A problemática do sistema prisional e o lugar do indivíduo sociopata

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

Este artigo foi revisado e aprovado pela equipe editorial.

Revisor: C.E.R. em 2025-02-05 12:34:17

09/01/2025

Autores

Foto do Autor
Brenda Menegardo

Curriculo do autor: Graduada em Direito e especialista em Investigação Criminal e Psicologia Forense pela Faculdade Brasileira Multivix.

Insira o texto exatamente como deseja que apareça na sua declaração. Se for aprovado pela revista, sua declaração sairá conforme pré-visualização abaixo

Resumo

O presente artigo objetiva realizar algumas reflexões no que tange ao indivíduo portador do Transtorno de Personalidade Antissocial; apresentar a relação entre a sociopatia e mortes em série, cometidas por assassinos seriais, chamados Serial Killer; compreender suas características e diferenças em relação ao indivíduo psicopata; analisar as leis aplicadas na esfera nacional para crimes cometidos por esses criminosos; investigar seu lugar no âmbito do sistema penal, trazendo à baila sua responsabilidade jurídico-penal no ordenamento jurídico; expor a situação do sociopata no sistema carcerário brasileiro; propor a aplicação da escala de Robert Hare para identificação dos indivíduos recuperáveis e dos não-recuperáveis; bem como verificar a sanção adequada para o indivíduo portador de sociopatia.

Palavras-Chave

Transtorno de Personalidade Antissocial. Sociopatia. Serial Killer. Psicopata. Sistema Carcerário. Robert Hare.

Abstract

This article aims to carry out some reflections regarding the individual with Antisocial Personality Disorder; present the relationship between sociopathy and serial deaths, committed by serial killers, called Serial Killer; understand their characteristics and differences in relation to the psychopathic individual; analyze the laws applied at the national level for crimes committed by these criminals; investigate its place within the criminal system, bringing to the fore its legal-criminal responsibility in the legal system; expose the situation of sociopaths in the Brazilian prison system; propose the application of the Robert Hare scale to identify recoverable and non-recoverable individuals; as well as verifying the appropriate sanction for the individual with sociopathy.

Keywords

Antisocial Personality Disorder. Sociopathy. Serial Killer. Psychopath. Prison System. Robert Hare.

INTRODUÇÃO

Este estudo apresentará uma análise do sujeito sociopata dentro do sistema prisional brasileiro, analisando como as pessoas afetadas por esta doença não desenvolveram uma consciência e hábitos de respeito pelas leis e regulamentos que desencorajam o resto da sociedade a cometer atos antissociais, devido às características inerentes que tornam a socialização difícil ou impossível.

Para os sociopatas, as experiências normais de socialização são ineficazes, pois eles não desenvolvem o senso de moral, que é o mecanismo através do qual socializa-se com pessoas. Portanto, eles não conseguem estabelecer laços de nível pessoal e afetivo. Devido a um defeito congênito, eles podem verbalizar o que sabem de emoções sem realmente compreenderem o significado do que estão dizendo. Sociopatas são pessoas com um grave distúrbio psicológico; apesar de saberem que estão agindo errado, agem por impulso e podem até cometer crimes graves. Geralmente, esses sujeitos não se adaptam a nenhuma norma e fogem a qualquer padrão social estabelecido. Caracterizados pela crueldade e desprezo, eles não se importam com o sofrimento de outras pessoas e possuem comportamento cínico e depreciativo. Os sociopatas são qualificados por sua arrogância, que os faz pensar muito altivamente em sua personalidade, tornando-se seres superficiais. Da mesma forma, eles têm a característica de que podem não ser autossuficientes, até se tornarem sem-teto. Essas pessoas também podem ter passado muito tempo em instituições correcionais. Numerosos estudos apontam que os sociopatas “são feitos”, visto que sua personalidade é afetada pelo ambiente em que se desenvolveram e pela educação que receberam. Enquanto os psicopatas “nascem”, uma vez que o distúrbio de personalidade que sofrem é de origem genética.

No entanto, há quem afirme que a sociopatia também pode ser congênita. Contudo, ambos os tipos de personalidade compartilham dos mesmos traços, pois estes sujeitos usam a manipulação como uma de suas características, além de sentirem desprezo pela segurança e pelos direitos dos outros. A principal característica de um sociopata, a fim de diferenciá-lo de um psicopata, é que ele é compulsivo e emocionalmente instável. Geralmente, é menos paciente, mais agressivo e comete mais erros. Quando se trata de cometer um crime, violento ou não, os sociopatas agem compulsiva e deliberadamente, algo que não acontece com os psicopatas, pois seus crimes são mais calculados e geralmente planejam melhor suas ações.

O INDIVÍDUO PORTADOR DE SOCIOPATIA

O Transtorno de Personalidade Antissocial, habitualmente aludido como sociopatia, é um transtorno de personalidade caracterizado por comportamentos negativos persistentes, ausência de empatia com outros seres humanos e de remorso pelos seus atos, domínio e manipulação para obter vantagens para si próprio, bem como pela sensação de poder e controle.

Acerca do indivíduo portador de sociopatia, faz-se mister trazer à colação o entendimento do ilustre Trindade (2011, p. 149) que assevera que o Transtorno de Personalidade Antissocial é um padrão persistente da desconsideração e violação dos direitos dos outros, sendo o indivíduo incapaz de conformar-se às normas sociais, envolvendo aspectos do desenvolvimento adolescente e adulto. O indivíduo com esse transtorno não se beneficia com a punição; pelo contrário, não tem capacidade de se modificar através do aprendizado da experiência. É o transtorno que mais interessa aos operadores do direito, principalmente na área penal.

A CID 10 (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), publicada pela Organização Mundial de Saúde, assim define a sociopatia:

Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais e falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.

