Fisioterapia do Sono: Abordagens Diagnósticas e Terapêuticas na Apneia Obstrutiva do Sono e Seus Impactos Cognitivos e Educacionais
Autores
Resumo
RESUMO A apneia obstrutiva do sono (AOS) é um distúrbio respiratório caracterizado por obstruções recorrentes das vias aéreas superiores durante o sono, resultando em fragmentação do sono e hipóxia intermitente. Esses eventos têm implicações significativas na saúde física, cognitiva e educacional dos indivíduos. Este artigo de revisão visa explorar os fundamentos do sono e suas fases, a fisiopatologia da AOS, as abordagens diagnósticas, especialmente a polissonografia, e as intervenções fisioterapêuticas disponíveis. Além disso, discute-se a relação entre sono, neuroplasticidade e aprendizagem, destacando os impactos educacionais e cognitivos da AOS não tratada e a importância de tratamentos interdisciplinares.
Palavras-ChaveApneia obstrutiva do sono; Fisioterapia do sono; Polissonografia; Neuroplasticidade; Aprendizagem
Abstract
ABSTRACT Obstructive sleep apnea (OSA) is a respiratory disorder characterized by recurrent obstructions of the upper airways during sleep, resulting in sleep fragmentation and intermittent hypoxia. These events have significant implications for individuals’ physical, cognitive, and educational health. This review article aims to explore the fundamentals of sleep and its stages, the pathophysiology of OSA, diagnostic approaches—especially polysomnography—and the physiotherapeutic interventions available. In addition, the relationship between sleep, neuroplasticity, and learning is discussed, highlighting the cognitive and educational impacts of untreated OSA and the importance of interdisciplinary treatments.
KeywordsApneia obstrutiva do sono; Fisioterapia do sono; Polissonografia; Neuroplasticidade; Aprendizagem.
1. INTRODUÇÃO
O sono desempenha um papel vital na manutenção da homeostase cerebral e sistêmica, sendo essencial para funções como a consolidação da memória, a regulação emocional, o reparo imunológico e o equilíbrio metabólico (National Sleep Foundation, 2021). Alterações qualitativas e quantitativas no sono estão relacionadas a uma série de prejuízos funcionais, particularmente quando associadas a distúrbios respiratórios como a apneia obstrutiva do sono (AOS), cuja prevalência global está em ascensão e afeta aproximadamente 1 bilhão de pessoas em todo o mundo (Benjafield et al., 2019).
A AOS é definida pela repetição de colapsos parciais ou completos da via aérea superior durante o sono, resultando em interrupções na ventilação e redução nos níveis de oxigênio sanguíneo. Tais episódios, além de fragmentarem a arquitetura do sono, levam à ativação do sistema nervoso simpático, aumento da pressão arterial noturna e disfunções neurocognitivas (Malhotra; White, 2021). Evidências demonstram que a fragmentação crônica do sono, aliada à hipóxia intermitente, interfere em regiões cerebrais relacionadas à atenção, memória de trabalho, tomada de decisão e aprendizagem (Kjellén et al., 2022), o que torna a AOS não apenas uma condição médica, mas também uma questão educacional e social.
Embora o tratamento padrão para AOS moderada e grave envolva o uso de CPAP (Continuous Positive Airway Pressure), o avanço da fisioterapia respiratória tem ganhado destaque, sobretudo no desenvolvimento de estratégias menos invasivas e voltadas à reeducação muscular e respiratória. A fisioterapia do sono incorpora técnicas como treinamento muscular orofaríngeo, reeducação ventilatória e cinesioterapia respiratória, com evidências crescentes de eficácia na redução dos índices de apneia e melhoria da qualidade de vida (Camacho et al., 2015; Araz et al., 2023).
O diagnóstico da AOS, por sua vez, tem como base a polissonografia, método padrão-ouro que permite a mensuração precisa do índice de apneia-hipopneia (IAH) e a identificação de anormalidades associadas às diferentes fases do sono. Classificações mais modernas, como a polissonografia domiciliar tipo III e IV, também vêm sendo integradas à prática clínica, ampliando o acesso ao diagnóstico precoce (Kapur et al., 2017).
