À Proteção de dados pessoais como um direito fundamental autônomo

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

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Revisor: C.E.R. em 2025-10-24 10:32:25

Submissão: 23/10/2025

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Samanda Pereira Santos

Curriculo do autor: Graduada em Direito pelo Centro Universitário Dom Bosco (UNDB). Advogada. Assessora da Procuradoria Geral de Justiça do Maranhão. Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade CERS. Pós-graduada em Direito Privado e Pós-graduanda em Direito Público pela Faculdade Legale de São Paulo.

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Resumo

O presente estudo tem como objetivo examinar a proteção de dados pessoais sob a ótica de um direito fundamental autônomo. A questão central consiste em identificar os instrumentos necessários para garantir a efetividade plena e imediata desse direito, considerando que sua inserção expressa na Constituição Federal representa um passo decisivo para sua consolidação no ordenamento jurídico brasileiro. Busca-se, portanto, compreender a importância do reconhecimento da proteção de dados pessoais como direito fundamental independente, bem como analisar o papel da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) na estruturação de sua tutela jurídica. No que concerne ao método científico, adota-se o método dedutivo, partindo-se de premissas gerais para a formulação de conclusões específicas mediante raciocínio lógico. A técnica de pesquisa utilizada é a bibliográfica, fundamentada em fontes doutrinárias, normativas e estudos indiretos pertinentes à temática.

Palavras-Chave

sociedade da informação. direitos fundamentais. dados pessoais.

Abstract

This study aims to examine the protection of personal data from the perspective of an autonomous fundamental right. The central issue lies in identifying the necessary mechanisms to ensure the full and immediate effectiveness of this right, considering that its explicit inclusion in the Federal Constitution represents a decisive step toward its consolidation within the Brazilian legal system. The research seeks to understand the importance of recognizing personal data protection as an independent fundamental right and to analyze the role of the General Data Protection Law (LGPD) in structuring its legal safeguards. Regarding the scientific method, the study adopts a deductive approach, moving from general premises to specific conclusions through logical reasoning. The research technique employed is bibliographical, based on doctrinal sources, legislation, and indirect studies relevant to the topic

Keywords

information society; fundamental rights; personal data.

1 INTRODUÇÃO

A sociedade da informação caracteriza-se pelo avanço tecnológico voltado ao tratamento de dados e pela centralidade da informação e do conhecimento como motores de desenvolvimento. O presente estudo tem por objetivo analisar os novos paradigmas decorrentes desse contexto, com ênfase na tutela do direito fundamental à proteção de dados pessoais. Parte-se da seguinte indagação: quais os meios necessários para assegurar a efetividade desse direito?

No Brasil, a promulgação da Lei nº 13.709/2018,  Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), representou marco essencial na defesa da privacidade, da liberdade e do livre desenvolvimento da personalidade, ao mesmo tempo em que buscou incentivar a inovação tecnológica e o crescimento econômico mediante regras para o uso adequado das informações pessoais.

Entretanto, a expansão das tecnologias de informação intensificou o volume e a circulação de dados, ampliando também os riscos de uso indevido ou abusivo. Assim, tornou-se necessário redefinir os contornos da privacidade e reconhecer a proteção de dados pessoais como direito fundamental autônomo.

O estudo tem como objetivo geral examinar as condições para a efetiva garantia desse direito e, de forma específica, analisar suas relações com a privacidade, discutir seu reconhecimento constitucional e avaliar o tratamento conferido pela LGPD.

A justificativa repousa na relevância acadêmica, social e pessoal do tema. Sob o aspecto científico, evidencia-se a importância da atuação jurídica na efetivação dessa proteção, fundamental para a adequação das instituições às exigências contemporâneas. No campo social, destaca-se a contribuição da Constituição Federal e da LGPD para a segurança e eficiência na gestão de dados. A motivação pessoal surgiu a partir de notícias sobre vazamentos massivos de informações, revelando a vulnerabilidade dos cidadãos no ambiente digital.

