Criminalidade organizada: origem, definição doutrinária e características

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito, Educação, Filosofia, História, Teologia

Este artigo foi revisado e aprovado pela equipe editorial.

Aprovado em 25/01/2024

Submissão: 15/01/2024

Autores

Thiago Eduardo Kutz

Curriculo do autor: Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em 2015. Pós-graduado, em nível de especialização, em Teoria Geral do Crime e das Penas. Assistente de Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Insira o texto exatamente como deseja que apareça na sua declaração. Se for aprovado pela revista, sua declaração sairá conforme pré-visualização abaixo

Resumo

Este estudo explora as origens e o desenvolvimento global do crime organizado, analisando grandes organizações criminosas, como as máfias italianas (Cosa Nostra, Camorra, 'Ndrangheta), Tríades Chinesas, Yakuza do Japão, máfia norte-americana e cartéis de drogas sul-americanos em Medellín e Cali. A análise aborda as características únicas de cada organização, seu alcance internacional e contexto histórico, destacando como grupos como a Cosa Nostra, através de alianças com cartéis, ampliaram mercados de tráfico de drogas. O estudo examina também o crime organizado na América do Sul, ligado à produção de drogas em grande escala, e facções brasileiras como o PCC e Comando Vermelho, que controlam o comércio ilícito dentro e fora dos presídios. Além disso, trata dos desafios globais impostos pelo crime organizado, com foco em redes transnacionais e na criação de estruturas de poder paralelas em regiões com controle estatal enfraquecido.

Palavras-Chave

Crime Organizado. Redes Transnacionais. Máfia

Abstract

This study explores the origins and global development of organized crime, examining major criminal organizations such as the Italian mafias (Cosa Nostra, Camorra, 'Ndrangheta), Chinese Triads, Japan’s Yakuza, North American mafia, and South American drug cartels in Medellín and Cali. The analysis discusses each organization’s unique characteristics, international reach, and historical context, highlighting how groups like Cosa Nostra, through alliances with cartels, expanded drug trafficking markets. Further examination includes South American organized crime linked to large-scale drug production and Brazilian factions like the PCC and Comando Vermelho, which control illicit trade within and beyond prison walls. Additionally, it addresses the challenges of organized crime on a global scale, with a focus on transnational networks and the creation of parallel power structures in regions with weakened state control.

Keywords

Organized Crime. Transnational Networks. Mafia

1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ORIGEM DA CRIMINALIDADE ORGANIZADO PELA MUNDO

As primeiras organizações criminosas com que nos deparamos ao estudarmos a história do crime organizado são aquelas constituídas sob a forma de máfia. De início, ressalta-se que as mais famosas citadas no âmbito internacional são as máfias italianas (Casa Nostra, Cammora, ’Ndrangueta e Sagrata Corona), as Tríades Chinesa, a Yakuza do Japão, a U.S Máfia, localizada na América do Norte, e os cartéis de narcotráfico localizados em Medellin e Cali[1].

A Casa Nostra, que atua na região da Sicília, teria sido a primeira organização a ser denominada de máfia, o que ocorreu no século XIX[2]. Essa organização é considerada pelos estudiosos uma das mais poderosas existentes, senão a mais, possuindo grande ligação com outros grandes grupos criminosos internacionais.

Cumpre destacar que uma das características mais marcantes no âmbito das organizações criminosas é a transnacionalidade, de modo que muitas delas não se limitam a atuar apenas dentro de um território nacional. Para possibilitar a atuação no âmbito internacional, muitas das organizações utilizam de um networking, criando pareceria com outros grupos criminosas, a fim de ampliar sua a atuação e seus lucros.

Com a criação de parcerias, a Casa Nostra conseguiu ampliar sua atuação para o âmbito internacional. Em sua obra, Luiz Flávio Gomes[3] destacou que a ligação estabelecida entre a Casa Nostra e os cartéis colombianos foi uma das principais responsáveis pela entrada da cocaína em diversos mercados, como no da Europa e dos Estados Unidos.

Ainda com relação à Casa Nostra, pode-se citar algumas características como[4]: a relação de parentesco entre seus membros; a existência de um código interno extremamente rígido; a estrutura hierárquica; o uso de intimidação e violência; a existência de punições e sanções internas para seus membros; e a ligação com o tráfico de entorpecentes. Ademais, destaca-se a existência de mais de uma máfia Casa Nostra, uma atuando na Itália e outra na América do Norte, cada uma com suas características peculiares[5].

