A recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová no ornamento Jurídico Brasileiro

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito, Educação, Escrita científica, Linguística, Literatura, Neurociências, Psicologia, Psicologia Clínica

Este artigo foi revisado e aprovado pela equipe editorial.

Aprovado em 25/01/2024

15/01/2024

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Amanda Santos de Oliveira

Curriculo do autor: Bacharel em Direito. Pós-graduada em Direitos Humanos.

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Resumo

A introdução deste trabalho aborda o direito à vida como um direito fundamental, inviolável e inalienável previsto na Constituição Brasileira, enfatizando o princípio da dignidade da pessoa humana e seu papel na garantia dos direitos de personalidade e fundamentais. Além disso, explora-se a garantia constitucional da liberdade religiosa, que inclui a liberdade de religião, consciência e crença. O estudo examina a interação complexa entre a liberdade religiosa e o direito à vida, focando especificamente na recusa de transfusões de sangue por Testemunhas de Jeová por convicções religiosas. O objetivo é realizar uma análise doutrinária e jurisprudencial sobre como o ordenamento jurídico brasileiro lida com a recusa de transfusões de sangue no contexto do consentimento médico e dos direitos religiosos.

Palavras-Chave

Direito à Vida. Liberdade Religiosa. Recusa de Transfusão de Sangue

Abstract

The introduction of this paper addresses the right to life as a fundamental, inviolable, and inalienable constitutional right in Brazil. It emphasizes the principle of human dignity and its role in ensuring personal and fundamental rights. Additionally, it explores the constitutional guarantee of religious freedom, including freedom of religion, conscience, and belief. The paper then examines the complex interplay between religious freedom and the right to life, specifically focusing on Jehovah’s Witnesses' refusal of blood transfusions due to religious convictions. This study aims to provide a doctrinal and jurisprudential analysis of how Brazilian law navigates the refusal of blood transfusions within the context of medical consent and religious rights.

Keywords

Right to Life. Religious Freedom. Blood Transfusion Refusal

1. INTRODUÇÃO

O direito à vida está previsto e garantido como direito fundamental e cláusula pétrea na Constituição da República Federativa do Brasil.

Trata-se de um bem inviolável, irrenunciável, indisponível e inerente ao ser humano para a garantia de uma vida digna e deve ser visto sob o aspecto do princípio da dignidade da pessoa humana.

A noção de vida digna possibilita a garantia de todos os direitos de personalidade e direitos fundamentais.

Nesse mesmo sentido, o direito à liberdade religiosa também é assegurado constitucionalmente e, engloba a liberdade de religião, consciência e de crença. Entretanto, quando a liberdade religiosa entra em conflito com o direito à vida torna-se uma reflexão polêmica.

Isto porque há grande divergência entre a prevalência da autonomia/consentimento do paciente e o direito à vida sendo imposto um procedimento médico ao mesmo.

Sendo assim, pretende-se, nesse estudo, realizar uma análise doutrinária e jurisprudencial acerca da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová no ordenamento jurídico brasileiro.

2. A RECUSA A TRANSFUSÃO DE SANGUE

A comunidade religiosa conhecida por Testemunhas de Jeová, criada em 1872, no Estado da Pensilvânia, Estados Unidos, avançou na sociedade através de reuniões para estudo da bíblica, sendo os praticantes conhecidos por “Estudantes da Bíblia” e mais tarde por “Testemunhas de Jeová”.

Os praticantes da religião têm objeções claras quanto à transfusão de sangue, pois acreditam que em textos bíblicos está expressa a proibição. Silvia Mota (2007) afirma que tal fundamento é encontrado nas interpretações que são feitas em passagens da Bíblia, dentre elas:

Todo animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde, deveras vos dou tudo. Somente a carne com sua alma – seu sangue – não deveis comer (Gênesis, 9:3-4).

Assim, mesmo em risco de morte, as testemunhas de Jeová, renunciam o recebimento de sangue como forma de cumprimento das diretrizes bíblicas (Sociedade de Vigia de Bíblias e Tratados, 1995).