A característica básica do sociopata é não se enquadrar nos padrões sociais, não desfrutar das mesmas ideias de um bem comum e fazer tudo em função de satisfazer unicamente os seus desejos, sendo incapaz de amar e se colocar no lugar do outro. O sociopata é predador da própria espécie humana, tendo em vista que, entre espécie, é muito comum um animal matar o outro; o sociopata não tem nenhuma ligação afetiva com o fato de suas vítimas serem da mesma espécie. Ele usa quatro técnicas: mentir, manipular, fazer constrangimento – no sentido de impor sua vontade) – e violência.

Outrossim, impende destacar o entendimento dos ínclitos doutrinadores Benjamin J. Sadock; Virginia A. Sadock e Pedro Ruiz, os quais mencionam (p.748, 2017):

O transtorno da personalidade antissocial é uma incapacidade de se adequar às regras sociais que normalmente governam diversos aspectos do comportamento adolescente e adulto de um indivíduo. Embora se caracterize por atos contínuos de natureza antissocial ou criminosa, o transtorno não é sinônimo de criminalidade. […] Indivíduos com transtorno da personalidade antissocial frequentemente podem parecer normais e até mesmo simpáticos e lisonjeiro. Suas histórias, no entanto, revelam perturbação do funcionamento ou várias áreas da vida. Mentiras, vadiagem, fuga de casa, roubos, brigas, abuso de substância e atividades ilegais são experiências típicas que os pacientes relatam ter início já na infância.

Tal qual em qualquer alteração, há desde a sociopatia leve até a grave, como é o caso do Serial Killer. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, de 1 a 4% da população sofre com o Transtorno de Personalidade Antissocial. Dentro desta estatística, 1% se trata de Serial Killer e o restante, sociopatas. Os sociopatas de grau leve dificilmente assassinam, mas têm o hábito de mentir, são frios, racionais e desprovidos de consideração pelo sentimento alheio. De modo geral, são simpáticos, oportunistas, manipulares, trapaceiros e dissimulados de forma a transmitir uma aparência inocente, como o estelionatário, que impressiona a vítima para usá-la e chegar ao objetivo dele, totalmente diferente de quem mente para se sobressair. Embora este seja o nível de sociopatia mais comum, é o mais difícil de ser diagnosticado. O sociopata moderado não mata, nem se expõe, mas manda fazer, sem que precise “sujar as mãos”. Em geral, se envolvem com drogas, jogos, atos imprudentes, vandalismo e promiscuidade. Já o Serial Killer, sociopata grave, não manda, ele tem prazer em fazer.

DISTINÇÃO DO CONCEITO DE PSICOPATIA E DE SOCIOPATIA

Psicopata e sociopata são termos dados a indivíduos que, de tão impiedosos, são verdadeiros monstros que podem habitar nos mais temidos pesadelos. Hannibal Lecter, em “O silêncio dos Inocentes”, Norman Bates em “Psicose”, “Dexter” da série de TV americana, são alguns exemplos de pessoas das quais se deve manter distância. Por mais que tenham nomes diferentes, os psicopatas e os sociopatas, segundo a psicologia, possuem pequenas diferenças. São dois transtornos psicológicos muito semelhantes, porém existem peculiaridades de cada uma dessas variações que fazem com que uma pessoa se diferencie da outra. Psicopatas e sociopatas se assemelham em uma série de características que inclui falta de remorso e incapacidade de sentir culpa, desrespeitando as leis ou convenções sociais, e possuindo uma forte tendência a serem violentos e cometerem crimes sem piedade. Embora nem todos os psicopatas e sociopatas sejam violentos, uma característica fundamental de ambos é a sua natureza enganosa e manipuladora.

Comparados com os psicopatas, os sociopatas possuem emoções mais instáveis e também são impulsivos, isso faz com que tenham um comportamento mais irregular, deixando pistas de seus crimes pelo caminho, por estarem mais preocupados em realizar os crimes do que em escondê-los. Já os psicopatas, planejam com máximo cuidado as suas atitudes, observando cada detalhe, sem deixar nenhum sinal do ato cometido, são frios na cena do crime, matando sem mostrar emoção ou arrependimento.

Na psiquiatria, usa-se o termo psicopatia para ilustrar que a causa do transtorno de personalidade antissocial é hereditária, já a sociopatia é descrita por comportamentos que são resultados de uma lesão cerebral ou abuso e negligência na infância. Ou seja, os psicopatas nascem com este transtorno e os sociopatas são desenvolvidos durante a vida, através de educação, relações com a sociedade ou traumas.

Os psicopatas pensam que nunca serão flagrados, pois são extremamente discretos, se fingem de normais, se camuflam na sociedade à procura da próxima vítima; mas, mesmo assim, adoram a adrenalina que têm ao cometerem algo fora da lei; quanto mais difícil o crime, mais estimulados os psicopatas ficam, é como se fosse um vício difícil de abandonar, mas nada é considerado impossível, pois eles acreditam que são superiores ao restante da sociedade, logo, não precisam de muitos motivos para cometerem um crime; eles são sedentos por assassinatos, sentindo extremo prazer ao realizar de forma perfeita. Já os sociopatas, não se importam de serem flagrados, geralmente são presos, sendo até mesmo reincidentes criminosos; eles costumam ser cínicos, manipuladores, mentirosos, imaturos, ciumentos, possessivos e não fazem nenhuma questão de esconderem isso, o que faz com que sejam bem mais vulneráveis do que os psicopatas.