Registra-se que o estudo das características e atividades das organizações criminosas será realizado de forma mais aprofundado em tópico próprio. Ademais, verifica-se que várias das características retro mencionadas poderão ser encontradas nas demais organizações que foram surgindo ao decorrer dos anos.

A “Ndrangheta, conforme ensinamentos de Marcelo Batlouni Mendroni[6], é conhecida pela prática de extorsão, que é realizada através da cobrança de proteção de negócios de empresários e comerciantes, sendo considerada a mais violenta das máfias. Para a sua atuação, se aproveita da falta de atuação efetiva do Estado. Esse tipo de atuação também é muito comum de ser encontrada em outras organizações criminosas, que, muitas vezes, constituem um verdadeiro “estado-paralelo”, como será demonstrado no decorrer deste trabalho.

Com relação à história do combate às máfias italiana, duas figuras merecem destaque, quais sejam, o Juiz Giovanni Falcone e o Procurador Paolo Borsellino, os quais foram assassinados em 1992 na cidade de Palermo.

Conforme assevera Rodrigo Carneiro Gomes[7], os assassinatos causaram uma imediata reação do Estado Italiano no combate às máfias locais, que promoveu diversas alterações em seu sistema legislativo, na administração de penitenciárias e no comando da polícia local. Ademais, a morte dos agentes públicos gerou uma homenagem, sendo a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional amplamente conhecida também como Convenção de Palermo[8], cidade onde ocorreram os assassinatos.

Dando prosseguimento, têm-se as Tríades Chinesas, que nada mais são do que as máfias que atuam na região da China. As Tríades são consideradas as mais antigas organizações criminosas, tendo como origem o ano de 1644. Esses grupos surgiram como movimentos populares que tinham como objetivo a proteção da população contra as arbitrariedades praticadas pelo Estado. Essa população tinha como principal atividade a produção de ópio, sendo que, quando seu comércio foi proibido, as Tríades passaram a explorar o comércio de forma ilegal[9].

Luiz Flávio Gomes[10] destaca que esses grupos possuem grande similaridade com as máfias italianas, possuindo grande contato com outras organizações existentes pelo mundo. Ainda, o professor retro mencionado assevera que essas organizações possuem como atividade o tráfico de heroína, a exploração de jogos de azar e a extorsão de comerciantes locais. Já Mario Daniel Montoya[11] destaca que as Tríades obtém um lucro milionário extorquindo comerciantes na fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, região conhecida como tríplice fronteira.

Na américa do sul um dos maiores problemas é a produção de drogas. Estima-se que Bolívia, Colômbia e Peru são responsáveis pela produção de praticamente toda cocaína produzida no mundo, já o Paraguai seria responsável por cerca de 59% da maconha produzida no continente[12]. Dentre esses países, a Colômbia é a que mais chama atenção, sendo a base dos principais cartéis do narcotráfico, que se localizam especialmente nas cidades de Medellín e Cali[13].

Impende mencionar que o Brasil faz divisa com todos esses países, e possui uma faixa de fronteira gigantesca, dificultando uma fiscalização totalmente efetiva, de modo que grande parte da droga produzida entra em território nacional, sendo destinada ao consumo ou à distribuição para outros países.

O Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC), nascidos, respectivamente, nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, são os principais responsáveis pela criminalidade organizado no Brasil. Esses grupos possuem grande atuação dentro de presídios do país inteiro, cobrando mensalidade de detentos em troca de proteção. Também possuem como atividade o tráfico de drogas, havendo, inclusive, registro de parcerias firmadas com cartéis colombianos[14].

