Evolução Histórica e Transformações Sociais No Surgimento Dos Direitos Fundamentais.

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

Este artigo foi revisado e aprovado pela equipe editorial.

Revisor: Bruna Cristina Alves Ferreira em 2025-03-21 16:37:18

19/02/2025

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Maria Dairly Ferreira Bezerra

Curriculo do autor: Cientista Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestra e Doutoranda em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPE. Bach. em Direito, com pós-graduação em Direito Trabalhista e Previdenciário, e em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Boa Viagem (FBV)

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Resumo

RESUMO Este artigo examina a evolução histórica dos Direitos Fundamentais, desde suas raízes na Grécia Antiga até os marcos das revoluções liberais. Destaca-se como esses direitos, concebidos como inatos e universais, foram progressivamente reconhecidos e incorporados nas constituições nacionais, desempenhando um papel essencial na proteção dos indivíduos. A pesquisa adota uma abordagem histórica e revisão bibliográfica para analisar as transformações sociais que impulsionaram o surgimento e a consolidação dos Direitos Fundamentais, evidenciando sua relevância na sociedade contemporânea. Além de serem pilares da ordem democrática e da justiça, tais direitos influenciam diretamente as práticas jurídicas e fomentam reflexões teóricas que contribuem para o aprimoramento das normas e do sistema legal.

Palavras-Chave

Palavras-chave: Evolução histórica; Constitucionalização; Direitos Fundamentais.

Abstract

This article examines the historical evolution of Fundamental Rights, from their roots in Ancient Greece to the milestones of liberal revolutions. It highlights how these rights, conceived as innate and universal, were progressively recognized and incorporated into national constitutions, playing a crucial role in the protection of individuals. The research adopts a historical approach and bibliographic review to analyze the social transformations that led to the emergence and consolidation of Fundamental Rights, emphasizing their relevance in contemporary society. In addition to being pillars of democratic order and justice, these rights directly influence legal practices and foster theoretical reflections that contribute to the improvement of norms and the legal system.

Keywords

Historical evolution; Constitutionalization; Fundamental Rights.

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da civilização, a busca pelo reconhecimento e proteção dos direitos inatos e universais dos seres humanos tem sido uma constante na história da humanidade. Essa busca, muitas vezes implícita, ganhou força e visibilidade por meio de eventos e revoluções que moldaram a sociedade ao longo dos séculos. Na Grécia Antiga, as sementes dos Direitos Fundamentais foram plantadas quando se percebeu que cada indivíduo nascia com algo inato: direitos à vida, à liberdade e ao pensamento. Esses direitos, que mais tarde seriam conceituados como “direitos naturais” no âmbito do jusnaturalismo romano, eram vistos como inerentes à condição humana, não dependentes de códigos escritos ou leis formais, eram percebidos como parte do próprio tecido do universo, deste modo, são intrínsecos ao  ser por estarem enraizados no próprio universo.

O jusnaturalismo preconiza a noção de que tais direitos são inerentes à nossa condição humana desde o momento do nascimento, sendo assim,  não necessitando de documentos ou códigos específicos para serem válidos. A essência do jusnaturalismo reside na ideia de que esses direitos naturais devem ser constantemente reconhecidos, protegidos e refletidos em nosso pensamento e ação, independentemente da existência de leis ou regulamentos escritos, pois  são universais, inalienáveis e inerentes a todos os seres humanos, independente de sua origem ou contexto. Portanto, esses direitos são inatos como parte intrínseca da condição humana, não dependendo de codificações específicas para sua validade, e devem ser constantemente honrados e preservados. Conforme Helena  Karoline Mendonça  trouxe em seu artigo, à medida que o tempo avançou, o ser humano abandonou seu estado de natureza que autores como Jean Jacques Rousseau acreditava, no qual existia pura liberdade, para se tornar sujeito à dominação de seus semelhantes, muitas vezes na posição de senhor. A partir do momento que surgiu a dominação de um indivíduo sobre outro, também surgiu a desigualdade em suas várias manifestações. Essa desigualdade trouxe consigo a opressão e exploração das classes menos favorecidas, como resultado inevitável, começaram a surgir revoltas e movimentos contra essas situações. O absolutismo, inicialmente fundamentado no direito divino dos reis e, posteriormente, em uma justificativa mais racional e de governo, foi o principal fator da crise do século XVIII. Nessa época, a maioria da sociedade enfrentava fome, pobreza e, sobretudo, as arbitrariedades de um poder soberano ilimitado. A fase iluminista, por sua vez, emergiu para iluminar não apenas a sabedoria e o pensamento dos filósofos notáveis da época, como Rousseau, Montesquieu e Maquiavel, mas também da sociedade em geral, que era, acima de tudo, detentor desses direitos fundamentais que mereciam ser respeitados. Foi nas revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX que esses direitos inatos e universais ganharam proeminência e foram positivados nas constituições das nações emergentes. Revoluções como a  Americana de 1776 e a Revolução Francesa de 1789 não apenas marcaram o fim do absolutismo e a separação dos poderes, mas também foram catalisadoras na criação dos chamados Direitos Fundamentais.

