A atuação do Ministério Público na implementação de políticas públicas
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Resumo
O presente artigo científico tem como objeto o estudo da atuação do Ministério Público no processo de implementação de políticas públicas. Como ponto de partida, buscar-se-á a definição de políticas públicas e a caracterização do processo para sua elaboração – ciclo de políticas públicas. Após, será feita a análise da possibilidade da intervenção do Ministério Público em cada uma das fases do ciclo de política pública, com a exposição dos instrumentos existentes para sua concretização.
Palavras-ChavePolíticas públicas. Ciclos de políticas públicas. Ministério Público.
Abstract
This scientific article aims to study the role of the Public Prosecutor's Office in the process of implementing public policies. As a starting point, it will seek to define public policies and characterize the process of their development—the public policy cycle. Following this, an analysis will be conducted on the possibility of the Public Prosecutor's Office intervening at each stage of the public policy cycle, with an exposition of the instruments available for this purpose.
KeywordsPublic Policies. Public Policy Cycles. Public Prosecutor's Office.
1. INTRODUÇÃO
O intuito do presente artigo científico é analisar a atuação do Ministério Público na implementação de políticas públicas consagradas no texto constitucional, com o objetivo de proteger a vida humana digna e dar concretude aos direitos fundamentais, tendo em vista o Estado de Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil.
Ademais, pela complexidade do tema e das limitações encontradas na atuação judicial perante à discricionariedade administrativa, será utilizado o ciclo de formação de políticas públicas (SECCHI, 2012), simplificando a estrutura de uma política pública e evidenciando a possibilidade de atuação ministerial em cada uma das suas fases.
O ponto de partida é a conceituação de política pública como obrigação estatal e, a partir de estudos bibliográficos pelo método qualitativo, buscar-se-á apontar qual a atuação do Ministério Público dentre as suas finalidades institucionais.
Por fim, para além do objetivo de esclarecer sobre a atuação do Ministério Público na implementação de políticas públicas, serão apontados instrumentos para que a observância de seus fins constitucionais seja garantida.
2. CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.
A teoria geral dos direitos fundamentais passou por diversas fases evolutivas marcadas por características próprias. No regime constitucional vigente, em resposta aos acontecimentos experimentados durante o regime antidemocrático, passou-se a prever uma extensa gama de direitos, de natureza exemplificativa, de aplicabilidade imediata. Em uma visão neoconstitucional, em que é característica a força normativa da Constituição, supera-se a ideia anterior da natureza programática dos princípios.
Outrossim, ao passo que o cidadão comum descobre as diversas previsões de direitos que lhe apadrinham e almeja pela implementação, em decorrência do Estado Democrático de Direito que constitui a República Federativa do Brasil, surge denominada cultura de direitos (VITORELLI, 2022).
A implementação destes direitos dá-se por meio de políticas públicas.
O termo políticas públicas é equívoco e dotado de diversos conceitos segundo a doutrina especializada. Para os fins do presente artigo científico, conforme SMANIO (2013), políticas públicas são definidas “como o conjunto de atividades do Estado tendentes a seus fins, de acordo com metas a serem atingidas. Trata-se de um conjunto de normas (Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e decisões (Poder Judiciário) que visam à realização dos fins primordiais do Estado”.
As políticas públicas são meios de consecução do próprio fim estatal. Em outras palavras, os meios próprios utilizados pelo Estado para o cumprimento de suas finalidades inerentes, com a participação dos mais diversos atores.
Em que pese a extensa previsão de direitos fundamentais inerentes à vida humana digna, o Estado, por vezes, não os consagra, ante às limitações por ele experimentadas, especialmente pela finitude orçamentária.
É neste contexto que o ciclo de políticas públicas como processo de elaboração de políticas públicas (SECCHI, 2012) ganha importância. Há necessidade de os atores estatais (aqueles responsáveis pela consagração do interesse público no exercício da atividade constitucionalmente lhes confiada) intervirem para a consagração dos direitos constitucionalmente previstos, por meio de políticas públicas, desde a identificação do problema até a sua solução.
Neste contexto, o Ministério Público, instituição essencial ao funcionamento da justiça, incumbido constitucionalmente pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de direitos sociais e individuais indisponíveis, tem atuação destacada.