A pesquisa adota o método dedutivo, partindo da análise geral do direito à privacidade para o estudo específico da proteção de dados pessoais e do papel da LGPD, com base em levantamento bibliográfico de obras jurídicas e artigos científicos.

 2 DESENVOLVIMENTO

2.1  A proteção de dados pessoais como um direito fundamental autônomo

Na sociedade da informação, em que a circulação de dados se tornou eixo da economia e instrumento de controle social, a proteção dos dados pessoais enfrenta duas forças de pressão. A primeira decorre do Estado, que busca ampliar o acesso a informações individuais sob o argumento de promover segurança e saúde pública; a segunda provém do mercado, movido pelo valor econômico que os dados dos consumidores representam (GEDIEL; CORRÊA, 2008, p. 145).

Sob o pretexto de garantir a segurança pública, o Estado recorre a tecnologias de vigilância e monitoramento de deslocamentos. No campo da saúde, amplia o tratamento de dados sensíveis para fins de prevenção e controle de doenças. Já o setor econômico utiliza dados como recurso competitivo essencial. Entretanto, ainda que esses usos possam gerar benefícios sociais e econômicos, é indispensável que o acesso e a manipulação de informações pessoais sejam limitados por regras de proteção e transparência (GEDIEL; CORRÊA, 2008, p. 146).

Nesse cenário, a sociedade informacional redefiniu a infraestrutura de gestão de dados e expôs novos desafios à proteção de informações pessoais. A monetização desses dados permite a criação de perfis completos de indivíduos, com potencial de manipulação e violação de direitos fundamentais, o que evidencia a necessidade de normas específicas que assegurem a autonomia do direito à proteção de dados pessoais (BIONI, 2019, p. 100-101).

Conforme o artigo 2º da Diretiva Europeia 95/46/CE, de 24 de outubro de 1995, consideram-se dados pessoais “qualquer informação relativa a pessoa singular identificada ou identificável”, sendo identificável “aquela que possa ser reconhecida direta ou indiretamente, por meio de número, código ou elemento de sua identidade física, econômica, cultural ou social” (UNIÃO EUROPEIA, 1995, não paginado). Assim, entende-se como dado pessoal toda informação vinculada a um indivíduo, de modo direto ou indireto.

Mesmo quando desvinculados de identificação imediata, esses dados exigem proteção, pois a interconexão de informações na Internet facilita cruzamentos capazes de revelar identidades e vulnerar direitos da personalidade (VIEIRA, 2007, p. 228). DONEDA (2011, p. 94) observa que existe relação inversa entre a difusão de informações e o grau de proteção da privacidade: quanto maior o fluxo de dados pessoais, menor a salvaguarda da esfera íntima. Ainda que tal correlação não esgote a complexidade do fenômeno, revela que a tutela de dados pessoais é uma evolução natural do direito à privacidade.

Diante do uso massivo de tecnologias de controle, as garantias ligadas à privacidade devem ser interpretadas de forma mais ampla, abarcando as novas formas de coleta e tratamento de informações. Nesse contexto, viver em uma democracia digital pressupõe que o Estado assuma papel ativo na prevenção de abusos relacionados a registros, armazenamento e divulgação de dados (RUARO; RODRIGUEZ, 2010, p. 184).

O direito à privacidade clássica, voltado à ideia de “ser deixado só”, possuía caráter estático e negativo, exigia apenas abstenção de intromissões. Já o direito à proteção de dados pessoais assume natureza dinâmica, fundada na liberdade positiva e no controle consciente sobre as próprias informações (BIONI, 2019, p. 97).

A proteção de dados, enquanto direito fundamental, expressa a faculdade de cada indivíduo gerir a circulação de suas informações, o que constitui elemento central da liberdade e da autonomia pessoal. Essa prerrogativa envolve não apenas o controle do acesso, mas também a forma de tratamento, compartilhamento e utilização dos dados (RODOTÁ, 2003, p. 17). Embora esteja intimamente relacionada à privacidade, a proteção de dados configura um direito autônomo da personalidade, não sendo mera derivação da privacidade tradicional.

