A moralidade administrativa como fundamento autônomo da ação de improbidade: parâmetros constitucionais, limites de objetividade e aplicação judicia
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Resumo
O trabalho examina a possibilidade de utilização direta e autônoma do princípio da moralidade administrativa, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, como fundamento suficiente para o ajuizamento e para o julgamento de ações de improbidade administrativa. Parte-se da constatação de que a Constituição de 1988 incorporou a moralidade administrativa ao núcleo essencial da Administração Pública e vinculou sua violação a consequências sancionatórias severas, como suspensão de direitos políticos, perda da função pública e ressarcimento ao erário, na forma da lei. Esses comandos constitucionais levaram à edição da Lei nº 8.429/1992, que estruturou um sistema de responsabilização destinado a proteger a probidade administrativa e a integridade do patrimônio público e social, imputando sanções aos agentes públicos e a terceiros que concorram para o ato ímprobo. O artigo sustenta que a moralidade administrativa não se restringe ao mero cumprimento formal da legalidade, mas opera como parâmetro de validade do ato administrativo e de responsabilização por condutas desleais, antiéticas ou desonestas, ainda que formalmente lícitas. Analisa-se, entretanto, a crítica doutrinária recorrente quanto à alegada vagueza e ao risco de subjetivismo na aplicação judicial do princípio, bem como o uso ainda hesitante desse fundamento, de modo expresso, em decisões condenatórias por improbidade. Defende-se, por fim, que a moralidade administrativa possui densidade normativa suficiente para servir como causa de pedir principal em ações de improbidade por violação aos deveres de honestidade
Palavras-ChaveMoralidade administrativa. Probidade administrativa. Improbidade administrativa. Constituição de 1988. Lei nº 8.429/1992. Interesse público. Responsabilização do agente público.
Abstract
This article examines whether the constitutional principle of administrative morality, established in Article 37 of the 1988 Federal Constitution as a binding standard for Public Administration, may serve as an autonomous and sufficient ground for filing and adjudicating actions for administrative improbity (improbidade administrativa). It begins by noting that the Constitution not only requires legality, impersonality, publicity, efficiency and morality in public management, but also imposes severe consequences for acts of improbity, such as loss of office, suspension of political rights and reimbursement of damages to the Treasury, under the terms defined by law. This constitutional mandate led to the enactment of Law No. 8.429/1992 (as amended), which establishes a system of liability to safeguard probity in the organization and functioning of the State and to protect public and social assets against disloyal, dishonest or abusive conduct by public agents and cooperating private actors. The article argues that administrative morality is not merely an ethical aspiration, nor a simple accessory to the principle of legality; rather, it is an enforceable validity condition of administrative action and a normative benchmark for sanctioning conduct that betrays the public interest, even in the absence of a formal legal violation. At the same time, it acknowledges doctrinal concerns regarding the alleged indeterminacy of the concept and the resulting judicial reluctance to ground condemnations explicitly on moralidade administrativa. The conclusion is that, provided the fact
KeywordsAdministrative morality. Administrative probity. Administrative misconduct. 1988 Federal Constitution. Law 8.429/1992. Public interest. Public official accountability.
1.INTRODUÇÃO
A percepção social de que o Brasil convive com esquemas reiterados de desvio de recursos públicos sem responsabilização adequada de agentes públicos e particulares vinculados ao Estado levou a uma progressiva centralidade do tema da improbidade administrativa no discurso político, jurídico e institucional. Essa inquietação social encontra resposta normativa expressa na Constituição da República de 1988, que “submeteu a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” e, ainda, estabeleceu, em seu § 4º do art. 37, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Esse ponto é decisivo: a Constituição não apenas afirma um catálogo de deveres ético-funcionais dirigidos à Administração Pública, como também atrela a violação desses deveres a um regime sancionatório próprio, severo e específico. Tal diretriz constitucional fundamenta a edição da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), “que disciplina as condutas que constituem improbidade administrativa”, voltada a proteger a probidade administrativa e a assegurar a responsabilização do agente que atue “em desfavor do erário e da sociedade”, inclusive prevendo sanções de ordem política, administrativa, civil e patrimonial.
O objeto deste artigo é analisar se o princípio constitucional da moralidade administrativa, inscrito no caput do art. 37 da Constituição, ao lado da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, possui densidade normativa suficiente para funcionar como fundamento autônomo de responsabilização em ações de improbidade administrativa, à luz da disciplina constitucional e da Lei nº 8.429/1992.