A função constitucional de destaque conferida ao Ministério Público permite que o intérprete identifique verdadeira cláusula pétrea heterotópica, eis que tem por intuito a preservação do interesse público e a garantia de direitos, em especial os fundamentais, conferindo legitimidade à instituição para atuar ativamente no tema referente às políticas públicas.
3. CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
O processo de elaboração de políticas públicas – ou ciclo de políticas públicas – consiste em “esquema de visualização e interpretação que organiza a vida de uma política pública em fases sequenciais e interdependentes” (SECCHI, 2012, p. 33). Em se constatando a existência de um problema, pela violação ou não implementação de 4 um direito fundamental, portanto, é necessária a intervenção coordenada e dialogada dos atores estatais para a sua mais solução.
É de se ver que o conceito de ciclo de políticas públicas apresentado por SECCHI (2012) faz interessante distinção do processo de elaboração em sete momentos: identificação do problema; formação da agenda; formulação de alternativas; tomada de decisão; implementação; avaliação; e, extinção.
Em que pese não serem fases estanques na realidade fática, tendo em vista a dinamicidade inerente à implementação das políticas públicas, o conceito de cada ciclo tem pertinência metodológica, para o correto entendimento sobre a complexidade do processo.
Passa-se, então, a fim de simplificar a complexidade de uma política pública, à análise de cada fase distinta do seu ciclo de formação.
Tentar-se-á também identificar possível atuação do Ministério Público, na proteção de direitos, em cada uma das fases do ciclo de formação das políticas públicas.
3.1. Identificação do problema
A identificação do problema, como fase inaugural do processo, consiste na discrepância entre a realidade fática sobre determinada questão relacionada a um direito fundamental e o que se almeja como realidade pública (SECCHI, 2012).
Os atores estatais constatam uma situação de desconformidade entre os fatos atuais e uma situação ideal possível, que reclama providência do Estado para a devida consagração de direitos fundamentais.
Ressalta-se que a esta situação de desconformidade perante a realidade fática como problema público nem sempre é reflexo de desorganização ou deterioração. Ele pode surgir por fatores outros como a melhora de uma situação semelhante em contexto diverso, a valorização de novos ideais pela coletividade, a percepção de quadros sociais importantes antes ignorados, ou ainda ganhar relevância repentina (SECCHI, 2012).
Neste contexto, é imperiosa a atuação proativa dos atores estatais para realizar um diálogo institucional com a coletividade, percebendo a existência de um problema, para a sua adequada delimitação e avaliação sobre a possibilidade de resolução.
Identificado o problema público, em havendo comunhão entre as possibilidades estatais e a vontade dos atores políticos, passará a constar da lista de prioridades de atuação do Estado – a agenda.
Já nesta fase inicial do ciclo de política pública a atuação do Ministério Público é imperiosa, tendo em vista que a vontade da coletividade em relação à resolução de determinado problema público não é respeitada, ou até mesmo considerada, na definição da lista de prioridades de atuação dos atores estatais, relevando problemas que já foram identificados.
A atuação do Ministério Público neste contexto identificará a existência de problemática na consagração dos direitos que lhe incumbe a defesa e buscará, junto aos atores estatais em verdadeiro diálogo institucional, a inclusão na lista das prioridades a serem solucionadas.
Após este primeiro passo, passa-se à análise da formação da agenda no ciclo das políticas públicas.
3.2. Formação da agenda
A agenda é a consolidação dos problemas públicos identificados em uma lista de prioridades a serem atendidas pelo poder estatal. É etapa essencial para a resolução do problema constatado, posto que não há perspectiva de alteração do panorama fático de desconformidade identificado sem a eleição do problema como prioridade do Estado, inclusive para fins de previsão orçamentária.
Na verdade, a agenda aqui tratada se aproxima do aspecto formal, que vai além da agenda política como “conjunto de problemas ou temas que a comunidade política percebe como merecedor de intervenção pública, mas consiste na “agenda institucional (…) que elenca problemas ou temas que o poder público já decidiu por enfrentar (SECCHI, 2012, p.36).