O âmbito de proteção desse direito abrange o sigilo e o não reconhecimento indevido de dados pelo Estado ou por terceiros, além do direito de conhecer os responsáveis pelo tratamento e a finalidade da utilização das informações. Tal delimitação, contudo, é complexa, pois o uso indevido de dados pode afetar simultaneamente outros direitos fundamentais (SARLET, 2018, p. 496). O direito à proteção de dados, portanto, aproxima-se da privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade, ao garantir a autodeterminação informativa.

A autodeterminação informativa surgiu na jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, no julgamento sobre o Censo de 1983, que reconheceu aos cidadãos o poder de decidir sobre o uso de seus próprios dados, vinculando esse controle ao livre desenvolvimento da personalidade (BIONI, 2019, p. 103;). O tribunal declarou inconstitucionais os dispositivos que autorizavam o compartilhamento e a comparação de informações coletadas, consolidando o princípio de que o uso de dados deve estar restrito à finalidade declarada.

Tal princípio reforça a ideia de que o direito à proteção de dados pessoais é autônomo, desvinculado da separação entre público e privado. Embora não constasse expressamente na Constituição, ele decorre de garantias como a liberdade, a igualdade, a dignidade da pessoa humana e a proteção à intimidade e à vida privada (DONEDA; MONTEIRO, 2015, p. 164).

Mesmo antes da Emenda Constitucional nº 115/2022, a ausência de menção explícita na Constituição não impedia seu reconhecimento como direito fundamental autônomo, já que o art. 5º, § 2º, prevê uma cláusula de abertura, permitindo o ingresso de novos direitos fundamentais com base em seu conteúdo material (SARLET, 2018, p. 1014).

No plano internacional, o tema é consolidado há décadas, especialmente na Europa, onde o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) sucedeu a Diretiva 95/46/CE, elevando o direito à proteção de dados à categoria de direito fundamental na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (MENDES; BIONI, 2019, p. 163). Esse movimento inspirou a criação de marcos regulatórios semelhantes em outros países, inclusive no Brasil.

Em âmbito nacional, a Proposta de Emenda Constitucional nº 17/2019 incluiu expressamente o direito à proteção de dados pessoais, inclusive digitais, no rol de direitos fundamentais, reconhecendo sua autonomia frente à privacidade e a necessidade de previsão constitucional específica (BRASIL, 2020).

O Supremo Tribunal Federal também consolidou esse entendimento ao julgar a MP 954/2020, que previa o compartilhamento de dados de usuários de telefonia com o IBGE. Nas ADIs 6.387 a 6.393, a ministra Rosa Weber suspendeu a medida por violar a intimidade e o sigilo de dados, destacando a ausência de delimitação de finalidade, de garantias de segurança e de mecanismos de proteção (BRASIL, 2020). O Plenário confirmou a liminar, reconhecendo pela primeira vez o direito fundamental à proteção de dados pessoais.

Segundo Mendes (2020, não paginado), a decisão fixou premissa essencial: não há dados insignificantes, pois qualquer informação pode identificar um indivíduo e ser usada para perfis informacionais. Em decorrência, a Emenda Constitucional nº 115/2022 inseriu o inciso LXXIX ao artigo 5º, conferindo status formal e material de direito fundamental à proteção de dados pessoais. Para Schreiber (2022), tal inclusão possui valor simbólico e reforça o vínculo entre a proteção de dados, a privacidade e a dignidade da pessoa humana.

Esse reconhecimento implica uma dupla dimensão: subjetiva, como direito de defesa contra intervenções indevidas; e objetiva, como dever do Estado de promover políticas e garantias que assegurem sua efetividade (SARLET, 2018, p. 496). Assim, o direito fundamental à proteção de dados pessoais consolidou-se como elemento indispensável ao exercício pleno da liberdade individual e à preservação da autonomia do cidadão.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018) representa o principal instrumento normativo de efetivação desse direito, estabelecendo princípios, fundamentos e sanções aplicáveis às relações públicas e privadas, de modo a equilibrar desenvolvimento tecnológico e respeito aos direitos fundamentais.

