica.

No Estado do Espírito Santo, a experiência com o programa Cooperação Fiscal evidencia os efeitos positivos de uma administração tributária baseada na confiança mútua e no incentivo à autorregularização.

A divulgação de informações qualificadas, aliada à possibilidade de regularização com redução de penalidades, permitiu que milhares de contribuintes corrigissem espontaneamente suas obrigações, resultando em significativa arrecadação de ICMS e multas espontâneas, sem que fosse necessário o uso de medidas coercitivas.

Esse modelo revela que a cooperação é eficaz tanto para o Estado, que recupera receitas de forma célere, quanto para o contribuinte, que evita a autuação e seus efeitos colaterais. Entretanto, é preciso reconhecer que a autorregularização ainda é restrita a hipóteses específicas, o que limita seu alcance e eficácia.

A ampliação de mecanismos cooperativos, inclusive para fases mais avançadas da relação tributária, é essencial para consolidar um ambiente fiscal mais racional, previsível e compatível com os valores constitucionais. Ao ampliar a autorregularização, o Estado fortalece a cultura da conformidade, reduz a litigiosidade e demonstra respeito aos contribuintes que desejam manter-se em dia com suas obrigações, mesmo quando enfrentam dificuldades ou cometem equívocos involuntários.

Por fim, é fundamental reafirmar que a função primordial do Estado na seara tributária não pode ser a arrecadação por meio da imposição de multas desproporcionais, muitas vezes de caráter meramente fiscalizante e arrecadatório.

A finalidade do sistema tributário é assegurar os recursos necessários para a implementação de políticas públicas, mas isso deve ocorrer em consonância com os princípios da legalidade, da proporcionalidade e, agora, da cooperação. A experiência capixaba demonstra que é possível alcançar resultados expressivos por meio do diálogo e da confiança, sinalizando um caminho que merece ser institucionalizado e replicado em todo o país.

6. REFERÊNCIAS

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[1]Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: […] § 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 17 abr. 2025.

[2] BRITO, Edvaldo. Os novos princípios tributários. In: SOUZA, Priscila de (Org.); CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). XXI Congresso Nacional de Estudos Tributários: reforma tributária brasileira – valores e contravalores. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2024. p. 367.

[3] BRITO, Edvaldo. Os novos princípios tributários, cit., p. 367.

[4] BRITO, Edvaldo. Os novos princípios tributários, cit.. p. 368.

[5]CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 165.

[6]CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 165.

[7] BRITO, Edvaldo. Os novos princípios tributários, cit.. p. 369.

[8] BRITO, Edvaldo. Os novos princípios tributários, cit.. p. 369.

[9] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 808.

[10] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. cit, p. 808.

[11] BARROSO, Leonardo Alves. A força normativa dos princípios fundamentais como vetores da formação do Estado ideal. In: CURSO DE CONSTITUCIONAL: normatividade jurídica, 2012, Rio de Janeiro. Normatividade Jurídica. Rio de Janeiro: EMERJ, 2013.

[12] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12 Ed. São Paulo: Malheiros. p. 255-256.

[13] BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2015]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 19 jul. 2025. “Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”

[14] DOMINGO, Luiz Roberto; SILVA, André Filipe Sales da. Princípio da cooperação, uma luz no fim do túnel? In: SOUZA, Priscila de (Org.); CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). XXI Congresso Nacional de Estudos Tributários: reforma tributária brasileira – valores e contravalores. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2024. p.868.

[15] DOMINGO, Luiz Roberto; SILVA, André Filipe Sales da. Princípio da cooperação, uma luz no fim do túnel? In: SOUZA, Priscila de (Org.); CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). XXI Congresso Nacional de Estudos Tributários: reforma tributária brasileira – valores e contravalores. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2024. p.863.

[16] SANTOS, Marivaldo Andrade dos. O Princípio Constitucional da Cooperação Tributária Introduzido pela Emenda n. 132/2023. Revista Direito Tributário Atual v. 56. ano 42. p. 523-545. São Paulo: IBDT, 1º quadrimestre 2024.