Se na sociedade os psicopatas querem ser vistos como pessoas bem-sucedidas, os sociopatas não fazem questão disso, pois são seres rebeldes e marginais, bem diferentes dos psicopatas que almejam possuir alguma riqueza que irá acobertar todos os seus crimes, funções que lhe dão poder são as mais apreciadas por eles, como líderes de empresas, policiais e políticos; já os hackers, terroristas e traficantes estão mais próximos à sociopatia; mas, não quer dizer que uma coisa necessariamente leve a outra.

O que nem sempre é compreendido é que o transtorno de personalidade não é uma doença, no sentido do que é de fato uma doença, haja vista que doença a pessoa tem e personalidade a pessoa é. Se trata de um transtorno estrutural da personalidade e admite gradações, inclusive autores anglo-saxões diferem psicopatas de sociopatas da seguinte forma: todo psicopata é um sociopata, tem um transtorno antissocial, mas nem todo antissocial é um psicopata, mesmo porque existem antissociais que são funcionais, na sociedade, mas os traços são os mesmos, quais sejam: frieza, indiferença pelos outros, incapacidade de aprender com a experiência – inclusive, com o castigo – e, no caso específico do Serial Killer, obtém vários tipos de prazer com a sua conduta, não só a sexual, mas também o prazer de ter completo domínio sobre outra pessoa, poder de vida e de morte. Na escola, essas pessoas apresentam problemas, mas também justificativas brilhantes; na adolescência, sexualidade precoce; na idade adulta, não conseguem manter vínculo empregatício, é como se o outro tivesse que lhe servir.

RELAÇÃO ENTRE SOCIOPATIA E MORTES EM SÉRIE

Crime não tem a ver com psiquiatria, loucura não significa violência, assim como maldade não é sinônimo de doença, o fato de um crime ser bárbaro não está associado diretamente a um transtorno mental. A maldade existente no mundo não ocorre por causa dos pacientes psiquiátricos, mesmo porque o crime tem muitas variantes, porém, sempre há um sociopata por trás disso. 

Um fato que mobiliou grande parte da população foram os atentados ao metrô de Londres, uma série de explosões que atingiram o sistema de transporte público da capital britânica, em 7 de julho de 2005, que resultou em 52 mortes e 700 pessoas feridas. Porém, insta destacar que esta é a quantidade de mortes violentas que ocorrem em menos de 2 semanas no Rio Grande do Norte, Estado brasileiro que computou 673 homicídios dolosos ao longo do primeiro semestre do ano de 2020. É notório que o sociopata está por trás dessas ocorrências. 

Quando há uma rebelião no presídio, por exemplo, quem acaba morrendo é o detento recuperável, porque o sociopata, aquele que articula o movimento todo, sempre sai ileso. 

A título exemplificativo, um homem-bomba talvez não seja um sociopata (pode ser, sim, um psicótico, doente mental), mas, com certeza, ele está sendo induzido e manipulado por um que seja. 

Em qualquer sociedade onde as instituições governamentais não sejam fortes para evitar que o sociopata seja “glamourizado”, com certeza o índice será muito maior. Durante um ano, morrem no Rio Grande do Norte cerca de 1.600 pessoas, fruto da violência, enquanto em Londres são 200, sendo uma diferença absurda. Isso se dá por haver no poder muitos com estilo sociopata que não estão preocupados se as pessoas estão perdendo suas casas, passando fome, morrendo em uma pandemia etc., por serem coisas que não dizem respeito a eles. Em fases de catástrofe, quebras financeiras e econômicas em um país, guerra, epidemia, sempre surgem lideranças sociopáticas que chegam como salvadoras da pátria com toda a sua inteligência. 

Adolf Hitler, principal instigador da Segunda Guerra Mundial na Europa e figura central do Holocausto, pregava a eliminação dos judeus da Alemanha e o estabelecimento de uma Nova Ordem para combater o que ele via como “injustiças pós-Primeira Grande Guerra”, em uma Europa dominada pelos britânicos e franceses. É possível identificar, através de sua biografia, traços de sociopatia incontestáveis. Na infância, levado a psicólogos e tratado com alto transtorno de bipolaridade, Hitler foi designado para tratamentos onde afirmavam ser grave seu caso, mas reversível, porém seu pai negou o tratamento. Com transtorno narcisista, desde criança Hitler acreditava ser um protegido divino e que pessoas impuras não eram dignas de viver no mesmo mundo que ele. Soma-se a isso o fato de ser histriônico, desde criança necessitava que suas ações fossem, no mínimo, enaltecidas. O megalomaníaco, com altos transtornos de psicose que explica sua busca insaciável por poder, usando argumentos divinos para manipular seus seguidores. Como um típico sociopata, Hitler tinha um senso de persuasão incomparável, era manipulador e meticuloso, com cada ato premeditado usando de momentos preciosos. Ele tinha padrões de vítimas, não deixava de ser cruel e fazer com que aqueles atos o engrandecessem, argumentando ser propósito divino. Hitler foi o maior Serial Killer existente na história e um dos mais inteligentes, pois conseguiu ser visto como herói por muitos.

Doutor Langer (1972, p. 171), psicanalista americano, conhecido pelo seu trabalho de análise psicológica de Adolf Hitler, relatou sobre seu provável comportamento no futuro e, dentre oito hipóteses, previu sua morte:

Hitler pode se suicidar. Esse é o desenlace mais plausível. Não só ele muitas vezes ameaçou se suicidar, bem como, do que sabemos de sua psicologia, é a possibilidade com mais chances de acontecer. É provável que ele tenha um medo exagerado da morte, mas, sendo um psicopata, poderia, sem dúvida, preparar o personagem do super-homem para o pior e realizar a ação. É quase certo, porém, que não seria um suicídio simples. Hitler é teatral demais para isso, e como a imortalidade é uma de suas intenções dominantes, podemos imaginar que ele encenaria a morte mais dramática e eficaz que fosse capaz de pensar. Hitler sabe como vincular as pessoas a ele, e, se não puder ter o vínculo em vida, com certeza fará o máximo para alcançar isso na morte. Ele pode até empregar algum outro fanático para realizar o assassinato às suas ordens.