Certo é que nesta fase deve haver mútua assistência entre os atores políticos, em um diálogo institucional, para que sejam feitas as melhores escolhas entre quais problemas devem ser privilegiados em detrimento de outros.
Neste contexto de discricionariedade na eleição das prioridades estatais quanto aos problemas identificados podem surgir embates entre a vontade dos atores estatais e a previsão de direitos fundamentais mínimos a serem respeitados.
Sobre o embate MIRELLA MONTEIRO (2021) faz pertinente apontamento:
[n]essa fase, é relevante refletirmos sobre o quanto a previsão constitucional dos direitos sociais influencia a formação da agenda. Em outras palavras, se, havendo previsão constitucional dos referidos direitos, o poder público será obrigado a elaborar políticas públicas para concretizá-lo, independentemente de considerar como uma prioridade do seu governo.
A Constituição Federal de 1988 traz direitos e garantias fundamentais mínimos a serem respeitados pelos poderes públicos, que vinculam a atividade administrativa, na sua concretização. Não são meros programas ou ideais, mas direitos fundamentais a serem respeitados pelo Estado, pautando a sua atuação e criando dever de respeito.
Nesta linha discorre MIRELLA MONTEIRO (2021):
[p]ortanto, observa-se que as referidas normas constitucionais criam a obrigatoriedade de ser realizado um programa que garantam os direitos previstos, ou seja, impõem dever não só para a atividade legiferante, mas também para a atuação do executivo na implementação de políticas públicas que sejam eficazes.
Há, então, um embate entre a discricionariedade dos poderes públicos na eleição de suas prioridades na formação da agenda e os direitos fundamentais, em especial os de ordem social, mínimos a serem concretizados.
É neste aspecto que, somada à facilitação do acesso à jurisdição estatal e a consciência cidadã da sujeição de direitos (VITORELLI, 2022), permite-se a tutela jurisdicional, diante da ausência de acordo entre a vontade do Estado e a normatividade dos direitos constitucionalmente previstos.
O Ministério Público, neste panorama, tem sua atuação fundada na defesa dos seus objetivos constitucionais, na busca da consagração de direitos, como porta voz da vontade social.
De um lado está o Poder Judiciário chamado para a resolução do embate, com o dever de proteção dos direitos fundamentais do indivíduo e sua implementação adequada conforme os ditames constitucionais, mas devendo respeitar as escolhas do administrador público em respeito à separação dos poderes. De outro estão os atores políticos que, sabendo de seus limites – principalmente de natureza financeira – não devem ter sua discricionariedade afetada, em respeito à independência entre os poderes.
A questão é delicada e de difícil solução, tendo em vista que valores constitucionais sensíveis e essenciais ao Estado Democrático de Direito são colocados em rota de colisão.
Além de prever sobre os direitos fundamentais e sua aplicação imediata, o texto constitucional traz dentre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a separação entre os poderes, que são independentes e harmônicos entre si. Contudo, esta separação dos poderes prevista constitucionalmente não é absoluta, sendo certo que vigora o sistema de freios e contrapesos em que cada um dos poderes pode exercer fiscalização sobre o outro, em respeito ao Estado Democrático de Direito, a fim de se evitar possível sobreposição ou autoritarismo de cada um deles.
De fato, parece ser possível a reclamação perante o Poder Judiciário sobre a consagração de direitos constitucionalmente previstos e não implementados pela Administração Pública, mas questiona-se qual o limite desta ingerência, conforme bem explicita GRINOVER (2013, [n.p.]):
[h]á um pressuposto e limites postos à intervenção do Judiciário em políticas públicas. O pressuposto, que autoriza a imediata judicialização do direito, mesmo na ausência de lei ou de atuação administrativa, é a restrição à garantia do mínimo existencial. Constituem limites à intervenção: a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e a irrazoabilidade da escolha da lei ou do agente público; a reserva do possível, entendida tanto em sentido orçamentário-financeiro como em tempo necessário para o planejamento da nova política pública (GRINOVER, 2013).
Sabe-se que para a consecução dos fins estatais, o administrador público tem sua atividade pautada na legalidade e na discricionariedade. Neste sentido, atua com conveniência e oportunidade dentro dos limites impostos pela lei para atingir os seus objetivos.
