Prescrição nos contratos de execução diferida com cláusula de vencimento antecipado
Autores
Resumo
O presente artigo analisa os efeitos da cláusula de vencimento antecipado da dívida, comum em contratos de execução diferida como o financiamento imobiliário, sobre o instituto da prescrição. O estudo parte da problemática gerada pela controvertida interpretação jurisprudencial, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acerca do termo inicial para a contagem do prazo prescricional quando do inadimplemento do devedor. Por meio de uma análise dogmática dos conceitos de prescrição, das classificações dos contratos de duração e de uma revisão crítica de precedentes, o trabalho argumenta que a solução majoritária adotada pelos Tribunais é tecnicamente equivocada. Critica-se a tese de que, embora a cláusula não altere o dies a quo da prescrição de cada parcela, o prazo para a cobrança do valor integral só se iniciaria após o vencimento da última prestação contratual, o que beneficia indevidamente o credor e contraria a dogmática jurídica. Em contrapartida, defende-se a corrente minoritária que propõe a coexistência de pretensões distintas e autônomas: uma para cada parcela vencida e outra, nova e específica, para a totalidade da dívida acelerada, cada qual com seu respectivo e independente prazo prescricional. Conclui-se que esta última abordagem é a que melhor se coaduna com a correta aplicação dos institutos, promovendo maior segurança jurídica.
Palavras-ChavePrescrição; Cláusula de Vencimento Antecipado; Contratos de Execução Diferida; Termo Inicial; Obrigação de Trato Sucessivo
Abstract
This article examines the effects of the debt acceleration clause, common in installment contracts such as real estate financing, on the statute of limitations. The study addresses the issue arising from the controversial jurisprudential interpretation, particularly by the Superior Court of Justice (STJ), regarding the commencement date of the limitation period upon the debtor's default. Through a dogmatic analysis of the concepts of the statute of limitations, the classifications of continuing contracts, and a critical review of precedents, the paper argues that the majority position adopted by the courts is technically flawed. It criticizes the thesis that, although the clause does not alter the dies a quo of the limitation period for each installment, the period to claim the full amount would only commence after the due date of the final contractual installment—a position that unduly benefits the creditor and contradicts legal doctrine. Conversely, the paper advocates for the minority view, which proposes the coexistence of distinct and autonomous claims: one for each overdue installment and another, new and specific, for the entirety of the accelerated debt, each with its own respective and independent limitation period. It is concluded that this latter approach best aligns with the correct application of these legal concepts, thereby promoting greater legal certainty.
KeywordsStatute of Limitations; Acceleration Clause; Installment Contracts; Dies a quo; Continuing Obligation.
1. PRESCRIÇÃO.
1.1. CONCEITO DE PRESCRIÇÃO.
Prescrição é uma exceção. Não é aquisição nem perda de direito, mas tão somente uma exceptio, de modo que sua eficácia é sempre declarativa. Ou seja, as sentenças que acolhem ou rejeitam a exceção de prescrição possuem eficácia declaratória.
Nesse sentido, toda exceção tem como efeito o encobrimento de um direito, pretensão, ação ou exceção, sendo essa a ideia defendida, com propriedade, por Pontes de Miranda:
A exceção, pois que não elimina no todo, nem em parte, o direito, a pretensão, ou a ação, ou outra exceção, e só lhes atinge a eficácia, para a encobrir, até onde vá a do direito, pretensão, ou ação, de que emana, não torna teoricamente ineficaz o direito, a pretensão, ou a ação, ou exceção, contra que se dirige, — apenas os torna praticamente ineficazes, porque, encoberta, a sua eficácia não pode contra-ocorrer, temporal ou definitivamente (PONTES DE MIRANDA, , 1955, p. 8).
Considerando a natureza jurídica de prescrição como sendo uma exceção, sua eficácia também só poderia ser de encobrimento. No caso, a prescrição encobre a eficácia de uma pretensão, e, por conseguinte, do direito, por retirar-lhe sua exigibilidade. Esse também é o pensamento pontiano: “a prescrição não atinge, de regra, somente a ação; atinge a pretensão, cobrindo a eficácia da pretensão, e pois, do direito, quer quanto à ação, quer quanto ao exercício do direito mediante cobrança direta (…) ou outra manifestação pretensional” (PONTES DE MIRANDA, 1955, p. 102).
Reforçando essa posição, Agnelo Amorim tece as seguintes considerações:
“o efeito imediato da consumação do prazo prescricional é um efeito criador: faz nascer, em favor do prescribente, uma exceção substancial cuja atuação depende exclusivamente de sua vontade (…) a prescrição não tem efeito extintivo nem mesmo quando oferecida a exceção pelo prescribente: o que ocorre, então, é apenas o encobrimento da eficácia da pretensão, e não a sua extinção” (AGNELO AMORIM FILHO, 1961, p. 116).
Apesar da solidez desses argumentos, há autores que defendem que a prescrição extingue a ação[1]. Equivocadamente, não vislumbraram a diferença entre pretensão e ação, sendo esta um plus em relação àquela[2]. Ora, se a prescrição atingisse somente à ação, isso implicaria em afirmar que o credor continuaria podendo exigir (exercer sua pretensão) do devedor o pagamento de determinada dívida, ainda que na esfera extraprocessual, mesmo após o decurso do prazo prescricional.
Certamente, muito dessa distorção reside na mistura dos conceitos de pretensão e ação. A pretensão é a “posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa” (PONTES DE MIRANDA, 1970, p. 52)[3]. É posição jurídica que emana de um determinado direito, conferindo-lhe exigibilidade (PONTES DE MIRANDA, 1970, p. 53). Caracteriza-se pela sua condição de tensão a algum ato ou omissão dirigida ao sujeito passivo da relação jurídica. Possui como correlato uma obrigação exigível[4]. Diferentemente, a ação é plus ao poder exigir: exige-se, agindo para a satisfação daquilo que foi exigido. Pode-se agir extraprocessualmente (ação material, v.g., o credor que se dirige até a casa do devedor e se apropria de bens para quitar a dívida), ou processualmente (ação processual, ou somente “ação”, v.g., o credor que propõe ação condenatória em face do devedor, a fim de vê-lo condenado a pagar a dívida).
Sintetizando essa distinção, Pontes de Miranda assevera: “A pretensão contém exigir; a ação, além de exigir, (ex-igere), que é premir para que outrem aja, leva consigo o agere do que pretende: ação sua; e não de outrem premido.” (PONTES DE MIRANDA, 1970, p. 48). O mesmo autor elenca três posições em vertical: direito subjetivo, pretensão e ação. As duas últimas, aparentemente, são confundidas com certa frequência por juristas, sendo importante para o bom entendimento do presente trabalho distingui-las com clareza.
Considerando a ação o objeto da prescrição, Clóvis Beviláqua, autor do projeto que deu origem ao Código Civil de 1916, fez refletir seu posicionamento nos dispositivos do antigo código que tratavam da prescrição. Veja, por exemplo, os §§1º e 2º do art. 178, que literalmente atribuem à prescrição determinada ação[5].
Esse pensamento dominante deixou de ser compatível com a sistemática processual a partir de 1973, com a edição do Código de Processo Civil. Nele, considerava-se de mérito o julgamento que extinguisse o processo por reconhecer a ocorrência de prescrição ou decadência (CPC1973, art. 269, IV). Seria ilógico, portanto, continuar a afirmar que a prescrição extinguia a ação, tendo em vista que, com a resolução de mérito pelo juiz, a ação foi exercitada e produziu efeitos normalmente.
Outros autores, indo mais além, chegam ao ponto de afirmar que a prescrição extingue o direito[6]. Esse entendimento é refutado pela simples leitura do art. 882 do Código Civil (“Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível”).
Ressalva-se, contudo, que, nas palavras de Pontes de Miranda, “quando se diz ‘dívida prescrita’ elipticamente se exprime ‘dívida com pretensão (ou ação) prescrita; portanto dívida com pretensão encobrível (ou já encoberta) por exceção de prescrição” (PONTES DE MIRANDA, 1955, p. 103). Portanto, a leitura do artigo deve levar em conta a interpretação mais correta do instituto, o mesmo valendo para o art. 189 do Código Civil, que, equivocadamente, prescreve a extinção da pretensão, quando na verdade a exceção de prescrição apenas encobre-lhe a eficácia[7].
Além disso, tem-se que se o direito de crédito estivesse extinto, não haveria de onde irradiar o direito à irrepetibilidade previsto nesse artigo.
Portanto, não restam dúvidas de que o instituto da prescrição encobre a eficácia da pretensão, não havendo razões para atribuir-lhe a extinção de direitos ou ações.
Em decorrência disso, o conceito de prescrição não admite confusão com o instituto do usucapião, apesar de alguns autores, distorcidamente, alcunharem este de “prescrição aquisitiva”. Ambos possuem natureza jurídica distinta: um, exceção processual; o outro, meio de aquisição de propriedade. Nessa esteira, suas raízes já indicavam a distância que há entre eles, conforme exposto por Câmara Leal:
(…) o usucapião, meio aquisitivo de propriedade, e a prescrição longi et logissimi temporis, meio extintivo da reivindicatória, conservaram-se como institutos diversos, constituindo um: título de aquisição da propriedade, e representando outro: simples exceção processual contra a reivindicação. (CÂMARA LEAL, 1959, p. 19)
Talvez, pela unificação, executada por Justiniano, dos efeitos do usucapião com os do praescriptio aplicado à ação reivindicatória, essa corrente unitária do conceito de prescrição tenha se originado.
A prescrição, analisando-a sob a ótica classificatória do fato jurídico, é um ato-fato jurídico. Com efeito, reunidos os elementos do suporte fático da prescrição, incide a regra jurídica da prescrição, entrando no mundo jurídico o fato jurídico da prescrição. Cumpre mencionar que trata-se ato-fato jurídico devido à irrelevância da vontade humana no suporte fático — donde ser possível prescrição contra pretensão titularizada por relativamente incapaz.
O ato-fato jurídico da prescrição engendra o direito de exceção (ius exceptionis), que, caso exercido, encobre a eficácia da pretensão a que se destina, por meio de uma sentença declaratória.
Pela sua natureza de exceção, sua alegação atinge o plano da eficácia de determinado ato jurídico lato sensu, de modo que sua colocação em um processo é sempre prévia, embora de mérito.
Pontes de Miranda elenca como suporte fático da regra jurídica da prescrição três elementos: a) possibilidade[8] de pretensão ou ação; b) prescritibilidade da pretensão ou da ação; c) o decurso do prazo prescricional (tempus), sem interrupção (PONTES DE MIRANDA, 1955, p. 111). Havendo situação fática em que os três elementos se reúnam, dá-se automaticamente a incidência da regra jurídica que reconhece a prescrição, implicando nas consequências ditas anteriormente.
Passando à análise teleológica, tem-se por seu fundamento a segurança jurídica, pois busca impedir que uma situação jurídica instável (onde houve violação à norma jurídica, ou descumprimento de obrigação, fatos que deflagram a prescrição) perdure indefinidamente.
Inclusive, essa busca pelo retorno ao equilíbrio das relações jurídicas justifica-se pela depreciação natural das provas que poderiam vir a ser utilizadas por alguém supostamente acusado de ser um devedor. Nesse caso, uma pretensão imprescritível gera ao suposto devedor um ônus de guardar por tempo indefinido as provas de determinada relação jurídica. Dessa forma, a prescrição também serve para evitar que tais demandas, cujas provas se deterioraram, venham à tona e possam causar danos a terceiros.
A partir do exposto, é possível, enfim, conceituar a prescrição como uma exceção contra a pessoa que não exerceu, durante um prazo definido por regra jurídica, determinada pretensão ou ação, encobrindo-lhe a eficácia após o decurso do prazo.
1.2. INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL.
O art. 189 do Código Civil prescreve que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
Interpretando-o literalmente, a pretensão nasce após determinado direito ter sido violado, e, após o decurso de prazo definido em lei, dá-se o fenômeno da prescrição, extinguindo a pretensão (leia-se “encobrindo sua eficácia”).
Daí infere-se que o prazo prescricional deflagra com o nascimento da pretensão, salvo existam causas que impeçam seu surgimento (CC, arts. 197 a 200). À igual conclusão chega o Prof. José Fernando Simão, ao pontuar que “realmente, em se tratando de prescrição, eta se inicia ao nascer a pretensão, portanto, desde que o titular do direito pode exigir o ato ou a omissão” (SIMÃO, 2013, p. 207).
A forma como foi redigido o dispositivo suscita questionamentos. A pretensão, para nascer, necessita de uma violação de direito, ou há pretensões que nascem independentemente de violação? Em breves palavras: é a violação um pressuposto para o nascimento da pretensão?
Certamente, a resposta é não. Veja-se o caso das pretensões emanadas de direitos reais. O proprietário, somente em razão de deter uma propriedade, possui pretensão à abstenção erga omnes. Nos dizeres de Pontes de Miranda: “há pretensões, que se manifestam na proibição geral de turbação e esbulho” (PONTES DE MIRANDA, 1955, p. 461).
Essa pretensão caracterizada pela proibição geral não pressupõe uma violação prévia para ser exercitável. Caso haja alguma violação ao direito de propriedade, que implique em dano, surgirá uma nova pretensão, inconfundível com aqueloutra. Verifica-se, portanto, a coexistência de uma pretensão à abstenção e de uma pretensão à reparação do dano causado por quem descumpriu a obrigação de não fazer (abster-se).
A conclusão, portanto, é que há pretensões que não necessitam de violação do direito que lhes deu origem — sendo possível, inclusive, a coexistência de pretensões, uma anterior à violação e outra posterior. É o que advertira Pontes de Miranda, ao excluir dos pressupostos da prescrição o dano ao credor e expor a possibilidade da existência de pretensões distintas, cada qual com seu prazo prescricional e termo inicial próprios:
“No conceito de prescrição nenhum elemento há em que se aluda a dano ao credor. Pode ter-lhe sido indiferente exercer, ou não, a pretensão. A posse imediata pelo devedor não viola direito do credor; as duas posses coexistem. De modo que a prescrição começaria, contra o depositante, desde o depósito: a pretensão nasce com o ato do depósito, porque o depositário guarda a coisa até que o depositante a reclame (art.1.265); mas há o art. 168, IV, que impede a prescrição. Tratando-se de direitos absolutos, é preciso que haja o fato lesivo para que nasça a pretensão de que se trata (isto é, fora da pretensão erga omnes (…)).. Há pretensão do proprietário a que ninguém tire a coisa, tanto que se pode exercer por atos inequívocos, ainda que não dirigidos a determinada pessoa. É preciso que se não confunda com a pretensão que nasce do ato ilícito. Aquela preexiste a essa, — é contínua, unitária, de modo que não há ponto de tempo de que se possa começar de contar o prazo prescricional. A segunda, sim, nasce com a violação, que se trate de pretensão restitutória (executiva), que de pretensão cominatória, que de pretensão à indenização (condenatória). Vê-se bem a diferença entre as duas pretensões quando se põe em causa, não a pretensão à abstenção (= pretensão a prestação negativa), mas a pretensão a prestação positiva permanente: enquanto o devedor presta, satisfaz a pretensão; se cessa de prestar, viola o direito do credor e nascem a pretensão à restituição, a pretensão à cominação para não se continuar de infringir o dever, a pretensão à indenização. Nada têm com a pretensão a prestação positiva permanente, que poda dar ensejo, por exemplo, à cominatória anterior a qualquer violação ou independente disso”. (PONTES DE MIRANDA, 1955, p. 116).
