A função normativa do direito na regulação de condutas sociais cotidianas

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

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Submissão: 11/07/2025

Autores

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Eliézer Guedes de Oliveira Junior

Curriculo do autor: Mestrando em Estudos Jurídicos pela Must University (Florida - USA). Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade de Ciências de Wenceslau Braz (2017). Procurador do Estado de Santa Catarina. Cofundador da Editora GuedesJus. Anteriormente, foi servidor do TCU, atuando na assessoria de Ministro da Corte por 6 anos. Conquistou aprovação em 13 concursos públicos. Autor de livros.

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Helena Martins Carvalho

Curriculo do autor: Mestre em Literatura Comparada pela Universidade de Coimbra. Graduação em Letras pela UFMG. Atua em pesquisa e ensino de literatura brasileira e comparada. Com ampla experiência em redação acadêmica, ministra workshops e consultorias em escrita científica, além de possuir publicações de destaque em estudos literários e comunicação acadêmica. É fluente em inglês e espanhol, com conhecimentos intermediários em italiano.

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Resumo

O artigo analisa a função normativa do direito na regulação das condutas sociais cotidianas, partindo da compreensão do direito como um fenômeno social que ultrapassa sua dimensão formal. A convivência humana, desde os primórdios, demandou a criação de normas para organizar os comportamentos em sociedade. O direito surge como instrumento estruturante da vida social, influenciado por fatores históricos, culturais e políticos. O objetivo do estudo é investigar como o direito exerce sua função normativa na prática social, orientando condutas e internalizando valores coletivos. A metodologia adotada combina revisão bibliográfica com análise documental de normas jurídicas brasileiras. Os resultados evidenciam que o direito atua não apenas por meio de sanções, mas também pela antecipação de comportamentos, previsibilidade das relações e conformação de expectativas sociais. Destaca-se, ainda, que a eficácia normativa do direito depende de sua capacidade de adaptação às transformações sociais contemporâneas, como a evolução tecnológica, os novos paradigmas culturais e as demandas por inclusão e pluralidade. Conclui-se que a função normativa do direito permanece essencial para a organização social, mas exige constante atualização e diálogo com a realidade concreta da sociedade.

Palavras-Chave

Função normativa. Direito. Fenômeno social. Conduta. Normas jurídicas. Transformações sociais

Abstract

This article analyzes the normative function of law in regulating everyday social behavior, based on the understanding of law as a social phenomenon that goes beyond its formal dimension. Since the earliest forms of human coexistence, the creation of norms has been necessary to organize behaviors within society. Law emerges as a structuring instrument of social life, influenced by historical, cultural, and political factors. The objective of this study is to investigate how law exercises its normative function in social practice by guiding behavior and internalizing collective values. The methodology adopted combines bibliographic review with documentary analysis of Brazilian legal norms. The results show that law operates not only through sanctions, but also through the anticipation of behaviors, predictability in social relations, and the shaping of social expectations. It is further emphasized that the normative effectiveness of law depends on its ability to adapt to contemporary social transformations, such as technological evolution, new cultural paradigms, and demands for inclusion and plurality. It is concluded that the normative function of law remains essential for social organization, but it requires constant updating and dialogue with the concrete reality of society.

Keywords

Normative function. Law. Social phenomenon. Conduct. Legal norms. Social transformations

1. Introdução

A convivência humana, desde os primeiros agrupamentos sociais, demandou a criação de mecanismos capazes de organizar e orientar os comportamentos individuais e coletivos. Com o tempo, esses mecanismos tornaram-se mais complexos e institucionalizados, sendo o direito um dos principais instrumentos de regulação das interações sociais. No contexto contemporâneo, marcado por uma multiplicidade de relações e papéis sociais, o direito assume um papel central na resolução de conflitos e na própria definição do que é socialmente aceitável, moldando condutas e legitimando padrões de comportamento. Entender o direito como fenômeno social é, portanto, compreender seu caráter normativo inserido na dinâmica cotidiana das relações humanas.