2.2 A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais como marco a proteção jurídica de dados

O núcleo principal da tutela de dados pessoais não está na proteção dos dados por si só, e sim, na pessoa que é titular desses dados. Nisso, a legislação que trata sobre proteção de dados é um marco regulatório para tutela do indivíduo em face do manuseio de dados ou informações pessoais por terceiros, seja pessoa física ou jurídica.

Antes de 2018, os dados pessoais no ordenamento jurídico brasileiro não se estruturavam em um complexo normativo único e eram tratados por lei setoriais, como, por exemplo, o Marco Civil da Internet, a Lei de Acesso à Informação Pública, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Cadastro Positivo, entretanto, tai leis ainda se mostravam frágeis no que tange a proteção do titular de dados pessoais (MENDES, 2019, p. 44).

Nessa celeuma, é sobremodo importante, agora, analisar os principais fundamentos e princípios que regem a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. A princípio, a LGPD, trata no artigo 1º que o objetivo de sua regulamentação é proteger os direitos fundamentais de liberdade, privacidade e o livre desenvolvimento da pessoa natural e, ainda menciona, o âmbito de aplicação da lei que abrange o tratamento de dados pessoais por pessoa natural ou jurídica, seja no âmbito físico ou digital (BRASIL, 2018).

Mais adiante, o artigo 2º aponta os fundamentos que estruturam a proteção de dados pessoais, destaca-se, a privacidade; a autodeterminação informativa; a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião, a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação; a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor, como também, os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (BRASIL, 2018).

No rol dos fundamentos, depreende-se que a privacidade possui a mesma hierarquia com os preceitos de desenvolvimento econômico e tecnológico, inovação, livre iniciativa e livre concorrência, pois a sistemática proposta pela LGPD busca proteger a privacidade dos dados pessoais, sem, contudo, impossibilitar o uso de dados para o desenvolvimento tecnológico e da inovação, elementos essenciais da sociedade da informação (CABRAL, 2019, p. 62). De outro lado, nota-se que os fundamentos trazidos pela LGPD têm uma correspondência clara, explícita ou implícita com a Constituição Federal.

Todo tratamento de dados pessoais, seja o realizado pelo setor público ou privado, a princípio está submetido a LGPD. Entretanto, o artigo 4º dispõe de algumas exceções a sua aplicação, assim, a LGPD não se aplica ao tratamento de dados pessoais realizado por pessoas naturais para fins exclusivamente particulares e não econômicos, como também para fins exclusivamente jornalísticos, artísticos, acadêmicos, de segurança pública, de defesa nacional, de segurança do Estado ou de atividades de investigação e repressão de infrações penais (BRASIL, 2018).

Por serem operações cotidianas, como, por exemplo, compartilhamento e armazenamento de contatos e e-mails, a inaplicabilidade da LGPD aos dados pessoais utilizados por pessoais naturais para fins exclusivamente particulares, explica-se pelo fato de que não há assimetria de informações nas interações entre relações pessoais sem finalidade econômica, ou seja, ainda que possa haver violação da privacidade, nesse caso, não se observa uma vulnerabilidade especifica do titular em face do uso de seus dados pessoais.

 Em se tratando dos fins exclusivamente jornalísticos, essa hipótese busca garantir a liberdade de impressa e o acesso à informação tendo em vista que a intervenção prévia do Estado na atividade jornalística poderia pôr em cheque o exercício pleno desta atividade, entretanto, se a atuação jornalística for exercida por uma empresa que integra grupo econômico e vier, por exemplo, a criar bancos de dados sem uma finalidade clara, as informações que foram coletadas estão sujeitas as regras da LGPD ( MENEZES; COLAÇO,  2019, p. 80-82).

No que se refere aos fins exclusivamente artísticos, prioriza-se a liberdade de expressão e de informação, mas estão sujeitas a uma reparação a posteriori em caso de lesão ou ameaça a direitos personalíssimos. Da mesma, a restrição da aplicação da lei para fins acadêmicos, por exemplo, para fins de pesquisa científica, se justifica pelo fato do controle e fiscalização da pesquisa serem feitos pelos próprios comitês de éticas. E por fim, em relação a não incidência da LGPD para fins exclusivos de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado ou de atividades de investigação e repressão das infrações penais, tende a garantir os interesses públicos e o combate às infrações penais, fraude digital e crime organizado, por exemplo (MENEZES; COLAÇO, 2019, p. 84-85).