Feitas essas considerações acerca da redação do dispositivo, advertindo a existência de pretensões que prescindem de violação ao direito, pode-se avançar no tema do início dos prazos prescricionais.
Há uma tendência na doutrina a utilizar como ponto de partida para a prescrição o conceito de actio nata aprimorado por Savigny. Conforme dito pelo Prof. José Fernando Simão, Savigny elenca duas condições para o nascimento do direito de ação: um direito relvante, atual e suscetível de ser reclamado e juízo; e uma violação do direito, dando ensejo à ação do titular (SIMÃO, 2013, p. 205).
Câmara Leal também condiciona o nascimento da ação (actio nata) à existência de um direito atual e de uma violação a esse direito. Para o autor, a existência regular de um direito consiste no respeito por todos das obrigações a ele correlatas, sejam positivas ou negativas. A partir do momento em que há uma perturbação a esse direito, sua autoconservação é violada, fazendo-se necessário um meio de proteção que assegure sua existência. Recorre-se, então, à existência de uma ação exercitável assaz suficiente para tutelar o direito violado (CÂMARA LEAL, 1959, p. 32-33).
Com mais razão, Pontes de Miranda faz as seguintes ponderações:
“A regra é que a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão, ou da ação. A pretensão nasce quando já se pode exigir de alguém ato ou omissão; a ação, quando já pode ser intentada, ou já se podem praticar os atos necessários à sua intentação (propositura). A pretensão real supõe a existência do direito real, ou situação real (posse); a pretensão pessoal, a do crédito, ou direito pessoal” (PONTES DE MIRANDA, 1955, p. 281).
Com efeito, o nascimento da pretensão está atrelado à exigibilidade de determinada prestação, ainda que não tenha havido violação (e.g., a pretensão à restituição do bem sob a guarda do depositário; CC, art. 627). Passando a ser o ato ou omissão exigíveis, surge a pretensão, e, por consequência, inicia-se o prazo prescricional.
Isso não implica em negar a existência de pretensões nascidas após a violação de um direito. Há, sim, pretensões nascidas concomitantemente à violação de um direito (e.g., pretensão de indenização por ato ilícito; CC, art. 186). Em vista disso, o Prof. José Fernando Simão assevera:
“Só depois da violação do direito ou do fato de se haver o direito tornado exigível ou ajuizável é que se pode dizer que actio nata est. Sem a ação ter nascido, não pode ela morrer, porque coisa alguma morre sem primeiro ter nascido” (SIMÃO, 2013, p. 206).
Portanto, a prescrição inicia seu curso a partir do momento em que a pretensão nasce[9], a qual, por sua vez, manifesta-se assim que determinada prestação (ato ou omissão) é exigível pelo titular da pretensão, independentemente de ter havido violação prévia ao direito do qual emana a pretensão.
Calcado nessa premissa, uma outra indagação exsurge ao operador que se depara com o estudo do instituto da prescrição: a pretensão depende do conhecimento do seu titular para seu nascimento?
A importância dessa pergunta se justifica pelo fato de o prazo prescricional deflagrar com o nascimento da pretensão. Não se trata, pois, de uma questão supérflua e desprovida de efeitos práticos.
A doutrina é fértil sobre esse ponto. Câmara Leal defende que a prescrição começa a correr desde o momento em que o titular da ação tem ciência da violação do direito (CÂMARA LEAL, 1959, p. 33). Savigny, por sua vez, atribui um viés exclusivamente objetivo ao marco inicial, afirmando ser irrelevante o conhecimento pelo titular da violação (SAVIGNY apud SIMÃO, 2013, p. 212). Pontes de Miranda, por fim, decreta:
“Para que nasça a pretensão não é pressuposto necessário que o titular do direito conheça a existência do direito, ou a sua natureza, ou validade ou eficácia, ou a existência da pretensão nascente, ou da sua extensão em qualidade, quantidade, tempo e lugar da prestação, ou outra modalidade, ou quem seja o obrigado, ou que saiba o titular que a pode exercer.” (PONTES DE MIRANDA, 1955, p. 117).
Analisando essa questão estritamente pela natureza jurídica do instituto da prescrição (ato-fato jurídico), Marcos Bernardes de Mello pontua ser irrelevante a ciência do titular, uma vez que a prescrição, ato-fato jurídico que é, ignora a vontade humana para fins de incidência da norma:
“Não importa, portanto, se o titular da pretensão e da ação quis ou não a prescrição, ou a preclusão, ou mesmo se dela tinha ciência. Tratando-se de ato-fato jurídico, embora haja conduta e mesmo que haja vontade consciente, a norma jurídica a recebe sempre como avolitiva.” (MELLO, 2013, p. 276).
Diante disso, vislumbra-se duas vertentes, com algumas peculiaridades a depender do autor. A primeira, de cunho subjetivo, justifica o caráter punitivo da prescrição com a inércia do titular após ciente da violação do direito. A segunda, objetiva, fundamenta-se no escopo do instituto, que consiste limitar no tempo as perturbações sociais que uma violação de direito gera.
“Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar”[10], os dois pontos de vista podem ser conciliados em um viés híbrido, que exige a ciência em determinadas situações.
Atualmente, nossa legislação ainda não resolveu o problema, embora tenha no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, que condiciona ao conhecimento do dano e de sua autoria o início do prazo prescricional para se exercer a pretensão de indenização por fato do produto ou serviço, o maior exemplo da vertente subjetivista.
O Código Civil, porém, não resolve a questão da mesma forma que a lei consumerista, restando silente acerca da necessidade ou não da ciência do fato, no tocante às hipóteses de indenização.
Uma proposta conciliatória elaborada pelo Prof. José Fernando Simão consiste em aplicar distintamente as duas vertentes. O prazo prescricional só se deflagraria com a ciência do fato quando a pretensão se fundar em responsabilidade civil extracontratual. Quando, ao contrário, a pretensão emanar de responsabilidade civil contratual, presume-se que o autor deveria ter ciência do fato gerador da pretensão. E, nessa última hipótese, caso o autor ignore-o, a sua negligência em não buscar corrigir a situação de instabilidade justifica o início da prescrição (SIMÃO, 2013, p. 212-213).
Para fundamentar esse posicionamento, o autor recorre às noções de dano-evento e dano-prejuízo elaboradas por Antônio Junqueira. Dano-evento seria o ato violador do bem tutelado pelo direito. Dano-prejuízo seria o prejuízo efetivamente sofrido em decorrência da violação.
A partir dessas premissas, o Prof. José Fernando Simão afirma que o prazo prescricional, nos casos de responsabilidade civil extracontratual, devem iniciar-se após a ciência do dano-prejuízo:
“Em razão dessa distinção, percebe-se que a violação não depende do dano-evento, mas, sim, do dano prejuízo. É com ele que ocorre o nascimento da pretensão. (…) A pretensão não poderia se iniciar com o dano-evento, pois este pode não causar dano-prejuízo. É o dano-prejuízo que se indeniza e é a ele que se referem os arts. 186 e 944 do Código Civil. Também ocorrendo o dano-evento, não necessariamente será conhecido ou percebido o dano-prejuízo pela vítima. (…) Realmente, punir-se por omissão quem não sabia que poderia agir, pois ignorava a existência da pretensão, é algo que parece chocar.” (SIMÃO, 2013, p. 214).
Adotando como mais coerente com o instituto da prescrição o posicionamento do Prof. José Fernando Simão, conclui-se que: i) a pretensão nasce no momento da violação, independentemente de ciência do titular, nos casos de responsabilidade civil contratual; ii) a pretensão nasce no momento em que o titular toma ciência do dano-prejuízo[11], nos casos de responsabilidade civil extracontratual.
Em endosso a essa tese, o lusitano Menezes Cordeiro destrincha duas abordagens usuais da prescrição — objetiva e subjetiva:
“Pelo sistema objectivo, o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que, disso, tenha ou possa ter o respectivo credor. Pelo subjectivo, tal início só se dá quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito. O sistema objectivo é tradicional, sendo compatível com prazos longos; o subjectivo joga com prazos curtos e costuma ser dobrado por uma prescrição mais longa, objectiva. Como vimos, o sistema objetivo dá primazia à segurança e o subjectivo à justiça: a junção dos dois será a melhor solução de iure condendo” (MENEZES CORDEIRO, 2007, p. 166)
Esse viés conciliatório pode ser encontrado com parcimônia pela jurisprudência nacional. Como amostra, veja-se o teor do voto do Ministro Relator Marco Aurélio Bellize, no acórdão do REsp 1.347.715/RJ[12], cuja controvérsia envolvia a definição do termo inicial de prazo prescricional:
“Nessa circunstância, em que há discrepância entre o momento da lesão ao direito e do conhecimento por parte de seu titular, inviável aplicar a literalidade do dispositivo legal em comento, sob pena de reputar iniciado o prazo prescricional quando o lesado sequer detinha a possibilidade de exercer sua pretensão, em claro descompasso com a finalidade do instituto da prescrição e com a boa-fé objetiva, princípio vetor do Código Civil.
Assim, é de se reconhecer que o surgimento da pretensão ressarcitória não se dá necessariamente no momento em que ocorre a lesão ao direito, mas sim quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da violação e de toda a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito, inexistindo, ainda, qualquer condição que o impeça de exercer o correlato direito de ação (pretensão).” (trecho do voto – grifo nosso).
Em outra oportunidade, o STJ, em acórdão[13] sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, adotou expressamente a divisão defendida pelo Prof. José Fernando Simão — inclusive fazendo citação direta a sua obra. No voto do relator, faz-se a distinção entre os casos de responsabilidade civil contratual e extracontratual:
“Outrossim, percebe-se que, em sede de obrigação contratual, vige imperioso o princípio da actio nata, priorizando-se o valor segurança, de modo que os prazos prescricionais se iniciam no exato momento da violação do direito, ou seja, do descumprimento do contrato, independentemente da ciência do credor.
Ao revés, quando se trata de responsabilidade extracontratual, a primazia da segurança jurídica pode ser extremamente injusta, acabando por punir a vítima por uma negligência que não houve, olvidando-se o fato de que a aparente inércia pode ter decorrido da absoluta falta de conhecimento do dano.” (trecho do voto).
E, ainda, destaca-se a Súmula nº 278 do STJ, cujo teor segue-se: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”. Nela, é possível identificar ecos da teoria ora defendida, visto que considera-se deflagrado o prazo prescricional a partir da ciência do dano-prejuízo (incapacidade laboral) pelo segurado. Ela reflete, igualmente, a abordagem subjetiva de Menezes Cordeiro, conforme mencionado anteriormente.
Apesar desses exemplos, há casos[14] em que o STJ considera o termo inicial da prescrição a ciência da violação, ainda que o caso seja de responsabilidade civil contratual. Veja-se, por exemplo, o seguinte trecho do voto do relator Min. Raul Araújo, ao tratar da prescrição para casos de erro médico, no AgRg no Ag n 1.098.461/SP[15]:
“A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o prazo prescricional da ação para indenizar dano irreversível causado por erro médico começa a fluir a partir do momento em que a vítima tomou ciência inequívoca de sua invalidez, bem como da extensão de sua incapacidade. Trata-se, na verdade, de aplicação do princípio da actio nata, que normatiza não ser possível se pretender que alguém ajuíze uma ação sem ter ciência exata da extensão do dano sofrido”.
Por fim, cumpre pontuar que a pretensão não nasce enquanto pender condição suspensiva ou termo em relação à posição jurídica contratual da qual emana a pretensão. Ambas hipóteses tratam de situações onde não há pretensão justamente por inexistir exigibilidade. Há uma posição jurídica contratual (e.g., direito de crédito em um contrato de compra e venda de imóvel), que, enquanto não satisfeita a condição ou vencida a obrigação, encontra-se desprovido de pretensão (no mesmo exemplo, suponha que o vendedor só receberá o pagamento pelo imóvel após a data X; antes desta data, o vendedor só possui direito de crédito)[16]. Essa é a explicação de Pontes de Miranda:
“Desde que há exigibilidade, há pretensão; de modo que o problema se limita ao problema do termo ou condição concernente a vencimento. Questão precisa: ‘Crédito, cujo vencimento para a prestação ainda não se deu, já é crédito munido de pretensão?’ Que é vencimento? Vencida é a dívida exigível? Cai-se em tautologia, mas fica evidente que vencida é a dívida com obrigação, portanto há o crédito munido de pretensão. A pretensão pode surgir depois da existência do crédito; não depende da simultaneidade de nascimento; crédito não vencido é, exatamente, crédito a que ainda não nasceu pretensão; não se pode dizer, portanto, que a existência da pretensão nada tem com o vencimento” (PONTES DE MIRANDA, 1955, p. 96)
2. CONTRATOS DE DURAÇÃO E DE EXECUÇÃO INSTANTÂNEA.
2.1. CONCEITOS E ESPÉCIES.
Há uma divisão feita por alguns doutrinadores que distingue duas espécies de contratos, a partir da natureza da prestação (GOMES, 2008, p. 94).
Os contratos cuja execução pode ser realizada em uma única prestação são nomeados de execução instantânea. Com efeito, a prestação decorrente do contrato é de tal modo “que o comportamento ou conduta exigida do devedor se esgota num só momento (quae único actu perficiuntur): entrega de certa coisa; pagamento do preço; etc.” (ANTUNES VARELA, 1970, p. 61).
Essa espécie subdivide-se em contratos de execução instantânea imediata e contratos de execução instantânea diferida, ou tão só execução imediata e execução diferida. A principal diferença entre eles é o momento em que se dá a execução: enquanto neste a execução é protraída para momento futuro, naquele ela se dá contemporaneamente após a conclusão do contrato (GOMES, 2008, p. 96).
Para ilustrar essa distinção, imagine-se um contrato de compra e venda de veículo a ser importado. A entrega do bem pelo vendedor, nesse caso, não poderia ocorrer imediatamente após a formação do contrato, tendo em vista que o veículo ainda precisa ser importado. Dessa forma, a prestação é protraída para um outro momento. Caso o veículo já estivesse disponível no momento da celebração, a execução seria imediata.
Além disso, há os contratos de duração (também conhecidos por contratos duradouros ou contratos de débito permanente), que, por definição, são aqueles cuja natureza da prestação impede sua realização num só instante (GOMES, 2008, p. 94). Nos dizeres de Antunes Varela, “a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal dela uma influência decisiva na determinação do seu montante global.” (ANTUNES VARELA, 1970, p. 61). O fator determinante para identificar um contrato de duração é a relação entre o tempo e a prestação: “nas obrigações duradouras, a prestação depende do factor tempo” (ANTUNES VARELA, 1970, p. 63).
Essa modalidade de contrato também comporta subdivisão. Dá-se o nome de contratos de execução periódica (ou, a rigor, contratos de trato sucessivo) àqueles cujas prestações se repetem periodicamente ou reiteradamente[17]. Parelhamente, denominam-se contratos de execução continuada aqueles cuja prestação é única e ininterrupta (GOMES, 2008, p. 92; ANTUNES VARELA, 1970, p. 62).