A relevância do tema se evidencia na medida em que o direito não é uma construção isolada, mas, ao contrário, é profundamente influenciado por fatores históricos, culturais, econômicos e políticos. A análise da função normativa do direito revela como ele opera na prática influenciando escolhas, limitando ações e promovendo a convivência pacífica em sociedade. Em um cenário em que novas demandas sociais emergem constantemente, refletir sobre o papel regulador do direito é essencial para assegurar sua efetividade e legitimidade perante a população.

Este artigo tem como objetivo investigar de que maneira o direito, enquanto conjunto de normas instituídas pelo Estado, exerce função normativa na regulação das condutas sociais cotidianas. Pretende-se demonstrar que essa função vai além da mera aplicação de sanções, estendendo-se à internalização de comportamentos esperados, à conformação de valores sociais e à organização da vida em sociedade.

A metodologia utilizada consiste em uma revisão bibliográfica, bem como em uma análise documental de normas jurídicas brasileiras, com destaque para dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que ilustram a função normativa do direito no cotidiano.

O desenvolvimento do artigo será estruturado em três partes. A primeira abordará o conceito de direito como fenômeno social e sua relação com a norma. A segunda tratará da função normativa do direito na perspectiva da organização social, com exemplos práticos extraídos da legislação brasileira. A terceira parte será dedicada à análise crítica da eficácia normativa do direito nas condutas sociais contemporâneas, considerando os desafios enfrentados diante de mudanças culturais e novas demandas sociais.

2. Desenvolvimento

2.1. O direito como fenômeno social e sua relação com a norma

Para Durkheim (2007), os fenômenos sociais são fatos sociais, ou seja, formas de agir, pensar e sentir que existem fora do indivíduo e que exercem uma coerção sobre ele. Eles têm existência própria e são moldados pela sociedade. O movimento feminista, por exemplo, é um fenômeno social que busca a igualdade de gênero e o combate à discriminação contra as mulheres.

O direito, mais do que um conjunto de regras impostas pelo Estado, é expressão da própria dinâmica social. Desde as primeiras organizações humanas, há mecanismos normativos que regulam comportamentos e estabelecem limites às ações individuais, sempre em função da preservação da ordem e da convivência. Nesse sentido, o direito não surge isoladamente, mas sim como resultado das necessidades, conflitos e valores compartilhados por um determinado grupo social em um dado momento histórico.

No centro da compreensão do direito como fenômeno social está o conceito de norma. A norma jurídica representa a expressão formal do dever-ser socialmente aceito, sendo ela o principal instrumento por meio do qual o direito busca orientar condutas. Contudo, nem todas as normas presentes na sociedade são jurídicas. Há também preceitos morais, religiosos e de etiqueta que regulam comportamentos. O que distingue a norma jurídica das demais é sua institucionalização e a possibilidade de aplicação coercitiva por parte do Estado. Ainda assim, essa norma só se efetiva quando encontra respaldo na consciência coletiva, o que reforça a dependência do direito em relação ao meio social em que se insere. Do contrário, ocorreria o que, popularmente, se diz: “essa lei não vingou”.

Dessa forma, o vínculo entre direito e norma se revela como ponto de partida essencial para entender o funcionamento do ordenamento jurídico no cotidiano. A norma jurídica, muito além de prevê consequências jurídicas para determinadas ações, serve como veículo de internalização de valores sociais, contribuindo para a conformação das expectativas de conduta dentro de um grupo. É nessa dimensão normativa e social que o direito realiza sua função estruturante da convivência, funcionando como elo entre o ideal jurídico e a realidade concreta das interações humanas.

2.2. A função normativa do direito na organização das condutas sociais

A função normativa do direito consiste na capacidade de estabelecer padrões de comportamento socialmente aceitos, orientando a conduta dos indivíduos dentro de uma coletividade. O direito, nesse sentido, assume papel educativo e estruturante da convivência social, fornecendo um conjunto de regras que ajudam os indivíduos a antecipar as consequências de suas ações e a agir conforme expectativas comuns.