Os conceitos democráticos e basilares do Estado passam a se confundir.
Enquanto os indivíduos possuem direitos consagrados constitucionalmente que devem ter a sua aplicação direta, a Administração Pública deve atuar dentro da legalidade e com discricionariedade para a consecução dos fins estatais, tendo a garantia de não ingerência direta de outros poderes em sua atividade fim, com fundamento na separação dos poderes e o Poder Judiciário tem a função precípua de resguardar a norma constitucional.
Na ambição de conciliação destes institutos democráticos, o poder público terá maior liberdade de atuação apenas após a consagração dos direitos e garantias fundamentais mínimos. Até então a discricionariedade ficará restrita no modo de consagração da política pública, mas não em sua alocação ou não na agenda.
Neste sentido MIRELLA MONTEIRO (2021):
a CF vincula as prioridades da agenda pública enquanto não estiverem efetivamente garantidos todos os direitos sociais correspondentes ao mínimo existencial, conceituado como as “condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo”.
E também Celso de Mello em decisão monocrática na ADPF 45 MC/DF, importante paradigma jurisprudencial sobre o tema:
Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo existencial […] (STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.185.474 – SC (2010/0048628-4, Rel. MINISTRO HUMBERTO MARTINS).
A meta central das constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir (grifos nossos) (STF, ADPF 45 MC, Relator: Ministro Celso de Mello, julgado em 29/4/2004, publicado em DJ 4/5/2004).
Nesta fase, a atuação do Ministério Público denota relevância singular, vez que pode tanto exigir, por meio de mecanismos constitucionais e legais, a intervenção judicial para que o direito carente de defesa seja previsto em seu viés mínimo nas prioridades dos atores políticos, bem como atuar de maneira resolutiva junto ao Estado a fim de fazer constar na agenda os patamares mínimos de direitos.
3.3. Formulação de alternativas
Com a inclusão do problema público na lista de prioridades estatais, o ideal é a constatação dos objetivos a serem alcançados. Realizada esta primeira tarefa, devem ser definidos os meios adequados, analisadas as estratégias, inclusive com a previsão das possíveis consequências, para a solução esperada (SECCHI, 2012).
Neste ponto é de relevante destaque, também, a necessidade da realização de um diálogo institucional entre os atores políticos responsáveis e a participação de especialistas e técnicos, sem afastar a possibilidade de participação da coletividade por meio de audiências públicas. Busca-se maior legitimidade e assertividade na solução dos problemas públicos.
Outrossim, SECCHI (2012) afirma que a formulação das alternativas possíveis podem ter como base uma projeção (análise prognóstica), predições (tentativa de prever as consequências de cada alternativa por um trabalho teórico-dedutivo) ou conjecturas (juízo de valor baseado na intuição dos atores responsáveis). “Projeções, predições e conjecturas são utilizadas para conseguir melhor aproximação dos acontecimentos do futuro por meio de um caminho menos advinhatório ou baseado na sorte” (SECCHI, 2012, p. 39).
Denota-se, então, a importância desta etapa do ciclo de formação de políticas públicas, com a análise concreta do problema público frente às alternativas pensadas em meio às técnicas disponíveis, para a maior eficácia da medida, afastando as soluções possíveis baseadas em mero sendo comum ou “achismo” (MONTEIRO, 2021).
A atuação do Ministério Público nesta fase será pautada no necessário diálogo institucional com os órgãos estatais responsáveis pela política pública, para uma análise conjunta da viabilidade das alternativas aferidas para a consecução finalística de resolver o problema.
3.4. Tomada de decisão
É a fase em que a política pública elaborada para a solução do problema objeto de estudos e das tratativas pelos atores políticos será efetivamente criada. Nesta fase, os interesses dos atores são equacionados e as intenções (objetivos e métodos) de enfrentamento de um problema público são explicitadas” (SECCHI, 2012, p. 40).