Os ensinamentos de Jorge Leite Areias Ribeiro de Faria são de grande valia para o presente estudo:
“Se é certo que esta última espécie de prestações [obrigações duradouras] tem sempre de comum o facto de se protraírem no tempo — e por isso mesmo se chama duradouras —, há que ter todavia em conta que essa continuidade pode revestir uma diferente fisionomia: ela pode consistir, por um lado, num comportamento ininterrupto (num ‘dauerndes Verhalten’), e são as chamadas prestações de execução continuada (…); ela pode consistir, por outro lado, em prestações singulares que se sucedem no tempo, e, em princípio, com uma certa periodicidade (wiederkehrende einzelne Leistungen), e são as prestações reiteradas ou periódicas” (FARIA, 1987, p. 82).
A grande diferença entre as duas subdivisões é a quantidade de prestações. Enquanto nos contratos de execução continuada a prestação é uma só, de natureza contínua, nos de execução periódica há pluralidade de prestações, posto que irradiem do mesmo negócio jurídico (PONTES DE MIRANDA, 1955, §2713).
Veja-se, por exemplo, o contrato de locação. Nele, tem-se as duas espécies mencionadas. O locador possui a obrigação de manter o locatário na posse de forma pacífica até o término do contrato (Lei nº 8.245/91, art. 22, II). Trata-se de um claro exemplo de prestação ininterrupta. Já o locatário compromete-se ao pagamento do aluguel (Lei nº 8.245/91, art. 23, I) pontualmente e no prazo estipulado. Está-se diante de uma prestação de trato sucessivo (PONTES DE MIRANDA, 1955, §2689; FARIA, 1987, p. 82-83).
Não se deve vislumbrar, nos contratos de duração, uma pluralidade de contrato. Irradia, da base contratual, uma série de prestações repetidas, periódicas ou não (trato sucessivo), ou uma prestação que se protrai no tempo. Isso, contudo, não implica em afirmar a existência de vários contratos. Continua existindo apenas um (SCHUNCK, 2013, p. 56).
Em suma, deve-se levar em conta o momento em que ocorre a prestação: se instantaneamente ou prolongado no tempo[18]:
“No domínio das obrigações duradouras, podemos partir de algumas distinções básicas, atinentes às prestações. De acordo com uma clivagem tradicional, elas poderiam ser instantâneas, contínuas ou periódicas, consoante implicassem actos isolados, condutas duradouras ininterruptas ou actos diferenciados sucessivos.
A isso contrapõe-se: qualquer prestação aparentemente instantânea traduz-se, quando analisada, numa série de actos levados a cabo pelo devedor. Haverá, pois, que atender não ao número ou à conjunção dos actos a executar pelo devedor, mas antes ao momento ou momentos em que é realizado o interesse do credor. Mas relevando, aqui, o interesse objectivo, melhor nos parece reter o momento do cumprimento. De todo o modo, é claro que, em certas decorrências, as necessidades do credor (ou o seu interesse) obtêm satisfação no momento pontual do cumprimento, enquanto, noutras, elas se prolongam de forma indeterminada. O critério relevante terá, todavia, a ver com o regime pelo que apelamos ao cumprimento.” (MENEZES CORDEIRO, 2009, p. 523).
Orlando Gomes ainda identifica uma terceira categoria conhecido como contratos de execução escalonada, definindo-a da seguinte forma:
“Contratos que, se bem comportem execução única, convertem-se em contratos de execução continuada ou periódica, porque as partes entenderam fazer da duração ou da repetição um elemento essencial de seu acordo.” (GOMES, 2008, p. 95)
Nesse ponto, importante destacar a posição de Antunes Varela, que também identifica uma terceira categoria, as obrigações fracionadas, as quais seriam inconfundíveis com as obrigações duradouras (periódicas ou continuadas):
“Não se confundem com as obrigações duradouras as obrigações (fracionadas ou repartidas) em que o cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual (preço pago a prestações; fornecimento de certa quantidade de mercadorias ou de géneros a efectuar em várias partidas).
Nas obrigações duradouras, a prestação depende do factor tempo; nas prestações fraccionadas, o tempo não influi na determinação do seu objecto, apenas se relacionando com o modo de sua execução.
Assim é que, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange, em princípio, as prestações já efectuadas (…). Ela opera somente quanto às futuras prestações ou quanto à duração futura da prestação em curso, não porque seja materialmente impossível dar-lhe eficácia retroactiva (factum infectum fieri nequit), mas porque as prestações continuadas ou periódicas se encontram idealmente ligadas ou adstritas às diversas fracções do tempo em que é possível dividir a sua duração, gozando assim as prestações já efectuadas ou a cumprir no futuro de certa independência entre si.
Tratando-se de mera prestação fraccionada, a resolução atinge em princípio todas as parcelas da prestação, mesmo as já efectuadas.” (ANTUNES VARELA, 1970, p. 63).
A compra e venda em prestações, na concepção do jurista português, conteria uma obrigação fracionada (pagamento do preço)[19], isto porque comporta cumprimento instantâneo, mas converte-se naquela espécie por convenção das partes[20]. Orlando Gomes pronuncia-se em sentido similar, na medida em que a enquadra como contrato de execução instantânea diferida (GOMES, 2008, p. 267). O mesmo pode se dizer de Menezes Cordeiro[21] e Giuliana Bonanno Shunck[22]. Para este trabalho, considerar-se-á as obrigações fracionadas uma espécie dentro da subdivisão dos contratos de execução instantânea diferida. Veja-se, nesse sentido, as palavras do jurista português Ribeiro Faria:
“É que, nestas [obrigações fracionadas], o que temos é uma prestação fixada de avanço, ou seja, previamente — embora o seu cumprimento se venha a escalonar por um dado período de tempo. Exemplo: vendeu-se 10 toneladas de carvão, a entregar por 4 vezes (2,5 t. em cada) e de dois em dois meses; comprou-se um automóvel por 500 contos, a pagar em 5 fracções, de 100 contos cada. Em suma, nas prestações, fraccionadas, o tempo não desempenha nenhum papel no conteúdo e dimensão da prestação, mas apenas na forma da sua execução” (FARIA, 1987, p. 83-84).
Frequentemente, confunde-se os contratos de execução diferida com os de prestações periódicas, considerando-os sinônimos — isso ficará mais claro mais adiante no trabalho, quando houver a análise de precedentes judiciais. Certo é que são inconfundíveis entre si, bastando observar a influência do fator tempo no cumprimento das prestações. Nessa esteira, Giuliana Bonanno Schunck, em seu doutoramento, com arrimo no italiano Giorgio Oppo, busca estremar os conceitos:
“Para o autor, é necessário analisar-se não apenas o prolongamento do contrato no tempo, para considerá-lo de duração, mas também o seu fim jurídico. Assim, nem todo contrato que se prolonga no tempo — ou seja, que não possui execução instantânea — deve ser compreendido como contrato de duração. Dessa forma, Giorgio Oppo sustenta que não são de duração os contratos de execução simplesmente diferida, tal como a compra e venda com pagamento a prazo, e o mútuo”. (SCHUNCK, 2013, p. 55)
A distinção destas categorias ganha relevância prática, uma vez que, como bem apontado por Antunes Varela no excerto destacado anteriormente, a resilição contratual opera, ordinariamente, efeitos ex nunc nos contratos de duração (execução continuada ou de trato sucessivo), e ex tunc nos de execução instantânea.
Exemplificando: em um contrato de locação, a resilição contratual por inadimplemento de aluguel (Lei nº 8.245/91, art. 9º, III) opera, via de regra, efeitos futuros (PONTES DE MIRANDA, 1955, §566). Certamente, os aluguéis vencidos e já pagos não poderão ser reavidos pelo locatário em razão do fim do contrato, justamente pelo fato de o pagamento de aluguel encerrar uma obrigação duradoura, e cada aluguel constituir uma prestação diferente (trato sucessivo)[23]. Já numa compra e venda a prazo, a resolução contratual por falta de pagamento do preço atinge todas as parcelas pagas. Dessa maneira, o comprador faz jus ao recebimento, na íntegra, de todas as prestações pagas, ressalvado o caso de haver multa contratual[24].
A irretroatividade dos efeitos da resolução em relação aos contratos de duração justifica-se pela autonomia jurídica de cada prestação. Cada uma delas guarda sua própria singularidade, podendo ser adimplida sem que isso importe em adimplemento das demais (e.g., o pagamento do aluguel referente ao mês X em nada diz respeito ao aluguel do mês posterior, caracterizando-se como duas prestações distintas e autônomas). Portanto, o pagamento das prestações vencidas já teve sua contraprestação devida, isentando-o dos efeitos da resolução contratual (GOMES, 2008, p. 96).
Além disso, a resolução por onerosidade excessiva (CC, art. 478) só é possível em contratos de execução continuada ou de execução instantânea diferida, conforme se depreende da leitura do dispositivo. Não se aplica, pois, nos contratos de execução instantânea imediata. Nas palavras do jurista baiano:
“O interesse da distinção [entre execução diferida e imediata] reside na circunstância de que os contratos de execução diferida dependem do futuro, aplicando-se-lhes, por conseguinte, as regras deduzidas pela teoria da imprevisão, que, intuitivamente, não cabem nos contratos de execução imediata” (GOMES, 2008, p. 97).
2.2. PRESCRIÇÃO E SUA RELAÇÃO COM OS DIFERENTES CONTRATOS.
A correta identificação da espécie contratual é fundamental para não cometer equívocos na aplicação do instituto da prescrição. Como as diferenças entre os contratos de execução instantânea e os contratos de duração envolvem, principalmente, as prestações emanadas do vínculo contratual, a confusão entre essas categorias pode implicar em aferição débil da prescrição.
Importante frisar, antes de adentrar no tema, que o direito de crédito, em si, não prescreve. Passível de prescrição apenas as pretensões que dele eventualmente irradiarão:
As relações jurídicas e os direitos mesmos não prescrevem; razão por que não se pode pensar em prescrição da locação ou da sociedade. A renda constituída, imobiliariamente (arts. 74a-754 e 1.431), pode ser por tempo determinado ou não; a relação jurídica obrigacional (arts. 1.424-1.430) tem de ser por tempo determinado (art. 1.424): cada prestação prescreve em cinco anos (art. 178, § 10, II). No direito suíço das obrigações, art. 131, relativo a rendas e outras prestações periódicas, falou-se de “prescrição” do direito de reclamar a renda, desde o dia da exigibilidade da primeira prestação não paga; a prescrição do crédito acarreta a das prestações. O erro de terminologia é evidente: o direito à renda não prescreve; trata-se de relação jurídica, da qual se irradiam os efeitos, que são as pretensões às prestações. O que o legislador suíço imaginou foi causa especial de extinção da relação jurídica, à semelhança do que ocorre, no direito brasileiro, com o usufruto, o uso e a habitação (art. 739, VI, 745 e 748).” (PONTES DE MIRANDA, 1955, §667).
Orlando Gomes afirma que a “prescrição da ação para exigir o cumprimento das prestações vencidas, nos contratos de duração, começa a correr da data do vencimento de cada prestação” (GOMES, 2008, p. 96). Verificando, então, estar-se diante de um contrato de locação, o vencimento de cada aluguel encerra o termo a quo da correlata pretensão ao seu pagamento, deflagrando, consequentemente, o prazo prescricional desta. Em outras palavras, vencendo o aluguel referente ao mês X, inicia-se, nesta data, o prazo prescricional para exigir seu pagamento (FARIA, 1987, p. 83).
Endossando o asseverado acima, destaca-se valioso excerto de obra do saudoso Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça: “a prescrição das prestações periodicas dá-se sucessivamente e a contar do vencimento de cada uma dellas” (CARVALHO DE MENDONÇA, 1938, p. 685).
Semelhantemente, Pontes de Miranda detalha a prescrição quanto às pretensões que emanam do direito a alimentos, tomando por base a natureza periódica de suas prestações: “O direito a alimentos é unitário, produzindo as pretensões a prestações periódicas. A ação de alimentos não prescreve; prescreve a ação para haver as prestações periódicas” (PONTES DE MIRANDA, 1955, §713).
Para exemplificar, cita-se alguns precedentes jurisprudenciais onde esses equívocos levaram a uma aplicação errada da norma jurídica.
No primeiro caso, a Apelação Cível nº 1003550-25.2014.8.26.0477, sob a relatoria do Des. Pedro de Alcantara da Silva Leme Filho, temos uma típica ação de cobrança na qual o autor visa a condenação do réu em função do inadimplemento de promessa de compra e venda a prazo. O autor, promitente vendedor, requereu o pagamento das prestações vencidas a partir de março/2008, alegando o inadimplemento pelo réu, promitente comprador do imóvel objeto do contrato. Este, por sua vez, apresentou a exceção de prescrição em relação às prestações vencidas, visto que o prazo prescricional de 5 anos já havia decorrido quando do ajuizamento da ação (entre 2008 e 2014 há um lapso de 6 anos, superior, então, ao prazo de prescrição quinquenal).
O relator rejeitou o pedido prescricional. Fundamentou sua conclusão com outros precedentes da jurisprudência e na premissa de que o contrato “estabelece uma obrigação de trato sucessivo, através do pagamento de parcelas periódicas”[25]. À vista disso, afirmou que o prazo inicial da prescrição em relação às prestações vencidas é a data do vencimento da última prestação.
Primeiramente, equivocou-se o relator ao enquadrar a compra e venda a prazo como contrato de trato sucessivo. Consoante dito anteriormente, trata-se de contrato de execução diferida[26]. Isso acarreta em afirmar que há prestação única, fragmentada por convenção das partes, ao contrário da pluralidade de prestações inerente aos contratos de trato sucessivo.
Consequentemente, não haveria como inferir que o dies ad quo do prazo prescricional seria a data de vencimento da última prestação. Confundiu, provavelmente, crédito e pretensão. O crédito (direito de receber o preço pactuado) existe, mas pode ser deficitário em conteúdo (ausência de pretensão), caso haja estipulação de prazo, ou fragmentação do crédito em parcelas, com datas de vencimento distintas. Em razão disso, diferentes pretensões irradiarão do mesmo crédito à medida que as prestações forem vencendo.
Em outras palavras, Pontes de Miranda conclui da mesma forma[27]:
“Do que acima se expôs resulta que a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão, ou da ação, para haver a prestação vencida. Ainda seria apenas aproximação, porque há as prestações que já podem ser pedidas, mas cujo adimplemento só se há de realizar a pedido do titular. Nos créditos a prazo, o crédito já existe; a pretensão ou a ação ainda não nasceu; o crédito a prazo não é crédito futuro. Ali, há inexistência da ação, agora; aqui, minus em conteúdo. Se a pretensão já nasceu, e.g., se houve o advento do prazo, o crédito a conteúdo deficitário se ‘completou’, em conteúdo, no tempo.” (PONTES DE MIRANDA, 1955, §699).
Agora, tomando um exemplo de retidão na conjugação das categorias descritas neste capítulo, pegue-se a Súmula nº 85 do Superior Tribunal de Justiça, cujo teor é: “nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação”[28].