Impende mencionar, ainda, que o Primeiro Comando da Capital, o PCC, se internacionalizou, associando-se à máfia italiana Ndrangheta para abastecer a Europa de cocaína, e, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, hoje fatura cerca de US$ 1 milhão de reais por mês apenas com essa operação. [15]

Para o jurista e criminalista português Fernando Conde Monteiro, diretor do curso de Criminologia da Universidade do Minho, em Portugal, para combater o crime organizado não basta prender líderes e chefes de organizações criminosas. Ele ressalta que o Brasil é refém do crime organizado, uma vez que possui cinquenta e três facções criminosas conhecidas e presentes, com pelo menos uma delas, em todos os Estados do País e no Distrito Federal.[16]

Ainda no que se refere à América do Sul, destaca-se a preocupação existente com relação à criminalidade organizada existente na região conhecida como Tríplice Fronteira, que é a divisa entra a Argentina, o Brasil e o Paraguai. Conforme doutrina de Mario Daniel Montoya[17], a intensificação do narcotráfico na região tem chamado a atenção da agência de antinarcóticos norte-americana (DEA). Atividades como contrabando, tráfico de armas, lavagem de dinheiro e terrorismos também são registradas na região.

O doutrinador retro mencionado assevera também que fatores como a alta instabilidade, os problemas de governabilidade e a violação da ordem institucional dos países que compõem a Tríplice Fronteira contribuem para o aumento da criminalidade na região, e que a existência de diversas pistas de aterrissagem clandestinas, a extensa faixa de fronteira e a capacidade limitada de fiscalização torna difícil o combate à criminalidade.

Por fim, estima-se que o oitavo PIB do mundo pertence ao crime organizado[18], sendo os danos sociais, políticos e econômicos causados por esse tipo de criminalidade imensuráveis, pois enfraquece instituições e deixa a sociedade vulnerável.

Ante o exposto, por todos os aspectos analisados até o momento, pode-se afirmar que o combate às organizações criminosas é medida urgente e necessária extrema importância, sob pena de nos vermos, num futuro próximo, diante de grupos criminosos mais poderosos e mais bem estruturados do que o próprio Estado em que atuam.

2. DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SEGUNDO A DOUTRINA

2.1. DEFINIÇÃO

As definições de organização criminosa trazidas pela doutrina são muito específicas, sendo que, apesar de guardarem grande similaridade entre si, existem elementos que as diferenciam.

Nada obstante as diferenças, inicialmente, imperioso mencionar os elementos que lhes são comuns, quais sejam, estabilidade e permanência, finalidade de obter lucro e poder, estrutura hierárquica piramidal e divisão de tarefas.

Ana Flávia Messa[19] descreve que, dentro de uma tentativa de elaborar um conceito de organização criminosa, poderíamos encontrar os seguintes elementos: complexidade estrutural, divisão orgânica hierárquica, divisão funcional, divisão territorial, estreitas ligações com o poder estatal, atos de extrema violência, lucro ilícito, poder econômico elevado, capacitação funcional, alto poder de intimidação, capacidade de fraudes diversas, clandestinidade, caráter transnacional, modernidade, danosidade social de alto vulto e associação estável e permanente.

Destaca-se que alguns elementos trazidos pela doutrinadora não servem para a criação de uma definição legal de organização criminosa, posto que não estão presentes em todas elas, como por exemplo a existência de atos de extrema violência, de alto poder de intimidação e a transnacionalidade, caso contrário a abrangência do tipo ficaria muito limitada.

No âmbito internacional, as definições de organização criminosa são apresentadas pela President’s Commission on Organized Crime, pela Federal Bureau of Investigation (FBI) e pela Interpol[20]. Todas elas guardam grande similaridade e trazem como elementos a prática de atividades ilegais, o uso de corrupção e violência, e possuem a finalidade de obter poder e dinheiro.

O sociólogo Guaracy Mingardi, apud Marco Polo Levorin[21], ao definir organizações criminosas, traz dois elementos que merecem destaque, que são o uso de um planejamento empresarial e a existência de um poder criminal que concorreria com o poder do Estado.

Pela existência de um planejamento empresarial, conclui-se que não bastaria uma simples reunião de agentes com o fim de praticar atividades criminosas, exigindo-se que essa associação seja feita de forma realmente organizada.

Além disso, a organização criminosa possuiria um poder que concorreria ou até mesmo substituiria o poder Estatal. Exemplificando, naqueles lugares onde o Estado não atua, como em favelas e periferias, as Organizações Criminosas encontrariam espaço para constituir um verdadeiro “estado paralelo” ao do Estado Democrático de Direito.