Ressalta-se que a tomada de decisão é fase importante do processo de elaboração e concretização de uma política pública, vez que deve considerara a totalidade das informações disponíveis e alocá-las de uma forma possível a se permitir concretizar o planejamento, sob pena de frustrar os resultados esperados, conforme ensina SECCHI:
[f]requentemente, após serem tomadas as decisões, as políticas públicas não se concretizam conforme idealizadas no momento do planejamento, seja por falta de habilidade administrativo-organizacional, seja por falta de legitimidade da decisão ou pela presença de interesses antagônicos entre aqueles que interferem na implementação da política pública (SECCHI, 2012, p. 42).
Assim, evidencia a tomada de decisão fase complexa do processo de elaboração e implantação de uma política pública, posto que envolve processos de caráteres diversos, inclusive orçamentários (MONTEIRO, 2021), dependentes de expertise dos atores públicos responsáveis, com o risco de condenar o projeto elaborado para solucionar o problema público.
Nesta fase a atuação no Ministério Público é salutar, todavia, da mesma forma que na etapa anterior, parecer estar mitigada ao exame da adequação e necessidade da medida aventada frente ao problema apresentado.
3.5. Implementação
A fase de implementação do processo de elaboração de uma política pública é aquela que dá concretude a todas as análises e decisões tomadas nas demais fases antecedentes. É uma “fase em que todo o planejamento, estudos, negociações e decisões são colocados em prática e a política ‘sai do papel’” (MONTEIRO, 2021, p.51).
Ademais, é na fase de implementação que, notadamente, restam evidenciados os equívocos do processo de elaboração da política pública, que, se não observados e superados, obstaculizarão a devida solução do problema constatado. Sobre o tema:
[a] importância de estudar a fase de implementação está na possibilidade de visualizar, por meio de instrumentos analíticos mais estruturados, os obstáculos e as falhas que costumam acometer essa fase do processo nas diversas áreas de política pública (saúde, educação, habitação, saneamento, políticas de gestão, etc). Mais do que isso, estudar a fase de implementação também significa visualizar erros anteriores à tomada de decisão, a fim de detectar problemas mal formulados, objetivos mal traçados, otimismos exagerados (SECCHI, 2012, p. 45).
Outrossim, pela possibilidade do surgimento de novos problemas durante todo o processo de implantação é que se faz necessária uma atuação direta e próxima dos implementadores da política pública (MONTEIRO, 2021).
Dessa forma, o sucesso da fase de implementação de uma política pública depende tanto de boas escolhas tomadas nas fases anteriores como a atuação próxima dos atores políticos aos atos concretos de implantação, acompanhando o surgimento de obstáculos antes impensados e, se necessário, apresentando alternativas para sua superação.
Frise-se que a atuação do Ministério Público durante a implementação da política pública assim como pensada e desenhada pelos atores políticos tem por objetivo a fiscalização do cumprimento da decisão tomada pelos atores estatais, garantindo o cumprimento de sua finalidade. A fiscalização permite a identificação célere de novos problemas que comumente podem surgir durante a execução de uma política pública, permitindo alterações precisas no plano para garantir da melhor forma o direito aventado.
3.6. Avaliação
A fase de avaliação da implementação de uma política pública tem por fim constatar se o planejamento traçado para a resolução do problema público está correspondendo no plano fático. Indaga-se se o problema antes percebido está sendo mitigado ou resolvido da forma como planejada.
Para esta análise fática do atingimento dos objetivos esperados “não pode levar em consideração apenas aspectos jurídicos, como a legalidade e eficiência administrativa, mas também a eficácia e a menor utilização dos recursos públicos” (MONTEIRO, 2021, p. 54).
Neste sentido, SECCHI (2012) aponta que dentre os critérios para a avaliação de uma política pública são imperiosos a eficiência administrativa e eficácia. A eficiência administrativa corresponde à conformação da execução com aquilo que foi prescrito, enquanto a eficácia aprecia o nível de alcance dos objetivos e metas estabelecidos (SECCHI, 2012, p. 50).
Assim, como todas as outras fases do ciclo de política pública, a avaliação tem finalidade precípua na análise da adequação dos meios escolhidos quando postos em uma realidade fática, por meio de critérios específicos que demonstrarão a pertinência ou não das formas utilizadas para a correção do problema público. Também a atuação do Ministério Público estará pautada em atividade precipuamente fiscalizatória, assim como na etapa anterior.