Cabe ainda destacar que a referida lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais advindos de fora do território nacional e que não tenham sido objeto de comunicação ou uso compartilhado com agentes de tratamento brasileiros ou, ainda, objeto de transferência internacional de dados com outro país que não o de proveniência, desde que o país de proveniência proporcione grau de proteção de dados pessoais adequado ao previsto nesta Lei. (BRASIL, 2018). Ou seja, a exceção do artigo 4º, inciso IV, deve ser interpretada de forma restritivamente, já que a regra, é que se o tratamento de dados ocorrer em território nacional, deve-se aplicar a LGPD mesmo que os dados tenham origem no exterior (MENEZES; COLAÇO, 2019, p. 84-85).

Em se tratando dos princípios que regem a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, o artigo 6º elenca a boa-fé e determinados princípios que devem ser seguidos nas atividades de tratamento de dados pessoais, os quais são: finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas (BRASIL, 2018). A boa-fé objetiva, apresenta-se como uma forma de ressaltar que o tratamento de dados pessoais seja disciplinado pela ética e por padrões objetivos de lealdade apurados em cada caso concreto (MENDES, 2019, p.49).

A não discriminação é o princípio que veda o tratamento de dados pessoais para fins discriminatórios ilícitos e abusivos, deste modo, no uso de dados pessoais, sejam sensíveis ou não, tal princípio deve ser levado em consideração para que não gere nenhum tipo de desvalor ou indução na utilização desses dados (MULHOLLAND, 2018, p. 174). Sendo assim, aqui que se identifica a base de sustentação no tratamento diferenciado que é dado a categoria dos dados sensíveis.

A Lei Geral de Proteção de Dados tutela e identifica de forma diferenciada os dados pessoais e os dados pessoais sensíveis, conforme o artigo 5º, I, dado pessoal é toda “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável” ( BRASIL, 2018, não paginado) e o inciso II do mesmo artigo elenca que dado pessoal sensível se refere a “origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural” ( BRASIL, 2018, não paginado).

Aprofundando o exposto acima, os dados pessoais sensíveis englobam informações que se conhecidas ou repassadas, apresentariam um elevado potencial discriminatório ou lesivo aos seus titulares (DONEDA, 2010, p. 26).

Nessa vertente, a discriminação resultado do uso de informações sensíveis, por tratarem de grupos historicamente discriminados, torna mais difícil a esse agrupamento superar determinada situação prejudicial, como, por exemplo, a exposição de dados de saúde de um indivíduo, que pode influenciar em uma não contratação no setor trabalhista, ou também, pode impossibilitar a concessão de um contrato de seguro (MENDES; MARTTIUZZO, 2019, p.54). Notadamente, percebe-se que ao estabelecer a natureza sensível a um determinado dado, a LGPD buscou garantir um regime jurídico mais protetivo tendo em vista os riscos que englobam o tratamento de tais dados.

Diante do intenso fluxo de informações que pode ser agregado e utilizado para criar um perfil básico de hábitos de um determinado consumidor, é cada vez mais perceptível o caráter volátil dos dados pessoais. Nisso, o titular dos dados deve ter consciência a respeito dos atores que gerenciam suas informações pessoais, ou seja, deve haver o consentimento do titular (BIONI, 2019, p. 146). Com esse intuito, a LGPD ainda aborda de forma extensiva as condições de legitimidade para o tratamento de dados pessoais, pontuando como característica principal o consentimento do próprio titular do dado que deve ser válido, livre, informado, inequívoco e de acordo com uma finalidade determinada, conforme exposto acima (MENDES, 2019, p. 3).