No cotidiano, a presença normativa do direito pode ser observada em inúmeras situações, muitas vezes de forma quase imperceptível. Ao atravessar uma faixa de pedestres, ao celebrar um contrato de compra e venda, ao cumprir horários de funcionamento comercial ou ao matricular uma criança na escola, os indivíduos estão, conscientemente ou não, agindo conforme normas jurídicas previamente estabelecidas. Esse caráter difuso da norma jurídica revela sua função organizadora: o direito não apenas reage aos conflitos sociais, mas antecipa situações e molda comportamentos em nome da ordem, previsibilidade e segurança jurídica.

O ordenamento jurídico brasileiro oferece exemplos concretos da atuação normativa do direito sobre condutas cotidianas. O Código Civil, por exemplo, disciplina as relações privadas, regulando obrigações, contratos, família e sucessões. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece regras detalhadas para a relação entre empregados e empregadores. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, define princípios fundamentais que orientam toda a vida política e social do país, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a função social da propriedade. Em todos esses casos, percebe-se o papel normativo do direito como vetor de organização das relações interpessoais e institucionais.

Além das normas estatais, o direito também se expressa por meio de regulamentos administrativos, portarias, resoluções e até códigos de conduta elaborados por entidades privadas, os quais, embora não tenham o mesmo peso hierárquico da lei, também exercem influência sobre a organização das condutas sociais. Tais instrumentos revelam a complexidade da normatividade jurídica contemporânea, em que diferentes instâncias normativas convivem e interagem para regular a vida em sociedade.

Para Kelsen (1998), toda ordem social tem como finalidade orientar a conduta dos indivíduos, induzindo-os a evitar comportamentos considerados prejudiciais à coletividade e a adotar ações vistas como socialmente benéficas. Essa função reguladora é exercida por meio de normas que prescrevem ou proíbem determinadas ações humanas.

2.3. A eficácia normativa do direito diante das transformações sociais contemporâneas

A eficácia normativa do direito depende da sua capacidade de produzir efeitos concretos na vida social. Em sociedades dinâmicas, marcadas por intensas mudanças culturais, tecnológicas e econômicas, a eficácia do direito é posta à prova. Normas editadas em contextos anteriores nem sempre conseguem acompanhar a velocidade das novas dinâmicas sociais, o que pode gerar um descompasso entre a letra da lei e a realidade vivida. Nesses casos, a função normativa do direito encontra limites, especialmente quando não é capaz de responder adequadamente às novas demandas sociais.

Ao estudar a essência de uma constituição, Lassalle (1933) ponderou que sua validade real reside na correspondência entre suas normas e as forças sociais atuantes em determinado momento histórico. Quando essa correspondência não existe, a constituição torna-se ineficaz, servindo apenas como aparência jurídica sem força prática. Ao se desconsiderar os fatores reais de poder que regem uma nação, a constituição escrita não passaria de uma folha de papel.

As transformações no campo da moral, da cultura e dos valores geram tensões normativas que desafiam o direito a se adaptar. A ampliação do reconhecimento de direitos a grupos historicamente marginalizados − como mulheres, populações LGBTQIA+, povos indígenas e pessoas com deficiência − é exemplo claro de como a pressão social influencia a criação ou reformulação de normas jurídicas. A legislação sobre união estável, casamento homoafetivo, nome social, cotas raciais e identidade de gênero são marcos recentes da atuação normativa do direito frente a transformações sociais significativas. Nesse processo, o direito apresenta uma resposta a movimentos sociais e contribui para a consolidação de novos paradigmas sociais.