No Brasil, é fato notório que, em grandes favelas, traficantes e organizações criminosas se aproveitam da falta de atuação do Estado para adquirir poder e “governar” a população local, seja pela uso de intimidação e violência, seja pela concessão de assistência a essa população carente.

Em pese a semelhança nos conceitos transcritos, ressalta-se que as pequenas diferenças existentes podem ser determinantes no momento de decidir pela configuração ou não de uma organização criminosa.

Ademais, os elementos de uma organização criminosa podem variar dependendo de diversos fatores, como por exemplo, da evolução legislativa do local onde atuam, adaptando-se rapidamente com o fim de manter-se impune.

Outro fator determinante é o geográfico[22]. Cada região deve adaptar sua definição de organização criminosa com base em suas características locais. No caso do Brasil, tendo em vista a diversidade cultural e a extensa base territorial, a definição de organização criminosa apta a contemplar todos os modelos existentes, é tarefa difícil.

2.2. CARACTERÍSTICAS

Conforme disposições do tópico anterior, conclui-se pela impossibilidade de criação de uma única e absoluta definição de organização criminosa. Isto porque elas possuem características e formas de atuação diferentes a depender de seus objetivos, localização geográfica, dentre outras causas.

Com relação a localização geográfica, são vários os fatores que influenciam diretamente nas atividades das organizações criminosas, dentre eles as condições políticas, policiais, territoriais, econômicas, sociais etc.[23]

Quanto às formas de atuação, as organizações criminosas podem realizar as mais diversas atividades, mas algumas são consideradas principais e comuns à maioria delas. As principais atividades criminosas praticadas serão estudadas no próximo tópico. No momento, a análise será feito no tocante a algumas formas básicas de organizações criminosas trazidas pela doutrina.

O doutrinador Marcelo Batlouni Mendroni[24] divide as organizações criminosas em quatro grandes grupos, nomeando-as de tradicionais, de rede, empresariais e endógenas.

As tradicionais, também chamadas de clássicas, seriam aquelas organizações criminosas do tipo mafiosas, voltadas para a prática de crimes de qualquer natureza, geralmente roubos, ameaças, tráfico e extorsão. A finalidade das atividades criminosas seria a obtenção de dinheiro e poder. Possui clara estrutura hierárquico-piramidal e divisão direcionada de tarefas. Além disso, possui domínio do território onde se estabelece. Muitas vezes os integrantes das organizações criminosas mafiosas possuem relação de parentesco, sendo pertencentes à mesma família.

Já as organizações criminosas que atuam sob a forma de “rede” possuiriam como principal característica, segundo o doutrinador, a globalização e a provisoriedade, atuando conforme as oportunidades que iriam surgindo em cada território.

Outrossim, a organização criminosa empresarial seria constituída na forma de empresa lícita, aproveitando-se desta aparência para praticar atividades criminosas, como por exemplo lavagem de dinheiro, fraudes e estelionato. Suas atividades criminosas estariam ligadas principalmente a crimes econômicos.

Com relação à organização criminosa empresarial, é importante distinguir as empresas criminosas (que são empresas voltadas para a prática de atividades criminosas desde sua criação) daquelas empresas cuja a finalidade é a prática de atividades lícitas, mas que no desempenho de suas atividades acabam cometendo alguns ilícitos. Há quem entenda que estas últimas não podem ser enquadradas como organizações criminosas empresariais, nem podem ser punidas da mesma forma. É o que Heloísa Estellita[25] elenca como empresa ilícita – a primeira – e criminalidade de empresa – a segunda.

A última forma de organização criminosa elencada pelo doutrinador, a endógena, atuaria dentro do próprio Estado, sendo formada por políticos e agentes públicos, com a finalidade de cometer crimes contra a administração pública.

Com relação à forma endógena, é fato notório que dentro do Brasil uma das principais atividades criminosas cometidas contra a administração pública é a corrupção, a qual sempre esteve presente, mas nos últimos anos tem tomado proporções imensuráveis, com grandes esquemas envolvendo corrupção e fraudes.

É possível constatar que esses esquemas são realizados por verdadeiras organizações criminosas, sendo que suas atividades trazem prejuízos e ofendem a sociedade como um todo, ainda que indiretamente.