Hitler já imaginou uma morte desse tipo, pois disse a Rayschning: “Sim, na hora do perigo supremo, devo me sacrificar pelo povo”. Do nosso ponto de vista, isso seria extremamente indesejável, porque, se feito com inteligência, fixaria a lenda de Hitler tão vigorosamente na mente do povo alemão que poderia levar gerações para erradicá-la.

O suicídio do líder nazista significou, com o disparo mais importante da Segunda Guerra Mundial, a libertação do mundo de um sociopata responsável pelas vinte milhões de vítimas diretas da atrocidade nazista. 

Um famoso assassino serial brasileiro, Francisco de Assis Pereira, também conhecido por Maníaco do Parque, conhecia cada milímetro do parque do Estado, foi por conta disso que ele conseguiu esconder por muito tempo seus crimes. Ele só foi descoberto pela polícia porque garotos que empinavam pipas pelo local encontraram pela mata pedaços de corpos de suas vítimas, que tinham sido estupradas, mortas e enterradas no local por ele. Ele conquistava e atraía as mulheres, logo depois vinha a sentença de morte, poucas conseguiram escapar. Quem vê Francisco, com sua voz baixa e olhar calmo, pode até acreditar em seu discurso que parece atuação. Após confessar o crime, o Maníaco do Parque disse que tudo começava pela manhã quando ele acordava com desejo que ultrapassava os limites do abuso e da morte, chegava ao ponto de devorar a carne das vítimas. Francisco estuprou e matou pelo menos seis mulheres e tentou assassinar outras nove.

A RESPONSABILIDADE JURÍDICO-PENAL DO SOCIOPATA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Para expender a responsabilidade jurídico-penal do indivíduo sociopata no ordenamento jurídico brasileiro, se faz necessário delinear o conceito de crime, de acordo com os critérios material, formal e analítico, bem como suas características e elementos. 

Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, conceitua-se crime sob três critérios: material, formal e analítico. 

Segundo o critério material, crime seria toda ação ou omissão humana que lesa, ou expõe a perigo de lesão, bem jurídico fundamental. 

De acordo com LUIZ ALBERTO MACHADO (1987, p.78), o conceito material de crime busca a essência do delito, mediante a fixação de limites legislativos de incriminação de condutas. 

Essa definição ignora por completo o que a lei diz acerca de crime, não levando em consideração seu conceito, por se apoiar unicamente em critérios, por exemplo, de direito natural. Então, se a conduta lesa ou expõe a lesão bem jurídico fundamental, será considerada crime segundo o conceito material, todavia, se trata de um conceito insuficiente para fazer tal definição. 

Ao lado do critério material, há o critério formal, que define crime como sendo o que a lei diz que é, se tratando de uma conduta meramente positivada, legal; então, aquilo que a lei disser que é crime, será considerado como tal.

Dentro do ordenamento jurídico, encontra-se uma tentativa de se conceituar crime no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, que decreta: 

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. 

A partir da leitura do texto do artigo 1º percebe-se que, na verdade, não é uma conceituação, e sim uma diferenciação entre crime e contravenção penal, porque o Direito Brasileiro adota o sistema dicotômico, cuja sistematização é a seguinte: existe o gênero (infração penal) e existem as espécies (crime e contravenção penal). Então, o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal é mais um critério distintivo, ele visa traçar diferenças entre a contravenção penal e o crime, e não necessariamente fornecer o conceito de crime. 

Nesse raciocínio, os ilustres doutrinadores GOMES; MOLINA e CUNHA prelecionam no sentido de:

Para se praticar um crime, formalmente, o agente precisa realizar a conduta descrita na lei pelo legislador, violando desse modo a correspondente norma penal. (…) O conceito formal de delito está vinculado ao princípio da legalidade (‘nullum crimen nulla poena sine lege’).

Logo, segundo o critério formal e o que diz a lei penal brasileira, crime é toda infração penal que a lei comine uma pena de reclusão ou detenção, com ou sem multa. É também um critério raso, impossibilitando que se explore afundo quais são os elementos do crime e como ele funciona. 

Por isso, a dogmática penal, ao longo dos anos, trabalhou baseada em um conceito que é utilizado atualmente, o qual está inserido no critério analítico de crime. 

No critério analítico, crime é conceituado de acordo com os elementos que o integram, logo, define-se crime como um conjunto de elementos de modo que, se no fato concreto estiver ausente um desses elementos, tal conduta não será considerada crime, porque elas visam basicamente excluir um desses elementos do crime, que quando ausentes estará atípica a conduta do sujeito e, por consequência, ele será absolvido.

Assegura LUIZ REGIS PRADO (2014, p.199):

A propósito do conceito analítico de delito, afirma-se com precisão que, na aplicação do Direito, esse conceito contribui de modo decisivo para a melhor visualização dos problemas e casos penais, assim como denota interesse prático imediato, manifestamente, na questão de dolo e da culpa; o erro, da omissão e da tentativa, do concurso de agentes e de crimes, das causas de justificação, das condições objetivas de punibilidade e, inclusive, na aplicação das sanções penais e medidas de segurança.

Dentro do critério analítico, pode-se definir crime de acordo com três conceitos: bipartite (formado por dois elementos), tripartite (formado por três elementos) e quadripartite (formado por quatro elementos). Segundo o conceito bipartite, crime seria um fato típico e ilícito (antijurídico). De acordo com o conceito tripartite, crime é fato típico, ilícito (antijurídico) e culpável. Já o conceito quadripartido de crime, são quatro elementos: tipicidade, ilicitude (antijuridicidade), culpabilidade e punibilidade. 