Conforme discutido por Daniel Barile da Silveira (2018), os direitos fundamentais:

são o conjunto de direitos mais importantes em uma comunidade de pessoas, reconhecidos por uma ordem constitucional. Diante da inestimável importância relacionada à concretização da dignidade da pessoa humana, tais direitos assumem, na doutrina jurídica, um patamar cimeiro de prioridades para a consolidação das reivindicações sociais e para uma construção evolutiva do Direito como um todo, formando a base e os elementos conjunturais que revelam um projeto de futuro sobre o qual se assenta uma sociedade civil organizada. (Silveira, 2018, p.1).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada durante a Revolução Francesa, tornou-se um marco importante ao reconhecer e proclamar esses direitos como princípios fundamentais que transcendem governos e regimes políticos. Assim, os direitos naturais, que antes eram ideais filosóficos, começaram a ser codificados nas constituições das nações, garantindo a proteção e a promoção desses direitos como um pilar essencial da ordem democrática.Nesse contexto, o presente estudo busca discutir por meio da análise histórica quais foram as mudanças sociais que impulsionaram o surgimento dos Direitos Fundamentais.  Pois, consideramos que a compreensão dessa trajetória é necessária para entendermos os processos de transformações ocorridas no sistema jurídico e na forma como os direitos fundamentais são garantidos na sociedade contemporânea. Já que esse processo também impacta diretamente as decisões dos tribunais, uma vez que a Constituição estabelece princípios e diretrizes que devem ser levados em consideração. Diante do exposto, este artigo explora por meio da revisão bibliográfica uma breve evolução histórica  referente evolução dos Direitos Fundamentais desde suas raízes na Grécia Antiga até os momentos decisivos das revoluções liberais, analisando como esses eventos históricos contribuíram para a consolidação e positivação dos Direitos Fundamentais nas sociedades contemporâneas. Além disso, examinaremos como esses direitos continuam a desempenhar um papel crucial na proteção dos indivíduos nos dias de hoje. Para atingir tal objetivo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, com o intuito de analisar as principais contribuições que versam sobre o tema buscando uma compreensão mais  fundamentada sobre a temática. O percurso metodológico adotado permitiu compreender como se deu o avanço histórico dos direitos fundamentais e o reconhecimento desses direitos, uma vez que as primeiras declarações sobre eles surgiram a partir dos eventos históricos desse período. Essas declarações foram incorporadas como parte das Constituições, acompanhadas da ideia de separação de poderes que , ao longo do tempo, culminaram no reconhecimento da existência de direitos fundamentais ligados à dignidade humana. Como mencionado por Paulo Bonavides (2004):

A Constituição é cada vez mais, num consenso que se vai cristalizando, a morada da justiça, da liberdade, dos poderes legítimos, o paço dos direitos fundamentais, portanto, a casa dos princípios, a sede da soberania. A época constitucional que vivemos é a dos direitos fundamentais que sucede a época da separação de poderes. (Bonavides, 2004, p.4).

Nesses termos, espera-se que este trabalho possa contribuir de alguma maneira para fomentar aos leitores uma reflexão teórica, assim como, para a melhoria das práticas jurídicas no campo dos Direitos Fundamentais.

METODOLOGIA

Para alcançar o objetivo principal desta pesquisa, adotou-se uma abordagem metodológica fundamentada na pesquisa bibliográfica. Esse método permitiu a análise da trajetória histórica dos Direitos Fundamentais, traçando sua evolução ao longo do tempo e destacando os eventos e marcos que contribuíram para sua consolidação.

O estudo teve como propósito central esclarecer o processo histórico que levou ao surgimento e ao desenvolvimento dos Direitos Fundamentais, identificando os fatores determinantes que moldaram sua evolução ao longo dos séculos. A combinação entre pesquisa bibliográfica e análise histórica possibilitou uma reflexão sobre o tema, oferecendo subsídios teóricos para compreender a relevância e os desdobramentos desses direitos na sociedade contemporânea.

DESENVOLVIMENTO

1 RELAÇÃO DAS REVOLUÇÕES LIBERAIS COM A ORIGEM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No final do século XVIII, o mundo testemunhou duas grandes transformações que tiveram um impacto profundo na evolução dos Direitos Fundamentais e na estrutura das sociedades modernas. Embora o Brasil ainda fosse uma colônia portuguesa e a vinda de Dom João VI só ocorresse em 1808, os acontecimentos em outras partes do mundo, como a Revolução Americana e a Revolução Francesa, tiveram repercussões mesmo em terras distantes, incluindo o território brasileiro. Nesse contexto, ainda que não houvesse uma base sólida para os direitos fundamentais no Brasil, movimentos como a Inconfidência Mineira refletiam o desejo de autonomia e liberdade, inspirados pelos ideais revolucionários estrangeiros. Diante disso, considera-se essencial para o desenvolvimento e compreensão deste estudo direcionar a atenção a dois marcos históricos que foram fundamentais na consolidação dos direitos fundamentais: a Revolução Americana de 1776 e a Revolução Francesa de 1789.

1.2 O Contexto das Revoluções Liberais

No final do século XVIII, muitas nações estavam submetidas ao absolutismo, com o poder concentrado nas mãos de reis, do clero e da nobreza, sendo nesse ambiente que dois grupos distintos, representando principalmente a burguesia, decidiram modificar a estrutura do Estado. A mudança se deu por meio de revoluções, que foram, em grande parte, impulsionadas pelas ideias do liberalismo responsável pela transição do absolutismo para o Estado liberal implicando que o Estado não mais interferiria nas atividades econômicas. Conforme definido por Mendonça : O termo “Liberalismo” pode ser entendido como a liberdade da sociedade perante o Estado. A vontade da lei, criada através da vontade do povo, prevalece sobre a vontade do soberano (Mendonça.p.2). Essas revoluções foram marcadas pelo que chama-se de constitucionalismo moderno, uma fase em que as nações começaram a adotar constituições escritas. As constituições da época, como a Constituição Francesa de 1791 e a Constituição Americana em 1776 , introduziram duas características primordiais: a separação dos poderes em legislativo, executivo e judiciário, e a garantia de direitos, conhecidos como direitos fundamentais. Com o advento do constitucionalismo no século XIX, surgem as primeiras ideias e concepções iniciais de um novo modelo de Estado. Isso se reflete na promulgação de constituições que, progressivamente, passam a conter conteúdo mais substancial, com o objetivo de efetivar de maneira concreta as liberdades que dignificam a personalidade humana.  De acordo com Maliska:

Quando as constituições elaboram, em seus primeiros artigos, os fundamentos do Estado e da Sociedade, estes somente alcançam efetividade social mediante concretização dos postulados normativos referentes aos direitos fundamentais  (Maliska,2001, p.46).