Um dos precedentes que contribuíram para a formulação dessa súmula é o REsp 29.448/SP, do Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, cuja ementa segue-se:
RESP – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – DIREITOADMINISTRATIVO – PRESCRIÇÃO – OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO – O direito se constitui, conserva-se, modifica-se ou se extingue com base em acontecimento histórico, denominado suposto fático. Em se tratando de vencimento de funcionário, porque se repete mês a mês, sempre que não for efetuado, ou pago a menor, começa novo prazo, evidentemente, relativo ao respectivo mês. O direito incorpora-se ao patrimônio.
A inação alcança somente os efeitos desse direito, vale dizer, as parcelas mensais. Pouco importa que administrativamente haja negativa da pretensão. O direito decorre da lei. Ato administrativo, porque hierarquicamente inferior, não pode contrastá-la. A coercibilidade mantém íntegra quanto ao quinquênio anterior ao início da ação.
(REsp 29.448/SP, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/1992, DJ 10/05/1993, p. 8652)
Nesse precedente, o relator definiu a obrigação de pagar vencimentos a um funcionário público como sendo de trato sucessivo, de maneira que a cada prestação (vencimento mensal) contrapõe-se uma pretensão. Por conseguinte, o prazo prescricional deve ser contado individualmente para cada prestação, com início a partir de cada vencimento mensal. Em posição idêntica, segue outro julgado do STJ:
ADMINISTRATIVO – VANTAGEM FUNCIONAL – ADICIONAIS DE SEXTA PARTE – PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO – DISSIDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO – SUMULAS 443/STF E 163 TFR. EM SE TRATANDO DE RELAÇÃO CONTINUADA E INEXISTINDO RECUSA FORMAL DA ADMINISTRAÇÃO AO RECONHECIMENTO DO DIREITO PLEITEADO, A PRESCRIÇÃO NÃO ATINGE O FUNDO DE DIREITO, ALCANÇANDO, TÃO SO, AS PARCELAS VENCIDAS, ANTERIORES AO QUINQUENIO DA PROPOSITURA DA AÇÃO.
RECURSO PROVIDO.
(REsp 10.110/SP, Rel. MIN. PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/02/1993, DJ 22/03/1993, p. 4525)
Cite-se, em complemento a isso, o REsp 739.925/PE, Rel. Min. José Delgado, onde houve apreciação da cobrança do FGTS, reconhecendo sua natureza de trato sucessivo:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. FGTS. JUROS PROGRESSIVOS. OPÇÃO FEITA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N° 5.705/71.
PRESCRIÇÃO. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PARCELAS ANTERIORES AOS TRINTA ANOS DA PROPOSITURA DA AÇÃO. EXIGIBILIDADE DAS PARCELAS POSTERIORES.
1. Acórdão que reconheceu prescrito o direito de ação, pois, no que concerne à capitalização dos juros, não prescrevem somente as parcelas anteriores aos trinta anos da propositura da ação, mas o próprio fundo de direito. Afirmou-se que a prescrição principiou a fluir a partir de 21 de setembro de 1971, quando da publicação da Lei n° 5.705/71, que extinguiu a progressividade prevista no art. 4° da Lei n° 5.107/66, tendo o lapso trintenário findando em 21 de setembro de 2001. Recurso especial em que se defende a inexistência da prescrição, haja vista o prazo renovar-se mensalmente, de modo de que só são atingidas as parcelas anteriores aos 30 (trinta) anos do ajuizamento do feito. Requer seja a CEF condenada ao pagamento da verba honorária.
2. É cediço que a prescrição se inicia no momento em que o sujeito ativo pode, mediante a ação, exercer direito contra aquele que se coloca em situação contrária. Assim, o não-cumprimento de uma obrigação autoriza o titular do direito a acionar o devedor com vistas a compeli-lo a executar a prestação devida, iniciando-se, pois, com o surgimento da sua pretensão, a contagem do prazo prescricional.
3. Equívoco eleger-se a data da entrada em vigor da Lei n° 5.705/71 como termo a quo da prescrição para as hipóteses de ação em que se pretende obter o reconhecimento do direito à capitalização de juros àqueles que optaram pelo regime do FGTS ainda na vigência da Lei n° 5.107/66. Na realidade, o prazo prescricional tem início a partir da data da recusa do sujeito passivo em cumprir a sua obrigação, ou seja, o momento em que a empresa pública se negou a corrigir as contas vinculadas com observância da taxa progressiva de juros. Esse termo inicial não coincide, necessariamente, com a data da vigência da Lei n° 5.705/71 que extinguiu a capitalização de juros.
4. Nas obrigações de trato sucessivo, a violação do direito dá-se, também, de forma contínua, renovando-se o prazo prescricional em cada prestação periódica não-cumprida, de modo que cada uma pode ser fulminada isoladamente pelo decurso do tempo, sem, no entanto, prejudicar as posteriores. Aplicando-se esse raciocínio à hipótese em exame, conclui-se que a prescrição atingiu tão-somente o direito de exigir o pagamento das parcelas anteriores aos trinta anos que antecederam o ajuizamento da demanda.
5. No que se refere aos honorários advocatícios, constata-se que a matéria inserta no art. 29-C da Lei 8.036/90 não restou, em momento algum, apreciada pelo acórdão atacado, tampouco foram opostos embargos declaratórios a fim de provocar manifestação expressa do Tribunal a quo. Assim, ausente o requisito do prequestionamento, incidem as Súmulas 282 e 356/STF.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido a fim de que se creditem as parcelas relativas aos juros progressivos, exceto as fulminadas pela prescrição trintenária.
(REsp 793.925/PE, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2005, DJ 06/02/2006, p. 228)
Em outro julgado, agora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, considerou-se, com acerto, a prestação referente ao pagamento de mensalidades escolares como sendo de natureza periódica:
Apelação Cível. Ação monitória. Mensalidades escolares. Carência de ação. Inocorrência. Prejuízo inexistente. Ampliação de defesa. Prescrição. Inocorrência. Prazo quinquenal não excedido. Artigo 206, § 5º, I, do Código Civil. Citação válida. Interrupção da prescrição. Inteligência do art. 219 do CPC. Juros moratórios. Dívida líquida com vencimento certo. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP; Apelação 1000766-69.2014.8.26.0576; Relator (a): Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/03/2017; Data de Registro: 27/03/2017)
Deixando um pouco de lado os contratos de trato sucessivo, destaca-se o julgado em que o Rel. Des. Fabio Tabosa, professor desta Faculdade, exarou escorreito acórdão sobre a prescrição em contratos de execução diferida:
Execução hipotecária. Financiamento habitacional. Contrato de execução diferida. Prescrição em relação às parcelas. Contagem a partir do vencimento de cada uma, momento em que tornadas exigíveis, e não apenas do encerramento do prazo contratual como um todo. Interrupção do lapso por notificação extrajudicial por meio da qual, previamente ao início da execução, constituídos os devedores em mora. Sentença parcialmente reformada, de modo a retroagir o momento da interrupção para outubro de 2009, ao invés de agosto de 2010 (data do ajuizamento da execução). Cobertura do FCVS, por seu turno, que alcança resíduos existentes ao final do contrato em virtude de reajustes vinculados à variação salarial, não valores resultantes do inadimplemento puro e simples das parcelas do financiamento por parte dos mutuários. Sentença que acolheu parcialmente embargos à execução, para reconhecer a prescrição no tocante a parte da dívida em cobrança, parcialmente reformada. Apelação dos embargantes desprovida; apelação da embargada parcialmente provida.
(TJSP; Apelação 0001666-87.2010.8.26.0486; Relator (a): Fabio Tabosa; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Quatá – Vara Única; Data do Julgamento: 13/12/2012; Data de Registro: 13/12/2012)
No seu voto, distinguiu corretamente os contratos de execução diferida dos contratos de trato sucessivo:
“Com efeito, no que se refere antes de mais nada à prescrição, sem razão a exequente ao pretender não fluente o lapso correspondente senão após o vencimento da última parcela. O contrato é de execução diferida (não de trato sucessivo, como equivocadamente se qualificou” (trecho do voto).
Como bem observado pelo Professor da FDUSP, o contrato de financiamento habitacional é de execução diferida, uma vez que a obrigação do financiado é pagar o valor total do financiamento nas parcelas convencionadas, assim como no mútuo. Tomando isso por base, a prescrição deve ser aferida em relação a cada prestação, deflagrando-se o prazo a partir de cada vencimento.
Essa conclusão decorre da própria definição da pretensão, trabalhada anteriormente no presente trabalho. Após o vencimento da prestação sem o devido pagamento pelo financiado, este encontra-se em inadimplemento, de arte que esta parcela passa a ser exigível pelo credor. É certo que, até então, havia o direito de crédito, porém deficitário em conteúdo, visto que desprovido de pretensão. Vencida a prestação, sem o pagamento, nasce a pretensão ao credor, preenchendo, ainda que parcialmente, o conteúdo do direito de crédito.
Para Pontes de Miranda, o crédito, quando fracionado em quotas, somente é exigível à medida que cada prestação atinja seu respectivo vencimento. Mantém-se, assim, a individualidade de cada pretensão, cuja exigibilidade diz respeito a uma quota (parcela) do crédito:
“Se o crédito estabelece quotas para serem exigíveis em diferentes momentos, a prescrição de cada pretensão não atinge as quotas anteriores, cujas pretensões não prescreveram, nem alteram o nascimento ou a eficácia das pretensões correspondentes a quotas posteriormente exigíveis.” (PONTES DE MIRANDA, 1955, §665)
Pothier, o célebre jurista francês, de antemão manifestava seu entendimento na mesma linha de raciocínio, reconhecendo, igualmente, que o início do prazo prescricional, no caso de compra e venda a prazo, é a partir de cada vencimento:
“When a debt is payable at several times, I fee no difficulty in saying that the time of the prescription begins to run from the day of the expiration of the first time, for the part of the debt which was payable at this time; and that it does not run for the other parts, till the day of the expiration of each of the other times in which they are payable. For example: If you owed me the sum of three thousand livres, payable in three times, from year to year, of which the first payment thould be to be made on the first of January, 1735, the time of the prescription would begin to run for the first third part of the debt (…) for the second third part from the first of January, 1736; for the last third part from the fist of January, 1737; and the debt would be barred for one third part in 1765, for another third part in 1766, and for the remainder in 1767.” (POTHIER, 2005, p. 147, tradução nossa)[29].
Diante do que foi exposto, conclui-se que a jurisprudência ainda é vacilante no que toca à distinção entre contratos de duração (execução continuada e de trato sucessivo) e contratos de execução instantânea diferida (o de execução imediata, certamente, não gera problemas na identificação). Consequentemente, a definição do dies a quo do prazo prescricional, em algumas situações, vem sendo posta de forma equivocada pelos Tribunais, gerando situações, como a do próximo capítulo — tema deste trabalho —, de distorção contratual, onde uma parte acaba sendo muito favorecida pela má interpretação da norma jurídica.
3. PRESCRIÇÃO NOS CONTRATOS DE EXECUÇÃO DIFERIDA COM CLÁUSULA DE VENCIMENTO ANTECIPADO.
3.1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A CLÁUSULA DE VENCIMENTO ANTECIPADO.
A cláusula de vencimento antecipado consiste em tornar exigíveis todas as prestações vincendas assim que houver o implemento do evento ao qual se subordina. Comumente, seu gatilho é o inadimplemento de uma parcela, podendo conter previsão de prévia notificação para seu exercício.
No Direito Português, encontra-se positivado no art. 781 do Código Civil Português, cuja redação é a seguinte: “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
No Código Civil de 1916, havia disposição expressa prevendo a hipótese de vencimento antecipado da dívida por falta de pagamento das prestações, embora estivesse inserida no Capítulo dos Direitos Reais de Garantia:
Art. 762. A dívida considera-se vencida: (…)
III – se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata;
No atual Código Civil reproduziu-se o dispositivo acima (CC, art. 1.425, III), mantendo-o em Título destinado ao Penhor, Hipoteca e Anticrese.
Apesar disso, sua utilização nos contratos destituídos de garantia real é permitido. Não sendo defeso em lei inseri-lo nesses contratos, prepondera a autonomia da vontade entre as partes.
Considerando isso, há que se observar sua incompatibilidade com contratos de trato sucessivo, restringindo-lhe aplicação aos contratos cuja execução diferida foi fragmentada (e.g., compra e venda a prazo, mútuo)[30]. Realmente, não tem lógica, por exemplo, antecipar todos os alugueis vincendos por conta do inadimplemento do aluguel vencido. A natureza da prestação e o fator tempo, nesse caso, obstam a utilização dessa cláusula em contratos de trato sucessivo. Diferentemente, nos contratos de execução diferida cuja prestação (e.g., preço ou restituição de coisa fungível, para ficar nos exemplos dados) foi fragmentada por conveniência, a natureza da prestação e o tempo permitem o adiantamento das prestações.[31]
No mesmo sentido, embora lhe de o nome de “cláusula de vencimento contagiante”, Pontes de Miranda obtempera:
“Resta saber-se se vale a cláusula de vencimento contagiante, a Verfallklausel, pela qual, tendo o comprador deixado de pagar alguma das prestações, vencem-se as outras. Nas promessas de compra-e-venda, regidas pelo Decreto-lei n. 58, não vale, como resulta do sistema da lei, principalmente do art. 14. Nas compras-e-vendas a prazo, a cláusula é permitida, cabendo, porém, os princípios do Código Civil” (PONTES DE MIRANDA, 2013, p. 431)[32]
O ex-desembargador Prof. José Osório de Azevedo Júnior dedicou uma obra exclusivamente para o compromisso de compra e venda, onde aborda a utilização dessa cláusula nesse tipo de contrato, divergindo, então, de Pontes de Miranda:
“Convém, ainda, que se faça menção à denominada cláusula de vencimento contagiante, isto é, aquela cláusula que determina o vencimento da dívida em caso de falta de pagamento de alguma parcela, ou no caso de descumprimento de outra obrigação relevante do contrato” (AZEVEDO JÚNIOR., 2006, p. 218)
É mister ressaltar que a jurisprudência atual é pacífica em aceitar a presença dessa cláusula nos compromissos de compra e venda[33].
Um dos pontos destacados pelo autor é a necessidade ou não de se interpelar o devedor antes do exercício dessa posição jurídica. Em seu entendimento, o devedor deverá ser notificado, inicialmente, para o pagamento da prestação vencida, dentro de um prazo convencionado. Passado o prazo sem que haja o pagamento, surgirá ao credor duas posições jurídicas ativas: a) resolução do contrato; b) cobrança de toda a dívida (AZEVEDO JÚNIOR, 2006, p. 218).
Não parece que a lei veda estipulação em contrário. Com efeito, é mais um caso onde a autonomia privada deve preponderar, havendo ampla liberdade para as partes disciplinarem sobre a necessidade ou não de notificação[34].
Outro ponto que merece ser trabalhado é os efeitos da incidência da cláusula. Até agora, o problema foi posto da seguinte maneira: vence uma prestação (ou o devedor descumpre obrigação relevante prevista contratualmente) e, a partir de então, o restante da dívida passa a ser exigível. Essa maneira de ver a situação é incompleta, posto que correta, uma vez que enfatiza o efeito da cláusula na dívida.