Este artigo de revisão tem como objetivo apresentar uma análise crítica e atualizada sobre os fundamentos do sono, a fisiopatologia da AOS e as estratégias diagnósticas e terapêuticas associadas à fisioterapia do sono. Além disso, será discutido o impacto cognitivo e educacional da apneia não tratada, com foco em propostas de intervenção interdisciplinar que contemplem não apenas a recuperação fisiológica, mas também o desempenho neurocognitivo e acadêmico dos indivíduos afetados.
2. FUNDAMENTOS DO SONO E SUAS FASES
O sono é um estado fisiológico essencial para a manutenção da saúde e do bem-estar. Ele é composto por ciclos que se repetem ao longo da noite, cada um com diferentes estágios que desempenham funções específicas no organismo. O entendimento dessas fases é fundamental para compreender os impactos de distúrbios como a apneia obstrutiva do sono (AOS) e as abordagens terapêuticas adequadas.
Figura 1: Fases do Sono e Suas Características Neurofuncionais
Fonte: Elaborado pelo autor (2025).
2.1 Sono Não-REM (NREM)
O sono NREM é subdividido em três estágios:
· Estágio N1: Representa a transição entre a vigília e o sono. Caracteriza-se por uma redução da atividade muscular e movimentos oculares lentos. É um estágio de sono leve, do qual é fácil despertar (Instituto do Sono, 2021).
· Estágio N2: Corresponde a aproximadamente 50% do tempo total de sono. Nesse estágio, há uma diminuição adicional da atividade muscular e dos movimentos oculares. O eletroencefalograma (EEG) mostra a presença de fusos do sono e complexos K, que estão associados à consolidação da memória e à neuroplasticidade (MSD Manuals, 2024).
· Estágio N3: Também conhecido como sono de ondas lentas ou sono profundo, é crucial para a restauração física e o fortalecimento do sistema imunológico.
Durante esse estágio, há uma predominância de ondas delta no EEG, e é mais difícil despertar o indivíduo (MSD Manuals, 2024).
2.2 Sono REM
O sono REM (Rapid Eye Movement) é caracterizado por movimentos oculares rápidos, atonia muscular e atividade cerebral semelhante à vigília. É durante essa fase que ocorrem os sonhos mais vívidos. O sono REM desempenha um papel vital na consolidação da memória e no processamento emocional (MSD Manuals, 2024).
2.3 Importância das Fases do Sono
Cada fase do sono desempenha funções específicas:
· O sono NREM, especialmente o estágio N3, é fundamental para a recuperação física e o fortalecimento do sistema imunológico.
· O sono REM está associado à consolidação da memória e ao processamento emocional.
A interrupção ou a redução dessas fases, como ocorre na AOS, pode levar a déficits cognitivos, alterações de humor e comprometimento da saúde geral (Instituto do Sono, 2021).
O sono é um processo fisiológico complexo, dividido em duas fases principais: o sono não REM (NREM) e o sono REM. O sono NREM é subdividido em três estágios (N1, N2 e N3), cada um com características distintas. O estágio N2 é marcado pela presença de fusos do sono e complexos K, que desempenham papéis importantes na consolidação da memória e na neuroplasticidade. O sono REM, por sua vez, está associado à consolidação de memórias e ao processamento emocional.
3. FISIOPATOLOGIA DA APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO
A Apneia Obstrutiva do Sono (AOS) é caracterizada por episódios recorrentes de obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores durante o sono, resultando em interrupções na ventilação e quedas nos níveis de oxigênio no sangue. Esses eventos levam a despertares frequentes e fragmentação do sono, comprometendo sua qualidade e eficiência.
3.1 Mecanismos Anatômicos e Funcionais
A obstrução das vias aéreas superiores na AOS é frequentemente atribuída a fatores anatômicos, como hipertrofia das amígdalas e adenoides, retrognatia, macroglossia e aumento da circunferência do pescoço. Além disso, a obesidade é um fator de risco significativo, pois o acúmulo de tecido adiposo na região cervical pode estreitar ainda mais as vias aéreas (Martins et al., 2007).