No entanto, há situações em que a adaptação do direito às transformações sociais nem sempre ocorre de forma rápida ou harmônica. A existência de normas desatualizadas, a resistência institucional à mudança e a morosidade legislativa, por vezes, comprometem a eficácia normativa e geram insegurança jurídica. Um bom exemplo se refere à regulamentação das redes sociais e (especialmente) parametrização da liberdade de expressão em ambiente digital, tema que tem marcado o ano de 2025.

Outro fator que afeta a eficácia normativa do direito é a crescente complexidade das relações sociais em contextos globalizados e tecnologicamente avançados. A proteção de dados pessoais, os contratos digitais, os direitos em ambientes virtuais e os desafios ambientais exigem uma normatividade flexível, dinâmica e constantemente atualizada. A criação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), por exemplo, é resposta recente a uma demanda social urgente por maior controle sobre o uso de informações pessoais em meio digital. Tais avanços mostram que o direito, para se manter eficaz, precisa estar em constante diálogo com a sociedade.

Voltando ao tema regulamentação das redes sociais, Pinho Filho (2021) alerta que a simples criação de normas pelo Estado não seria suficiente para garantir a eficácia da regulação das redes sociais digitais. Para que tal regulação seja efetiva, seria imprescindível a participação ativa das plataformas na construção de padrões e na constante adaptação às mudanças tecnológicas, dado que a velocidade com que as redes sociais evoluem supera em muito o ritmo de resposta do processo legislativo tradicional.

Diante das transformações sociais contemporâneas, a eficácia normativa do direito depende de sua capacidade de ouvir os anseios sociais, adaptar-se a novos contextos e promover respostas que sejam não apenas juridicamente válidas, mas também socialmente legítimas. O sucesso da função normativa do direito reside, portanto, na sua sensibilidade às mudanças culturais e na sua abertura para a construção participativa das normas que regerão a vida em sociedade.

3. Considerações Finais

Conclui-se que o direito, enquanto fenômeno social, exerce papel normativo essencial na organização da vida em sociedade, moldando comportamentos e conformando expectativas coletivas por meio de normas juridicamente instituídas. A análise realizada permitiu demonstrar que o direito não atua isoladamente, mas em constante interação com os valores, conflitos e transformações do meio social. Desde sua origem, a norma jurídica reflete um dever-ser socialmente construído, sendo compreendida como instrumento de internalização de condutas aceitas ou desejadas por um grupo. Ao longo do texto, confirmou-se que a função normativa do direito vai muito além da sanção: ela orienta, estrutura e dá previsibilidade às interações humanas cotidianas.

Os objetivos propostos na introdução foram plenamente atendidos. Por meio da revisão bibliográfica e da análise de normas brasileiras, foi possível demonstrar como o direito regula as condutas sociais, tanto pela via formal quanto pela adaptação prática às dinâmicas contemporâneas. O estudo evidencia, portanto, que a efetividade do direito depende da sua capacidade de acompanhar a realidade social que busca organizar.

4. Referências Bibliográficas

Durkheim, É. (2007). As regras do método sociológico (P. Neves, Trad.; 3ª ed.). Martins Fontes. (Coleção Tópicos)

 

Hesse, K., & Mendes, G. F. (1991). A força normativa da Constituição.

 

Kelsen, H. (1998). Teoria pura do direito (J. B. Machado, Trad.; 6ª ed.). Martins Fontes. (Ensino Superior)

 

Lassalle, F. (1933). Que é uma constituição?. Edições e Publicações Brasil. (Versão para eBook: eBooksBrasil.com, 2000–2006)

 

Pinho Filho, J. C. B. D. (2021). Desinformação e regulação de redes sociais digitais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA JUNIOR, Eliézer Guedes de (ORCID 0009-0000-9405-6256) e CARVALHO, Helena Martins. A função normativa do direito na regulação de condutas sociais cotidianas. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.15865565, Joinville-SC, ano 2025, n. 4, aprovado e publicado em 11/07/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-funcao-normativa-do-direito-na-regulacao-de-condutas-sociais-cotidianas-2/. Acesso em: 25/07/2025.