Em vista disso, deve-se ampliar a análise a fim de entender qual seu efeito na relação credor-devedor, através da identificação das posições jurídicas irradiadas. Certamente, o vencimento antecipado torna imediatamente exigíveis todas as prestações outrora vincendas, de modo que o credor passa a ser titular de uma posição jurídica ativa nova: exigir o pagamento de todas as prestações. Ora, essa posição encaixa perfeitamente na definição de pretensão exposta no capítulo 1.A desse trabalho, permitindo concluir que um dos efeitos dessa cláusula é fazer nascer uma pretensão ao credor. Por tabela, nasce ao devedor uma nova obrigação, a saber, o pagamento de todas as prestações.
Assumindo como premissa o raciocínio acima, é forçoso reconhecer o seguinte: a) essa posição jurídica incipiente pode, ou não, ser exercida, ficando ao alvedrio do credor seu exercício, desde que observado o prazo prescricional; b) a aceitação do pagamento das próximas prestações não necessariamente implica em renúncia do credor à pretensão, apesar de haver posições afirmando que sim[35]; c) a aceitação do pagamento pelos próximos meses pode vir a obstar o exercício dessa pretensão com base na supressio[36].
Corroborando com a noção aqui defendida, Ribeiro de Faria defende se tratar de uma faculdade do credor:
“Tratando-se, como parece, de uma simples ‘faculdade’ do credor, o artigo [art. 781º do Código Civil Português] deverá ser interpretado nesses moldes e em concordância, pois, com o que resulta da sua própria história (…). Isso significará que a falta de cumprimento de uma prestação não determinará automaticamente (…) o vencimento das restantes (o que pode não interessar ao credor) mas simplesmente o direito de este as exigir de imediato. O art.º 781º empregará a palavra ‘vencimento’ na acepção de ‘exigibilidade’” (FARIA, 1987, p. 325).
Enfim, a razão de ser dessa cláusula é propiciar maior segurança ao credor, diante do inadimplemento de uma das prestações nos contratos de execução diferida. É certo que, ao deixar de pagar uma parcela, o devedor pode vir a gerar dúvidas no credor quanto ao adimplemento das demais. Diante desse receio, convencionou-se essa cláusula como forma de garantia ao credor de que a dívida seria paga na íntegra.
Hoje em dia, seu uso é muito comum, principalmente nos compromissos de compra e venda de imóvel e nos contratos de financiamento imobiliário, tendo em vista a expansão do mercado imobiliário brasileiro[37]. Apesar de também ser possível vê-lo em contratos mercantis e demais contratos celebrados entre bancos e consumidores (Cédula de Crédito Bancário ou abertura de crédito em conta-corrente[38], por exemplo), o foco deste trabalho será os contratos envolvendo imóveis, pois são mais recorrentes no Judiciário.
Sendo assim, viu-se que a cláusula de vencimento antecipada é cabível em contratos de execução diferida, cuja prestação fora fragmentada em várias prestações. Seu implemento resulta em novas posições jurídicas entre o credor e o devedor, quais sejam, pretensão ao pagamento imediato de todas as parcelas vincendas e a obrigação de pagá-las. Considerando seu potencial em dar mais segurança ao credor, tornou-se uma cláusula frequente nos contratos de compra e venda a prazo, compromisso de compra e venda e financiamento imobiliário, donde extrai-se a importância em entender como se opera a prescrição nesses contratos, tema do próximo capítulo.
3.2. PRESCRIÇÃO E CLÁUSULA DE VENCIMENTO ANTECIPADO.
Já foi dito que a prescrição inicia-se a partir do momento em que se torna exigível determinada prestação. No caso do inadimplemento de uma prestação, a pretensão nasce logo após seu vencimento, visto que somente a partir de então é que a prestação é exigível. Sendo assim, a prescrição inicia-se a partir do vencimento de cada prestação, em se tratando de contratos de execução diferida com prestações fragmentadas.
Havendo previsão contratual para o vencimento antecipado da dívida, indaga-se se a prescrição passa a ser computada de forma diferente.
Certamente que a resposta deveria ser negativa. Basta perceber estar-se diante de pretensões distintas: uma tem como correlato a obrigação ao pagamento de toda a dívida, as demais surgem à medida que as prestações vão sendo inadimplidas. Ora, se a prescrição atinge uma pretensão específica, e se o dies a quo está condicionado ao nascimento da pretensão a ser atingida, não resta dúvidas de que o prazo prescricional não se altera com o implemento dessa cláusula.
Em verdade, a pretensão ao pagamento de toda a dívida possui prazo prescricional próprio. No caso, aplica-se o prazo quinquenal previsto no art. 206, § 5º, I, do Código Civil. Isso em nada interfere nas pretensões que surgem ao vencimento de cada prestação. O prazo quinquenal também aplica-se a elas, com a ressalva de que o dies a quo de cada uma corresponde ao vencimento da respectiva prestação.
Exemplificando. A celebra contrato de compra e venda com B, convencionando o pagamento do preço em 120 prestações mensais de R$ 10.000,00 (dez mil reais), estipulado também uma cláusula de vencimento antecipado em caso de inadimplemento de uma parcela. A, na condição de comprador, pagou pontualmente as 3 primeiras parcelas, vindo a inadimplir a 4º. Nesse momento, surge para B duas pretensões: a) pretensão ao pagamento integral da dívida, em virtude da cláusula de vencimento antecipado; b) pretensão ao pagamento da 4º parcela. Ambas possuem o mesmo dies a quo, e prazo prescricional quinquenal (CC, art. 206, § 5º, I). Ocorre que A também deixou de pagar a 5º parcela, de modo que nasce mais uma pretensão c) pretensão ao pagamento da 5º parcela.
Se, porventura, A continuar a inadimplir as próximas parcelas, até a última destas, caso B venha a ajuizar ação de cobrança (ou de execução de título extrajudicial, a depender do preenchimento das formalidades legais), só obterá êxito em relação às parcelas vencidas nos últimos 5 anos. As pretensões referentes as demais prestações vencidas antes dos últimos 5 anos tiveram a eficácia encoberta pela prescrição, o mesmo podendo ser dito quanto à pretensão irradiada da cláusula de vencimento antecipado.
Não obstante a solidez desses argumentos, a jurisprudência nacional vem consolidando entendimento divergente, encabeçada pelo Superior Tribunal de Justiça. Como leading case, cita-se o precedente de relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, o REsp nº 1.489.784/DF:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. MÚTUO IMOBILIÁRIO. INADIMPLEMENTO. EXECUÇÃO JUDICIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. DATA DE VENCIMENTO DA ÚLTIMA PRESTAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE EXECUÇÃO CONTINUADA. VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA. FACULDADE DO CREDOR. MECANISMO DE GARANTIA DO CRÉDITO. TERMO A QUO DO PRAZO PRESCRICIONAL INALTERADO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir qual o termo inicial do prazo de prescrição da pretensão de cobrança fundada em contrato de mútuo habitacional nas hipóteses em que, em virtude do inadimplemento do mutuário, opera-se o vencimento antecipado da dívida.
2. O prazo para o adimplemento da obrigação é comumente estipulado em benefício do devedor, sobretudo nos contratos de execução continuada ou de execução diferida, não podendo o credor exigir o cumprimento da prestação antes do seu vencimento (art. 939 do CC). Aliás, como cediço, a dívida vence, ordinariamente, no termo previsto contratualmente.
3. É possível aos contratantes, com amparo no princípio da autonomia da vontade, estipular o vencimento antecipado, como sói ocorrer nos mútuos feneratícios, em que o inadimplemento de determinado número de parcelas acarretará o vencimento extraordinário de todas as subsequentes, ou seja, a integralidade da dívida poderá ser exigida antes de seu termo.
4. O vencimento antecipado da dívida, ao possibilitar ao credor a cobrança de seu crédito antes do vencimento normalmente contratado, objetiva protegê-lo de maiores prejuízos que poderão advir da mora do devedor, sendo um instrumento garantidor das boas relações creditórias, revestindo-se de uma finalidade social. É, portanto, uma faculdade do credor e não uma obrigatoriedade, de modo que pode se valer ou não de tal instrumento para cobrar seu crédito por inteiro antes do advento do termo ordinariamente avençado, sendo possível, inclusive, sua renúncia no caso do afastamento voluntário da impontualidade pelo devedor (arts. 401, I, e 1.425, III, do CC).
5. O vencimento antecipado da dívida livremente pactuado entre as partes, por não ser uma imposição, mas apenas uma garantia renunciável, não modifica o início da fluência do prazo prescricional, prevalecendo, para tal fim, o termo ordinariamente indicado no contrato, que, no caso do mútuo imobiliário, é o dia do vencimento da última parcela (arts. 192 e 199, II, do CC). Precedentes. 6. Recurso especial provido. (REsp 1489784/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 03/02/2016)
O relator adota entendimento de que o vencimento antecipado da dívida cria uma faculdade ao credor, posição semelhante a que aqui se defende. Veja o seguinte trecho de seu voto:
“Verifica-se, assim, que o vencimento antecipado da dívida previsto contratualmente é uma faculdade do credor e não uma obrigatoriedade, de modo que pode se valer ou não de tal instrumento para cobrar seu crédito por inteiro antes do advento do termo ordinariamente avençado. Tanto é assim que é possível a renúncia ao direito de execução imediata da totalidade da obrigação, como ocorre, a título exemplificativo, nos casos de recebimento apenas das prestações em atraso, afastando o devedor, espontaneamente, os efeitos da impontualidade (arts. 401, I, e 1.425, III, do CC)”.
Ao demais, o Ministro conclui que a prescrição não é alterada em função da presença dessa cláusula:
“Em outras palavras, o vencimento antecipado da dívida não altera o início da fluência do prazo prescricional, prevalecendo, para tal fim, o termo ordinariamente indicado no contrato, que, no caso (mútuo imobiliário), é o dia do vencimento da última parcela”.
Inicialmente, veja-se que a premissa adotada pelo Ministro já é equivocada. O prazo prescricional do mútuo pago em prestações deve ser contado individualmente para cada uma delas, por se tratar de contrato de execução diferida. Esse é o entendimento, por exemplo, adotado em alguns julgados do TJSP[39]:
Ação monitória lastrada em contrato de mútuo – Prescrição – Prazo quinquenal previsto no CC, art. 206, § 5º, inciso I – Prescrição contada a partir do vencimento de cada parcela mensal do mútuo, por se tratar relação jurídica de trato sucessivo – Parte das parcelas atingidas pela prescrição – Inadimplência – Juros remuneratórios conforme Súmula 296 do E. STJ, sem cumulação com outros encargos – Procedência, em parte, dos embargos monitórios – Apelação provida, em parte. (TJSP; Apelação 0194686-37.2010.8.26.0100; Relator (a): Gil Coelho; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 14ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/11/2015; Data de Registro: 27/11/2015)[40].
Aduz-se, então, que a prescrição não poderia ser contada a partir do vencimento da última parcela do contrato, sem que isso implicasse em desnaturar os institutos aqui trabalhados.
Mas ainda pode-se questionar outro ponto. O Ministro não aplicou devidamente a noção de pluralidade de pretensões, o que implica em reconhecer uma pluralidade de prazos prescricionais. Desse modo, cada uma delas pode vir a ser atingida por uma prescrição distinta, e a prescrição de uma delas não interfere no exercício das demais. De fato, “o vencimento antecipado da dívida não altera o início da fluência do prazo prescricional”, justamente por criar uma pretensão distinta das que surgem com o inadimplemento das prestações. Porém, tanto ela (a pretensão de exigir a dívida global) e as demais têm como dies a quo o dia em que passaram a serem exigíveis as respectivas prestações, não se sustentando a posição afirmada pelo Ministro (dies a quo seria o vencimento da última parcela do contrato).
Adotando esse entendimento, o Des. José Rubens Queiroz Gomes, do TJSP, afastou a tese do credor (prescrição somente passaria a fluir após o vencimento da última parcela), e a tese do devedor (prescrição de toda a dívida passou a contar a partir da incidência da cláusula de vencimento antecipado):
APELAÇÃO. Sentença de parcial procedência da ação e improcedência da reconvenção. Insurgência de ambas as partes. Ré que pleiteia o reconhecimento de que a prescrição somente passa a fluir da última parcela não paga, pleiteando com isso o acolhimento integral da reconvenção apresentada. Autor pleiteando reconhecimento da prescrição total das parcelas não pagas com procedência integral do pedido inicial, ante a previsão contratual de que com a inadimplência de uma parcela, ocorre o vencimento antecipado de todas as demais. Descabimento de ambas as pretensões. Contrato particular de compra e venda com pagamento do preço firmado de forma parcelada. Pretensão de cobrança dos valores inadimplidos, que emerge a partir do vencimento de cada parcela. Cláusula resolutiva facultativa, que não obriga o credor ao seu exercício imediato. Prescrição quinquenal (art. 206, § 5º, I, CC/2002; art. 2028, CC/2002), a ser contada da data do vencimento de cada parcela. Adimplemento substancial. Sentença mantida. Recursos a que se negam provimento. (TJSP; Apelação 1069651-74.2015.8.26.0100; Relator (a): José Rubens Queiroz Gomes; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 27ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/06/2016; Data de Registro: 09/06/2016)
Em seu voto, o Desembargador detalha, embora sem adentrar na seara da pluralidade de pretensões, a conclusão defendida:
“Dessa forma, e considerando que o contrato foi firmado para pagamento da dívida de forma parcelada, o prazo prescricional para a cobrança computa-se da data do vencimento de cada parcela, não se relegando o seu cômputo a data futura (vencimento da última prestação), nem tampouco se antecipando (contagem com o inadimplemento da primeira prestação em razão de cláusula resolutiva facultativa”).”
Esse precedente vai ao encontro do que aqui se afirma. Há uma série de pretensões, cada qual com seu respectivo prazo prescricional, sem que uma delas interfira nas demais. Simples.
Há, ademais, tese que, ao considerar prescrita a pretensão irradia da cláusula de vencimento antecipado, conclui que toda a dívida deixa de ser exigível, ainda que haja prestações vincendas. Esse foi o entendimento adotado pelo Des. Jacob Valente:
*EXECUÇÃO Contrato de mútuo habitacional, representado por escritura pública Título executivo extrajudicial Processo extinto em primeiro grau de jurisdição pelo reconhecimento da consumação da prescrição, com termo a quo a partir do inadimplemento de 3 prestações consecutivas do contrato Irresignação recursal sustentando o início do prazo com o vencimento do contrato e a necessidade de prévia notificação para constituir em mora o devedor PRESCRIÇÃO Contratos de execução diferida – Prazo que se inicia com a violação do direito, que faz surgir ao credor o direito de persecução do crédito, segundo o artigo 189 do Código Civil (actio nata) Violação que, no caso, ocorreu com o vencimento antecipado da dívida, conforme cláusula resolutiva expressa prevista no contrato, nos termos do artigo 474 do Código Civil – Impossibilidade, outrossim, de alteração do prazo de prescrição pelas partes, o que ocorreria se adotada a tese da exequente de que o prazo somente se inicia com o vencimento da última parcela do ajuste – Inteligência dos artigos 189 e 192 do CC/2002 Inadimplência absoluta ocorrida em 31/03/2003, com consumação do prazo prescricional em 30/03/2006, segundo a regra do artigo 206, § 3º, inciso VIII, do Código Civil Sentença mantida com esse reparo Apelação não provida.* (TJSP; Apelação 0011560-64.2012.8.26.0568; Relator (a): Jacob Valente; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de São João da Boa Vista – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/06/2013; Data de Registro: 20/06/2013)
Nessa concepção, o fato de a obrigação integral passar a ser exigível a partir do vencimento antecipado foi levado em consideração pelo Desembargador para afirmar ter havido prescrição:
“É caso clássico da chamada ‘actio nata’, consolidado no artigo 189 do Código Civil atual, que, segundo Pontes de Miranda, diz que ‘a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão ou da ação’ (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Bookseller Editora, 2.000, p. 332).