No entanto, apesar da lei estabelecer hipóteses de dispensa de consentimento pelo titular no artigo 7º, §4º para dados tornados manifestamente públicos pelo titular, por outro lado, ela garante no artigo 7, §6º que mesmo nesses casos, o agente de tratamento de dados deve seguir as demais obrigações impostas pela lei, como também deve observar os direitos e princípios da LGPD (BRASIL, 2018). Mais uma vez, o titular dos dados pessoais possui papel de protagonista da Lei Geral de Proteção de Dados.

Diante de todo o exposto, por meio dos princípios e demais artigos arrolados acima, observou-se que a LGPD elencou através do controle dos dados pessoais, o consentimento como um dos principais protagonistas da proteção de dados pessoais. Todavia, a complexidade do fluxo informacional em conjunto com as limitações cognitivas do indivíduo para uma tomada racional de decisão sobre os seus dados pessoais, acaba impedido que os titulares dos dados sejam capazes de controlar as suas informações pessoais de modo racional (BIONI, 2019, p. 159).

Com isso, nota-se que a LGPD já é uma realidade para a sociedade e para empresas públicas e privadas que precisam se adequar a sua regulamentação, tendo em vista que é um importante marco legislativo para a proteção dados pessoais de forma completa e estruturada, como também possibilita a tutela de outros direitos fundamentais, como, por exemplo, privacidade, intimidade, honra, imagem, liberdade de expressão, de informação e do livre desenvolvimento da personalidade. Para isso, observa-se a importância da criação de uma autoridade nacional de proteção de dados para garantir de modo pleno a proteção dos dados pessoais.

3 CONCLUSÃO

A análise desenvolvida evidencia que a proteção de dados pessoais consolidou-se como um direito fundamental autônomo, indispensável à preservação da dignidade humana e ao livre desenvolvimento da personalidade, especialmente diante das transformações trazidas pela sociedade da informação. A circulação intensa de informações pessoais, impulsionada pelo avanço tecnológico e pela economia digital, impõe a necessidade de instrumentos jurídicos capazes de assegurar ao indivíduo o controle efetivo sobre seus próprios dados.

A autodeterminação informativa, derivada da jurisprudência constitucional europeia e incorporada ao ordenamento brasileiro, representa o núcleo conceitual desse direito, conferindo ao titular a prerrogativa de decidir sobre a coleta, o tratamento e o compartilhamento de suas informações. O reconhecimento formal e material do direito fundamental à proteção de dados pela Emenda Constitucional nº 115/2022 reforça essa autonomia, vinculando o Estado e os agentes privados a deveres positivos de respeito, transparência e segurança no tratamento de dados pessoais.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018) constitui o marco normativo dessa tutela, ao estabelecer princípios éticos, limites e mecanismos de responsabilização aplicáveis tanto à esfera pública quanto à privada. A LGPD equilibra a proteção dos direitos da personalidade com as demandas do desenvolvimento tecnológico e da inovação, reconhecendo que a privacidade e o progresso não são valores antagônicos, mas dimensões complementares de uma mesma realidade social.

Constata-se, contudo, que a efetividade desse direito depende da consolidação de mecanismos institucionais de fiscalização e educação digital, capazes de promover uma cultura de proteção de dados e de responsabilização dos agentes que tratam informações pessoais. A criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e o fortalecimento da governança digital são passos essenciais para assegurar que os direitos reconhecidos pela legislação sejam concretizados na prática cotidiana.

Conclui-se, portanto, que a proteção de dados pessoais não apenas complementa o direito à privacidade, mas o expande, constituindo um novo paradigma de tutela da pessoa humana na era digital. Ao garantir ao indivíduo o poder de autodeterminar o uso de suas informações, o ordenamento jurídico brasileiro reafirma o compromisso constitucional com a liberdade, a igualdade e a dignidade, fundamentos essenciais de um Estado Democrático de Direito adaptado aos desafios da sociedade informacional.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Samanda Pereira. À Proteção de dados pessoais como um direito fundamental autônomo. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17435216, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 24/10/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-protecao-de-dados-pessoais-como-um-direito-fundamental-autonomo-2/. Acesso em: 28/10/2025.