A vítima de dano ambiental como consumidora equiparada (bystander)

Categoria: Subcategoria: Direito, Linguística, Meteorologia, Psicologia

Este artigo foi revisado e aprovado pela equipe editorial.

Aprovado em 25/01/2024

15/01/2024

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Mariana Magalhaes Toledo Barboza

Curriculo do autor: Pós-Graduada em Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário) pela Universidade Estácio de Sá. Autora de livros e de artigos jurídicos. Advogada.

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Resumo

O estudo examina a aplicação da figura do consumidor por equiparação (bystander) nas situações de dano ambiental, conforme reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp 2.009.210. O artigo aborda a relevância da proteção do consumidor em face de atividades poluidoras, destacando as implicações do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a responsabilidade objetiva do fornecedor. Além disso, analisa as definições de dano ambiental e as condições necessárias para caracterizar um acidente de consumo, ressaltando que a legislação brasileira amplia o conceito de consumidor para incluir aqueles afetados indiretamente por danos ambientais, proporcionando maior proteção legal a esta categoria vulnerável.

Palavras-Chave

Dano Ambiental. Consumidor por Equiparação. Responsabilidade Objetiva

Abstract

This study examines the application of the figure of the consumer by equivalence (bystander) in cases of environmental damage, as recognized by the Superior Court of Justice (STJ) in the judgment of REsp 2.009.210. The article addresses the importance of consumer protection in the face of polluting activities, highlighting the implications of the Consumer Protection Code (CDC) and the objective liability of the supplier. Additionally, it analyzes the definitions of environmental damage and the necessary conditions to characterize a consumer accident, emphasizing that Brazilian legislation broadens the concept of consumer to include those indirectly affected by environmental damage, thereby providing greater legal protection to this vulnerable category.

Keywords

Environmental Damage. Consumer by Equivalence. Objective Liability

1.  INTRODUÇÃO

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 2.009.210, considerando os princípios da máxima efetividade da tutela coletiva, da eficiência e da economia processual, afirmou que a figura do consumidor por equiparação (bystander), é aplicável na hipótese de dano ambiental. Esse reconhecimento trouxe diversas consequências, uma vez que a aplicação consumerista prevê vantagens ao consumidor, já que este, por ser presumidamente vulnerável, necessita de uma maior proteção legislativa e judicial.

Como exemplo, cita-se a possibilidade de ocorrência de inversão do ônus da prova nas instâncias ordinárias, conforme preceitua o artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que assevera que são direitos básicos do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Outro exemplo de norma benéfica presente no CDC seria a aplicação da responsabilidade objetiva quando houver um dano ao consumidor.

Nesse caso, o Superior Tribunal entende que: “equipara-se à qualidade de consumidor para os efeitos legais, àquele que, embora não tenha participado diretamente da relação de consumo, sofre as consequências do evento danoso decorrente do defeito exterior que ultrapassa o objeto e provoca lesões, gerando risco à sua segurança física e psíquica” (STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 1.000.329/SC, julgado em 10/8/2010).

2.  O DANO AMBIENTAL

O dano ambiental consiste em qualquer lesão ao meio ambiente causada por condutas ou de pessoas físicas ou jurídicas de Direito Público ou de Direito Privado. Estas serão consideradas poluidoras, uma vez que são responsáveis, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Sobre o tema, importante destacar os conceitos previstos no artigo 3 º da Lei número 6.938/1981: a) degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; b) poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: i) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; ii) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; iii) afetem desfavoravelmente a biota; iv) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; v) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) adota a teoria do risco integral e entende que aquele que causa dano ambiental, independentemente da existência de dolo ou de culpa, deve responder pela sua reparação integral. Além disso, a reparação de dano ambiental mostra-se imprescritível, sendo uma exceção, portanto, a regra da prescritibilidade das pretensões. Nesse sentido, destaca-se o Tema 999, decidido pelo Suprema Corte em sede de repercussão geral, que afirma: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”.”.