O conceito adotado dentro do Direito Penal Brasileiro, segundo a corrente majoritária, é o conceito tripartite de crime, dentro do critério analítico, que diz que crime é fato típico, ilícito (ou antijurídico) e culpável. Em linhas gerais, fato típico é o enquadramento da conduta na lei penal, a ilicitude é a relação de contrariedade dessa conduta em relação ao ordenamento jurídico, a culpabilidade é basicamente a capacidade de entendimento ou discernimento do agente concernente à ilicitude da sua conduta e a punibilidade é a possibilidade jurídica do Estado punir a conduta do sujeito quando, por exemplo, aquele crime ainda não foi prescrito. Se o fato não for típico, não é crime; se for típico, mas não for ilícito, também não é crime; se for típico e ilícito, mas não for culpável, não há que se falar em crime. Então, é necessário que se façam presentes esses três elementos para que se configure crime. 

No que tange a culpabilidade, impende transcrever o entendimento do exímio BITENCOURT (2003, p.14) que aduz:

A culpabilidade, como fundamento da pena, refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal.

Nesse raciocínio, insta destacar os requisitos para que se afira a culpabilidade, quais sejam: a imputabilidade, considerando que para que o agente seja culpável deve ser imputável; ter potencial consciência da ilicitude e ter possibilidade de agir, no caso concreto, de forma diversa. 

Imputar significa atribuir a alguém uma responsabilidade, logo, inimputável é aquele a quem não se pode atribuir responsabilidade. O Direito Penal classifica as pessoas em três categorias: imputáveis, inimputáveis e semi-imputáveis. Como regra, todos que cometem um crime são responsabilizados por ele, o Código Penal, no artigo 26, excetua os indivíduos que não podem responder por um crime, são eles:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Ou seja, são isentos de pena todos os indivíduos que não possuem um desenvolvimento mental completo, não tem capacidade de compreender o caráter ilícito dos seus atos e de se determinar por este entendimento.

Também são inimputáveis os menores de dezoito anos, conforme artigo 27 que preceitua:

Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Os menores de dezoito anos, mas maiores de doze anos, quando cometem uma conduta que está tipificada no Código Penal, ganham um tratamento especial: o ato passa a ser considerado infracional e não crime, ele não será tratado pelos Código Penal e Código de Processo Penal, será educado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Então, ele está sujeito a algumas sanções, medidas socioeducativas, alguma penalidade. Com relação aos menores de doze anos, não são atingidos pelo ECA, nem pelo Código Penal. 

As pessoas que se encaixam no enquadramento de inimputáveis, por não compreenderem, não estão sujeitas à pena de prisão e, sim, à uma medida de segurança, tratamento que pode ser uma internação (em clínicas ou manicômios judiciais) até que o indivíduo melhore, se cure, ou então ficar isolado para sempre, caso não tenha tratamento. Essa insanidade mental é muito difícil de ser atestada, inclusive o limite entre o que é são e insano é muito tênue, complexo até mesmo para os psiquiatras. 

O Código Penal, seguindo a orientação médica da época de 1940, traz dois requisitos que geralmente essas pessoas são submetidas quando da análise de um médico psiquiatra: se o indivíduo tem plena capacidade de entender o caráter ilícito da sua conduta – tiver noção da realidade, discernimento entre certo e errado – e se pode se determinar de acordo com esse entendimento – ocorre quando o indivíduo tem entendimento sobre o que é errado, mas não consegue agir de acordo com esse determinado pensamento –. Essas pessoas não são punidas pelo Direito Penal porque não tem controle sobre suas vontades, são impelidas a agirem dessa forma, devido a uma doença ou patologia. Ou seja, para que o indivíduo seja considerado inimputável, basta que seja classificado apenas como um desses dois. 

Já o indivíduo semi-imputável não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, ou seja, a pessoa não estava plenamente capaz, mas sobrou alguma capacidade de entendimento.

Também por este prisma é o entendimento do respeitável FABBRINI MIRABETE (p.205), que perfilha o mesmo pensar, ao asseverar que:

Embora se fale, no caso, da semi-imputabilidade, semiresponsabilidade ou responsabilidade diminuída, as expressões são passíveis de críticas. Na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma consciência na ilicitude da conduta, mas é reduzida a sanção por ter agido com culpabilidade diminuída em consequência das suas condições pessoais. O agente é imputável, mas para alcançar o grau de conhecimento e autodeterminação é lhe necessário maior esforço. Se sucumbe ao estímulo criminal, deve ter-se em conta que sua capacidade de resistência diante dos impulsos passionais é, nele, menor que em um sujeito normal, e esse defeito origina uma diminuição de reprovabilidade e, portanto, do grau de culpabilidade. 

Acerca da imputabilidade, TRINDADE (2011, p.176) assegura que os portadores de Transtornos de Personalidade Antissocial são sujeitos que, confirme já visto, não internalizam a noção de direito, transgressão e culpa, posicionando-se além das normas. Mesmo sendo fruto de uma condição patológica, não pode se configurar como uma doença clássica, sendo tais sujeitos capazes de entender o caráter ilícito de sua conduta, o que afasta a possibilidade de sua inimputabilidade.

Também por este prisma é o entendimento de SILVA (2008, p.37), ao dizer que: 

Esses indivíduos não são considerados loucos, nem apresentam qualquer tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou o pânico, por exemplo). Ao contrário disso, seus atos criminosos não provêm de mentes adoecidas, mas sim de um raciocínio frio e calculista combinado com uma total incapacidade de tratar as outras pessoas como seres humanos pensantes e com sentimentos. 