3.7. Extinção
Etapa derradeira do ciclo das políticas públicas. Ocorre por diferentes hipóteses como: a resolução do problema pretendido, a ineficácia da política pública formulada, a perda da importância do problema e sua exclusão da agenda (SECCHI, 2012).
Interessante destacar, conforme ensina SECCHI (2012), que, havendo sucesso de uma política pública, será institucionalizada e permanecerá nos quadros do Estado mesmo com a resolução do problema originário.
Neste contexto, a atuação do Ministério Público denota importância na aferição de atingimento da finalidade esperada e a adequada consagração do direito.
Por fim, o ciclo de políticas públicas é importante diretriz para a implementação de soluções necessárias aos problemas públicos constatados. Apesar de algumas das fases que o compõem parecerem se confundir na realidade fática, são interdependentes e balizam a atuação dos atores políticos, a fim de uma forma organizada e racional buscar as melhores alternativas.
4. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A Constituição Federal de 1988 tratou do Ministério Público em seção especial, no capítulo atinente às funções essenciais à justiça, enaltecendo sua importância no atual sistema de justiça.
O legislador constituinte originário definiu o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, com a incumbência de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Em verdade, pela mera leitura dos dispositivos constitucionais sobre o assunto, nota-se que o Ministério Público assume papel de prestígio no sistema de justiça, superando a ideia anterior difundida coletivamente sobre sua função meramente acusatória e de atuação especial em expedientes de natureza criminal.
O Ministério Público tem função de zelar por institutos constitucionais sensíveis e os direitos dele decorrentes.
A essencialidade das atribuições conferidas ao Ministério Público é confirmada por entendimento da doutrina especializada e dos tribunais superiores sobre o caráter de ser a instituição cláusula pétrea heterotópica e direito fundamental dos indivíduos (MAZZILLI, 2014, p. 118).
Outrossim, ao conferir ao Ministério Público a função institucional de defender e garantir direitos de natureza individual ou coletivos, notadamente os sociais, a Constituição Federal conferiu legitimidade para sua atuação além da mera tutela judicial.
O Ministério Público deixa de ser meramente demandista e passa a ter atuação pautada na resolutividade dos conflitos. Demandista é característica tradicional da instituição pautada na busca da obediência irrestrita aos dispositivos normativos em caso de desconformidade, com a propositura de demandas para a resolução dos conflitos. Por sua vez, a característica do Ministério Público resolutivo, sem deixar a necessária obediência à lei, tem por ideal a solução dos conflitos por meios outros, pautados no diálogo institucional e meios concertados, buscando maior eficiência e celeridade nas respostas, evitando-se o irrestrito socorro ao Poder Judiciário (GOULART, 1998).
Deste contexto é que se extrai a legitimidade do Ministério Público para defesa e garantia de direitos constitucionalmente previstos em favor dos indivíduos, sendo a necessidade de previsão de instrumentos facilitadores desta atuação imperiosa.
Para além da concepção tradicional da propositura de ações perante o Poder Judiciário, o Ministério Público conta com instrumentos outros facilitadores de sua atuação resolutiva.
Neste contexto, note-se que para além dos instrumentos previstos na legislação ordinária federal, há também legislação estadual específica (notadamente àquela que regulamenta os Ministérios Públicos estaduais), bem como atos normativos diversos, vez que o Conselho Nacional do Ministério Público e as próprias instituições estaduais têm competência para regulamentar a matéria em questão. Decorre da teoria dos poderes implícitos em que a Constituição, ao conceder uma função a determinado órgão ou instituição, também lhe confere, implicitamente, os meios necessários para a consecução desta atividade.
A título de exemplo, são instrumentos comumente utilizados pelo Ministério Público em sua atuação finalística para além das ações judiciais: procedimento preparatório para inquérito civil, inquérito civil, acordos, recomendações, e ainda procedimentos administrativos, dentre outros.