Não raro os integrantes dessas organizações, por serem políticos ou agentes públicos, possuem grande poder dentro do Estado, de modo que suas atividades envolvem volume de dinheiro muito alto, que precisa muitas vezes ser camuflado ou transferido ao exterior. Por este motivo, é muito comum essas organizações estarem ligadas a esquemas de lavagem de dinheiro -outro fato notório-, que tem como objetivo dar uma aparência lícita ao dinheiro, criando verdadeiros obstáculos e desafios aos órgãos investigatórios.

Ainda no âmbito dos esquemas de fraude e corrupção investigados e processados nos últimos anos, se desenvolveu o instituto chamado de colaboração premiada – ou, para alguns, delação premiada-, que vêm sendo utilizado cada com mais frequência e tem tido grande repercussão na mídia.

Ainda quanto ao estudo das características das organizações criminosas, Luiz Flávio Gomes descreve outra classificação.

O professor divide as organizações criminosas nacionais em três grupos[26]. Dentro do primeiro grupo estariam as organizações comandadas por poderes criminais privados ou paraestatais, citando como exemplo o PCC, o Comando Vermelho e demais organizações que possuem como atividade o narcotráfico. No segundo grupo estariam as organizações comandadas por políticos e agentes públicos, sendo a principal atividade a prática de crimes contra a administração pública. Por fim, no terceiro grupo estariam as organizações comandadas pelos poderes financeiros e econômicos, com a finalidade de praticar crimes econômicos.

Ainda, Luiz Flávio Gomes destaca que não há organizações criminosas do tipo mafiosas no Brasil.

Comparando as classificações trazidas por Marcelo Batlouni Mendroni e Luiz Flávio Gomes, verifica-se grandes semelhanças entre elas, de modo que pode se integrar as classificações umas às outras.

Nada obstante, é possível encontrar nas organizações criminosas algumas características básicas, como: a grande acumulação de poder econômicos de seus integrantes; o alto poder de corrupção de agentes públicos; a necessidade de tornar lícito o lucro obtido, por meio de lavagem de dinheiro; o alto poder de intimidação, que ocorre tanto com relação aos seus membros quanto a terceiros, muitas vezes com o uso de violência; o uso de conexões locais e internacionais, bem como a divisão de territórios para atuação; a existência de divisão de tarefas e hierarquia. Em resumo, essas são as características elencadas pelo doutrinador Eduardo Araujo da Silva[27].

2.3. PRINCIPAIS ATIVIDADES

Com relação às principais atividades das organizações criminosas, algumas infrações penais são citadas por toda doutrina, como o tráfico de entorpecentes, armas e pessoas, contrabando e descaminho, receptação, jogos de azar, extorsão, fraudes dos mais diversos tipos, corrupção, promoção e favorecimento à prostituição, falsificação, sequestro de pessoas, golpes econômicos, cartelização, roubo, furto, ameaça, crimes cibernéticos, tráfico de influência, homicídio, lesão corporal e lavagem de dinheiro.

Sabe-se que uma organização criminosa pode ou não praticar todos esses crimes simultaneamente, podendo praticar um ou outro, dependendo de seus objetivos, características, localização e necessidades. Ainda, verifica-se que alguns crimes são cometidos apenas como forma de assegurar o resultado de outros crimes praticados pelas organizações.

Interessante classificação é trazida por Mendroni[28], que divide os crimes em três grupos: os principais, os secundários e a lavagem de dinheiro.

Assim, é possível se afirmar que os crimes principais são aqueles praticados visando o objeto da organização, que, de forma geral, é a obtenção dinheiro e poder. Já os secundários são os crimes de suporte, que servem para garantir o êxito da atividade principal, a continuidade da organização e a impunidade de outros crimes praticados. Por fim, tem-se a lavagem de dinheiro, que será abordada logo em seguida.

Apesar das inúmeras infrações penais praticadas pelas organizações criminosas, algumas merecem destaque, motivo pelo qual serão abordadas rapidamente, sendo elas: o tráfico de drogas e de armas, a extorsão, a lavagem de dinheiro e a prática de fraudes e de corrupção no setor público.