Impende destacar o entendimento de MARANHÃO (2008, p.87), que aduz: 

Não apresentam sinais de psicose de qualquer tipo. Seu pensamento é lógico e convincente. Expressam serenidade e bem-estar físico. Não se observam indícios de angústia ou ansiedade, fenômenos histéricos ou atos obsessivo-compulsivos. Comunicam impressão de absoluta tranquilidade.

Resta demonstrado o despreparo do sistema penal brasileiro concernente ao tratamento da imputabilidade de indivíduos com Transtorno de Personalidade Antissocial. O transgressor sociopata não pode ser tratado como um criminoso inimputável, pois enquanto este não possui discernimento para compreender a ilicitude do seu ato e de se determinar por este entendimento, o sociopata denota pleno gozo mental do que é certo e errado, de acordo com a lei. 

Medidas punitivas impostas a eles não surtem efeito, dado que os sociopatas não compreendem o que é a punição. Soma-se a isso o fato de que tendem a reincidir, após cumprirem a pena estabelecida. Sociopatas manifestam índices reiterados de crimes, chegando a ser o dobro em relação aos criminosos comuns e, se tratando de crimes com alto grau de agressividade, o acréscimo chega a ser o triplo.

SOCIOPATIA E O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

O Brasil precisa identificar os portadores de Transtorno de Personalidade Antissocial e criar presídios especiais, seguindo modelos de outros países. Separar os sociopatas dos criminosos comuns pode ser uma alternativa válida, mas também uma forma de segregação. As pesquisas realizadas pela psiquiatria sobre a sociopatia, indicam que seus portadores possuem uma forte tendência para transgredir as normas sociais e jurídicas. Além disso, podem influenciar de forma negativa os presos que não apresentam o transtorno.

Nesta perspectiva, foi apresentado um Projeto de Lei criado pela psiquiatra forense Hilda Morana, que estabelece a criação de presídios especiais para psicopatas com acompanhamento médico especializado, presídios desse tipo existem em países como Canadá e Inglaterra. O Governo brasileiro deveria conduzir o indivíduo sociopata a uma unidade prisional especializada de segurança máxima. 

Os profissionais que trabalham com a Interface entre Transtorno Mental e Justiça acreditam que tal segregação é semelhante ao que ocorria com portadores de Sofrimento Mental, como os esquizofrênicos. Antes da reforma psiquiátrica, eles passavam a vida internados em hospitais e colônias. Acredita-se que segregação e presídio são duas coisas que caminham juntas, que fazer uso de dispositivos e de testes com cunho científico para produzir segregação e estigma, vai na contramão do que entendem ser a possibilidade de tratamento e de inserção social. 

Dentro das prisões comuns não há um tratamento diferenciado para indivíduos sociopatas, principalmente porque há uma superlotação nos presídios, uma população enorme de pessoas privadas de liberdade e a atuação da psicologia e psiquiatria, quando há dentro dessas instituições, não consegue dar conta dessas especificidades, além da falta de autonomia desses profissionais realizarem determinadas atividades em sua prática dentro dos presídios. Outra problemática são alguns diagnósticos dados de forma errada dentro da atuação da psicologia no sistema prisional, o que é comum, pois associam a gravidade e a agressividade do crime à psicopatia, quando, às vezes, tem muito mais a ver com uma questão para além do próprio sujeito.

Para a psicóloga Rebecka Tannuss, não há possibilidade de cuidado dentro da privação de liberdade, seja no manicômio judiciário, seja na prisão, todo processo de isolamento e privação de liberdade traz para o sujeito mais sofrimento e impossibilidade dele ressignificar esse local dele. Não há viabilidade de tratamento diferenciado, nem cuidado específico para ninguém dentro da prisão. Existem pessoas morrendo, surtando, com crises de ansiedade, depressão e muito mais do que isso: existe muita gente se suicidando na prisão. Para ela, não há processo de cuidado e, sim, de mais dor e sofrimento.

A ESCALA DE ROBERT HARE

O psiquiatra canadense Robert Hare, especialista em sociopatia, criou um teste de sociopatas dentro da população carcerária, para separar os recuperáveis dos não-recuperáveis. É uma tabela simples, mas é possível separar o grau de comprometimento afetivo que aquele indivíduo tem, visto que ele não sente. Sociopatas passam facilmente pelo detector de mentira. Assim como eles têm uma alta resistência a dor, têm também uma incapacidade afetiva de manifestar sensações normais do corpo. Quando uma pessoa mente, aumenta o ritmo cardíaco; também há um tipo de suor diferente de calor que, quando passa em um aparelho específico, chamado teste galvânico, ocorre um aumento da condução de eletricidade por esse suor. O sociopata moderado passa por estes testes sem que haja alteração, tendo em vista que não têm reação afetiva.

Testifica Hare (1993, p.48):

A Psychopathy Checklist (Avaliação de Psicopatia) permite a discussão das características dos psicopatas sem o menor risco de descrever simples desvios sociais ou criminalidade ou de rotular pessoas que não têm nada em comum, a não ser o fato de terem violado a lei. Ela também fornece um quadro detalhado das personalidades perturbadas dos psicopatas que se encontram entre nós.