Neste ínterim é de destaque o papel tomado pelos procedimentos administrativos, em especial quanto à possibilidade de sua utilização como instrumento de acompanhamento da implantação das políticas públicas. Outrossim, consagrando a sobredita teoria dos poderes implícitos, a Resolução 174, de 04 de julho de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público que disciplina a tramitação de instrumentos no âmbito do Ministério Público, define o procedimento administrativo como instrumento próprio da atividade-fim institucional, dentre os quais acompanhar e fiscalizar, de forma continuada, políticas públicas ou instituições.
A própria natureza procedimental administrativa do instrumento em conceito se afasta da característica inquisitorial dos inquéritos instaurados para apuração de condutas ilícitas, sendo que a sua função principal é acompanhar e fiscalizar as atividades que envolvam dos fins institucionais, em especial o respeito ao interesse público.
O procedimento administrativo é instrumento essencial e adequado para pautar a atuação do Ministério Público na implementação de políticas públicas, sem afastar a possibilidade da utilização de outros a depender da casuística apresentada.
Certo é que, a depender do grau de implementação de determinada política, a atuação do Ministério Público deverá ser ativa em um diálogo institucional para iniciar a discussão acerca de um problema, suas alternativas e alocação na agenda, ou seja, nas primeiras fases do ciclo de políticas públicas, com os atores estatais, sem afastar a possibilidade da propositura de demanda judicial.
Após superadas as fases iniciais, em que determinada política pública já teve sua devida importância reconhecida, o procedimento administrativo passa a ser o instrumento central da implementação. É por sua utilização que será verificada a idoneidade dos meios até então empregados na implementação da política pública conforme anteriormente pensada, possibilitando a readequação de institutos em caso de descompasso finalístico, garantindo maior assertividade.
Portanto, a utilização do instrumento do procedimento administrativo possibilita uma atividade do Ministério Público preventiva, garantindo maior eficiência, eficácia e efetividade na implementação da política pública, para uma melhor gestão dos fatores, solução de problemas e garantindo melhores resultados.
5. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, conclui-se que as políticas públicas são meios essenciais para a consecução dos fins estatais constitucionalmente previstos, notadamente para a garantia de direitos sociais de natureza fundamental.
A atuação do Ministério Público neste contexto é festejada, posto que a instituição tem por finalidade constitucional a garantia do interesse público, inclusive, contrapondo-se aos interesses diversos dos agentes estatais, se necessário para a defesa dos anseios sociais e a consagração de seus direitos.
Pela complexidade da matéria, em que pese a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário em atuação demandista do Ministério Público, sem que seja aventada a impossibilidade de intervenção na discricionariedade administrativa, tendo em vista a natureza dos direitos sociais mínimos, prefere-se a atuação extrajudicial junto aos agentes estatais, em vista de melhores resultados.
A utilização do ciclo de políticas públicas é referencial facilitador das atividades dos agentes estatais, pois divide em fases a problemática, garantindo melhor percepção das necessidades, busca por soluções e melhores resultados na implementação.
O Ministério Público atua de forma mais ou menos ativa em cada uma das fases do ciclo de políticas públicas, a depender da necessidade apresentada no caso concreto, realizando diálogo institucional com os agentes estatais na busca de melhores resultados e diálogo com a sociedade para garantir legitimidade a democrática. Para tanto utiliza-se dos meios previstos nos atos normativos diversos existentes no ordenamento jurídico nacional, em especial dos que pautam uma atuação resolutiva, como recomendação, acordo e procedimento administrativo de acompanhamento.
Portanto, o Ministério Público é instituição de presença essencial no processo de implementação de políticas públicas, facilitado pela sua divisão em fases do ciclo, com a possibilidade da utilização de instrumentos diversos para garantir os melhores resultados na concretização dos direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Vitorelli, Edilson. Processo Civil Estrutural: Teoria e Prática. 3 edição. São Paulo: Editora Juspodvm, 2022.
Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos. 7 edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.
SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengage Learning, 2012.
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
WALTER, José Francisco Russo. A atuação do Ministério Público na implementação de políticas públicas. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2023, n. 1, aprovado e publicado em 10/11/2023. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-atuacao-do-ministerio-publico-na-implementacao-de-politicas-publicas/. Acesso em: 28/10/2025.