Quanto ao tráfico de drogas, verifica-se que o aumento descontrolado do número de usuários de drogas nas últimas décadas, fez esta ser uma das atividades mais lucrativas existentes, estando presente na maioria das organizações criminosas[29]. Trata-se de uma atividade transnacional – que divide os países em produtores e compradores – e que vêm atraindo muitas pessoas, que se arriscam a vender e a transportar as drogas em uma tentativa de melhorar de vida rapidamente.

No Brasil, o tráfico de drogas está tão arraigado se que estima que desde a publicação da Lei de Drogas[30] até o ano de 2012, houve um crescimento de 307% da população carcerária presa por tráfico de drogas, sendo o crime com a maior quantidade de condenações, superando as condenações por crimes patrimoniais[31]. Cumpre ressaltar que, apesar do tráfico de drogas ser uma das atividades praticadas por organizações criminosas, nem todos os condenados são necessariamente integrantes de alguma organização.

O tráfico de armas surge, naturalmente, da necessidade que os criminosos possuem de se armarem para a pratica de crimes, bem como para se protegerem de criminosos rivais e da repressão policial. Grande parte da demanda por armas decorre do tráfico de drogas, e cresce cada vez mais a cada dia. Em que pese o tráfico de drogas ser a atividade que mais movimenta dinheiro, o tráfico de armas é considerado o mais lucrativo[32].

Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC)[33], estudos realizados em 2013 apontam que o Brasil encontra-se na 7ª posição dos países com mais mortes por arma de fogo, o que gera grande preocupação com relação ao tráfico ilícito de armas no Brasil.

Com relação à extorsão, é considerada uma das principais atividades das organizações criminosas do tipo mafiosas[34]. A extorsão consiste em ameaçar e amedrontar as vítimas, inclusive com o uso de violência, sendo que caso as vítimas contribuam com dinheiro, a organização irá fornecer proteção. O não pagamento da contribuição é que gera a punição, ou seja, a violência.

No Brasil, vê-se diariamente comerciantes e empresários sendo extorquidos por criminosos. Em algumas – e não raras – situações, as ameaças ocorrem de dentro de presídios, através do uso de celulares.

Já a lavagem de dinheiro é considerada uma atividade extremamente essencial às organizações criminosas[35]. Trata-se de dar aparência lícita a aquele dinheiro obtido de forma ilícita, a fim de possibilitar a reinserção do dinheiro na economia.

A doutrina divide a lavagem de dinheiro em três fases: a ocultação, a dissimulação e a integração[36]. Além disso, são utilizadas as mais diversas técnicas na lavagem de dinheiro, as mais comuns de serem encontradas ao estudarmos o assunto são as seguintes: utilização de contas de terceiros, envio dos valores para contas anônimas em paraísos fiscais, empresas fantasmas e aquisição de bens, como imóveis, automóveis e obras de arte. Essas técnicas, com o auxílio da evolução tecnológica, estão cada vez mais sofisticadas, de modo que o combate à lavagem de dinheiro mostra-se um verdadeiro desafio.

A quantidade de valores movimentados pela lavagem de dinheiro é assustadora. Nas palavras de Marco Polo Levorin[37]: “estima-se que a lavagem de dinheiro envolva hoje entre 2% e 5% do PIB mundial, ou entre 800 bilhões e dois trilhões de dólares, sendo que alguns falam em 10% do PIB global”.

Neste cenário, verifica-se a grande importância do combate à lavagem de dinheiro. No Brasil, a unidade de inteligência responsável pela gestão de dados, planejamento estratégico e ações de inteligência no combate à lavagem de dinheiro é o Conselho de Controle de Atividades Financeira, o qual deve comunicar operações suspeitas ao Ministério Público e à Polícia Federal.

Por fim, têm-se a corrupção e as fraudes no setor público, que trazem prejuízos a toda sociedade, motivo pelo qual devem ser combatidas com prioridade e diligência.

Sabe-se que a corrupção envolve diversos crimes praticados contra a administração pública, usualmente chamados de “crimes do colarinho branco”. Como já visto anteriormente, muitas organizações criminosas têm como característica a infiltração de agentes no setor público, ou a corrupção de agentes deste.

As fraudes e corrupções geralmente estão ligadas a contratos e licitações envolvendo a administração pública. Recentemente alguns escândalos envolvendo políticos e agente públicos tiveram grande repercussão na mídia, impressionando a sociedade pelo volume de dinheiro movimentado e pela ligação com agentes de alto escalão do governo.