2.MORALIDADE ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
2.1 Inserção constitucional e relevância dogmática
A Constituição de 1988 inovou ao realizar a positivação explícita de princípios vinculantes da Administração Pública. Maria Sylvia Zanella Di Pietro identifica essa virada e destaca sua magnitude:
“Sendo o Direito Administrativo, em suas origens, de elaboração pretoriana e não codificado, os princípios sempre representaram papel relevante nesse ramo do direito, permitindo à Administração e ao Judiciário estabelecer o necessário equilíbrio entre os direitos dos administrados e as prerrogativas da Administração. (…) A Constituição de 1988 inovou ao fazer expressa menção a alguns princípios a que se submete a Administração Pública Direta e Indireta, a saber, os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade administrativa, da publicidade e eficiência (…).” (DI PIETRO, 2011, p. 64)
Do ponto de vista constitucional, portanto, a moralidade administrativa deixa de ser mera projeção ética ou expectativa de honestidade no trato da coisa pública e passa a assumir estatuto normativo vinculante, com natureza de parâmetro de validade da atuação administrativa e critério de responsabilização funcional.
Essa inserção não foi acidental. A própria Constituição, ao prever o regime sancionatório da improbidade administrativa no § 4º do art. 37, estabelece que a violação da probidade enseja consequências como a suspensão de direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, “na forma e gradação previstas em lei”. A lei a que se refere o texto constitucional é justamente a Lei de Improbidade Administrativa.
2.2 Historicidade e superação da leitura meramente moral
Embora a Constituição de 1988 tenha positivado explicitamente a moralidade administrativa como princípio, não se trata de criação absolutamente inédita na tradição jurídica brasileira. Cármen Lúcia Antunes Rocha ressalta:
“A despeito de ser a corrupção um dos males gravíssimos do Brasil, o princípio da moralidade administrativa, se não vinha expresso no sistema constitucional que precedeu à ordem promulgada em 5 de outubro de 1988, também não era estranho ao Poder Público brasileiro. No discurso legal, desde os primeiros momentos de sua existência, são adotadas as mais variadas práticas no Estado brasileiro sob o argumento de busca da moralidade pública.” (ANTUNES ROCHA, 1994, p. 216)
Ou seja, a moralidade já se projetava como exigência política de legitimidade do exercício do poder, mas a Constituição de 1988 converte essa exigência em dever jurídico e em parâmetro objetivo de controle judicial.
Esse deslocamento, de expectativa ética para dever jurídico de observância obrigatória, é central para compreender por que, hoje, não é mais correto reduzir a moralidade administrativa a um juízo subjetivo de reprovação moral.
3. A ORIGEM TEÓRICA DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E SUA TRANSPOSIÇÃO COMO PARÂMETRO JURÍDICO
A doutrina assinala que a estruturação do princípio da moralidade administrativa resultou de processo histórico no direito administrativo francês, em especial no pensamento de Maurice Hauriou. Em citação feita por Antônio José Brandão e resgatada por Antunes Rocha:
“Foi Hauriou, esse fecundo e operoso agitador de idéias, quem pela primeira vez falou em moralidade administrativa. Em uma das suas magistrais anotações aos acórdãos do Conselho de Estado (Caso Gomel, Paris: Sirey, 1917, v.3, p. 25), desenvolveu, com maior brilhantismo do que transparência, a seguinte tese audaciosa: a legalidade dos atos jurídicos administrativos é fiscalizada pelo recurso baseado na violação da lei; mas a conformidade desses atos aos princípios básicos da ‘boa administração’, determinante necessária de qualquer decisão administrativa, é fiscalizada por outro recurso, fundado no desvio de poder, cuja zona de policiamento é a zona da ‘moralidade administrativa’.” (ANTUNES ROCHA, 1994, p. 188)
Esse pensamento, posteriormente expandido, parte da premissa de que o Estado não é um fim em si mesmo; ele existe para servir ao interesse público. Emerson Garcia sintetiza esse ponto:
Hauriou “captara e desenvolvera a ideia de que o Estado não é um fim em si mesmo, mas sim, um instrumento utilizado em prol do interesse público, o que exigiria a construção de mecanismos que o mantivessem adstrito a esse fim, tendo concluído, a partir das decisões do Conselho de Estado ‘que os poderes da administração têm uma certa causa final que é o interesse público ou a boa administração, e que, se o administrador, no lugar de agir dentro do interesse geral, tomou sua decisão, seja sob a influência de um interesse particular a satisfazer, seja mesmo sob a influência de um interesse fiscal, há um desvio de poder e o ato deve ser anulado’.” (apud BAHENA, 2009, p. 107).
O salto conceitual relevante é o seguinte: a moralidade administrativa, em sua formulação contemporânea, não funciona como censura subjetiva ao comportamento do agente, mas como cláusula de controle de desvio de finalidade, abuso de poder e instrumentalização privada de competências públicas. Em outras palavras, a violação da moralidade administrativa está ligada ao rompimento do vínculo de fidelidade institucional e do dever de lealdade ao interesse público.