Antes de explorarmos os Direitos Fundamentais, sua origem, alcance e extensão, é importante compreender a evolução do Direito Constitucional. Quando nos referimos a uma Constituição, percebemos que sua definição não é tão simples, uma vez que, desde os primórdios da organização das sociedades humanas, é possível identificar a presença de uma norma  mesmo que não registrada por escrito, mas que de todo modo estruturava o Estado e regulava o acesso aos direitos individuais. No entanto, muitas vezes essa norma tinha um caráter teológico ou estava presente em sociedades que ainda não eram reconhecidas como Estados modernos. Assim, o termo “constitucionalismo” passou a ser usado para descrever a filosofia constitucional aplicada e entendida por esse Estado. O conceito de Constitucionalismo remonta a épocas antigas e está intrinsecamente ligado à presença de uma Constituição nos Estados, independentemente do contexto histórico ou do sistema político adotado. No entanto, foi durante a Revolução Francesa que essa noção de Constitucionalismo ganhou maior destaque e forma. Dessa maneira, o Constitucionalismo está intimamente ligado ao princípio da separação de poderes, uma vez que visa a estabelecer limites legais ao exercício do poder político, tendo como cerne, a busca pelo ideal de liberdade dos cidadãos. Assim, em sua essência, o Constitucionalismo é a abordagem jurídica que assegura a proteção dos Direitos Fundamentais em relação ao Estado, ao passo que engloba a técnica jurídica pela qual os direitos fundamentais são garantidos, independentemente das circunstâncias. Em um sentido mais estrito, o Constitucionalismo abrange as noções do princípio da separação dos poderes e a garantia dos direitos, ambos atuando como limitações ao exercício do poder estatal, com o propósito de salvaguardar as liberdades fundamentais. Sendo importante frisar que o conceito de Constitucionalismo evolui ao longo do tempo, adaptando-se às diferentes realidades sociais e históricas. Nesse sentido, pode-se identificar diferentes fases do Constitucionalismo, incluindo: Constitucionalismo antigo, presente em civilizações como o Estado Hebreu, Grécia, Roma e Inglaterra. Dado que, mesmo na antiguidade clássica e na Idade Média, já era possível identificar traços do Constitucionalismo e o  Constitucionalismo moderno, que teve início com as revoluções liberais que ocorreram do final do século XVIII até meados do século XX, como nos Estados Unidos e na França. A partir da segunda metade do século XX, a teoria geral do direito passou por profundas transformações, refletindo as mudanças sociais e históricas da época. Isso demonstra como o Constitucionalismo é um conceito dinâmico que continua a evoluir para se adaptar às necessidades e desafios contemporâneos.  Com as revoluções liberais os direitos fundamentais começaram a surgir de maneira mais concreta. Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada durante a Revolução Francesa, representou um marco histórico ao positivar direitos que antes eram concebidos como ideais filosóficos. Esses direitos naturais, anteriormente difusos e não escritos, foram formalizados em documentos constitucionais, como na Constituição Francesa e na Constituição Americana. O surgimento da Revolução Industrial no século XIX trouxe novos desafios e transformações para a sociedade devido o crescimento das cidades, novas formas de trabalho e a ascensão do liberalismo econômico e social impactaram diretamente a concepção e a necessidade da implementação dos Direitos Fundamentais. Trouxe consigo o desenvolvimento urbano e novas formas de emprego à medida que as cidades se expandiram, surgiram novas demandas em áreas como trabalho, educação, moradia e saúde. Essas mudanças estruturais impactam a maneira como o Estado interagia com os Direitos Fundamentais.

2 LIBERALISMO ECONÔMICO, ESTADO DE DIREITO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Nessas circunstâncias, o liberalismo econômico prevaleceu, com proprietários de fábricas negociando com trabalhadores os termos de emprego e as condições de trabalho. O Estado de Direito, refletido nas constituições, estava mais preocupado em estabelecer as bases para a ordem pública do que em interferir nas relações privadas. No início do século XX, o mundo testemunhou uma transformação significativa na concepção de Direitos Fundamentais e no papel do Estado em relação a esses direitos. Até então, os Estados liberais não costumavam intervir nas relações de trabalho, saúde, moradia e educação, pois sua preocupação estava voltada principalmente para normas macroeconômicas e questões de direito público.

No entanto, essa mudança de paradigma começou a se manifestar em dois países-chave, sendo eles o México, em 1917, e a Alemanha, em 1919, durante o período após a Primeira Guerra Mundial essas nações adotaram o que chamamos de “constituições dirigentes”, que introduziram a previsão de direitos sociais nas constituições e promoveram a ideia de um “Estado dirigente”.