3.2 Fatores Neuromusculares
Durante o sono, há uma redução no tônus muscular, incluindo os músculos responsáveis por manter as vias aéreas superiores abertas. Essa diminuição do tônus pode levar ao colapso das vias aéreas em indivíduos predispostos. A atividade dos músculos dilatadores da faringe, como o genioglosso, é crucial para manter a patencia das vias aéreas. Disfunções nesses músculos podem contribuir para a ocorrência de apneias (Martins et al., 2007).
3.3 Consequências Fisiológicas
Os episódios de apneia resultam em hipóxia intermitente e hipercapnia, que ativam respostas autonômicas, levando a aumentos na pressão arterial e frequência cardíaca. Além disso, a fragmentação do sono pode causar sonolência diurna excessiva, déficits cognitivos e alterações no humor. A longo prazo, a AOS está associada a um risco aumentado de doenças cardiovasculares, como hipertensão, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (Martins et al., 2007).
A AOS é caracterizada por obstruções repetidas das vias aéreas superiores durante o sono, levando a episódios de apneia e hipopneia. Esses eventos resultam em fragmentação do sono e hipóxia intermitente, que podem causar disfunções neurocognitivas e metabólicas. A fisiopatologia da AOS envolve fatores anatômicos, neuromusculares e funcionais que contribuem para o colapso das vias aéreas durante o sono.
4. FISIOTERAPIA DO SONO: BASES TEÓRICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
A fisioterapia do sono é uma área de atuação reconhecida pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) e tem se consolidado como uma abordagem terapêutica eficaz no manejo dos distúrbios do sono, especialmente na apneia obstrutiva do sono (AOS). Essa especialidade integra conhecimentos da fisiologia do sono, biomecânica respiratória e técnicas de reabilitação para promover a melhora da qualidade do sono e restaurar padrões respiratórios fisiológicos, com foco não apenas na função pulmonar, mas na reorganização neuromuscular e na modulação autonômica do sono (Associação Brasileira do Sono, 2021).
4.1 Avaliação Fisioterapêutica
A avaliação fisioterapêutica é o primeiro passo para a elaboração de um plano de tratamento individualizado. Ela inclui a anamnese detalhada, exame físico, análise postural, avaliação da função respiratória e, quando disponível, a interpretação de exames complementares como a polissonografia. A identificação de fatores contribuintes, como obesidade, alterações craniofaciais e hábitos de vida, é essencial para o sucesso terapêutico (Camacho et al., 2015).
4.2 Técnicas de Reeducação Ventilatória
As técnicas de reeducação ventilatória visam melhorar a mecânica respiratória e a eficiência ventilatória durante o sono. Entre as abordagens utilizadas estão:
· Treinamento muscular respiratório: fortalecimento dos músculos inspiratórios e expiratórios para melhorar a ventilação alveolar, com benefícios documentados para pacientes com apneia leve a moderada (Araz et al., 2023).
· Reeducação diafragmática: estímulo ao padrão respiratório abdominal para otimizar a função diafragmática, frequentemente comprometida em pacientes com disfunção ventilatória relacionada ao sono.
· Treinamento de resistência respiratória: utilização de dispositivos que impõem resistência ao fluxo aéreo, promovendo o fortalecimento muscular e maior controle da ventilação, especialmente útil em casos de hipoventilação noturna (Camacho et al., 2015).
4.3 Exercícios Orofaciais e Cinesioterapia Respiratória
Os exercícios orofaciais têm como objetivo tonificar os músculos da orofaringe, reduzindo a colapsabilidade das vias aéreas superiores durante o sono. A musculatura da língua, palato mole e parede faríngea, quando fortalecida, contribui para o aumento do tônus basal e da estabilidade da via aérea superior (Araz et al., 2023).
A cinesioterapia respiratória complementa esse trabalho, promovendo a expansão pulmonar, a mobilização torácica e a melhora da oxigenação, sendo amplamente aplicada em fisioterapia hospitalar e domiciliar com resultados positivos na reeducação funcional do sono.