É argumentação que confirma o fato de que o exequente poderia ter postulado a execução do título a partir do momento em que se verificou o inadimplemento absoluto segundo suas próprias cláusulas, não sendo dado argumentar que ele estaria impedido de fazê-lo antes de seu vencimento.
(…)
E o pedido executivo está arrimado justamente na inadimplência absoluta, que, segundo o demonstrativo de fls. 76/86, ocorreu em 31/03/2003 (fls. 83).
Desta forma, a prescrição se consumou em 30/03/2006, considerando a regra do artigo 206, § 3º, inciso VIII, do Código Civil. Apenas esse reparo a ser feito na r. sentença.
Entendimento contrário resultaria em alteração ilícita do prazo, uma vez que a credora, podendo exercer desde logo a sua pretensão, deixou de fazê-la, sendo certo que se acolhida a sua tese disporia ela de tempo suplementar ao que a lei prescreve, prejudicando os devedores pela eternização da dívida, o que não se admite”.
Vê-se, então, que há, basicamente, três vertentes sendo aplicadas pelos Tribunais. A primeira delas, adotada pelo voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, é a dominante no STJ[41]. Em outra oportunidade, manifestou a seguinte conclusão, a fim de defender o dies a quo como sendo o vencimento da última parcela[42]:
“Em outras palavras, o vencimento antecipado da dívida não altera o início da fluência do prazo prescricional, prevalecendo, para tal fim, o termo ordinariamente indicado no contrato, que, no caso (contrato de assunção parcial de dívidas), é o dia do vencimento da última parcela, mesmo porque se trata de contrato de execução continuada: a obrigação é única (de pagamento do valor emprestado), que somente se desdobrou em prestações repetidas para facilitar o adimplemento pelo devedor.
Efetivamente, na espécie, não são diversas obrigações que se renovam periodicamente, o que atrairia a prescrição de trato sucessivo, mas, como visto, é uma única obrigação, um único valor que foi emprestado ao mutuário. Logo, o termo inicial da prescrição, nessa última situação, também é um só: o dia em que se tornou exigível o cumprimento integral da obrigação, isto é, o dia de pagamento da última parcela (princípio da actio nata – art. 189 do CC)”.
Como já restou demonstrado, o mútuo não é contrato de duração, de modo que não poderia ser nem de execução continuada (conclusão adotada pelo Ministro) nem de trato sucessivo. Trata-se, sabidamente, de contrato de execução instantânea diferida, onde as partes podem vir a convencionar o pagamento em prestações fragmentadas. Isso implica na aferição da prescrição conforme cada prestação vá vencendo.
Apesar disso, o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, em voto vencido, explanou exatamente a tese aqui defendida:
“Ademais, a cláusula contratual que antecipa o vencimento das obrigações não muda essa panorama. Ela poderá ser ou não eficacizada pelo credor, a depender do pedido por ele formulado na inicial. Acaso exija apenas as prestações vencidas, as vincendas somarão o pedido no decorrer da lide. Poderá o credor, no entanto, dando eficácia ao vencimento antecipado contratualmente previsto, exigir, de pronto, a totalidade da dívida desde a propositura da ação/execução. Mesmo diante desta possibilidade, da seguinte conclusão não se poderá escapar: com o vencimento e o inadimplemento de cada uma das parcelas convolar-se-á o direito de crédito em pretensão e, assim, deflagrarar-se-á a contagem do prazo prescricional em relação a cada uma destas parcelas. Certamente não haverá falar em contagem do prazo prescricional em relação às prestações cujo vencimento fora antecipado, pois em não havendo, em relação a elas, inadimplemento, não se poderia ter por deflagrado, no que concerne, o lapso prescricional. Todavia, em relação àquelas parcelas vencidas, em que há violação de direito subjetivo do credor pelo tão só fato de negar-lhe o pagamento na data aprazada e, ainda, legítima pretensão de cobrança judicial não exercitada, há contagem de prescrição. Não se pode premiar o credor pelo reconhecimento do início do prazo prescricional de parcelas vencidas há várias (sic) anos – a depender da extensão do prazo de amortização – apenas a contar da última das prestações.
Essa deveria ser a conclusão adotada, tendo em vista sua coerência com a dogmática dos institutos envolvidos. Há, corretamente, identificação das distintas pretensões, cada qual com sua respectiva prescrição, ignorando-se interesses axiológicos como “benefício do credor” ou “benefício do devedor”. Basta a utilização precisa dos conceitos para se chegar ao desfecho adequado.
4. CONCLUSÃO.
A prescrição é um instituto muito importante para a estabilização das relações jurídicas. Sua função consiste, basicamente, em eliminar as situações instáveis envolvendo os vínculos obrigacionais. À vista disso, entende-la como uma exceção, cujo efeito é encobrir a eficácia da pretensão correspondente, é fundamental para a compreensão do fator tempo nas relações obrigacionais.
Em adição a isso, menciona-se o pouco rigor com o qual têm sido apreciados os contratos de duração. Muitos operadores vêm aplicando, sem critério, as noções de contrato de execução continuada, contratos de trato sucessivo e, por fim, contratos de execução instantânea diferida como sinônimos, olvidando as cruciais diferenças dos institutos.
Nessa esteira, a prescrição vem sendo aplicada de forma equivocada pelos Tribunais, consoante precedentes invocados ao longo do presente trabalho. Menciona-se, por exemplo, o caso do mútuo a ser pago em prestações, um típico contrato de execução diferida, cujo vencimento de cada prestação irradia uma pretensão correspondente. Em inúmeras ocasiões, os Tribunais entenderam que a prescrição da pretensão ao pagamento do valor mutuado deflagra-se na data de vencimento da última parcela. Essa conclusão está em total dissonância com a própria definição de prescrição, visto que permite existir prestações exigíveis, pois se encontram vencidas, mas contra as suas respectivas pretensões não corre a prescrição.
Ao demais, tais contratos, muito comuns hoje em dia sob a forma de financiamento imobiliário, podem convencionar cláusula de vencimento antecipado (aliás, todo contrato de execução diferida pode). Diante dessa possibilidade, criou-se uma controvérsia que está longe de ser resolvida nos Tribunais, de forma satisfatória: a prescrição em contratos de execução diferida com cláusula de vencimento antecipado.
Os Tribunais, encabeçados por precedentes do STJ, estão pacificando o entendimento de que a cláusula de vencimento antecipado não altera o dies a quo da prescrição, o que é correto tendo em vista que seu efeito é tão somente criar uma pretensão ao pagamento integral do valor devido. Não obstante a isso, ao arrepio da dogmática, consideram que o prazo prescricional deve começar a fluir após o vencimento da última parcela, a fim de evitar prejuízo ao credor.
Essa tese deve ser rechaçada, assim como aquela encontrada em esparsos precedentes que considera uma única pretensão, após a incidência da cláusula. Para essa vertente, como o implemento da cláusula torna exigível toda a dívida, uma vez decorrido o prazo prescricional para essa pretensão, toda a dívida tornar-se-ia desprovida de pretensão que a tornasse exigível.
Por fim, uma terceira corrente, muito mais condizente com a correta leitura dos institutos envolvidos, é adotada em pouquíssimos julgados. Certamente, devem-se identificar diferentes pretensões, uma para cada prestação vencida, e uma especificamente para o pagamento de toda a dívida, de modo que não haja interferência entre elas. Esse é a conclusão que deve prevalecer, tendo em vista os conceitos expostos ao longo do presente trabalho.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGNELO AMORIM FILHO, Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis, in Rev. de Dir. Proc. Civ. 3º vol., 1961.
ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito das obrigações, 7ª Ed. Coimbra: Almedina, 1999.
ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina, 1970.
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Contrato de distribuição – causa final dos contratos de trato sucessivo – resilição unilateral e seu momento de eficácia – interpretação contratual – negócio per relationem e preço determinável in Revista dos Tribunais, vol. 826, 2004.
AZEVEDO JÚNIOR, José Osório de. Compromisso de Compra e Venda, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre pretensão e prescrição no sistema do Novo Código Civil Brasileiro in Rev. Trim. De Direito Civil, 2002.
BEVILAQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. Ed. Rio: Rio de Janeiro, 1966.
CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da prescrição e da decadência. 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1959.
CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Ignácio. Doutrina e Prática das Obrigações ou Tratado geral dos Direitos de Crédito, 3ª Ed, Tomo I. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1938.
DOMINGUES DE ANDRADE, Manuel A. Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II – Facto jurídico em especial negócio jurídico. Coimbra:Almedina, 2003.
FARIA, Jorge Leite Areias Ribeiro de. Direito das obrigações – Primeiro volume. Coimbra: Almedina, 1987.
GOMES, Orlando. Contratos. 26ªedição. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 12ª ed. São Paulo, Saraiva, 2013.
MENEZES CORDEIRO, Antônio. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2013.
MENEZES CORDEIRO, Antônio. Tratado de Direito Civil Português – Parte geral – Tomo IV. Coimbra:Almedina, 2007.
MENEZES CORDEIRO, Antônio. Tratado de Direito Civil Português – Direito das obrigações – Tomo I – Introdução, Sistemas e Direito Europeu das Obrigações e Dogmática Geral. Coimbra:Almedina, 2009.
NICOLAU NAZO. A decadência no direito civil brasileiro. Max Limonad, 1959.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado do Direito Privado: Tomo V. Editora Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1955.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Tomo VI. Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1955.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Tomo XIII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado do Direito Privado: Tomo XXII. Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1955.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Tomo XXXIX. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações – Tomo I. Rio de Janeiro: Ed. Borsoi,, 1970.
POTHIER, Robert Joseph. A treatise on obligations considered in a moral and legal view – translated from the frente by William David Evans. Union, N.J: Lawbook Exchange, 2005.
SCHUNCK, Giuliana Bonanno. Contratos de longo prazo e dever de cooperação. Tese de doutorado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2013.
SIMÃO, José Fernando. Prescrição e Decadência: início dos prazos. São Paulo, Atlas, 2013.
TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das obrigações, 4ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1982.
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Moraes. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
[1] CÂMARA LEAL, 1959, p. 26.
[2] Clovis Beviláqua justifica seu posicionamento da seguinte forma: “Não é o fato de não se exercer o direito que lhe tira o vigor; nós podemos conservar inativos em nosso patrimônio muitos direitos por tempo indeterminado. O que o torna inválido é o não uso da sua propriedade defensiva, da ação que o reveste e o projeta. A ação considerada do ponto de vista social, é o princípio tutelar, que a sociedade insere em cada direito e por meio do qual ela se interpõe entre protetor do direito e seu ofensor. Mas este tegumento protetor do direito se adelgaça e desfaz, quando, por longo tempo, deixa de reagir contra os ataques vibrados sôbre o direito; é um órgão que se atrofia pelo desuso” (BEVILAQUA, Clóvis,1966, p. 370)
[3] De forma simples, José Carlos Barbosa Moreira (BARBOSA MOREIRA, 2002, p. 150), com base no art. 189 do Código Civil, lança luz à dicotomia interpretativa envolvendo o conceito de pretensão: subjetiva (=poder de exigir) e objetiva (=exigência). Defende, com razão, que o Código parece ter adotado a primeira vertente — posição esta que era a de Pontes de Miranda.
[4] Advirta-se à amplitude dada ao conceito de pretensão por Pontes de Miranda, pois abrangeria não só o que ele define por pretensão condenatória, mas também declarativa, constitutiva e mandamental (PONTES DE MIRANDA, 1955, §615). Em relação à prescrição, utiliza-se a definição de pretensão condenatória, para a qual se atribui o correlato “obrigação”. Nesse sentido, cf. SIMÃO, 2013, p. 188.
[5] José Carlos Barbosa Moreira adverte para a possibilidade de se interpretar esses dispositivos como se referindo à ação de direito material, tornando-os compatíveis com a solução adotada pelo Código de Processo Civil de 1973 (BARBOSA MOREIRA, 2002, p. 152).
[6] Nicolau Nazo (NICOLAU NAZO, 1959, p. 118) e Manuel A. Domingues de Andrade (DOMINGUES DE ANDRADE, 2003, p. 454).
[7] Curiosa é a conclusão manifestada por Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes que, supostamente embasada em Pontes de Miranda, vai de encontro às ideias do saudoso jurista paraibano. Isso porque adotam como efeito da prescrição a extinção da pretensão, e não o encobrimento de sua eficácia, como defendido por Pontes de Miranda: “O art. 189 incorpora ao direito pátrio a teoria de que a prescrição extingue a pretensão (…), preservando-se assim o direito, que poderá ser satisfeito mediante prestação espontânea pela parte beneficiada com a prescrição. O reconhecimento de que a prescrição atua sobre a pretensão é louvável e revela tendência a se decompor a noção de direito subjetivo, dando autonomia ao seu aspecto central de exigibilidade. A pretensão é o poder de exigir uma pretensão, um comportamento de outrem (André Fontes, A Pretensão, pp. 10-11); ou, na lição de Pontes de Miranda, “a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa” (Pontes de Miranda, Tratado, vol. V, p. 451). Sendo assim, a redação do art. 189 explicita que, para a ocorrência da prescrição, deverá existir um direito e que, em sendo ele violado, surgirá uma pretensão para o seu titular, a qual, não sendo exercida dentro de um prazo determinado, desencadeará o fenômeno da prescrição”. (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Moraes, 2004, p. 350).
[8] Possibilidade pois a exceção de prescrição é também alegável por pessoa não devedora.
[9] Agnelo Amorim Filho presenteia-nos com uma explicação acerca dos motivos que levam à escolha da pretensão como marco inicial da prescrição: “Compreende-se facilmente o motivo da escolha da pretensão como termo inicial do prazo de prescrição. É que o estado de intranquilidade social que o instituto da prescrição procura limitar no tempo, não resulta somente da possibilidade de propositura da ação, mas também de um fato que sempre lhe é anterior, e que pode até ocorrer sem que haja nascido a ação: a possibilidade de exercício da pretensão. Pouco, ou nada, adiantaria paralisar a ação com o objetivo de alcançar aquela paz social, se a pretensão permanecesse com toda sua eficácia.” (AGNELO AMORIM FILHO, 1961, 119)
[10] Frase geralmente atribuída aos personagens da mitologia grega Ícaro e Dedalo. Sua origem estaria ligada ao momento em que Dedalo, pai de Ícaro, após confeccionar um par de asas para o filho escapar do labirinto, adverte-o para não voar tão próximo ao Sol, nem tão próximo ao Mar. Ícaro pôs-se a voar e, deslumbrado com o brilho do Sol, foi aproximando-se dele cada vez mais, até que a cera de suas asas derreteu. Por fim, Ícaro afundou no mar grego.