O Estado liberal, era caracterizado por uma atuação estritamente política, distante e desinteressada das esferas econômicas e sociais da vida. Em sua forma, o Estado se preocupava apenas com assuntos políticos, limitando-se a garantir as liberdades individuais. Deste modo, o liberalismo era marcado pela ideia de excluir o Estado da esfera privada da vida dos indivíduos, essa concepção do Estado liberal teve influência tanto do individualismo filosófico e político do século XVIII como da Revolução Francesa, que enfatizava a proteção de direitos individuais, quanto do liberalismo econômico, que considerava o Estado inadequado para desempenhar funções na economia.   Nas palavras de Moreira (2020):

Com a Revolução Francesa, e a ascensão histórica da burguesia, começa a se delinear com mais precisão as ideias e os ideais do Estado de Direito Liberal, consolidando-se os princípios e os postulados do liberalismo clássico.(Moreira, 2020, p.4).

Ao longo do século XIX, essa doutrina liberal começou a enfrentar desafios significativos devido às transformações econômicas e sociais que surgiram. A Revolução Industrial, o crescimento de grandes centros urbanos e mudanças nas relações sociais exigiram que o Estado assumisse mais responsabilidades, intervindo na vida econômica e social para resolver conflitos de interesse e atender às necessidades coletivas. Assim, após o término da Primeira Guerra Mundial e diante da falta de garantia de renda justa, preços justos, lucros justos e salários justos, houve uma mudança de perspectiva. Ao invés de enfatizar a “liberdade que oprimia”, a sociedade passou a defender a “intervenção que libertaria”, os indivíduos, embora naturalmente livres, enfrentavam sérios problemas sociais e econômicos e buscavam a proteção do Estado.

Deste modo, o Estado começou a intervir nas relações socioeconômicas dos indivíduos. Surgiu então o Estado de Bem-Estar Social e da Justiça Social, que passou a intervir na sociedade e na economia para garantir os direitos sociais e econômicos. No início, na década de 20, essa intervenção era vista como uma medida de emergência, mas posteriormente se tornou permanente, uma vez que esses direitos passaram a fazer parte do dia a dia dos indivíduos e a serem essenciais para satisfazer as necessidades coletivas, incluindo saúde, assistência social, educação, trabalho, transporte e assistência vital.

Nessa conjuntura as liberdades individuais já não eram suficientes para atender às crescentes necessidades dos indivíduos. Os direitos fundamentais de segunda geração, conhecidos como direitos sociais, surgiram como a concretização do princípio da justiça social.  A partir da terceira década do século XX, os Estados anteriormente caracterizados pelo liberalismo iniciaram o processo de reconhecimento dos direitos sociais, também conhecidos como direitos de segunda geração. Esse desenvolvimento, sem dúvida, representa um notável avanço na proteção da dignidade humana. Nesse contexto, o indivíduo, desvinculado da autoridade do Estado, demanda uma nova forma de salvaguardar sua dignidade, que envolve a garantia das necessidades básicas e essenciais para conferir significado à sua existência. (Alarcón, 2004, p. 19). Segundo exposto por Bercovici(1999):

No Estado de Direito, as regras jurídicas estabelecem padrões de conduta ou comportamento e garantem também uma distanciação e diferenciação do indivíduo, por meio do Direito, perante os órgãos públicos, assegurando-lhe um estatuto subjetivo essencialmente caracterizado pelos direitos e garantias individuais. Isso não significa hoje oposição entre o Direito e o Estado. A função do Direito num Estado de Direito moderno não é apenas negativa ou defensiva, mas positiva: deve assegurar, positivamente, o desenvolvimento da personalidade, intervindo na vida social, econômica e cultural.  (Bercovici,1999, p.3).

Ainda em concordância com o autor,  na base do Estado Social, encontra-se a busca pela igualdade dentro do contexto da liberdade, bem como a garantia do exercício dessa liberdade. O Estado não se restringe mais à promoção da igualdade puramente formal e jurídica, mas, sim, busca promover a igualdade material, não apenas perante a lei, mas por meio da aplicação da própria lei. A igualdade, nesse contexto, não impõe limitações à liberdade individual. O que o Estado assegura é a igualdade de oportunidades, o que, por sua vez, promove a liberdade. Essa abordagem justifica a intervenção estatal em questões sociais e econômicas (Bercovici,1999). O que distingue esses direitos é sua dimensão positiva, pois eles não se limitam a proteger os indivíduos contra o Estado, mas exigem a intervenção do Estado para atender às crescentes necessidades dos indivíduos. Embora esses direitos sejam reconhecidos e consagrados em normas constitucionais, até hoje enfrenta-se desafios em termos de eficácia devido à falta de  recursos e interesses sociopolíticos  para sua implementação. Sendo assim, permanece, sem dúvida, um desafio constante, mesmo nos tempos atuais, estabelecer mecanismos que permitam que os indivíduos desfrutem de uma vida digna. Essas ideias têm raízes na segunda dimensão dos direitos fundamentais, que se fundamenta no princípio da igualdade e requer a implementação de ações afirmativas por parte do Estado para garantir essa igualdade.

O principal desafio no âmbito do Direito Constitucional é, portanto, assegurar a eficácia e a aplicabilidade das normas programáticas, especialmente aquelas relacionadas aos direitos sociais e econômicos que devem ser interpretadas como diretamente aplicáveis e imediatamente vinculantes para todos os órgãos do Poder. Isto é, o desafio está na forma como a jurisdição constitucional é praticada no país, entende-se que uma abordagem emancipatória, progressista e voltada para a concretização da norma na realidade contribuirá para efetivar essas normas. Já que o progresso da democracia é medido pela expansão dos direitos igualitários e pela sua efetivação em processos judiciais.