Estudos recentes apontam que a terapia miofuncional orofacial pode reduzir de forma significativa o índice de apneia-hipopneia (IAH) em adultos com AOS leve a moderada, além de melhorar parâmetros subjetivos como sonolência diurna e qualidade de vida (Camacho et al., 2015; Araz et al., 2023).
Figura 2 – Representação anatômica e funcional de exercícios miofuncionais orofaciais aplicados na fisioterapia do sono
Ilustração científica demonstrando três tipos de exercícios fisioterapêuticos utilizados na abordagem da apneia obstrutiva do sono, com foco no fortalecimento da musculatura orofaríngea. A imagem inclui:
(a) elevação da língua contra o palato duro,
(b) protrusão e retração repetitiva da língua com resistência,
(c) oclusão labial sustentada com uso de palitos ou esferas.
Esses exercícios visam melhorar o tônus muscular da língua, palato mole e parede faríngea, reduzindo o colapso das vias aéreas superiores durante o sono. A prática regular dessas técnicas tem sido associada à diminuição do índice de apneia-hipopneia (IAH) e à melhora da adesão ao tratamento com CPAP em pacientes com AOS leve a moderada.
Fonte: Elaborado pelo Autor (2025).
5. DIAGNÓSTICO FUNCIONAL E CLASSIFICAÇÃO (POLISSONOGRAFIA TIPO 1 A 4)
A polissonografia é o exame padrão-ouro para o diagnóstico dos distúrbios do sono, especialmente a apneia obstrutiva do sono (AOS). Ela permite a avaliação detalhada dos estágios do sono e das anormalidades respiratórias, fornecendo informações cruciais para o tratamento adequado.
Tabela 1 – Classificação dos Tipos de Polissonografia
Tipo |
Local de realização |
Parâmetros monitorados |
Supervisão técnica |
Tipo 1 |
Laboratório do sono |
EEG, EOG, EMG, ECG, fluxo de ar, esforço respiratório, saturação de oxigênio (SpO₂), posição corporal |
Sim |
Tipo 2 |
Domicílio |
Mesmos parâmetros do Tipo 1, mas realizado fora do laboratório e sem supervisão contínua |
Não |
Tipo 3 |
Domicílio (simplificado) |
Fluxo aéreo, esforço respiratório, saturação de oxigênio, frequência cardíaca |
Não |
Tipo 4 |
Domicílio (mínimo) |
Um ou dois parâmetros apenas, geralmente oximetria contínua |
Não |
Fonte: Adaptado de Instituto do Sono (2021) e Neurológika (2021).
5.1 Polissonografia Tipo 1
A polissonografia tipo 1 é realizada em laboratório do sono, com supervisão técnica durante toda a noite. Este exame monitora múltiplos parâmetros fisiológicos, incluindo:
· Eletroencefalograma (EEG)
· Eletro-oculograma (EOG)
· Eletromiograma (EMG)
· Eletrocardiograma (ECG)
· Fluxo aéreo nasal e oral
· Esforço respiratório torácico e abdominal
· Saturação de oxigênio (SpO₂)
· Posição corporal
Essa modalidade é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico da AOS, pois permite a identificação precisa dos eventos respiratórios e dos estágios do sono (Instituto do Sono, 2021).
5.2 Polissonografia Tipo 2
A polissonografia tipo 2 é semelhante à tipo 1 em termos de parâmetros monitorados, mas é realizada no domicílio do paciente, sem supervisão técnica contínua. Essa modalidade oferece maior conforto ao paciente e é indicada quando há necessidade de avaliação no ambiente habitual de sono (Neurológika, 2021).
5.3 Polissonografia Tipo 3
A polissonografia tipo 3, também conhecida como poligrafia respiratória, é um exame portátil que monitora um número reduzido de canais, geralmente quatro, focando principalmente em parâmetros respiratórios:
· Fluxo aéreo
· Esforço respiratório
· Saturação de oxigênio
· Frequência cardíaca
Essa modalidade é útil para triagem de AOS em pacientes com alta probabilidade pré-teste e sem comorbidades significativas (Neurológika, 2021).