4. MORALIDADE ADMINISTRATIVA E SUA DENSIDADE JURÍDICA PRÓPRIA
4.1 Autonomia em relação à legalidade formal
A doutrina e a jurisprudência muitas vezes tendem a tratar a moralidade administrativa como simples extensão da legalidade. Tal posição, entretanto, não se sustenta dogmaticamente após 1988.
Kele Bahena adverte que “a atual ordem jurídica não se contenta apenas com a atuação legal do administrador público, pois ele deve ir além e conduzir-se pelo comprometimento com a moralidade, o que está intimamente ligado à probidade; não esta que vem dos conceitos de probus e improbus, e que a Constituição da República muito bem acolheu quando puniu a improbidade administrativa com sanções de ordem política, administrativa, civil e penal” (BAHENA, 2009, p. 55).
Essa leitura é reforçada por Alexandre de Moraes (apud Bahena), ao afirmar que:
“Não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública.” (BAHENA, 2009, p. 60).
Portanto, mesmo que determinado ato esteja formalmente adequado à moldura legal (competência, forma, procedimento), poderá ser ímprobo se praticado com desvio ético-funcional: favorecimento pessoal, manipulação de finalidade pública para vantagem privada, atuação orientada por interesse particular e não pelo interesse público. Isso configura violação direta à moralidade administrativa constitucional.
4.2 Parâmetros objetivos de subsunção
A crítica recorrente à moralidade administrativa consiste em afirmar que se trata de conceito aberto, difícil de objetivar e, por isso, perigoso, pois conferiria discricionariedade ampla e pouco controlável ao julgador.
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco reconhecem esse ponto sensível, ao indicar que:
“Alguns desses princípios, não raras vezes, são alvo de intensa discussão doutrinária e jurisprudencial, principalmente no que tange aos seus limites e alcance, na resolução dos problemas concretos enfrentados pela Administração Pública. A relação cidadão/Estado tem chamado a atenção para a fundamentalidade dos temas que a rotina administrativa arrosta, aproximando o direito administrativo da Constituição, que passou a conter expressamente princípios fundamentais referentes a essa área.” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 779-780).
Há, portanto, um alerta metodológico: não basta invocar a moralidade de forma retórica; é indispensável motivar sua incidência a partir de fatos concretos. A resposta dogmática para essa crítica é fornecida pela própria doutrina que trata da objetivação do princípio.
Kele Bahena propõe parâmetros de identificação material da violação, ao afirmar que o conteúdo da moralidade está “ligado aos cânones tais como lealdade, veracidade, boa-fé, honestidade, lhaneza, lisura, probidade” (BAHENA, 2009, p. 63). A partir dessa matriz, os elementos do ato administrativo (competência, finalidade, forma, motivo e objeto) devem ser aferidos também sob a ótica da fidelidade institucional e da probidade, e não apenas sob o prisma formal-procedimental da legalidade.
Esse ponto desloca o debate: a moralidade não é um juízo moral subjetivo do julgador, mas um exame técnico da conformidade entre (i) o exercício da função; (ii) a finalidade pública que legitima essa função; e (iii) a conduta concreta do agente diante dessa finalidade.
5. MORALIDADE ADMINISTRATIVA E AÇÃO DE IMPROBIDADE
5.1 Previsão constitucional sancionatória
O § 4º do art. 37 da Constituição estabelece que a prática de ato de improbidade administrativa atrai, entre outras, sanções de suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário. Essas sanções estão “na forma e gradação previstas em lei”, e tal lei é a Lei nº 8.429/1992.
A Lei nº 8.429/1992, ao tratar dos atos de improbidade, tradicionalmente os classificou (i) como atos de enriquecimento ilícito; (ii) atos que causam prejuízo ao erário; e (iii) atos que atentam contra os princípios da Administração Pública. Essa terceira categoria, ainda que hoje tecnicamente remodelada pela legislação superveniente, corresponde precisamente à violação de valores estruturantes da Administração Pública, como honestidade, lealdade, boa-fé e fidelidade institucional, isto é: moralidade administrativa.
Em outras palavras, a Constituição determina que violações à probidade sejam sancionadas (art. 37, § 4º, CF). A Lei nº 8.429/1992 fornece o instrumento de responsabilização, abrangendo inclusive atos que atentem contra os princípios da Administração, entre eles a moralidade administrativa.
5.2 Fundamento autônomo da ação de improbidade
A questão prática é: pode o Ministério Público ou a pessoa jurídica lesada propor ação de improbidade administrativa com base exclusiva na violação da moralidade administrativa, sem necessariamente apontar enriquecimento ilícito nem dano patrimonial direto e imediato?
A resposta, sob a lógica constitucional e sob a estrutura da Lei de Improbidade, é positiva, desde que a petição inicial demonstre, de forma concreta e motivada, que houve conduta desleal ao interesse público, com quebra de probidade, desvio de finalidade, instrumentalização privada da função ou favorecimento pessoal incompatível com a finalidade pública da competência exercida.