Os sintomas trabalhados por Hare através de sua escala são divididos em dois grupos: os sintomas emocionais/interpessoais e os desvios sociais; e sua escala de avaliação é composta por 20 itens, são eles:

1.     Loquacidade/Encanto superficial;

2.     Egocentrismo/ Grande sensação de valor próprio;

3.     Necessidade de estimulação /Tendência ao tédio;

4.     Mentira patológica;

5.     Direção/Manipulação;

6.     Falta de remorso e culpabilidade;

7.     Baixa profundidade dos afetos;

8.     Insensibilidade /Falta de empatia;

9.     Estilo de vida parasita;

10.  Falta de controle comportamental;

11.  Comportamento sexual promíscuo;

12.  Problemas de comportamento precoces;

13.  Falta de metas realistas a longo prazo;

14.  Impulsividade;

15.  Irresponsabilidade;

16.  Incapacidade de aceitar a responsabilidade das próprias ações;

17.  Várias relações conjugais breves;

18.  Delinquência juvenil;

19.  Revogação da liberdade condicional; 

20. Versatilidade criminal.

Eloquente e superficial, egocêntrico e grandioso, ausência de remorso ou culpa, falta de empatia, enganador e manipulador, emoções “rasas” são características     emocionais/interpessoais; impulsivo, fraco controle do comportamento, necessidade de excitação, falta de responsabilidade, problemas de comportamento precoces, comportamento adulto antissocial são características que Hare classifica como desvio social. 

Este questionário visa saber ponto a ponto da personalidade do psicopata ou do sociopata. É importante também buscar informações de familiares, pessoas que estiveram no convívio do indivíduo, até porque o passado faz parte do diagnóstico e através deste é possível identificar a personalidade psicopática e a probabilidade de reincidência. 

Segundo JORGE TRINDADE (2011, p.173), a escala Hare é de expressiva valia para constituir uma ajuda técnica, para que magistrados possam adotar medidas legais, com maior segurança em suas decisões. 

A colocação da Escala Hare vai ao encontro da necessidade de um novo tratamento penal a ser dado aos sociopatas no âmbito jurídico brasileiro, para que haja um tratamento eficaz a esses criminosos sem panorama de melhora.

SANÇÃO ADEQUADA PARA O INDIVÍDUO SOCIOPATA

Cabe ao Direito Penal editar normas de proteção de bens jurídicos fundamentais descrevendo comportamentos, previstos em lei, que provoquem lesão ou perigo de lesão e que tenham como consequência a aplicação de sanção, seja ela uma pena ou medida de segurança. 

A pena se caracteriza por ser uma sanção e deverá ser constatada a culpabilidade do agente, recaindo aos imputáveis e aos semi-imputáveis. As medidas de segurança têm como aliada a periculosidade do indivíduo perante a sociedade e o risco de incidência, reiteração, repetição, entre outros, pode ser aplicada aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis com necessidade de tratamento curativo. Assim como as penas, as medidas de segurança não podem ter natureza perpétua. 

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça se posicionou em relação à duração da medida de segurança de que, enquanto persistir a periculosidade do agente, deve-se manter retirado da sociedade. 

Os sociopatas podem acabar em sistemas prisionais comuns, onde eles serão capazes de manipular, ameaçar e enganar os outros presos, para benefício próprio. Podem ser líderes em potencial, chegando até mesmo a corromper agentes penitenciários. Num local onde dificilmente um indivíduo é ressocializado, ter um assassino sociopata como guia pode potencializar o problema, pois ele não conterá seu ímpeto. 

A medida de segurança não provoca resultado algum no sociopata, pois foi feita para indivíduos inimputáveis, que não possuem discernimento equilibrado. Não cabe aos imputáveis, como são os sociopatas, plenamente razoável e concentrados a tudo que acontece a sua volta, medida de segurança, tampouco, hospital psiquiátrico como meio optativo de punição.

A jurisdição brasileira precisa se atualizar quanto às sanções adequadas para os criminosos sociopatas reincidentes que repetem seus crimes desprovidos de remorso e sentimento de culpa. Defronte dessa problemática, considera-se que os sociopatas não podem ser tratados como indivíduos portadores de problemas mentais ou como criminosos comuns.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De forma muito diferente do que se imagina, o sociopata não tem sentimentos, não sente empatia, tampouco se coloca no lugar do outro. A característica essencial do Transtorno de Personalidade Antissocial é um padrão difuso em relação à violação dos direitos alheios, que se inicia na infância ou na adolescência e se perpetua pela idade adulta. Outra característica singular desse transtorno é a transgressão, o discurso manipulador para atingir seus objetivos. Um outro ponto é a tendência à falsidade, mentiras recorrentes com o intuito de obter ganhos pessoais.

Apesar de o senso comum colocar que os termos psicopatia e sociopatia têm o mesmo significado, há características bem distintas quanto a estes termos. A psicopatia é uma doença caracterológica, o que significa dizer que independente da sua idade, em geral na adolescência, o indivíduo tem consciência, lucidez, capacidade de julgamento, sabe da sua conduta errada e obtém, além de prazer, ganhos com essa conduta; é alguém que se utiliza de uma forma de transgressão social para obter algum tipo de ganho. O indivíduo psicopata possui uma síndrome comportamental que visa sempre satisfazer uma necessidade doentia e a satisfação desta necessidade é um crime, normalmente violento. Já a sociopatia, que se define como Transtorno de Personalidade Antissocial, o que está doente neste indivíduo é a falta de relação afetiva com o mundo externo, ou seja, ele vive só para si, é um egoísmo extremamente intenso e patológico.

Para ser culpável, o sujeito deve praticar um fato típico – ação ou omissão ajustado a um modelo legal de conduta –, antijurídico – vai de encontro ao modelo legal – e culpável – capacidade de entendimento ou discernimento do agente concernente à ilicitude da sua conduta –. Para ser imputável, o indivíduo deve possuir entendimento sobre o ato cometido e que sofrerá uma sanção sobre o ato. Assim, pode-se dizer que imputabilidade é a possibilidade de atribuir a responsabilidade de uma infração ao indivíduo. Os menores de dezoito anos, detentores de doença mental, possuidores de desenvolvimento mental retardado e vítimas de embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior são inimputáveis, se ao tempo da ação ou omissão eram inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do fato. Já os semi-imputáveis ao tempo da ação ou omissão são os que não tinham inteira capacidade de entender o fato, mas ainda assim entendiam algumas coisas que estavam acontecendo, bem como a embriaguez voluntária.