Nesse quadro, a Constituição desempenha o papel de um repositório legal que reflete a construção e redefinição contínua desses novos Direitos Fundamentais. Embora esses direitos geralmente surjam da sociedade como reivindicações públicas, o processo típico envolve sua integração na norma constitucional, tornando-os simbolicamente reconhecidos e, a partir desse momento, aplicáveis de maneira universal. Mesmo quando esses direitos ainda não estão expressamente codificados na Constituição (ou seja, por meio de redação explícita), é uma parte natural do funcionamento da democracia que eles possam ser identificados por meio de uma interpretação construtiva da Constituição, tornando-se, assim, direitos socialmente exigíveis. Exemplos notáveis incluem a expansão dos direitos relacionados à união homoafetiva, à promoção de cotas raciais e ao reconhecimento dos direitos contra o discurso de ódio, entre outras evoluções importantes.

Conforme escrito pelo o Prof. Maliska :

Um Estado Social Democrático de Direito poderia definir-se não pela atuação direita, ou não, na economia, mas sim pelo comprometimento Constitucional com os direitos sociais, pela definição das atribuições do Estado, ainda no tocante à prestação direta dos serviços públicos, quando tais serviços sejam de prestação gratuita e universal, como são saúde, educação e assistência social. (Maliska, 2001, p.53).

Nesse sentido, os Direitos Fundamentais estão intrinsecamente ligados a um regime democrático, dada sua fundamental importância no contexto social. Portanto, essa categoria de direitos só alcança sua eficácia quando respaldada por uma sociedade que se estruturou democraticamente. Assim, a Constituição Federal de 1988 é concebida com o objetivo de concretizar esses direitos fundamentais, pois entende-se que a qualidade da democracia em um país pode ser avaliada pela extensão dos direitos fundamentais e pela sua efetivação tanto no âmbito individual quanto coletivo. Deste modo, os direitos fundamentais servem como critério  para medir o progresso e o desenvolvimento da sociedade.

Como ressalta Silveira (2018):

Ao se falar de direitos fundamentais em uma ordem jurídica democrática está a se tratar tanto de normas jurídicas que geram uma alta carga de obediência, entendidos como regras que impõe deveres precipuamente importantes, mas também que, por esta razão, inclusive, estatuem valores jurídicos inafastáveis para a solidez e o desenvolvimento de uma dada sociedade. (Silveira, 2018, p.1).

Por isso, os Direitos Fundamentais estabelecem tanto deveres de não interferência por parte do Estado (deveres de abstenção) quanto deveres de ação por parte do Estado (deveres de atuação) para assegurar sua efetividade. Isso significa que o Estado não apenas deve se abster de violar esses direitos, mas também deve tomar medidas ativas para garantir sua realização. Para Silveira, (2018), os Direitos Fundamentais desempenham funções na legitimidade do Estado Moderno, pois estabelecem uma base de resistência e respeito às decisões individuais, que agora são o cerne da Política e do Direito contemporâneos. Existem diversas bases teóricas para justificar a afirmação dos Direitos Fundamentais, uma delas é a abordagem neokantiana, que enfatiza a concretização da dignidade da pessoa humana e coloca o indivíduo como o centro da proteção do direito constitucional. Nessa compreensão, os Direitos Fundamentais são considerados fins em si mesmos, refletindo a importância intrínseca de cada indivíduo e sua dignidade.

2.1 Constituições Dirigente (1917-1919) e a Previsão de Direitos Sociais

 

 O termo constituições dirigentes refere-se ao fato de que essas constituições passaram a intervir em várias questões sociais, estabelecendo o Estado como um regulador e prestador de serviços em áreas como trabalho, saúde, educação, lazer, moradia e previdência social. Isso marcou uma mudança significativa na forma como os Direitos Fundamentais eram percebidos e implementados, tornando-os efetivamente aplicáveis em relações privadas. Nas palavras de Bercovici (1999):

“A constituição que define fins e objetivos para o Estado e a sociedade, precisamos fixar-nos ao texto de uma determinada constituição” (Bercovici,1999, p.1.)

A Constituição Mexicana de 1917 foi a pioneira nesse movimento, sendo a primeira no mundo a tratar dos Direitos Fundamentais e a inserir um capítulo específico sobre os direitos fundamentais do trabalhador, regulando as relações trabalhistas como direitos sociais e prestacionais. Isso refletiu uma mudança na abordagem do Estado em relação à proteção dos direitos fundamentais.

Essa transformação foi motivada pela exigência de que o Estado não fosse apenas um Estado liberal, mas também um Estado dirigente que interviesse nas relações de trabalho, estabelecendo regras relacionadas a idade, salário, horas de trabalho e outros aspectos. A Constituição de Weimar, na Alemanha, seguiu uma trajetória semelhante, ampliando essa intervenção estatal para questões como educação e saúde.

Os direitos dos trabalhadores tiveram seu primeiro reconhecimento em um texto constitucional na Constituição Mexicana de 1917. Posteriormente, foram incorporados na Constituição Alemã de 1919, no Brasil, somente com a Constituição de 1934, que adotou uma abordagem mais voltada para o Estado Social, é que os direitos dos trabalhadores foram incluídos como direitos sociais prestacionais.

A Constituição de 1988, também conhecida como a Carta Magna, exemplifica uma Constituição dirigente, uma vez que incorpora numerosas normas programáticas. Um exemplo notável é a definição dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme estipulado no artigo 3º:

Art. 3º – A República Federativa do Brasil tem como objetivos fundamentais:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.

Esse texto estabelece os princípios orientadores da nação e demonstra o caráter dirigente da Constituição de 1988, uma vez que delineia os objetivos a serem alcançados para promover uma sociedade mais justa e inclusiva.

