Uma Análise inicial acerca dos diversos conceitos que permeiam o Direito Antidiscriminatório

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito, Saúde Pública

Este artigo foi revisado e aprovado pela equipe editorial.

Aprovado em 25/01/2024

15/01/2024

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Sílvia Missano Costa

Curriculo do autor: Graduada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e pós graduada em Direito Civil e do Consumidor.

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Resumo

O direito antidiscriminatório é tema recorrente não só em concursos públicos, mas também no próprio âmbito das decisões dos Tribunais Superiores. Considerando que é temática atual, pertinente e extremamente necessária, o escopo deste estudo é fornecer e elucidar conceitos e termos relacionados à questão, a fim de facilitar a compreensão dos leitores.

Palavras-Chave

direito antidiscriminatório. conceitos.

Abstract

Anti-discrimination law is a recurring theme not only in public tenders, but also within the scope of Superior Court decisions. Considering that it is a current, pertinent and extremely necessary topic, the scope of this study is to provide and elucidate concepts and terms related to the issue, in order to facilitate readers' understanding.

Keywords

Anti-discrimination law. concepts.

1. INTRODUÇÃO

O princípio da igualdade deve ser visualizado sob três aspectos: formal, material, e como reconhecimento.

Sob a luz do critério formal, diz respeito ao tratamento isonômico conferido a todos, devendo ser complementado pelo viés material, a fim de que essa isonomia incida sob os que se encontram em situação semelhante. Ou seja, deve vigorar a máxima de “tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na medida em que se desigualam”.

A igualdade como reconhecimento vai além. Busca conferir o olhar atento e diferenciado a determinados grupos que, ao longo do processo histórico, foram discriminados e esquecidos.

O direito antidiscriminatório vem discutir tentativas de correção dessa situação, utilizando-se do direito como instrumento de luta antirracista.

2. CONCEITOS

2.1. Racismo, preconceito e discriminação

Não há como discutir direito antidiscriminatório sem, antes, conceituar o próprio racismo que, por definição simplista, se trata de forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento.

Saliente-se que raça, para o âmbito jurídico, não está necessariamente vinculada a aspectos genéticos ou fenotípicos, abordando, também, toda uma perspectiva cultural.

Destaca-se, também, que o racismo se diferencia de preconceito, em que pese sejam constantemente utilizados como sinônimo pela opinião pública. Preconceito é, na verdade, juízo baseado em estereótipos, situando-se, portanto, no âmbito subjetivo, podendo ou não descambar para a discriminação (âmbito objetivo).

A discriminação racial, por sua vez, pode ser direta ou indireta, conceitos que passaremos a abordar.

A primeira, nada mais é do que o preconceito concretizado em atos materiais, ou seja, é um marcador social que se coloca em determinada pessoa.

A segunda, pode ocorrer através de uma omissão de fato (quando se sabe da existência da segregação, mas nada se faz a respeito), ou por ações neutras.

A respeito desta última (discriminação racial indireta por ações neutras), é importante que se faça uma abordagem mais completa, uma vez que deu origem ao que se convencionou chamar de “Teoria do Impacto Desproporcional ou Adverso”.

Referida teoria tem origem norte-americana e está intrinsecamente relacionada com a igualdade material. Tem por objeto a análise dos impactos discriminatórios de atitudes estatais ou particulares que, mesmo inicialmente revestidas de neutralidade, causam efeitos desproporcionais ou adversos aos originalmente previstos. Sua finalidade é, portanto, combater a discriminação indireta.

O leading case da teoria abordada foi o caso Griggs vs Duke Power CO, quando a companhia utilizou, como critério para promoção de funcionários, testes de conhecimentos gerais o que, no caso concreto, caracterizou ato discriminatório indireto. Em que pese pareça ação isonômica, prejudicou, sobremaneira, os trabalhadores que, historicamente, foram excluídos das políticas públicas educacionais básicas.

Um exemplo a título nacional, seria justamente a previsão de representação do ofendido para os crimes de lesão corporal leve no contexto de violência doméstica, o que, em concreto, evidenciou prejuízo às mulheres.

Há, ainda, a discriminação racial positiva que, já muito discutida no âmbito doutrinário e jurisprudencial, deu origem às ações afirmativas, a exemplo das cotas, que já tiveram sua constitucionalidade expressamente afirmada pelo Supremo Tribunal Federal.

Por fim, discute-se a existência de diversos tipos de racismo, dentre os quais é mister abordar ao menos os principais e mais discutidos.

O racismo enquanto concepção individualista é corrente que nega o problema macro e não concebe a sociedade como racista, mas afirma que há indivíduos racistas e que estes devem ser responsabilizados. É um pensamento confortável que, no entanto, encontra-se equivocado, pois deixa de explicar e de exigir mudanças efetivas.

Limitar o racismo às situações individuais e concretas é o que se chama de crítica que não incomoda, pois não muda as regras do jogo. Em que pese defendam a punição dos atos particulares que tenham teor racista, o status quo permanece inalterado.

O racismo como institucional é possível de ser visualizado tanto na estrutura dos órgãos públicos, considerando a proporção entre cidadãos brancos e pretos em cargos de poder, como também sob a perspectiva social, ao analisarmos as próprias instituições socialmente atribuídas, como, a título de ilustração, o elevador de serviço e a forma como ainda é utilizado em alguns condomínios.

O racismo estrutural, por fim, é mais complexo. Entende que a própria estrutura da sociedade se formou em base racista e que, portanto, certas condutas discriminatórias estão tão enraizadas, que por vezes são vistas como normais. O racismo acaba sendo “normalizado”, pois sua percepção exige esforço e mudanças profundas.

Diversos outros tipos de racismo são mencionados pelos estudiosos e aplicadores do Direito, como racismo ambiental e recreativo, sendo também conceitos importantes e que devem ser pesquisados.

2.2. Interseccionalidade

Por fim, conceito não menos importante diz respeito à interseccionalidade, sendo esta a combinação ou soma de fatores de discriminação.

Em outras palavras, é uma discriminação qualificada ou agravada, uma vez que ocasionada por mais de um critério.

O caso Alyne Pimentel ilustra o conceito.

No referido caso, o Estado brasileiro foi responsabilizado pela CEDAW por não prestar o atendimento médico adequado desde o início das complicações da gravidez de Alyne, mulher negra e pobre. De acordo com o referido órgão, a ausência na prestação do serviço decorreu de atitude discriminatória.

A urgência da interseccionalidade é recorrente tema das obras de Kimberlé Crenshaw, das quais é possível extrair o seguinte: não há como discutir discriminação sem recorte de raça, genêro e classe social.

3. CONCLUSÃO

É fato que toda discriminação baseada em critério racial é cientificamente falsa, moralmente repudiável e juridicamente punível.

É necessário visualizar o âmbito jurídico sob a perspectiva da teoria crítica da raça, indicando o direito como espaço de disputa e trazendo o elemento da raça para o debate.

Considerando que não é porque existem raças que existe racismo, mas é porque existe racismo que existem raças, não é só recomendável, como é essencial, conforme mencionado, utilizar o direito como instrumento na luta antirracista, conferindo a adequada atenção e importância, também, ao tema da interseccionalidade.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Sílvia Missano. Uma Análise inicial acerca dos diversos conceitos que permeiam o Direito Antidiscriminatório. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciências Humanas, Direito, Saúde Pública, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2024, n. 2, aprovado e publicado em 25/01/2024. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/uma-analise-inicial-acerca-dos-diversos-conceitos-que-permeiam-o-direito-antidiscriminatorio/. Acesso em: 24/04/2025.