A Alteração do Prenome no Âmbito Cartorário e a Concretude do Direito à Dignidade Humana

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito, Educação, Escrita científica, Geografia, Gestão de Dados, História, Linguística, Literatura, Tecnologia da Informação

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Revisor: THAIS GUEDES em 2023-11-10 11:10:33

30/10/2023

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Katia Gomes de Almeida Braga

Curriculo do autor: Tabeliã e Oficial Titular de Cartório Extrajudicial na Comarca de Ilhéus/Ba, graduada em direito em 2009 pela Fadipa, Ipatinga/MG, pós-graduada pela PUC-MG em 2012 e pela Signorelli em 2013 e Mestre pela UFSB em 2022

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Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar as alterações legislativa da Lei 14.382/023, o qual prevê a possibilidade da alteração do prenome no âmbito cartorário, bem como sua influência nos princípios da imutabilidade do nome e da dignidade da pessoa humana. Trata-se de um tema relevante e atual com reflexos teóricos e práticos na sociedade, face a necessita da ponderação dos princípios regentes, bem como, as recentes alterações da Lei de Registros Públicos e jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre o tema.

Palavras-Chave

Direito da Personalidade. Dignidade da Pessoa Humana. Imutabilidade do nome

Abstract

The purpose of this article is to analyze the legislative changes introduced by Law 14,382/23, which allows for the alteration of first names in the notary system, as well as its influence on the principles of name immutability and human dignity. This is a relevant and current topic with both theoretical and practical implications for society, given the need to balance governing principles alongside recent changes in the Public Records Law and the jurisprudence of Higher Courts on the subject.

Keywords

Personality Rights. Human Dignity. Name Immutability

1.   INTRODUÇÃO

O nome é atribuído inerente ao ser humano e direito fundamental da personalidade, nos termos do artigo 16 do Código Civil, “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendido nome e sobrenome”. É através do nome que o ser humano consegue se situar na sociedade e se individualizar, seja na família, no trabalho, na sociedade, e, até mesmo quando o indivíduo descumpre normas essencial à convivência em sociedade, e, é preso, ele mantém seu direito de ser tratado por seu nome, como descrito no artigo 41, XI, da Lei de Execução Penal, “Art. 41 – Constituem direitos do preso: (…)XI – chamamento nominal(…)”. O Professor Rubens Limongi França, define o nome como:

“O nome, de modo geral, é elemento indispensável ao próprio conhecimento, porquanto é em torno dele que a mente agrupa uma série de atributos pertinentes aos diversos indivíduos, o que permite a sua rápida caracterização e o seu relacionamento com os demais.”

Nessa seara, o nome é direito fundamental e essencial a vida em sociedade, por isso, com a modernização social, as normas legais em relação ao direito ao prenome vem sofrendo transformações, seja na esfera jurisprudencial dos tribunais superiores, seja na esfera legislativa, sendo uma das alterações mais significativa foram apresentadas pela Lei 14.382/2023, o qual trataremos neste artigo.

2.   AS ALTERAÇÕES DA LEI DE REGISTRO CIVIL E SEUS REFLEXOS SOCIAIS

As regras concernente ao nome das pessoas naturais são descritas na Lei 6.015/73, o qual no seu texto original definia o prenome como imutável, em seu artigo 59: “O prenome será imutável”. Tal dispositivo passou por várias alterações, chegando a seguinte redação:

Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios. (Redação dada pela Lei nº 9.708, de 1998).

Em que pese o termo “imutável” foi retirado do texto legal, a doutrina majoritária entendia que no Brasil vigorava o princípio da imutabilidade relativa do prenome da pessoa natural, isso porque a Lei 6.015/73 trazia um rol restrito no qual era permito sua alteração. Entre as hipóteses no qual a Lei de Registro Público permitia a alteração do prenome podemos elencar: a) Prenomes suscetíveis de expor ao ridículo o seu portador; b) Acréscimo de apelido públicos e notário ao prenome; c) no primeiro ano, após ter atingido a maioridade civil, desde que não prejudicasse os apelidos de família; d) para proteção de vítimas e testemunhas, decorrente da colaboração com a apuração de crime. Em relação os acréscimos de apelidos e notórios ao prenome, em que pese a antiga lei falasse em substituição, era pacífico na jurisprudência que tratava se hipóteses de acréscimo do apelido ao nome. Isso porque o sistema registral se submete ao princípio da legalidade, sendo limitado pelas disposições de ordem pública, devendo a possiblidade de alteração do nome deve ser interpretada de forma restritiva, sendo permitido o acréscimo do apelido público e notório ao nome, desde que se preservem o prenome e o apelido de família. Esse era o entendimento jurisprudencial prevalente. Vale-se ressaltar que todas essas possibilidades que a Lei 6.015/73 autorizava a mudança do prenome, era necessário a instauração de um processo judicial ou administrativo, a depender da hipóteses, o qual tramitava junto ao Juiz Corregedor da comarca, Juiz de Registros Públicos, e, se favorável era emitido mandado de averbação ao oficial de registro competente para cumprimento, procedimento que em regra durava, aproximadamente, um ano ou mais. Além dessas poucas alterações permitidas pela Lei de Registro Públicos, outras poucas exceções à imutabilidade do prenome eram regidas por outras legislações e jurisprudência dos Tribunais Superiores, como por exemplo, a tradução de nome estrangeiro; a adoção, a do prenome pelo uso prolongado e constante, e, recentemente, a do prenome por pessoas trans. Como visto, a própria jurisprudência foi flexibilizando o princípio da imutabilidade, face a necessidade de ponderar o princípio da legalidade e da segurança jurídica com o princípio de dignidade, do direito ao nome e a realidade social, como na Tese de Repercussão Geral, nº 761:

1 – O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo para tanto nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa.
2 – Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo “transgênero”.
3 – Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial.
4 – Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento do interessado, a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos.