5.4 Polissonografia Tipo 4
A polissonografia tipo 4 é a mais simplificada, monitorando apenas um ou dois parâmetros, geralmente a oximetria de pulso e a frequência cardíaca. É utilizada como ferramenta de triagem inicial para identificar pacientes que necessitam de avaliações mais detalhadas (Neurológika, 2021).
6. RELAÇÕES ENTRE SONO, NEUROPLASTICIDADE E APRENDIZAGEM
O sono não é um estado passivo; ao contrário, trata-se de um processo neurobiológico ativo, essencial à consolidação da memória, ao fortalecimento sináptico e à plasticidade neural. A neurociência contemporânea tem demonstrado, de forma robusta, que tanto o sono de ondas lentas (estágio N3) quanto o sono REM desempenham funções distintas e complementares na aprendizagem e no armazenamento de informações (SCHOCH et al., 2022).
Figura3: Mapa Conceitual – Sono, Fases e Memória
Fonte: Elaborado pelo autor (2025).
6.1 O Sono como Mediador da Neuroplasticidade
A neuroplasticidade refere-se à capacidade do sistema nervoso de modificar-se em resposta à experiência. Durante o sono, especialmente nas fases NREM e REM, ocorrem processos como a reativação de padrões neuronais previamente ativados durante a vigília e a seleção sináptica — processos essenciais à estabilização da memória e ao refinamento das conexões neurais (DIEKELMANN; BORN, 2010).
Estudos com ressonância magnética funcional evidenciam que o sono profundo está associado ao fortalecimento de redes corticais relacionadas à memória declarativa (fatos e eventos), enquanto o sono REM está mais vinculado à memória emocional e à aprendizagem procedural (movimentos e habilidades) (BARRETT et al., 2021).
6.2 Fusos do Sono e Complexo K: Estruturas Protetoras e Organizadoras
Durante o estágio N2 do sono, fusos do sono e complexos K surgem como fenômenos eletrográficos típicos e têm sido alvo de pesquisas por sua relação direta com a consolidação da memória e a regulação do aprendizado. Fusos do sono são disparos rápidos de atividade neural talâmica que estabilizam a atividade cortical frente a estímulos externos, funcionando como uma “barreira sensorial” (FERNÁNDEZ; LLORENTE; KAPLAN, 2020). Já o complexo K participa do controle da continuidade do sono e parece contribuir para a reorganização sináptica durante o repouso.
Há evidências crescentes de que indivíduos com distúrbios respiratórios do sono — como a apneia obstrutiva — apresentam redução na frequência e na amplitude dos fusos do sono, o que pode explicar, em parte, o comprometimento de funções executivas, atenção seletiva e memória de curto prazo (KJELLÉN et al., 2022).
6.3 Implicações para o Contexto Educacional
A aprendizagem escolar depende de múltiplas capacidades cognitivas que são reguladas, em grande medida, pela integridade do sono. Crianças e adolescentes com apneia não tratada têm maior risco de apresentar dificuldades acadêmicas, comportamento impulsivo, irritabilidade e queda do desempenho geral (GARCÍA-MEDINA et al., 2021).
Dessa forma, o sono precisa ser compreendido não apenas como um fator biológico isolado, mas como uma variável crítica no desempenho pedagógico. A integração entre educação e saúde do sono torna-se, assim, uma necessidade nas políticas públicas e práticas escolares contemporâneas.
7. IMPACTOS EDUCACIONAIS E COGNITIVOS DA APNEIA NÃO TRATADA
A apneia obstrutiva do sono (AOS) é um distúrbio respiratório caracterizado por obstruções recorrentes das vias aéreas superiores durante o sono, resultando em fragmentação do sono e hipóxia intermitente. Esses eventos têm implicações significativas na saúde física, cognitiva e educacional dos indivíduos.