A Constituição de 1988, possui uma força normativa significativa, estabeleceu e reafirmou esses direitos na seção de direitos fundamentais, abrangendo os artigos 7º a 11. Um destaque importante é que a Constituição garante esses direitos tanto para trabalhadores urbanos quanto para trabalhadores rurais, eliminando qualquer diferenciação entre eles.

O artigo 7º da Constituição é conhecido por listar os direitos individuais e coletivos dos trabalhadores, incluindo também os direitos dos empregados domésticos. Isso preenche uma grande lacuna na proteção legal a essa classe de trabalhadores. Dado o desequilíbrio inerente nas relações de trabalho, os direitos fundamentais consagrados na Constituição devem ser aplicados diretamente nas relações de emprego, a Constituição no artigo 7º é dividida em grupos de direitos,permitindo a combinação da proteção dos direitos individuais com as relações de trabalho. Por exemplo, em casos de discriminação racial na contratação de empregados domésticos, como no caso de Simone Diniz, que foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Sendo assim, a Constituição de 1988 é considerada uma constituição dirigente, por estabelecer, através das normas constitucionais programáticas, metas e programas de ação para melhorar as condições sociais e econômicas da população. Ela segue a mesma linha das Constituições anteriores, como a de 1934 e 1946, ao construir um Estado Social que abrange diversas disposições, incluindo a garantia da função social da propriedade (prevista nos artigos 5º, XXIII, e 170, III), direitos trabalhistas (artigos 6º a 11) e previdenciários (artigos 194, 195 e 201 a 204).

Além disso,  estabelece uma ordem econômica que valoriza o trabalho humano e a livre iniciativa, com o objetivo de assegurar uma existência digna para todos, de acordo com os princípios da justiça social (artigo 170). Como observado por Paulo Bonavides, a partir da Constituição de 1988, o Estado passou não apenas a conceder, mas a fornecer os meios de garantir e efetivar os direitos sociais.

3 RELAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS (DF) E DIREITOS HUMANOS (DH)

Para iniciar a explanação sobre o tema, é fundamental diferenciar entre as terminologias “Direitos Fundamentais”, “Direitos Humanos” , dada a multiplicidade e variedade de termos usados na esfera jurídica para se referir a esses conceitos. É imprescindível compreender essa distinção, mesmo que não tenhamos a intenção de nos aprofundar no estudo específico de seus significados ou nas diferenças entre os diversos termos relacionados.

Nesses termos, utilizamos a compreensão de Direitos Fundamentais definido por  Sarlet quando é citado por Maliska:

Os direitos fundamentais são os direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito Constitucional positivo de determinado Estado; a expressão ‘direitos humanos’ , por sua vez, ‘guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem Constitucional e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)’ . Os direitos naturais não se equiparam aos direitos humanos uma vez que a positivação em normas de direito internacional já revela a dimensão histórica e relativa dos direitos humanos. ( SARLET, p.1998, MALISKA, M. A . Op. Cit., p. 44).

 

Nesse sentido, os Direitos Fundamentais, conforme descritos pelo renomado constitucionalista lusitano Canotilho (1999), são “direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente”. (Canotilho, 1999,p.369).

Portanto, os Direitos Fundamentais (DF) desempenham uma função significativa na proteção dos Direitos Humanos em todo o mundo, sendo incorporados nas constituições de cada país. Esses direitos têm características distintas que os identificam e os diferenciam, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade e para a garantia da dignidade humana. Assim,  os Direitos Fundamentais têm sua origem em uma seleção objetiva realizada por uma sociedade que é livre, diversa e plural. Embora algumas dessas normas respeitem valores universalmente aceitos, como o respeito à vida, à liberdade e à liberdade de crença, a maneira como as regras e limitações a esses direitos são estabelecidas resulta de uma decisão coletiva dos indivíduos, que incorporam essas escolhas na Constituição por meio de um consenso legislativo que unifica as diretrizes.  Em conformidade com Jürgen Habermas  (1996),  a formação dos direitos fundamentais tem sua base na decisão legítima dos indivíduos, que são iguais e livres, de regulamentar a vida em sociedade por meio do sistema legal.

Nesse sentido, os DF surgem como uma forma de oposição ao Estado, para limitar e conter seu poder estabelecem limites à atuação estatal e servem como instrumentos de proteção da liberdade individual e coletiva, sendo necessário assimilar que  os DF desempenham uma função social na garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos, evitando abusos e assegurando que o Estado cumpra suas obrigações constitucionais.

Por outro lado, os direitos humanos são estabelecidos nas normas do direito internacional, são a expressão preferida em documentos internacionais, assim como, também são positivados no âmbito do direito internacional e estão intimamente relacionados aos direitos fundamentais, os quais são reconhecidos e protegidos pela constituição interna de cada Estado. Eles estão interconectados, independentemente de suas diferentes manifestações legais. Quando essa correlação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais ocorre, emerge um conceito coeso conhecido como “Direito Constitucional Internacional”, conforme expresso na obra de Flávia Piovesan (1997):

Por Direito Constitucional Internacional, subentende-se aquele ramo do direito no qual ocorre a fusão e a interação entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional. Essa interação assume uma importância especial quando ambos os campos do direito buscam proteger um mesmo valor – a primazia da pessoa humana – convergindo na mesma direção e sentido. (Piovesan, 1997, p. 64).