De forma geral, a recusa a procedimentos médicos encontra-se fundamento no ordenamento jurídico brasileiro, podendo o paciente não anuir com determinado tratamento, conforme art. 15 do Código Civil Brasileiro:

Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Ocorre que, há grande discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o impacto e a legitimidade da recusa de sangue, buscando auferir hierarquia entre o direito à liberdade religiosa e o direito à vida.

Nesse sentido, parte da doutrina defende que o direito à vida deve prevalecer sobre qualquer outro direito, não podendo ser lesado por outra pessoa, nem mesmo por seu titular, sendo a vida o bem jurídico de maior relevância tutelado pela ordem constitucional, pois o exercício dos demais direitos depende de sua existência (PINHO, 2002).

Por outro lado, aos que defendem a prevalência da liberdade de religião e a autonomia em relação a vontade de não ser submetido ao tratamento decorrente de recebimento de sangue, é utilizada as diretrizes estabelecidas pelos Enunciados 403 e 528 do Conselho da Justiça Federal (CJF), tendo em vista que não há, no Brasil, legislação acerca do tema.

O Enunciado 403 do CFJ estabelece que “o Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no artigo 5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b) manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante”.

Já o enunciado 528 traz o entendimento de que “é válida a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também chamado ‘testamento vital’, em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua vontade”.

Ademais, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução n. 2.232/19, buscando harmonizar a problemática e estabelecer parâmetros para a atuação médica:

Art. 2º É assegurado ao paciente maior de idade, capaz, lúcido, orientado e consciente, no momento da decisão, o direito de recusa à terapêutica proposta em tratamento eletivo, de acordo com a legislação vigente.
Art. 3º Em situações de risco relevante à saúde, o médico não deve aceitar a recusa terapêutica de paciente menor de idade ou de adulto que não esteja no pleno uso de suas faculdades mentais, independentemente de estarem representados ou assistidos por terceiros.
Art. 4º Em caso de discordância insuperável entre o médico e o representante legal, assistente legal ou familiares do paciente menor ou incapaz quanto à terapêutica proposta, o médico deve comunicar o fato às autoridades competentes (Ministério Público, Polícia, Conselho Tutelar etc.), visando o melhor interesse do paciente.
Art. 11. Em situações de urgência e emergência que caracterizarem iminente perigo de morte, o médico deve adotar todas as medidas necessárias e reconhecidas para preservar a vida do paciente, independentemente da recusa terapêutica.

Dessa forma, deve ser assegurado ao paciente, quando maior e em possibilidade de exercer sua vontade, o direito de recusa à transfusão de sangue, salvo em situações de iminente perigo de morte.

Há, portanto, mitigação do direito do exercício do direito de liberdade religiosa no ordenamento jurídico brasileiro atual.

3. PROCEDIMENTOS ALTERNATIVOS E PONDERAÇÃO DO DIREITO À VIDA E LIBERDADE RELIGIOSA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Com a recusa à transfusão de sangue pelas testemunhas de Jeová, surge a necessidade de analisar a possibilidade de utilização de métodos alternativos para proteção e restabelecimento da saúde e, consequentemente, da garantia do direito à vida.

Assim, as transfusões sanguíneas podem ser substituídas por técnicas de cirurgia sem sangue, resfriamento do paciente para reduzir suas necessidades de oxigênio durante uma cirurgia, além dos carreadores artificiais do oxigênio (Rocco et al., 2006).