Ou seja: não se exige transformar toda violação da moralidade em violação da legalidade formal para justificar a responsabilização; a moralidade possui densidade normativa própria, reconhecida constitucionalmente e juridicamente sancionável.
6. CONTROLE JURISDICIONAL, LIMITES E GARANTIAS
6.1 Controle judicial e impossibilidade de abdicação
Cármen Lúcia Antunes Rocha destaca que o controle jurisdicional sobre a moralidade administrativa não pode ser afastado sob o argumento de que se trataria de elemento puramente interno do ato:
“Não se imagina que o órgão de jurisdição competente permita-se eximir do exercício do controle ao argumento de ser elemento interno do ato da Administração Pública. Este, em sua essência e em suas adjacências, em sua substância e em sua forma, em seus pressupostos e em suas consequências são controláveis. A qualidade moral do ato da Administração Pública, como elemento que vincula a sua própria validade, submete-se ao controle com todo o rigor.” (ANTUNES ROCHA, 1994, p. 212)
Portanto, o controle judicial da moralidade administrativa não é faculdade política, mas dever jurídico de tutela da integridade da atuação estatal.
6.2 Moralidade, probidade e ética pública
Waldo Fazzio Júnior alerta que uma Administração reduzida à “mera legalidade formal”, se desvinculada de exigência ética, degenera em pura técnica de dominação:
“É bom não se olvidar que a legalidade administrativa, se esvaziada de justificação ética, revela-se simples meio técnico de organização coletiva. Ora, a lei estrita, simples técnica de organização social, tanto pode compor um sistema jurídico-administrativo, como um sistema antijurídico de gerenciamento. O primeiro é o que contém maior grau de impregnação moral e, por isso, desejável.” (FAZZIO JÚNIOR, 2012, p. 90).
Esse alerta converge com a própria redação constitucional que associa moralidade administrativa, probidade e sanção.
CONCLUSÃO
A Constituição de 1988 projetou a moralidade administrativa a um patamar normativo inédito, convertendo-a em princípio expresso da Administração Pública (art. 37, caput) e relacionando sua violação a um regime sancionatório específico para atos de improbidade, com consequências graves como suspensão de direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário.
A Lei nº 8.429/1992, por sua vez, concretizou essa diretriz constitucional ao estabelecer um sistema de responsabilização destinado a proteger a probidade administrativa e o patrimônio público e social, disciplinando inclusive atos que atentem contra os princípios da Administração Pública, entre eles a moralidade administrativa.
A doutrina demonstra que a moralidade administrativa:
• não é mera categoria ética subjetiva, mas padrão objetivo de probidade, lealdade institucional, boa-fé, finalidade pública e veracidade na gestão da coisa pública (BAHENA, 2009, p. 55 e 63);
• não se confunde com a legalidade estrita, pois o ato pode ser formalmente legal e materialmente imoral e, portanto, ímprobo (BAHENA, 2009, p. 60);
• é passível de controle jurisdicional pleno e rigoroso, não podendo o Judiciário abdicar desse controle sob alegação de tratar-se de “elemento interno” do ato administrativo (ANTUNES ROCHA, 1994, p. 212);
• está constitucionalmente vinculada a sanções previstas no § 4º do art. 37 da Constituição, executáveis “na forma e gradação previstas em lei” — hoje materializadas na Lei nº 8.429/1992.
Diante desse quadro normativo, doutrinário e institucional, conclui-se que a moralidade administrativa pode e deve atuar como fundamento autônomo de ações de improbidade administrativa, desde que:
(i) a narrativa dos fatos e o conjunto probatório indiquem desvio ético-funcional concreto (desvio de finalidade, favorecimento pessoal, instrumentalização privada de competências públicas, infidelidade ao interesse público);
(ii) a petição inicial e a decisão judicial exponham, de forma tecnicamente motivada, a relação entre a conduta imputada e a quebra do dever constitucional de probidade; e
(iii) sejam observados o contraditório, a ampla defesa e a proporcionalidade das sanções impostas.
Em termos práticos, isso significa reconhecer que a moralidade administrativa, enquanto princípio constitucional expresso, dotado de conteúdo objetivo e associado a um regime sancionatório específico, não é ornamento retórico, mas elemento normativo central de tutela da integridade da Administração Pública e da própria legitimidade democrática do exercício do poder estatal.
REFERÊNCIAS
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
Aguilar, Juan Carlos. A moralidade administrativa como fundamento autônomo da ação de improbidade: parâmetros constitucionais, limites de objetividade e aplicação judicia. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17506596, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 02/11/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-moralidade-administrativa-como-fundamento-autonomo-da-acao-de-improbidade-parametros-constitucionais-limites-de-objetividade-e-aplicacao-judicia/. Acesso em: 13/12/2025.