 

A Segunda Guerra Mundial deixou profundas marcas nas nações e nas concepções de Direitos Fundamentais. Após o conflito, uma série de consequências ocorreram e foram responsáveis por moldar o entendimento e a proteção dos direitos humanos. Foi estabelecida a autonomia dos direitos humanos, reconhecendo que esses direitos não estavam sujeitos a limitações arbitrárias.

A brutalidade e as atrocidades cometidas durante a guerra destacaram a necessidade de proteger os Direitos Fundamentais de todos os indivíduos, independentemente de sua origem, religião ou outras características pessoais. Em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada com a Carta de São Francisco, com o objetivo principal de promover a paz e a cooperação internacional. Isso representou uma mudança significativa ao colocar os seres humanos no centro da prestação dos direitos, nessa ocasião, a ONU se tornou um fórum onde as nações poderiam trabalhar juntas para evitar conflitos e proteger os direitos humanos em todo o mundo.

Consequentemente, em decorrência das terríveis atrocidades ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial, surgiu a instauração de um sistema global de preservação dos direitos humanos, baseado na concepção de que tais direitos são aplicáveis universalmente, inalienáveis e fundamentais para fomentar a paz e a justiça em escala global.

Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada, marcando um momento histórico ao reconhecer que os direitos humanos eram universais e inalienáveis. A DUDH constituiu que os direitos fundamentais eram destinados a todos os seres humanos e não deveriam ser exclusivos de qualquer país, já que a proteção desses direitos não deveria se limitar às fronteiras nacionais, mas deveria ser também uma preocupação internacional.

Nesse cenário, os Direitos Humanos (DH) foram concebidos como um conjunto de direitos que deveriam proteger todos os seres humanos, independentemente de sua cor, religião, origem ou qualquer outra característica. Além de serem incorporados nas constituições de cada país (Estado), eles também devem estar refletidos em documentos internacionais.

Sendo assim, os  DF estão escritos nas constituições de cada país e os DH estão presentes em tratados internacionais de DH, considerando a condição humana. Ambos têm uma relação complementar, conforme observado no artigo 5 da Constituição Federal brasileira, que afirma que eles se somam e não se excluem. Uma das características marcantes dos Direitos Fundamentais é sua historicidade, eles são o resultado de um processo histórico que reflete a evolução da sociedade e as demandas por justiça e igualdade ao longo do tempo. Além disso, esses direitos possuem a proibição do retrocesso, o que significa que uma vez conquistados, não devem ser retirados ou enfraquecidos, mas sim preservados e fortalecidos. A universalidade é outra característica destinada a todos os seres humanos, independentemente das fronteiras nacionais, transcendendo o relativismo cultural. Isso significa que esses direitos são aplicáveis a todas as pessoas, independentemente de sua origem, religião ou nacionalidade.

Os Direitos Fundamentais são geralmente relativos, ou seja, não são absolutos. Isso implica que, em determinadas circunstâncias, esses direitos podem ser limitados para proteger interesses legítimos, como a segurança pública. No entanto, existem exceções importantes, como a proibição absoluta de tortura, tratamento desumano e degradante, e escravidão, que não podem ser relativizados sob nenhuma circunstância.

O princípio da convivência das liberdades também é um das características primordiais dos DF. Isso significa que o exercício de um direito não deve prejudicar os direitos de outros, estabelecendo limites para garantir o respeito mútuo na sociedade.

Além disso, os Direitos Fundamentais são imprescritíveis, ou seja, não possuem prazos para serem exercidos e podem ser exigidos a qualquer momento, sendo atemporais e permanentes. Também são inalienáveis  e interdependentes, por essa razão devem ser compreendidos como um bloco único e indivisível, em que todos são importantes para a afirmação da pessoa humana. A violação de um direito fundamental pode ter impacto direto sobre outros direitos, demonstrando a interconexão entre eles.

Sendo importante observar que os Direitos Fundamentais se dividem em gerações, cada uma relacionada a um período histórico e a diferentes demandas sociais. Essas gerações incluem os direitos civis e políticos, os direitos econômicos, sociais e culturais, e os direitos de solidariedade. A eficácia desses direitos pode variar de acordo com o contexto e a capacidade dos Estados em garantir sua implementação.

Suas características refletem a importância de preservar a dignidade e a igualdade de todas as pessoas, independentemente de onde vivam ou quem sejam, contribuindo para um mundo equitativo. Para compreender os Direitos Fundamentais (DF) e sua eficácia, é importante entender como eles se dividem em diferentes gerações como discutido por  Bonavides: “os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e quantitativo…”(Bonavides, 2006, p. 563).

A primeira geração é focada nos Direitos de Liberdade, nela encontram-se os direitos individuais, civis e políticos, como o direito à vida, liberdade, propriedade, expressão, participação política e religiosa, inviolabilidade do domicílio e liberdade de reunião. São conhecidos como “direitos de defesa” ou “direitos de não intervenção”, voltados para proteger o indivíduo contra a interferência do Estado. Essas gerações foram inicialmente concebidas por Hosake Vlasak na década de 1970, relacionando-as ao lema da Revolução Francesa: liberdade.

Por se contraporem ao poder do Estado, os direitos fundamentais de primeira geração são classificados como direitos de caráter negativo, liberdades negativas, ou ainda, como direitos que visam à proteção do indivíduo em relação ao Estado. (Alexandrino; Paulo, 2012. p. 102).

De acordo com Paulo Bonavides, os direitos de primeira geração, também conhecidos como direitos de liberdade, têm como titulares os indivíduos e podem ser opostos ao Estado. Eles representam faculdades ou atributos da pessoa e, em última análise, são direitos que permitem resistir ou se opor ao Estado. Além disso, o autor enfatiza que uma Constituição que não consolida os direitos individuais do ser humano não merece ser chamada de Constituição, uma vez que esses direitos já foram universalmente consagrados.