Desse modo, se uma Usina Hidrelétrica, ao ser instalada em determinado local, ocasionar danos ambientais significativos, tais como a redução da pesca e do volume das espécies naturais e a geração de danos econômicos e de saúde para os pescadores locais, estes poderão requerer reparação por danos morais e materiais sob a alegação de serem consumidores por equiparação (bystander) em razão do acidente de consumo.

Nessa situação, o STJ entende que a atividade desenvolvida pela Hidrelétrica apresenta defeito que ultrapassa os limites do ato de exploração de potencial hidroelétrico a ponto de causar danos materiais e morais em razão do impacto causado no desenvolvimento da atividade pesqueira e de mariscagem.

Cumpre destacar, ainda, que só se fala na figura do consumidor por equiparação (bystander) em caso de acidente de consumo. Nesse sentido, destaca-se o disposto no site “Dizer [1]o Direito”: “Vale ressaltar que a equiparação aplica-se apenas nas hipóteses de fato do produto ou serviço, ou seja, nas situações em que “a utilização do produto ou serviço é capaz de gerar riscos à segurança do consumidor ou de terceiros, podendo ocasionar um evento danoso, denominado de ‘acidente de consumo’” (GARCIA, Leonardo de Medeiros, Código de Defesa do Consumidor comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 153). Isso significa que não se pode falar na figura do bystander em casos de responsabilidade pelo vício do produto ou serviço. Na hipótese de responsabilidade pelo vício do produto ou serviço não cabe a aplicação do art. 17, do CDC, pois a Lei somente equiparou as vítimas do evento ao consumidor nas hipóteses dos arts. 12 a 16 do CDC STJ. 4ª Turma. REsp 753.512/RJ, julgado em 16/3/2010.”

Percebe-se, portanto, que o mencionado entendimento aplica-se aos casos de defeito ou de acidente de consumo e não meramente de vicio de produto ou serviço. Sobre o tema, importante mencionar a diferenciação que o próprio Código de Defesa do Consumidor faz sobre os institutos.

O defeito, que se relaciona com o acidente de consumo, extrapola o mero vicio, uma vez que causa risco à segurança dos indivíduos. Conforme artigo 12 do CDC, percebe-se que o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais a sua apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado em circulação.

Desse modo, para a ocorrência do acidente de consumo apto a equiparar a vítima do dano ambiental a um consumidor bystander, é preciso que ocorra um defeito exterior que: a) ocasione danos a terceiros; b) gere risco a segurança à segurança física ou psíquica dos indivíduos; c) haja ação ou omissão por parte do poluidor; d) ocorra o nexo causal entre o dano e a conduta daquele que polui.

No que se refere ao fato do serviço, conclui-se que o acidente de consumo, conforme artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, advém do dano causado pela própria prestação do serviço. Assim, o empreendedor causador de eventual dano ambiental possui responsabilidade objetiva em ressarcir os danos ambientais causados aos consumidores por equiparação (bystander).

3.  O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) também adota a teoria objetiva da responsabilidade, já que, caso haja um dano ao consumidor, o responsável por esse dano deverá reparar integralmente o ofendido independentemente da comprovação de dolo ou de culpa. É o que está disposto no artigo 14 do CDC, que afirma que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

A norma consumerista, em seu artigo 2º, dispõe que o consumidor será toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. No entanto, a própria legislação amplia o conceito de consumidor para indivíduos que não sejam destinatários finais de determinado produto ou serviço. Esses casos são os chamados consumidores por equiparação (bystander) de estão previstos no artigo 17 do CDC, que afirma: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”.

O Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria do risco do empreendimento, que assevera que: “todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa.”. (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 13. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2019, p. 603). Assim, caso haja a explosão de um equipamento comprado por um consumidor em sentido estrito e, em razão desse acidente de consumo, um terceiro que não possui nenhuma relação com o fabricante sofra danos físicos, este poderá ser considerado consumidor por equiparação em razão de ter sido vítima e de ter sofrido as consequências do acidente de consumo.