[17] DOMINGO, Luiz Roberto; SILVA, André Filipe Sales da. Princípio da cooperação, uma luz no fim do túnel? In: SOUZA, Priscila de (Org.); CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). XXI Congresso Nacional de Estudos Tributários: reforma tributária brasileira – valores e contravalores. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2024. p.865.

[18] DOMINGO, Luiz Roberto; SILVA, André Filipe Sales da. Princípio da cooperação, uma luz no fim do túnel? In: SOUZA, Priscila de (Org.); CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). XXI Congresso Nacional de Estudos Tributários: reforma tributária brasileira – valores e contravalores. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2024. p.884.

[19] MARTINEZ, Antonio Lopo. Princípio da simplicidade tributária e tecnologia: fortalecendo o compliance e reduzindo litígios. 2024. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/392027419. Acesso em: 25 jul. 2025. p.221.

[20] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo; ALVES, Matheus de Freitas Batista Moitinho. Simplicidade e transparência como desafios do pós-Reforma Tributária de 2023. Revista Estudos Institucionais, v. 11, n. 2, p. 512–531, maio/ago. 2025. p.516.

[21] MARTINEZ, Antonio Lopo. Princípio da simplicidade tributária e tecnologia: fortalecendo o compliance e reduzindo litígios. 2024. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/392027419. Acesso em: 25 jul. 2025. p.222.

[22] MARTINEZ, Antonio Lopo. Princípio da simplicidade tributária e tecnologia: fortalecendo o compliance e reduzindo litígios. 2024. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/392027419. Acesso em: 25 jul. 2025.p.223

[23]Receita Estadual do Espírito Santo. Cooperação Fiscal. Disponível em: https://s1-internet.sefaz.es.gov.br/ReceitaOrienta/categoria/Assunto/581/Empresa/23. Acesso em: 26 jul. 2025.

[24] ESPÍRITO SANTO (Estado). Lei nº 10.467, de 5 de julho de 2016. Institui o Programa de Parcelamento de Débitos Fiscais (Refis) e dispõe sobre medidas de estímulo à regularização tributária no Estado do Espírito Santo. Diário Oficial do Estado do Espírito Santo, Vitória, 6 jul. 2016. Disponível em: https://internet.sefaz.es.gov.br/LegislacaoTributaria/Tributaria.aspx. Acesso em: 25 jul. 2025.

[25] Decreto Estadual nº 4.982-R. Art. 808. “§ 3º. Para efeito do disposto no art. 132, §§ 5º e 6º, da Lei nº 7.000, de 2001, as hipóteses de indícios de divergências e inconsistências encontradas na base de dados da Sefaz que devem ser comunicadas ao contribuinte antes do início de procedimento de fiscalização são aquelas previstas nos seguintes dispositivos do art. 75-A da Lei nº 7.000, de 2001: I – § 2º, II; II – § 3º, I, VIII, IX e X; III – § 4º, I, “a”, II, III e IV, “a”; e IV – § 6º, I, “b”, II, III e IV”.

[26] Súmula 373 do STF: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.

[27] BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 28 dez. 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm. Acesso em: 25 jul. 2025.

[28] Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. “Altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências. Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”.

[29] ESPÍRITO SANTO (Estado). Secretaria da Fazenda. SEFAZ recebe prêmio nacional por sistema que permite a autorregularização de contribuintes. Vitória, 1 dez. 2023. Disponível em: https://sefaz.es.gov.br/Not%C3%ADcia/sefaz-recebe-premio-nacional-por-sistema-que-permite-a-autorregularizacao-de-contribuintes. Acesso em: 26 jul. 2025.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PETRONETTO, Gabriel da Silva. Da Norma Constitucional da Cooperação à Cooperação Fiscal Capixaba. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17210150, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 26/09/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/da-norma-constitucional-da-cooperacao-a-cooperacao-fiscal-capixaba/. Acesso em: 28/10/2025.