[11] “Duas consequências surgirão dessa conclusão pela qual o prazo prescricional, em caso de responsabilidade extracontratual, só se inicia com o dano-prejuízo e sua ciência pela vítima. A primeira é a de que caberá a vítima fazer a prova do momento exato da ciência para que se permita o cômputo do prazo prescricional. Será fato constitutivo de seu direito. Se não provar quando teve a ciência, quer por prova documental, testemunhal, ou qualquer outra pelo direito admitida, o juiz aplicará o texto frio da lei para, utilizando-se do momento do dano evento, decidir se a pretensão prescreveu ou não. (…) A segunda consequência é a de que a noção de conhecimento, de ciência, se fará necessariamente de acordo com o standard do homem médio, ou seja, de acordo com a conduta que se espera da pessoa comum.” (SIMÃO, 2013, p. 215).
[12] RECURSO ESPECIAL. 1. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DO PROCEDER NEGLIGENTE DE OFÍCIO DE NOTAS, QUE TERIA ABERTO FIRMA FALSA E A RECONHECIDO EM ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL IGUALMENTE FORJADA, A ENSEJAR O AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL POR TERCEIRO CONTRA O SUPOSTO TITULAR DA FIRMA. DISCUSSÃO QUANTO AO TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. 2. PRESCRIÇÃO. FINALIDADE. 3. SURGIMENTO DA PRETENSÃO RESSARCITÓRIA. PLENO CONHECIMENTO DA LESÃO PELO TITULAR DO DIREITO SUBJETIVO VIOLADO. EXERCIBILIDADE DA PRETENSÃO. VERIFICAÇÃO. 4. TERMO INICIAL. PROVIMENTO JUDICIAL DEFINITIVO DE IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Controvérsia acerca do início do prazo prescricional para a promoção de ação destinada a reparar os danos morais decorrentes da atuação de Ofício de Notas, que, inadvertidamente – senão por má- fé, teria aberto firma falsa de titularidade do autor e a reconheceu em escritura de compra e venda de imóvel igualmente forjada. Segundo alegado pelo demandante, o proceder negligente do Cartório de Notas ensejou o ajuizamento, contra si, de ação de rescisão de contrato de compra e venda promovida por pessoa estranha a seu conhecimento, em que se lhe imputou a acusação de ter vendido o mesmo terreno para duas pessoas distintas, causando-lhe, inequivocamente, constrangimento, humilhação e abalo psíquico. Discute-se, nesse contexto, se o termo inicial da fluência do lapso prescricional da pretensão ressarcitória (no caso, promovida em 19/8/2010) deve ser considerado a data da citação na ação de rescisão de contrato de compra e venda movida por terceiro (2004), ou do momento em que houve o reconhecimento judicial (6/10/2008), nessa mesma ação, de que a assinatura inserta na escritura de compra e venda, com firma reconhecida (e aberta) pelo Ofício de Notas, era realmente falsa. 2. O instituto da prescrição tem por escopo conferir segurança jurídica e estabilidade às relações sociais, apenando, por via transversa, o titular do direito que, por sua exclusiva incúria, deixa de promover oportuna e tempestivamente sua pretensão em juízo. Não se concebe, nessa medida, que o titular do direito subjetivo violado tenha contra si o início, bem como o transcurso do lapso prescricional, em circunstâncias nas quais não detém qualquer possibilidade de exercitar sua pretensão, justamente por não se evidenciar, nessa hipótese, qualquer comportamento negligente de sua parte. 3. O surgimento da pretensão ressarcitória não se dá necessariamente no momento em que ocorre a lesão ao direito, mas sim quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da lesão e de toda a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito, inexistindo, ainda, qualquer condição que o impeça de exercer o correlato direito de ação (pretensão). Compreensão conferida à teoria da actio nata (nascimento da pretensão) que encontra respaldo em boa parte da doutrina nacional e já é admitida em julgados do Superior Tribunal de Justiça, justamente por conferir ao dispositivo legal sob comento (art. 189, CC) interpretação convergente à finalidade do instituto da prescrição. 4. A citação efetuada na ação de rescisão contratual apenas conferiu ao ora demandante ciência quanto aos fatos a ele atribuídos na inicial por pessoa estranha ao seu conhecimento. 4.1. Somente a partir do reconhecimento judicial de que a assinatura inserta na escritura de compra e venda, com firma reconhecida (e aberta) pelo Ofício de Notas, era realmente falsa, o então demandado obteve pleno conhecimento da lesão a ele causada em toda a sua extensão. Ressalta-se que o abalo psíquico, segundo alegado, decorreu do constrangimento e humilhação vivenciados durante toda a tramitação do processo (aproximadamente 4 anos), em que teve que provar, em seus dizeres, sua inocência. Apenas com o desfecho da ação, lastreado na prova pericial realizada (exame grafotécnico), em que se reconheceu a falsidade da assinatura inserta na escritura de compra e venda, afigurou-se possível ao demandado postular a responsabilidade do Tabelionato de Notas pelos danos morais alegadamente sofridos. 4.2. Afigurar-se-ia sem qualquer sustentação a demanda destinada a reparar alegados danos morais decorrentes da tramitação da ação de rescisão de contrato de compra e venda, sem que houvesse, antes, o reconhecimento judicial definitivo de sua improcedência. Nesse contexto, é de se reconhecer que a pretensão somente afigurou-se “exercitável” por ocasião do correspondente provimento judicial, com trânsito em julgado (2009). 5. Recurso especial provido. (REsp 1347715/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 04/12/2014 – grifo nosso).
[13] Conferir REsp 1.354.348/RS. Segue a ementa: DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO EM VIRTUDE DE DANOS MATERIAIS E MORAIS ORIUNDOS DE CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. NÃO OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. 1. Alegado dano ambiental consubstanciado na contaminação do solo e das águas subterrâneas na localidade onde o recorrido residia, em decorrência dos produtos tóxicos utilizados no tratamento dos postes de luz destinados à distribuição de energia elétrica aos consumidores, o que foi noticiado no ano de 2005 pela mídia e pela própria AES Florestal. 2. Na responsabilidade contratual, em regra, o termo inicial da contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual decorre o nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de exigência do direito subjetivo violado, nos termos do disposto no art. 189 do Código Civil, consagrando a tese da actio nata no ordenamento jurídico pátrio. 3. Contudo, na responsabilidade extracontratual, a aludida regra assume viés mais humanizado e voltado aos interesses sociais, admitindo-se como marco inicial não mais o momento da ocorrência da violação do direito, mas a data do conhecimento do ato ou fato do qual decorre o direito de agir, sob pena de se punir a vítima por uma negligência que não houve, olvidando-se o fato de que a aparente inércia pode ter decorrido da absoluta falta de conhecimento do dano. Inteligência da Súmula 278 do STJ. 4. Constata-se aqui a subsunção da situação fática à norma constante do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o recorrido alega que foi vítima de contaminação ambiental decorrente dos produtos venenosos utilizados no tratamento dos postes de luz destinados à distribuição de energia elétrica aos consumidores. Incidência do prazo prescricional quinquenal (art. 27 do Código de Defesa do Consumidor), iniciando-se sua contagem a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. 5. No caso, tendo o recorrido tomado ciência da contaminação do solo e do lençol freático de sua localidade – momento em que lhe foi possível dessumir a desvalorização imobiliária (dano material) – no ano de 2005, ressoa inequívoca a não ocorrência da prescrição, haja vista que a demanda foi ajuizada em 2009. 6. Quanto aos danos morais, é certo que, da mera publicização do acidente ambiental, não ocorreu imediatamente o prejuízo à saúde, fazendo-se mister, para o nascimento da pretensão, fosse primeiro diagnosticada a doença e constatado que ela se desenvolvera em decorrência da poluição da área atingida. Assim, parece certa a não ocorrência da prescrição, porquanto não transcorrido o prazo de 5 anos nem mesmo da notícia do acidente ambiental, sendo óbvio que o diagnóstico da doença e sua causa somente se deram em momento posterior. 7. Recurso especial não provido. (REsp 1354348/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 16/09/2014)
[14] Menciona-se o voto do Min. Luis Felipe Salomão no REsp nº 1.103.658/RN, cujo teor é antagônico ao voto citado anteriormente. Naquele, o ministro afirma ser a ciência da lesão o marco inicial para a prescrição envolvendo responsabilidade civil contratual (contrato envolvendo um proprietário de imóvel e a administradora deste). Segue a ementa: PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. LOCAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS. INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. APROVAÇÃO CADASTRAL DE LOCATÁRIO SEM CAPACIDADE ECONÔMICA. DÉBITOS RELATIVOS A ALUGUERES, COTAS CONDOMINIAIS E TRIBUTOS. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. ART. 667 C/C 186 DO CC. 1. A administradora de imóveis figura como mandatária do proprietário do bem para, em nome deste, realizar e administrar a locação, nos termos do art. 653, do Código Civil, obrigando-se a indenizar o mandante por quaisquer prejuízos advindos de sua conduta culposa (art. 667 do mesmo diploma legal). Por outro lado, não cabe à imobiliária que agiu diligentemente a responsabilidade pelo pagamento de aluguéis, cotas condominiais ou tributos inadimplidos pelo locatário – ressalvadas as hipóteses de previsão contratual nesse sentido -, porquanto ausente sua culpa, elemento imprescindível em sede de responsabilidade civil subjetiva. 2. Ao revés, configura-se a responsabilidade da administradora de imóveis pelos prejuízos sofridos pelo locador quando ela não cumpre com os deveres oriundos da relação contratual. 3. A recorrente é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda, uma vez que a pretensão veiculada na petição inicial não diz respeito à mera cobrança de alugueres atrasados, mas à responsabilização civil da imobiliária pelo descumprimento do contrato. No caso concreto, o Tribunal a quo consignou a efetiva existência de falha na aprovação do cadastro do locatário e do fiador, uma vez que a renda auferida por eles não alcançava o patamar mínimo exigido contratualmente, resultando na frustração da execução que visava à cobrança dos alugueres e débitos relativos às cotas condominiais e tributos inadimplidos. 4. A pretensão do proprietário do imóvel nasceu com a ciência do defeito na prestação do serviço consubstanciado na desídia relacionada à aprovação cadastral do locatário e do fiador, o que se deu por ocasião da frustração do processo executivo ajuizado em junho de 2003. Tendo a presente demanda sido proposta em agosto de 2005, antes de transcorrido o prazo trienal previsto no art. 206, § 3º, V, do CC, ressoa manifesta a não ocorrência da prescrição. 5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1103658/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/04/2013, DJe 23/04/2013)
[15] AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. PRESCRIÇÃO. TERMO A QUO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA VÍTIMA DO DANO IRREVERSÍVEL. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. MATÉRIA DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o prazo prescricional da ação para indenizar dano irreversível causado por erro médico começa a fluir a partir do momento em que a vítima tomou ciência inequívoca de sua invalidez, bem como da extensão de sua incapacidade. Aplicação do princípio da actio nata. 2. O acórdão recorrido fundamentou sua decisão no fato de que o julgamento da lide pelo magistrado de primeiro grau, com declaração da ocorrência da prescrição, foi prematuro, tendo em vista que o delineamento da controvérsia depende ainda da análise de um contexto probatório não produzido pelas partes . 3. Qualquer conclusão em sentido contrário ao que decidiu o aresto impugnado envolve o reexame do contexto fático-probatório dos autos, providência incabível em sede de recurso especial, conforme o que dispõe a Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1098461/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 02/08/2010)
[16] Seguindo a teoria dualista, essas hipóteses são exemplos de Schuld desprovido de Haftung. Cf. http://www.esmp.sp.gov.br/revista_esmp/index.php/RJESMPSP/article/view/80/44, acessado em 27.8.2018.
[17] Como bem observado por Antunes Varela, citando Vaz Serra, as prestações reiteradas são, de ordinário, periódicas. Porém, também é possível que não se repitam periodicamente. Como exemplo, menciona a obrigação de fazer reparações à medida que sejam necessárias.
[18] Antonio Junqueira, em parecer jurídico, destrincha as categorias jurídicas, também escudado em Giorgio Roppo: “O contrato de distribuição celebrado entre a Goncourt Ltda. e a Distribuidora S.A. pertence, por sua natureza, à categoria dos contratos de duração, cuja elaboração sistemática deve-se, sobretudo, às doutrinas italiana e alemã (contratti di durata, Dauerverträge). Tais contratos abrangem mais de uma espécie, mas incluem, em particular, contratos de trato sucessivo ou de execução continuada; desses contratos originam-se “relações obrigacionais duradouras” (dauernde Schuldverhältnisse). Sobre os contratos de duração em geral, pode-se seguir a tipologia de Giorgio Oppo que ensina haver três modos pelos quais o tempo pode influenciar as relações contratuais. Em uma primeira hipótese, o agente tem interesse em que a satisfação de suas necessidades ocorra em um determinado momento; o tempo funciona, assim, como fator de determinação da “sede temporal” do ato, isto é, do termo (essencial ou não) assinalado à execução da prestação de uma das partes ou de ambas, marcando a distância entre o ato constitutivo da relação jurídica e o ato de adimplemento. Pode-se falar, pois, em “execução diferida”. No segundo caso, o tempo diz respeito à lenta formação da execução, a qual demanda certo lapso temporal, necessário para que o ato se aperfeiçoe. É o que ocorre, por exemplo, no contrato de empreitada, no qual a satisfação do interesse e o adimplemento dependem do resultado final de uma atividade preparatória mais ou menos longa (realização da obra). Embora a execução possa ser dita “continuada”, o adimplemento, afinal, é instantâneo. O tempo, nesse caso, não tem o condão de prolongar o ato de adimplemento, mas sim de prepará-lo. Finalmente, na terceira hipótese, o tempo corresponde ao “interesse na satisfação continuada de uma necessidade duradoura”. O ato de adimplemento, portanto, não é diferido no tempo, nem se aperfeiçoa após certo lapso temporal, mas dura. Tem-se adimplemento continuado ou protraído no tempo. Ao passo que no segundo caso o tempo é “suportado” por uma ou por ambas as partes, em virtude da impossibilidade de obter a satisfação de seus interesses instantaneamente (pense-se novamente na empreitada), na terceira categoria apontada pelo autor, o tempo é “desejado” pelas partes. Somente nesse último caso há, portanto, contrato de duração em sentido restrito, de que são exemplos o contrato de distribuição, o contrato de sociedade e o contrato de trabalho, dentre outros (“I contratti di durata”, Scritti giuridici, Padova: Cedam, 1992. vol. III, p. 209 et seq.). É verdade que uma visão ainda mais atual exigiria um acréscimo às posições de Giorgio Oppo CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO – CAUSA FINAL DOS CONTRATOS DE TRATO SUCESSIVO – RESILIÇÃO UNILATERAL E SEU MOMENTO DE EFICÁCIA – INTERPRETAÇÃO CONTRATUAL – NEGÓCIO PER RELATIONEM E PREÇO DETERMINÁVEL – CONCEITO DE “COMPRA” DE CONTRATO E ABUSO DE DIREITO Página 4 no sentido de que, hoje, há contratos em que as fases de conclusão e execução do contrato não se distinguem com precisão, mas esse tema, nesse passo, é impertinente.’ (AZEVEDO, 2004, p. 122).