7.1 Déficits Cognitivos Associados à AOS
A fragmentação do sono e a hipóxia intermitente podem levar a déficits de atenção, memória e funções executivas, impactando negativamente o desempenho acadêmico e profissional dos indivíduos. Estudos demonstram que a AOS está associada a uma série de comorbidades, incluindo hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e disfunções neurocognitivas (Microsom, 2023).
7.2 Consequências Educacionais e Comportamentais
Em crianças, a AOS não tratada pode resultar em dificuldades acadêmicas, comportamento impulsivo, irritabilidade e queda do desempenho geral. A sonolência diurna excessiva, comum em pacientes com AOS, interfere na capacidade de concentração e aprendizado, prejudicando o desenvolvimento educacional (Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 2007).
7.3 Importância do Diagnóstico e Tratamento Precoce
O diagnóstico precoce e o tratamento adequado da AOS são essenciais para mitigar seus efeitos adversos. A polissonografia é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico da AOS, permitindo a avaliação detalhada dos estágios do sono e das anormalidades respiratórias. A classificação da AOS em leve, moderada ou grave é baseada no índice de apneia-hipopneia (IAH), que quantifica o número de eventos respiratórios por hora de sono (Instituto do Sono, 2021).
8. TRATAMENTOS INTERDISCIPLINARES: CPAP, FISIOTERAPIA, EDUCAÇÃO E ACOMPANHAMENTO NEUROPSICOLÓGICO
O manejo eficaz da apneia obstrutiva do sono (AOS) requer uma abordagem interdisciplinar que integre diversas modalidades terapêuticas. Essa estratégia visa não apenas aliviar os sintomas respiratórios, mas também abordar as comorbidades associadas, melhorar a qualidade de vida e restaurar as funções cognitivas comprometidas.
8.1 CPAP: Padrão Ouro no Tratamento da AOS
A pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) é considerada o tratamento padrão ouro para a AOS. O dispositivo atua como uma força mecânica que mantém as vias aéreas superiores abertas durante o sono, prevenindo o colapso e permitindo a passagem de ar. Estudos demonstram que o uso do CPAP melhora significativamente a qualidade do sono, reduz a sonolência diurna e diminui os riscos de doenças cardiovasculares associadas à AOS (MATER DEI, 2023).
8.2 Fisioterapia Respiratória e Reabilitação Funcional
A fisioterapia desempenha um papel crucial no tratamento da AOS, especialmente na adaptação e acompanhamento do uso do CPAP. O fisioterapeuta do sono é responsável por avaliar o padrão respiratório do paciente, conduzir a escolha do equipamento mais adequado e realizar os ajustes necessários para garantir a eficácia do tratamento. Além disso, a fisioterapia inclui técnicas de reeducação ventilatória e exercícios orofaciais que fortalecem a musculatura das vias aéreas superiores, contribuindo para a redução dos episódios de apneia (ABSONO, 2023).
8.3 Educação em Saúde e Higiene do Sono
A educação em saúde é fundamental para o sucesso do tratamento da AOS. Orientações sobre higiene do sono, como manter um ambiente propício ao descanso, evitar estimulantes antes de dormir e estabelecer uma rotina regular de sono, são essenciais. A conscientização sobre a importância do tratamento e a adesão às terapias propostas aumentam significativamente a eficácia das intervenções (PHYSICAL CARE, 2022).
8.4 Acompanhamento Neuropsicológico e Reabilitação Cognitiva
A AOS não tratada pode levar a déficits cognitivos significativos, incluindo problemas de memória, atenção e funções executivas. O acompanhamento neuropsicológico visa identificar e tratar essas alterações, utilizando estratégias de reabilitação cognitiva personalizadas. A integração de terapias cognitivas comportamentais pode auxiliar na melhoria do desempenho cognitivo e na qualidade de vida dos pacientes (PHYSICAL CARE, 2022).