Portanto, os direitos de primeira dimensão refletem a ideia de que o Estado não existe para governar de forma arbitrária sobre a classe mais vulnerável, mas sim para promover e respeitar os direitos de liberdade de todos os seres humanos. Cada ser humano é livre, e sua liberdade se manifesta na capacidade de fazer o que desejar para alcançar a sua própria felicidade, desde que isso não prejudique a liberdade do próximo, pois a liberdade do ser humano para exercer esses direitos só pode ser limitada pela lei, que é criada de acordo com a vontade do povo.

A segunda geração engloba os direitos econômicos, sociais e culturais, com o propósito de obrigar o Estado a atender às necessidades da coletividade. Isso inclui o direito ao trabalho, habitação, saúde, educação e lazer. São chamados de “direitos de prestação” ou “direitos sociais”, buscando criar uma igualdade material de acesso a esses direitos.

Já a terceira geração, traz o foco nos Direitos de Fraternidade abrangendo temas como a solidariedade, fraternidade, envolvendo direitos coletivos, difusos, relacionados ao meio ambiente, transindividuais e voltados para o desenvolvimento e expansão da proteção. Esses DF vão além da proteção individual ou de grupos específicos, destinando-se a todos indistintamente, ganharam destaque após a segunda metade do século XX.

São caracterizados por um elevado grau de humanismo e universalidade, caminharam para uma consolidação no final do século. Tendo como destinatário primordial  a própria humanidade, em um momento marcante de afirmação como o valor supremo em termos de existência concreta. Eles emergiram da reflexão sobre questões relacionadas ao desenvolvimento, paz, meio ambiente, comunicação e ao patrimônio compartilhado da humanidade. (Bonavides, 2006, p. 563-569.)

E por fim a quarta e quinta  gerações, que foram acrescentadas pelo o Professor Paulo Bonavides, estando a quarta geração direcionada para os direitos relacionados a avanços tecnológicos, como os direitos da informática, biociência e transgênicos, bem como o direito à paz. Assim, essas gerações estão ligadas ao grau avançado de desenvolvimento tecnológico da humanidade. Já as outras gerações estão relacionadas a consequências do desenvolvimento humano.

CONCLUSÃO

A relação entre as revoluções liberais e a origem dos direitos fundamentais é evidente ao longo deste estudo. Esses eventos históricos não apenas marcaram a transição do absolutismo para o Estado liberal, mas também foram responsáveis pela positivação dos direitos fundamentais nas constituições. Os direitos naturais, antes concebidos como inalienáveis e não escritos, passaram a integrar os sistemas jurídicos modernos, consolidando-se como pilares da proteção dos indivíduos e da promoção da justiça social.

Além dessa conexão, a Revolução Industrial também desempenhou um papel fundamental na evolução dos direitos fundamentais, impulsionando a necessidade de regulamentações que garantissem condições dignas de trabalho e ampliassem a proteção social. Nesse contexto, os direitos fundamentais emergem como indicadores da saúde democrática de uma sociedade, impondo ao Estado tanto deveres de não interferência quanto obrigações ativas para sua concretização.

Entretanto, a efetivação desses direitos continua sendo um desafio permanente, permeado por intensos debates e esforços institucionais. No caso específico dos direitos sociais, o principal obstáculo reside em torná-los realidade, uma vez que, apesar de serem reconhecidos como fundamentais e de aplicação imediata, sua implementação exige recursos financeiros e políticas públicas efetivas. Assim, sua concretização depende diretamente da atuação dos Poderes Legislativo e Executivo.

Outro desafio diz respeito à influência das maiorias nas decisões políticas e jurídicas. Causas que não contam com amplo apoio popular frequentemente enfrentam resistência no debate público, sendo suprimidas por discursos hegemônicos que representam os interesses dos grupos dominantes. Como resultado, a perspectiva das minorias, mesmo quando respaldada constitucionalmente, tende a ser marginalizada.

A Constituição de 1988, influenciada pelo neoconstitucionalismo, reforçou o compromisso com a implementação dos direitos fundamentais, especialmente os de natureza social. Dentro desse contexto, a ordem social foi reconhecida como um objetivo constitucional essencial, orientando a formulação de políticas e programas voltados ao bem-estar coletivo. Essa estrutura se materializa na seguridade social, composta por três pilares interdependentes: saúde, assistência social e previdência social.

Enquanto a saúde e a assistência social são garantidas de forma universal e gratuita, a previdência social é financiada por contribuições. Esse sistema visa amparar os indivíduos diante de adversidades que comprometam suas necessidades básicas, como doenças, acidentes, maternidade, pobreza e aposentadoria. Assim, a seguridade social articula duas dimensões dos direitos fundamentais: os direitos sociais, que demandam prestações estatais, e os direitos de solidariedade, que exigem a contribuição coletiva da sociedade para sua concretização.

Dessa forma, a consolidação dos direitos fundamentais segue sendo um processo dinâmico e desafiador, no qual a interação entre Estado, sociedade e instituições jurídicas desempenha um papel central na efetivação de direitos e na promoção da justiça .

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEZERRA, Maria. D. F (ORCID 0009-0007-8332-9846) . Evolução Histórica e Transformações Sociais No Surgimento Dos Direitos Fundamentais.. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.15066394, Joinville-SC, ano 2025, n. 4, aprovado e publicado em 21/03/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/evolucao-historica-e-transformacoes-sociais-no-surgimento-dos-direitos-fundamentais/. Acesso em: 24/04/2025.