4.  A VÍTIMA DE DANO AMBIENTAL COMO CONSUMIDORA EQUIPARADA (BYSTANDER)

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 2.009.210, reconheceu a vítima de dano ambiental como consumidora por equiparação (bystander) e autorizou a aplicação das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor nesses casos. Assim, nessas situações, é facultado ao consumidor o ajuizamento da ação no foro do seu domicílio (STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.724.320/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 6/3/2023).

No caso, entendeu-se que o acidente de consumo pode surgir do processo produtivo e, conforme disposto no site [2]do STJ, “A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, observou que, de acordo com a jurisprudência, equipara-se ao consumidor para efeitos legais aquele que, embora não tenha participado diretamente da relação de consumo, sofre as consequências do evento danoso decorrente do defeito exterior que ultrapassa o objeto e provoca lesões, gerando risco à sua segurança física e psíquica. A magistrada destacou que o acidente de consumo não decorre somente do dano causado pelo produto em si, podendo surgir do próprio processo produtivo, nos termos do artigo 12 do CDC. Segundo ela, “na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade empresarial poluidora destinada à fabricação de produtos para comercialização, é possível, em virtude da caracterização do acidente de consumo, o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, o que atrai a incidência das disposições do CDC”.

Nesse sentido, destaca-se o decidido pelo STJ:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DERRAMAMENTO DE ÓLEO. PESCADORES ARTESANAIS PREJUDICADOS. ACIDENTE DE CONSUMO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. FORO. DOMICÍLIO DOS AUTORES.
1. Trata-se de ação ordinária ajuizada por pescadores artesanais visando a reparação de danos materiais e morais decorrentes de dano ambiental.
2. Os autores foram vítimas de acidente de consumo, visto que suas atividades pesqueiras foram supostamente prejudicadas pelo derramamento de óleo ocorrido no Estado do Rio de Janeiro. Aplica-se à espécie o disposto no art. 17 do Código de Defesa do Consumidor. (…)
STJ. 2ª Seção. CC n. 143.204/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/4/2016.

Assim, caso haja a ocorrência de dano individual em razão do exercício de atividade empresarial destinada à fabricação de produtos ou prestação de serviços, haverá o acidente de consumo e, com isso, o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, de modo a aplicar as normas dispostas no Código de Defesa do Consumidor para essas situações.

5.  CONCLUSãO

Diante do exposto, percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça entende que, no caso de haver danos ambientais que ocasionem prejuízo a população, esta poderá ser enquadrada como consumidora por equiparação (bystander), de modo a atrair a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Entende-se que, nessas situações, diferentemente do que ocorre com meros vícios de produtor, há um acidente de consumo e tal fato justifica a aplicação do CDC em benefício da vitima de um desastre ambiental, ainda que esta não possua uma relação direta com o poluidor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É possível o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade de exploração de potencial hidroenergético causadora de impacto ambiental, em virtude da caracterização do acidente de consumo. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2023/06/e-possivel-o-reconhecimento-da-figura.html>. Acesso em: 18/03/2023

[1] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É possível o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade de exploração de potencial hidroenergético causadora de impacto ambiental, em virtude da caracterização do acidente de consumo. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2023/06/e-possivel-o-reconhecimento-da-figura.html>. Acesso em: 18/03/2023

[2] Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/29092022-Reconhecimento-de-vitima-de-dano-ambiental-como-bystander-autoriza-aplicacao-de-normas-protetivas-do-CDC.aspx>. Acesso em 22/01/2024

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOZA, Mariana Magalhaes Toledo. A vítima de dano ambiental como consumidora equiparada (bystander). Revista Di Fatto, Subcategoria Direito, Linguística, Meteorologia, Psicologia, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2024, n. 2, aprovado e publicado em 25/01/2024. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-vitima-de-dano-ambiental-como-consumidora-equiparada-bystander/. Acesso em: 24/04/2025.