As técnicas de substituição à transfusão de sangue são permitidas pelo Código de Ética Médico e pelos Tribunais Superiores, conforme se observar no Recurso Especial nº 1.391.469 – RS (BRASIL, 2014), no qual o Superior Tribunal de Justiça afirmou que os métodos alternativos são permitidos, exceto quando o paciente estiver em perigo de vida:

“A restrição à liberdade de crença religiosa encontra amparo no princípio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada a preservar à saúde da autora: é necessária porque em face do risco de vida a transfusão de sangue torna-se exigível e, por fim, ponderando-se entre a vida e a liberdade de crença, pesa mais o direito à vida, principalmente em se tratando não da vida de filha menor impúbere. Em consequência, somente se admite a prescrição de medicamentos alternativos enquanto não houver urgência ou real perigo de morte”. (STJ, Recurso Especial nº 1.391.469 – RS 2013/0202052-0 – Relator: Ministro Herman Benjamim, 28/11/2014).

No entanto, o uso de métodos alternativos se torna ainda mais complexo quando envolve o dever do Estado de promover o direito à saúde, ou seja, a convicção religiosa pode autorizar o custeio, pelo Estado, de tratamento médico indisponível no sistema público?

Tal questão encontra-se pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria, cuja Ementa respectiva, restou lavrada nos seguintes termos:

Direito constitucional e sanitário. Recurso extraordinário. Direito à saúde. Custeio pelo Estado de tratamento médico diferenciado em razão de convicção religiosa. Repercussão geral. 1. A decisão recorrida condenou a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus ao custeio de procedimento cirúrgico indisponível na rede pública, em razão de a convicção religiosa do paciente proibir transfusão de sangue. 2. Constitui questão constitucional relevante definir se o exercício de liberdade religiosa pode justificar o custeio de tratamento de saúde pelo Estado. 3. Repercussão geral reconhecida. (RE 979.742 RG, Rel. Min. Roberto Barroso, julg. em 29.6.2017, DJe 31.7.2017).

Ademais, também encontra-se em análise pelo Supremo Tribunal Federal, da possibilidade de paciente submeter-se a tratamento médico recomendado e disponível na rede pública sem a necessidade de transfusão de sangue, em respeito aos direitos da liberdade religiosa e da dignidade da pessoa humana (RE 1.212.272 AL, Repercussão geral reconhecida).

Assim, é esperado que a Suprema Corte, ao julgar os referidos casos, delimite e se manifeste sobre o direito autodeterminação das testemunhas de Jeová de submeterem-se a tratamento médico realizado sem transfusão de sangue, em razão da sua consciência religiosa disponível na rede pública de saúde, bem como nos casos de procedimentos indisponíveis no fornecimento pelo Estado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09/10/2023.

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______. Enunciado nº 403 – V Jornada de Direito Civil. Disponível em:<http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/207 >. Acesso em: 20/10/2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.391.469 RS 2013/0202052-0. Brasília, 2014. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/154038925/recurso-especial-resp1391469-rs-2013-0202052-0. Acesso em: 15/10/2023.

______. Supremo Tribunal Federal. RE 1212272 RG/AL – ALAGOAS. REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Brasília, 2020. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/repercussaogeral11062/false. Acesso em: 20/10/2023.

MOTA, Silvia. Testemunha de Jeová e transfusão de sangue. Disponível em: <http://www.silviamota.com.br/enciclopediabiobio/testemunhajeova/testemunha-jeova.htm>. Acesso em 01.12.2023.

Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Cuidados com a Família e Tratamento Médico para as Testemunhas de Jeová. São Paulo: Watchtower Bible and Tract Society of New York; International Bible Students Association, Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1995.

PINHO, Rodrigo César Rebelo. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

ROCCO, José Rodolfo; SOARES, Márcio; ESPINOZA, Rodolfo Andrade. Transfusão de sangue em terapia intensiva: um estudo epidemiológico observacional. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v.18, 2010.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Amanda Santos de. A recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová no ornamento Jurídico Brasileiro. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciências Humanas, Direito, Educação, Escrita científica, Linguística, Literatura, Neurociências, Psicologia, Psicologia Clínica, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2024, n. 2, aprovado e publicado em 25/01/2024. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-recusa-de-transfusao-de-sangue-por-testemunhas-de-jeova-no-ornamento-juridico-brasileiro/. Acesso em: 24/04/2025.