Ciente que não existe existem direitos absolutos no direito brasileiro, mesmo quando se tratar de direitos fundamentais, a jurisprudência dos tribunais superiores se declinaram na proteção ao direito ao nome, a identidade social e dignidade da pessoal, criando meios seguros para que fossem realizados a alteração no prenome na esfera extrajudicial, adotando um procedimento de forma mais celebre, eficaz, mas, também resguardando a segurança jurídica e a direitos de terceiros, conforme previsto no Provimento nº 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça. No mesmo sentido, a Lei 14.382/2022 trouxe em seu artigo 56 importantíssima possiblidade de alteração do prenome:

Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, e a alteração será averbada e publicada em meio eletrônico. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022) (grifo nosso)
§ 1º A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 2º A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 3º Finalizado o procedimento de alteração no assento, o ofício de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas do requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrônico. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 4º Se suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente, o oficial de registro civil fundamentadamente recusará a retificação. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)

Essa alteração legislativa visa acompanha a modernização e os anseios sociais, possibilitando que o maior capaz realize à alteração do seu prenome de forma imotivada e célere, requerendo a averbação diretamente ao oficial de registro competente, podendo fazê-lo de qualquer local do país, que desde se dirija ao registrada do cartório local, que enviará ao oficial competente por meio eletrônico. Visando assim, dá concretude ao direito ao nome e à dignidade da pessoa humana, uma vez que o registrado não precisa justificar o motivo da mudança, podendo altera-lo, seja que porque não gosta do seu nome, porque não se identifica com ele ou simplesmente porque deseja mudar totalmente sua vida e recomeçar com um novo nome. Além do mais, a alteração faz parte das ferramentas de “desjudicialização” implementado no Brasil, nos últimos anos, os quais visam dar meios alternativos de solução de conflitos, ao mesmo tempo que diminuem o tempo de espera das partes e custos do processos, o que também influi na esfera da dignidade da pessoa humana, pois ao mesmo tempo que economia tempo e custos, permite que as partes possam utilizar desse tempo e dinheiro em atividade de sua livre escolha, resultando numa melhor qualidade de vida. Ao mesmo tempo a referida lei, como anteriormente, continuou resguardando a segurança jurídica e interesse de terceiros, uma vez que padroniza o procedimento, prevendo que só poderá ocorrer de forma imotivada e no extrajudicial, uma única vez, bem como determina que tais alterações deverão constar como averbação no próprio corpo da certidão de nascimento e/ou casamento, evitando assim fraudes e prejuízos a terceiros. Com as referidas alterações legislativa, conforme ensinamentos da a professora Martha El Debs, o direito brasileiro passou a adotar “o princípio da definitividade (e não mais da imutabilidade) do nome e com ele consagram-se diversas hipóteses de alteração do nome civil (…). Atendeu-se, pois, a adequação plena do instituto à realidade social”.

3.   CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesses termos, o direito brasileiro visou adequar a realidade legislativa à realidade social, permitindo que a pessoa maior capaz faça, por uma única vez, a alteração do seu prenome de forma injustificada e diretamente no cartório de registro civil de onde reside. Os resultados práticos da alteração da Lei 14.382, publicada em junho de 2022, foram excepcionais e com apenas um ano de vigência, mais de 10 (dez) mil pessoas alteraram o nome (nome e prenome), o que reflete real anseio da sociedade pela flexibilização e a efetivação dos direitos fundamentais. Assim, a atual Lei de Registros Públicos efetiva à concretude do fundamento do Estado Democrático Brasileiro, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal, qual seja, a dignidade da pessoa humana, bem como, dá maior efetivação ao direito de personalidade e ao nome, visando o bem maior que é a busca da felicidade pelo ser humano.

REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília de 1988. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 27 out. 2023. BRASIL. LEI Nº 6.015, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1973.Brasília de 1988. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm. Acesso em: 29 out. 2023. CENEVIVA, Walter. “Lei de Registro Públicos Comentada” – 18ª edição. Direito à alteração do nome e o princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/direito-constitucional/principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-possibilidade-de-alteracao-do-nome. Acesso em: 28 out. 2023. EL DEBS, Martha. Legislação notarial e de registros públicos comentada, 6ª ed. Salvador: Juspodivm, 2023, p. 302. FRANÇA, Limongi. Do nome civil das pessoas naturais. São Paulo: RT, 1958, p. 22 Um ano após publicação de nova lei, 10,9 mil brasileiros mudaram nome em cartório. Disponível em : https://ibdfam.org.br/noticias/11067#:~:text=Home,Um%20ano%20ap%C3%B3s%20publica%C3%A7%C3%A3o%20de%20nova%20lei%2C%2010%2C9%20mil,brasileiros%20mudaram%20nome%20em%20cart%C3%B3rio&text=Desde%20que%20a%20Lei%2014.382,Paulo. Acesso em: 29 out. 2023.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Kátia Gomes de Almeida. A Alteração do Prenome no Âmbito Cartorário e a Concretude do Direito à Dignidade Humana. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciências Humanas, Direito, Educação, Escrita científica, Geografia, Gestão de Dados, História, Linguística, Literatura, Tecnologia da Informação, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2023, n. 1, aprovado e publicado em 10/11/2023. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-alteracao-do-prenome-no-ambito-cartorario-e-a-concretude-do-direito-a-dignidade-humana-2/. Acesso em: 24/04/2025.