É possível citar aqui alguns exemplos de casos famoso, como o do Banestado, Mensalão, a Máfia dos Fiscais e as Operações Sanguessuga, Satiagraha, Navalha.

É importante pontuar, neste momento, a definição entre organizações criminosas, aparatos organizados do poder ou mesmo crime organizado dos poderosos e os chamados crimes de “colarinho branco”.

O termo crime de “colarinho branco” refere-se aqueles crimes praticados por sujeitos que se veem como homens de negócios, altos executivos que praticam crimes ocultados pelos seus próprios instrumentos de negócios, como, por exemplo, contratos e licitações supervalorizadas, propinas e corrupção.

Os autores de crimes do “colarinho branco” possuem um status social alto, vale dizer: o sujeito ativo do referido delito não são aqueles das camadas mais baixas, tampouco de setores socialmente marginalizados.

Por esta razão, quase beira o impossível a prova de suas infrações, já que estes autores não praticam crimes violentos para obtenção do resultado pretendido, além de possuírem contatos com pessoas muito poderosas, de alto poder de influência, em especial politicamente.

Por sua vez, quando se pensa em criminalidade organizada propriamente dita, está a se referir aquela oposta desta. Seus autores não se preocupam em ocultar seus delitos uma vez que se reconhecem como criminosos e tem “orgulho” disso.

A própria sociedade os enxerga como delinquentes, diferente do “colarinho branco”, visto pela sociedade como um empresário de renome ou mesmo um excelente executivo.

Não se deve confundir a prática crimes organizados em detrimento de empresas estatais, em detrimento do social, do desvio de verbas públicas, da corrupção e da lavagem de dinheiro, com a prática de crimes através de grupos organizados com uso de violência, obtendo seus resultados em condutas nitidamente criminosas, como a exploração infantil, tráfico de drogas e armas[38].

Não rara as vezes, nos crimes ditos de “colarinho branco”, os autores se utilizam de aparatos do poder para a consecução de suas atividades ilegais, vale dizer: os chefes destas organizações se valem do poder que exercem, seja político ou financeiro, para a materialização das suas atividades ilegais, a exemplo do que o Brasil assistiu no caso da Operação Lava Jato.

Por fim, percebe-se que, na maioria dos casos, fica na sociedade uma sensação de impotência e um sentimento de impunidade, já que muitos dos investigados e processados são absolvidos ao final do processo, ou as penas aplicadas muitas vezes não condizem com a proporção dos esquemas. Pelo que se vê, os agentes corruptos não se sentem intimidados, já que não se percebe uma diminuição nos casos de corrupção, e sim um novo caso de corrupção sendo anunciado pela mídia todos os dias.

[1] GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 62-66 p.

[2] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São Paulo, Atlas, 04 ed, 2012. P. 317

[3] GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 75 p.

[4] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 254-256 p.

[5] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 254 p.

[6] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São Paulo, Atlas, 04 ed, 2012. 332 p.

[7] GOMES, Rodrigo Carneiro. O Crime Organizado na Convenção de Palermo. In: MESSA, Ana Flávia, CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. Crime Organizado. São Paulo: Saraiva, 2012. 653 p.

[8] GOMES, Rodrigo Carneiro. O Crime Organizado na Convenção de Palermo. In: MESSA, Ana Flávia, CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. Crime Organizado. São Paulo: Saraiva, 2012. 653 p.

[9]SILVA, Eduardo Araujo da. Crime Organizado: Procedimento Probatório. São Paulo: Atlas, 2009. 04 p.

[10] GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 73 p.

[11] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 254 p.

[12] OKAMOTO, Flávio. O Grupo Fronteira do GNCOC e o Combate ao Narcotráfico na Região de Fronteira. In: MESSA, Ana Flávia, CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. Crime Organizado. São Paulo: Saraiva, 2012. 680 p.

[13] LEVORIN, Marco Polo. Fenomenologia das Associações Ilícitas. In: MESSA, Ana Flávia, CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. Crime Organizado. São Paulo: Saraiva, 2012. 40 p.

[14] PORTO, Roberto. Crime organizado e sistema prisional. São Paulo: Atlas, 2007. 92 p.