[19] Em reforço a essa conclusão, é o pensamento de Mário Júlio de Almeida Costa: “Se o cumprimento se efectua por partes, em momentos temporais diferentes, a prestação diz-se dividida, fraccionada ou repartida (ex.: o preço pago a prestações).” (ALMEIDA COSTA, 1999, p. 613). Em adição a isso, o jurista pondera, de maneira a diferenciar, precisamente, a obrigação fracionada (ou execução diferida, nos termos em que o presente trabalho adotará) da obrigação de trato sucessivo: “Quando, todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam — posto que decorrentes de uma só relação obrigacional — diversas prestações (isto é, prestações repetidas) a satisfazer regularmente (ex.: a obrigação do inquilino de pagar a renda mensal ou anual) ou sem regularidade exacta (ex.: a obrigação de fazer reparações em determinada coisa, à medida que sejam necessárias), teremos as chamadas prestações reiteradas, repetidas, com trato sucessivo ou periódicas (lato sensu). (…) Observe-se que, alguns autores, porventura mais rigorosamente, subdividem as prestações reiteradas em periódicas (stricto sensu) e não periódicas, consoante existam ou não prazo regulares para o seu cumprimento.” (ALMEIDA COSTA, 1999, p. 614)
[20] O jurista português Inocêncio Galvão Telles também auxilia no debate ao estremar o que chama de “dívidas a prestações”: “Não se devem confundir as dívidas a prestações e as dívidas periódicas. Nestas últimas há uma pluralidade de obrigações distintas, embora todas emergentes de um vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente (…). Nas primeiras, pelo contrário, há uma só obrigação cujo objeto é dividido em frações, com vencimentos intervalados.” (TELLES, 1982, p. 224).
[21] MENEZES CORDEIRO, 2009, p. 531.
[22] SCHUNCK, 2013, p. 56.
[23] Pontes de Miranda assevera que “a execução da prestação duradoura não a exaure enquanto não se extingue a relação jurídica. Há adimplemento, a cada momento, mas, por ser duradoura a prestação, a obrigação não se extingue enquanto o adimplemento não chega a seu termo. Prestação duradoura, adimplemento duradouro. Daí ter-se de pensar em pagamento continuado. Se parte falta, falta o todo; ou o resto, se a prestação duradoura foi recebida no tempo passado, como se o locatário ocupou o prédio antes da infração da obrigação de deixar o locatário usar.” (PONTES DE MIRANDA, 1955, §2689). Infere-se disso que o pagamento de aluguel, quando acompanhado da contraprestação de uso ou fruição do bem locado, é adimplemento referente a este período, e, portanto, impassível de reembolso.
[24] Elucidativa a lucubração sobre essa questão feita pelo português Ribeiro de Faria: “Pensemos agora numa hipótese de resolução (…). Se se trata de uma prestação duradoura, a resolução não abrange as prestações já efectuadas (por outras palavras; as rendas pagas estão pagas); mas já não assim, se estamos perante um caso de prestação fraccionada. Neste último caso, a retroactividade da resolução vai afectar todas as fracções da prestação, que devem ser devolvidas” (FARIA, 1987, p. 85-86). E em nota de rodapé ao trecho mencionado, o jurista estende o raciocínio aos contratos de compra e venda em prestações (FARIA, 1987, nota 1, p. 86).
[25] Segue a ementa do julgado:
Ação de cobrança. Compromisso de compra e venda de imóvel. Sentença de parcial procedência. Inconformismo do autor. Cabimento. Cobrança das parcelas em atraso. Prazo prescricional de 5 anos. Art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Termo inicial a partir do vencimento da última parcela. Inocorrência de prescrição. Parcelas que haviam sido declaradas prescritas deverão integrar a condenação. Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP; Apelação 1003550-25.2014.8.26.0477; Relator (a): Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Praia Grande – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/02/2017; Data de Registro: 01/03/2017)
[26] Ressalva-se a nomenclatura de obrigação fracionada defendida por juristas de renome, embora sem diferença prática.
[27] Schunck, com apoio em Giorgio Oppo, assevera: “Por óbvio, porém, que a cada prestação singular inadimplida, inicia-se o prazo prescricional do credor de tomar as medidas cabíveis contra o devedor, mas isso não interfere na compreensão do autor de que se trata de um único contrato com obrigações.” (SCHUNCK, 2013, p. 56).
[28] Essa conclusão já era preconizada por Pontes de Miranda em sua obra, ao comentar o art. 1º, do Decreto nº 20.910/32: “Se se trata de prestações periódicas, a prescrição concerne a cada período; portanto, completa-se à medida que se alcança o quinto aniversário. As posteriores ficam fora da exceção de prescrição, desde que não foi por lei extinto o direito” (PONTES DE MIRANDA, 1955, §714).
[29] “Quando uma dívida é pagável várias vezes, não tenho dificuldade em dizer que a prescrição começa a correr a partir do dia do primeiro vencimento, para a parcela da dívida que era pagável neste momento; e que não corre para as outras parcelas, até o dia do vencimento de cada uma das outras vezes em que se tornam pagáveis. Por exemplo: se você me devesse a soma de três mil libras, pagáveis em três parcelas ânuas, dos quais o primeiro pagamento seria feito no dia 1 de janeiro de 1735, o prazo da prescrição começaria a correr para o primeiro terço da dívida (…) para o segundo terço, a partir de 1 de janeiro, 1736; para o último terço, a partir de 1 de janeiro de 1737; e a dívida estaria prescrita, em relação ao primeiro terço, em 1765, em relação ao segundo, em 1766, e em relação ao restante, em 1767.”
[30] ALMEIDA COSTA, 1999, p. 614.
[31] Cita-se excerto da obra de Ribeiro de Faria onde explica o assunto de forma detalhada: “Positivamente que uma coisa são as obrigações a prestações e outra, muito diferente, as obrigações de prestação continuada. Num contrato de trabalho, a falta do salário de um mês não dá o direito a exigir o salário por que dura o contrato celebrado. Isto é, o art.º 781º não abarca aquelas prestações que, em vez de representarem parcelas, ou fracções de uma dívida, são dívidas distintas, como sucede com as rendas e os salários. Por isso que, como é óbvio, também a falta do pagamento da renda de um mês não legitima o locador a cobrar todas as rendas relativas ao tempo a que respeita o contrato de arrendamento.” (FARIA, 1987, p. 325-326).
[32] Em outra oportunidade, Pontes de Miranda explicou de forma mais incisiva o funcionamento: “Se algo já foi prestado, há o resto do preço; e vale a cláusula segundo a qual, não cumprindo o comprador algum dos seus deveres, e não só o de pagamento de alguma prestação, se vença a dívida do resto do preço. O art. 954 do Código Civil não se refere a essa espécie de antecipação do vencimento, porque se trata de antecipação negocial do vencimento, e não de antecipação legal, como as do art. 954, I, II e III”(PONTES DE MIRANDA, 2013, p. 348).
[33] EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – EMBARGOS DO DEVEDOR – INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA – Acolhimento dos embargos, com a extinção da execução, por falta de interesse de agir – Premissa de que executados purgaram a mora antes do ajuizamento da execução – Descabimento – Contrato contendo cláusula de vencimento antecipado da dívida – Inadimplemento confesso dos devedores quanto a três parcelas do contrato, pagas apenas após o recebimento de notificação informando o vencimento antecipado da dívida – Legalidade da cláusula que legitima a execução do valor integral da dívida – Precedentes deste Egrégio Tribunal de Justiça – Sentença reformada – Recurso provido. (TJSP; Apelação 0006070-07.2012.8.26.0004; Relator (a): Mario de Oliveira; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV – Lapa – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/06/2015; Data de Registro: 12/06/2015)
[34] Veja-se, nesse sentido, precedente do TJSP:
EMBARGOS DO DEVEDOR – Foi o próprio apelante quem firmou o contrato de venda e compra entre a empresa individual e a pessoa física, motivo pelo qual não pode agora pretender se valer em juízo de sua própria torpeza para se livrar da dívida executada – Apelante recebeu e utilizou o crédito fornecido pela apelada e deve honrar com o seu pagamento – As partes avençaram a desnecessidade de notificação para o vencimento antecipado da dívida – Existindo débito em aberto, a dívida ficou vencida em sua totalidade, motivo pelo qual a existência de pagamentos efetuados após a notificação não afasta a mora do apelante – Inexistência de excesso de execução – Pagamentos efetuados pelo apelante foram contabilizados pela apelada – Recurso não provido. (TJSP; Apelação 9086526-02.2009.8.26.0000; Relator (a): Tersio Negrato; Órgão Julgador: 17ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto – 5ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 25/11/2009; Data de Registro: 14/01/2010 – destaque nosso)
[35] APELAÇÃO Restabelecimento de acordo para pagamento parcelado -Atraso mínimo – Prestação aceita pelo credor – Vencimento antecipado não configurado – C. Civil, art. 1425, III – Exclusão da devedora dos cadastros de inadimplentes – Sentença reformada – Recurso provido. (TJSP; Apelação 0022568-27.2010.8.26.0562; Relator (a): Maury Bottesini; Órgão Julgador: N/A; Foro de Santos – 11ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 07/11/2012; Data de Registro: 22/11/2012)
[36] Menezes Cordeiro assim define o instituto da supressio: “A situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa-fé”(MENEZES CORDEIRO, 2013, p. 797).
[37] Dispnível em https://revista.zapimoveis.com.br/confira-uma-linha-do-tempo-sobre-a-venda-de-imoveis-no-brasil/, e https://www.bcb.gov.br/pre/credito_imobiliario/pdf/2%20-%20Apresenta%C3%A7%C3%A3o%20Bacen%2009-11-2007Fernando%20Garcia%20e%20Ana%20Maria%20Castelo.pdf, acessados em 20.9.2018.
[38] AÇÃO MONITÓRIA – Contrato de abertura de crédito em conta corrente – Vencimento antecipado – Previsão contratual – Possibilidade – Não é abusiva a cláusula que prevê vencimento antecipado da dívida, em caso de inadimplemento de alguma parcela da avença – Ademais, constituição em mora que se deu com a citação – Inteligência do art. 219, caput, do Código de Processo Civil – Sentença mantida – Apelo improvido” (Apelação nº. 0003172-58.2009.8.26.0058, Rel. Des. Fábio Podestá, j. 01.10.2014).
[39] TJSP, AC nº 0004016-19.2010.8.26.0431, Rel. Des. Coutinho de Arruda, DJ 29.10.2013; TJSP, AC nº 0176727-24.2008.8.26.0100, Rel. Des. Sandra Galhardo Esteves, DJ 15.6.2015; TJSP, AC nº 1069651-74.2015.8.26.0100, Rel. Des. José Rubens Queiroz Gomes, DJ 9.6.2016.
[40] O único equívoco desse julgado foi considerar como contrato de trato sucessivo.
[41] AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO. EMBARGOS DO DEVEDOR. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. ÚLTIMA PRESTAÇÃO.DATA DO VENCIMENTO.
1. O vencimento antecipado da dívida não altera o início da fluência do prazo prescricional, prevalecendo para tal fim o termo ordinariamente indicado no contrato, que, no caso (mútuo imobiliário), é o dia do vencimento da última parcela.
2. Agravo interno não provido
(AgInt no AREsp 1094478/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 02/02/2018).
Entre outros: STJ, AgInt no REsp 1.408.664/PR, Rel. Min. Marco Buzzi, DJ 19.4.2018; STJ, AgInt no REsp 1.273.391/PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJ 15.8.2017; STJ, AgInt no AREsp 614.960/MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJ 8.11.2016; STJ, AgInt no REsp 1.587.464/CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 9.3.2017.
[42] RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CONTRATO DE ASSUNÇÃO PARCIAL DE DÍVIDAS. INADIMPLEMENTO. EXECUÇÃO JUDICIAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. DATA DE VENCIMENTO DA ÚLTIMA PRESTAÇÃO. TRATO SUCESSIVO. DESCARACTERIZAÇÃO. OBRIGAÇÃO ÚNICA DESDOBRADA EM PARCELAS. VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA. FACULDADE DO CREDOR. MECANISMO DE GARANTIA DO CRÉDITO. TERMO A QUO DO PRAZO PRESCRICIONAL INALTERADO.
1. A questão controvertida na presente via recursal consiste em definir qual é o termo inicial do prazo de prescrição da pretensão de cobrança (ou de execução) fundada em contrato de mútuo (ou em contratos de renegociação) nas hipóteses em que, em virtude do inadimplemento do devedor, opera-se o vencimento antecipado da dívida.
2. O prazo para o adimplemento da obrigação é comumente estipulado em benefício do devedor, sobretudo nos contratos de execução continuada ou de execução diferida, não podendo o credor exigir o cumprimento da prestação antes do seu vencimento (art. 939 do CC). Aliás, como cediço, a dívida vence, ordinariamente, no termo previsto contratualmente.
3. É possível aos contratantes, com amparo no princípio da autonomia da vontade, estipular o vencimento antecipado, como costuma ocorrer nos mútuos feneratícios, em que o inadimplemento de determinado número de parcelas acarretará o vencimento extraordinário de todas as subsequentes, ou seja, a integralidade da dívida poderá ser exigida antes de seu termo.
4. O vencimento antecipado da dívida, ao possibilitar ao credor a cobrança de seu crédito antes do vencimento normalmente contratado, objetiva protegê-lo de maiores prejuízos que poderão advir da mora do devedor, sendo um instrumento garantidor das boas relações creditórias, revestindo-se de uma finalidade social. É, portanto, uma faculdade do credor e não uma obrigação, de modo que pode se valer ou não de tal instrumento para cobrar seu crédito por inteiro antes do advento do termo ordinariamente avençado, sendo possível, inclusive, sua renúncia no caso do afastamento voluntário da impontualidade pelo devedor (arts. 401, I, e 1.425, III, do CC).
5. O vencimento antecipado da dívida livremente pactuado entre as partes, por não ser uma imposição, mas apenas uma garantia renunciável, não modifica o início da fluência do prazo prescricional, prevalecendo, para tal fim, o termo indicado no contrato (arts. 192 e 199, II, do CC). Precedentes.
6. Por se tratar de obrigação única (pagamento do valor emprestado), que somente se desdobrou em prestações repetidas para facilitar o adimplemento do devedor, o termo inicial do prazo prescricional também é um só: o dia em que se tornou exigível o cumprimento integral da obrigação, isto é, o dia de pagamento da última parcela (princípio da actio nata – art. 189 do CC). Descaracterização da prescrição de trato sucessivo.
7. Recurso especial provido.
(REsp 1523661/SE, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 06/09/2018)
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
SOUSA SANTOS, Victor Hugo. Prescrição nos contratos de execução diferida com cláusula de vencimento antecipado. Revista Di Fatto, Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.17088900, Joinville-SC, ano 2025, n. 5, aprovado e publicado em 09/09/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/prescricao-nos-contratos-de-execucao-diferida-com-clausula-de-vencimento-antecipado/. Acesso em: 17/09/2025.