A responsabilidade penal é um fato de competência judicial, onde serão verificados outros aspectos e dados processuais, a fim de verificar se o indivíduo terá a obrigação de suportar as consequências jurídicas do seu crime e depende da imputabilidade para sua verificação. No Brasil, há divergência sobre a responsabilidade penal dos psicopatas. Para a doutrina, os sociopatas não podem e não devem ser considerados inimputáveis, mas, sim, imputáveis, posto que sua doença não é mental. Entendimento jurisprudencial conclui que os portadores do Transtorno de Personalidade Antissocial têm seu discernimento reduzido, devendo ser considerados semi-imputáveis. 

O sistema prisional brasileiro se mostra improdutivo no que concerne aos indivíduos sociopatas, posto que não dispõe de nenhum tratamento especial para estes criminosos. Além de não apresentarem melhora, na medida em que não aprendem com a punição, esses indivíduos pioram o triplo no que diz respeito aos crimes gravosos. Outra agravante é a influência que os sociopatas exercem sobre os criminosos comuns, manipulando-os para obter vantagem própria.

Da criação do Código Penal em 1940 até hoje, houve um progresso significativo das ciências neurológicas, da psiquiatria, e isso interfere principalmente na questão do direito, do dolo. Dessa forma, conclui-se pela reforma do Código Penal mais antenado com o que é a psiquiatria e das sanções adequadas para o indivíduo sociopata ante o ordenamento jurídico brasileiro.

REFERÊNCIAS

ATENTADOS de 7 de julho de 2005 em Londres. Wikipedia, 2020. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Atentados_de_7_de_julho_de_2005_em_Londres. Acesso em: 21 out. 2020.

 

Benjamin J. Sadock; Virginia A. Sadock; Pedro Ruiz; tradução: Marcelo de Abreu Almeida… [et al.]; revisão técnica: Gustavo Schestasky… [et al.]. Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria clínica [recurso eletrônico]: 11 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2017.

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral: volume

1. – 8. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2003.

 

BRASIL. Decreto-Lei n.º 3.914, de 9 de dezembro de 1941. Lei de Introdução do Código Penal. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n.º 8, p.1-74, 9 dez. 1941. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/del3914.htm#:~:text=Art%201%C2%BA%20Considera%2Dse%20crime,ou% 20ambas%2C%20alternativa%20ou%20cumulativamente.>. Acesso em: 30 out. 2020.

 

BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Da Imputabilidade Penal. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10637112/artigo27-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940>. Acesso em: 30 out.

2020.

BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Da Imputabilidade Penal. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10637167/artigo26-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940>. Acesso em: 30 out. 2020.

 

CECI, Mariana. Homicídios aumentam 10,3% no primeiro semestre de 2020 no RN. Tribuna do Norte, 2020. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/homica-dios-aumentam-10-3-noprimeiro-semestre-de-2020-no-rn/486117. Acesso em: 21 out. 2020.

 

CONHEÇA os diferentes níveis de sociopatia e o tratamento para o problema. Sbie, 2016. Disponível em: https://www.sbie.com.br/blog/conheca-osdiferentes-niveis-de-sociopatia-e-o-tratamento-para-o-problema/. Acesso em: 21 out. 2020.

 

DIFERENÇA entre psicopatia e sociopatia e suas características. Diferença, 2017. Disponível em: https://www.diferenca.com/psicopata-e-sociopata/. Acesso em: 21 out. 2020.

 

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antônio Garcia-Pablos de; CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal: Parte Geral, 2ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.126).

 

HARE, Robert D.; SALES, Denise Regina. Sem Consciência: O Mundo Perturbador dos Psicopatas que Vivem Entre Nós. 1ª ed. São Paulo:

ARTMED, 2012.

 

LANGER, Walter C. A Mente de Adolf Hitler: o relatório secreto que investigou o psique do líder da Alemanha nazista. Prefácio de Eurípedes Alcântara; tradução de Carlos Szlak – Rio de Janeiro: LeYa, 2008.

 

LUZ, Sabrina. PSICOPATIA e o sistema carcerário brasileiro – entrevista com especialistas. 2019. (10m35s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pJyoHSKCAdA. Acesso em: 09 nov. 2020.

 

MARANHÃO, Odon Ramos. Psicologia do Crime. São Paulo: Malheiros, 2008.

 

MIRABETE, Fabbruni. Manual de Direito Penal. V. 1. 7ª ed. – São Paulo: Atlas.

 

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. V. 1. 15ª ed. São Paulo: saraiva, 1983.

 

O que é sociopata? As 12 características para reconhecer. Psicanálise clínica, Campinas, 20 jan. 2019. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/reconhecer-um-sociopata/. Acesso em: 17 out. 2020.

 

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS) (Ed.). Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Transtorno_de_personalidade_antissocial. Acesso em: 17 out. 2020.

 

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas: O psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. 

 

TRANSTORNO de personalidade antissocial. Wikipedia, 2020. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_de_personalidade_antissocial. Acesso em: 21 out. 2020.

 

TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2011.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEGARDO, B. P. M. (ORCID 0009-0008-7002-8590) . A problemática do sistema prisional e o lugar do indivíduo sociopata. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.14811774, Joinville-SC, ano 2025, n. 4, aprovado e publicado em 05/02/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-problematica-do-sistema-prisional-e-o-lugar-do-individuo-sociopata/. Acesso em: 24/04/2025.