[15] https://jornal.usp.br/atualidades/o-brasil-e-outros-paises-sao-refens-do-crime-organizado/. Acesso em: 22/02/2024.

[16] Ibidem.

[17] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.147-150 p.

[18] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 255 p.

[19] MESSA, Ana Flávia. Aspectos Constitucionais do Crime Organizado. In: MESSA, Ana Flávia, CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. Crime Organizado. São Paulo: Saraiva, 2012. 99 p.

[20] President’s Commission on Organized Crime (PCOC): Uma organização criminosa é constituída por pessoas que utilizam a criminalidade e violência e admite a utilização de corrupção para o fim de obter poder e dinheiro. Elas revelam as seguintes características: continuidade, estrutura, afiliação, criminalidade, violência, poder e dinheiro.

FBI – Federal Bureau of Investigation: Qualquer grupo tendo algum tipo de estrutura formalizada cujo objetivo primário é a obtenção de dinheiro através de atividades ilegais. Tais grupos mantêm suas posições através do uso de violência, corrupção fraude ou extorsões, e geralmente têm significante impacto sobre os locais e regiões do País onde atuam.

INTERPOL: Qualquer grupo que tenha uma estrutura corporativa, cujo principal objetivo seja o ganho de dinheiro através de atividades ilegais, sempre subsistindo pela imposição do temor e a prática de corrupção.

Definições citadas por MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São Paulo, Atlas, 04 ed, 2012. 27 p.

[21] LEVORIN, Marco Polo. Fenomenologia das Associações Ilícitas. In: MESSA, Ana Flávia, CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. Crime Organizado. São Paulo: Saraiva, 2012. 59 p.

[22] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São Paulo, Atlas: 04 ed, 2012. 20 p.

[23] Ibid.

[24] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São Paulo, Atlas: 04 ed, 2012. 21 p.

[25] ESTELLITA, Heloísa. Criminalidade de Empresa, quadrilha e organização criminosa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 62.

[26] GOMES, Luiz Flávio. Crime Organizado: O Brasil perdeu essa guerra? Disponível em <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/148484146/crime-organizado-o-brasil-perdeu-essa-guerra>. Acesso em 01/04/2015.

[27] Eduardo Araujo da Silva. Crime Organizado: Procedimento Probatório. São Paulo: Atlas, 2009. 15 p.

[28] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São Paulo, Atlas, 04 ed, 2012. 27 p.

[29] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São Paulo, Atlas, 04 ed, 2012. 121 p.

[30] BRASIL. Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.

[31] Portal da Transparência Carcerária e Observatório de Políticas sobre Drogas. Disponível em <http://www.justica.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=216>. Acesso em 01/04/2015.

[32] SILVA JUNIOR, Gaspar Pereira da Silva. Facção Criminosa. In: MESSA, Ana Flávia, CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. Crime Organizado. São Paulo: Saraiva, 2012. 139 p.

[33] ONU: Países da América Latina lideram índice de homicídios no mundo. Disponível em < http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/04/140410_homicidio_onu_mm>. Acesso em 02/04/2015.

[34] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São Paulo, Atlas, 04 ed, 2012. 33 p,

[35] SAADI, Ricardo Andrade. O Enfrentamento ao Crime Organizado Através do Combate à Lavagem de Dinheiro. In: MESSA, Ana Flávia, CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. Crime Organizado. São Paulo: Saraiva, 2012. 398 p.

[36] BADARÓ, Gustavo Henrique, BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos penais e processuais penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 25 p.

[37] LEVORIN, Marco Polo. Fenomenologia das Associações Ilícitas. In: MESSA, Ana Flávia, CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. Crime Organizado. São Paulo: Saraiva, 2012. 34 p.

[38] VIRGOLINI, Julio E. S: Crime Organizado: Criminologia, direito e política. Ensayos sobre crimen organizado y sistema de justicia, Depalma. Buenos Aires, 2001. p.48.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KUTZ, Thiago Eduardo. Criminalidade organizada: origem, definição doutrinária e características. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, Educação, Filosofia, História, Teologia, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2024, n. 2, aprovado e publicado em 25/01/2024. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/criminalidade-organizada-origem-definicao-doutrinaria-e-caracteristicas/. Acesso em: 28/10/2025.