Figura 4 – Fluxograma de intervenção interdisciplinar no tratamento da apneia obstrutiva do sono
Representação esquemática das etapas e profissionais envolvidos no tratamento da apneia obstrutiva do sono (AOS), com ênfase na abordagem multiprofissional. O processo inicia-se com o diagnóstico clínico e instrumental (preferencialmente por meio da polissonografia), seguido da definição do plano terapêutico. As intervenções integram o uso de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP), reabilitação fisioterapêutica respiratória e orofacial, educação em saúde para adesão ao tratamento e acompanhamento neuropsicológico visando à recuperação das funções cognitivas afetadas pela fragmentação do sono. Este modelo destaca a importância da integração entre medicina do sono, fisioterapia, psicologia e educação em saúde para resultados clínicos mais eficazes e duradouros.
Fonte: O Autor (2025).
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A apneia obstrutiva do sono (AOS) constitui uma condição respiratória crônica de alta prevalência, cujas repercussões vão além dos domínios respiratório e metabólico, estendendo-se aos aspectos neurocognitivos, comportamentais e educacionais. Ao longo deste trabalho, foram discutidos os fundamentos fisiológicos do sono, sua relação com a aprendizagem e a neuroplasticidade, além das estratégias diagnósticas e terapêuticas disponíveis, com ênfase na atuação da fisioterapia do sono.
Evidências atuais demonstram que intervenções fisioterapêuticas, como os exercícios orofaciais e a cinesioterapia respiratória, vêm se consolidando como abordagens clínicas eficazes na redução da gravidade da AOS e na melhora da qualidade do sono, sobretudo em pacientes com formas leves a moderadas do distúrbio. Contudo, ainda são necessários estudos de coorte e ensaios clínicos randomizados de longo prazo que aprofundem a avaliação dessas terapias em diferentes populações, como crianças, idosos e indivíduos com comorbidades neurológicas. Tais estudos poderão respaldar a inclusão dessas técnicas em protocolos clínicos de primeira linha.
Além disso, a literatura internacional destaca lacunas significativas nos métodos diagnósticos atualmente utilizados. A subutilização de ferramentas padronizadas de rastreamento, o acesso restrito à polissonografia tipo 1 e a inexistência de biomarcadores confiáveis para a estratificação de risco limitam a precisão do diagnóstico e o início oportuno do tratamento. Do ponto de vista terapêutico, a baixa adesão ao CPAP e a escassez de evidências robustas sobre alternativas não invasivas reforçam a necessidade de inovação e diversificação nas abordagens de cuidado.
Nesse contexto, destaca-se como perspectiva promissora o desenvolvimento de biomarcadores clínicos e moleculares que permitam não apenas o diagnóstico precoce, mas também a previsão de complicações neurocognitivas e cardiovasculares associadas à AOS. Adicionalmente, a implementação de modelos de atenção interprofissionais, que integrem medicina do sono, fisioterapia, psicologia, fonoaudiologia e educação em saúde, representa uma estratégia viável para ampliar o alcance e a eficácia das intervenções, especialmente em ambientes com recursos limitados.
Portanto, este artigo reforça a importância da abordagem interdisciplinar no tratamento da AOS e aponta caminhos para futuras investigações que possam contribuir para o aperfeiçoamento das práticas clínicas, a personalização do cuidado e a melhoria da qualidade de vida dos pacientes acometidos por esse distúrbio.
Portanto, este artigo defende que o enfrentamento da AOS, especialmente em populações em idade escolar ou com impacto funcional importante, deve envolver diagnóstico precoce, estratégias terapêuticas personalizadas e o fortalecimento de políticas públicas que articulem saúde e educação. A integração entre ciência, prática clínica e atuação educativa é o caminho mais promissor para mitigar os impactos da apneia do sono na sociedade contemporânea.
REFERÊNCIAS
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
Del Quiqui, Lucca. Fisioterapia do Sono: Abordagens Diagnósticas e Terapêuticas na Apneia Obstrutiva do Sono e Seus Impactos Cognitivos e Educacionais. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciências Sociais Aplicadas, Educação, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.15225370, Joinville-SC, ano 2025, n. 4, aprovado e publicado em 15/04/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/fisioterapia-do-sono-abordagens-diagnosticas-e-terapeuticas-na-apneia-obstrutiva-do-sono-e-seus-impactos-cognitivos-e-educacionais/. Acesso em: 24/04/2025.