Ensaio iconográfico do diagnóstico por imagem das sacroileítes – Critérios diagnósticos, confundidores e diagnósticos alternativos.
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Resumo
As espondiloartropatias compõem um grupo de doenças reumáticas inflamatórias crônicas, incluindo espondilite anquilosante, artrite reativa (Síndrome de Reiter), artrite ou espondilite associada a doença inflamatória intestinal, artrite psoriásica e espondiloartrite indiferenciada. Essas doenças afetam preferencialmente o esqueleto axial, causando dor e rigidez. Estão associadas ao fator reumatoide (FR) negativo e comumente relacionadas à presença do antígeno linfocitário humano (HLA) B-27 positivo. A distinção entre essas entidades é feita basicamente através da distribuição das alterações radiológicas e das características clínicas associadas. O atual diagnóstico dessas condições é realizado através dos critérios de avaliação da Sociedade Internacional das Espondiloartrites (ASAS). O critério obrigatório é a presença de dor lombar crônica (por mais de três meses), com início em idade inferior a 45 anos, em combinação a um dos dois conjuntos de achados possíveis: a) sinais de sacroiliíte em exame de imagem somados a um ou mais critérios clínicos característicos ou b) HLA B-27 positivo somado a dois ou mais critérios clínicos característicos. A ASAS preconiza que o primeiro exame de imagem a ser realizado nos casos de suspeita de espondiloartrite seja a radiografia simples de bacia em AP, utilizando, para o diagnóstico de sacroiliítes, o critério de Nova Iorque modificado. Em casos negativos e com alta suspeição, preconiza-se a ressonância magnética (RM) como forma de se detectar precocemente as alterações, que correspondem a sinais de edema na medula óssea (pelo menos dois focos em cortes consecutivos ou em duas topografias distintas) e/ou capsulite, sinovite ou entesite. Através do diagnóstico precoce, as terapêuticas modificadoras de doença podem ser instituídas mais cedo, reduzindo o grau de sequela dos pacientes e melhorando sua qualidade de vida. Além disso, a ressonância magnética permite monitorar a resposta ao tratamento instituído e detectar atividade de doença em pacientes crônicos. O critério ASAS mostrou-se muito sensível, tendo sido capaz de diagnosticar aproximadamente 38% dos casos de sacroiliíte na fase pré-radiográfica. Entretanto, a presença de edema na medula óssea é um achado pouco específico, sendo mais comum, por exemplo, em doenças degenerativas/mecânicas. Esse fato eleva a quantidade de casos falso-positivos, provocando excesso de diagnósticos, gastos desnecessários com terapia e exames, além do potencial de danos aos pacientes. Diante disso, torna-se imperativo o uso de ferramentas que aumentem a especificidade do diagnóstico, como a localização do acometimento nos diversos compartimentos articulares ou a instituição de outros critérios, como a necessidade de pelo menos três focos de edema da medula óssea, pequenas erosões, entesite ou capsulite. Ademais, é essencial o conhecimento dos diagnósticos diferenciais e "pitfalls" nos exames de imagem das sacroilíacas. Entre os principais diagnósticos diferenciais que devemos considerar, incluem-se sobrecarga mecânica, osteoartrite precoce, osteíte condensante, variações anatômicas, fraturas de estresse sacrais, sacroiliíte infecciosa, sarcoidose e osteodistrofia renal. Neste ensaio iconográfico, serão apresentados casos clínicos do acometimento das sacroilíacas, com ênfase em como diferenciar o acometimento mecânico/degenerativo das sacroiliítes inflamatórias das espondiloartropatias. Também serão abordados casos de outros diagnósticos diferenciais, como osteodistrofia renal com reabsorção subcondral das sacroilíacas, fraturas sacrais por insuficiência e osteíte condensante.
Palavras-ChaveSacroiliíte. Espondiloartrite. Osteoartrose. Osteodistrofia renal. Osteíte condensante. Ressonância magnética. Radiografia.
Abstract
Spondyloarthropathies constitute a group of chronic inflammatory rheumatic diseases, including ankylosing spondylitis, reactive arthritis (Reiter's syndrome), arthritis or spondylitis associated with inflammatory bowel disease, psoriatic arthritis, and undifferentiated spondyloarthritis. These conditions primarily affect the axial skeleton, causing pain and stiffness. They are characterized by a negative rheumatoid factor (RF) and are commonly associated with the presence of human leukocyte antigen (HLA) B-27 positivity. The differentiation between these entities is mainly based on the distribution of radiological alterations and associated clinical features. Currently, the diagnosis of these conditions is established through the Assessment of SpondyloArthritis International Society (ASAS) classification criteria. The mandatory criterion is chronic low back pain lasting more than three months, with onset before the age of 45, combined with one of two sets of findings: (A) radiographic evidence of sacroiliitis plus at least one characteristic clinical criterion, or (B) HLA B-27 positivity plus at least two characteristic clinical criteria. ASAS recommends that the first imaging study for suspected spondyloarthritis should be an anteroposterior pelvic radiograph, using the modified New York criteria for diagnosing sacroiliitis. In cases of negative radiographs with high clinical suspicion, magnetic resonance imaging (MRI) is advised to detect early changes, including bone marrow edema (at least two foci in consecutive slices or two distinct locations) and/or capsulitis, synovitis, or enthesitis. Early diagnosis enables timely initiation of disease-modifying therapies, reducing long-term sequelae and improving patients' quality of life. Moreover, MRI facilitates treatment monitoring and detection of disease activity in chronic cases. The ASAS criteria have demonstrated high sensitivity, identifying approximately 38% of sacroiliitis cases in the preradiographic phase. However, bone marrow edema is a nonspecific finding, frequently occurring in degenerative or mechanical conditions, leading to false positives, unnecessary treatments, and excessive healthcare costs, potentially harming patients. Thus, it is crucial to implement tools that enhance diagnostic specificity, such as assessing involvement in various joint compartments or adopting additional criteria, including at least three foci of bone marrow edema, small erosions, enthesitis, or capsulitis. Furthermore, understanding differential diagnoses and imaging pitfalls in sacroiliac joint evaluation is essential. Among the key differential diagnoses are mechanical overload, early osteoarthritis, osteitis condensans, anatomical variations, sacral stress fractures, infectious sacroiliitis, sarcoidosis, and renal osteodystrophy. This iconographic essay presents clinical cases illustrating sacroiliac joint involvement, focusing on differentiating mechanical/degenerative conditions from inflammatory sacroiliitis in spondyloarthropathies. Additionally, cases of renal osteodystrophy with sacroiliac subchondral resorption, sacral insufficiency fractures, and osteitis condensans will be discussed.
KeywordsSacroiliíte. Espondiloartrite. Osteoartrose. Osteodistrofia renal. Osteíte condensante. Ressonância magnética. Radiografia.
1. INTRODUÇÃO
A ressonância magnética (RM) é uma ferramenta essencial para o diagnóstico da sacroiliíte nas fases iniciais da doença, permitindo a identificação de achados pré-radiográficos. O critério de edema da medula óssea observado na RM aumentou a sensibilidade para detectar essa condição, embora tenha reduzido sua especificidade. O presente estudo apresenta um ensaio pictórico sobre os diagnósticos diferenciais nos exames de imagem das articulações sacroilíacas, enfatizando a importância de diferenciar o acometimento inflamatório de outras patologias.Atualmente, o diagnóstico das espondiloartrites é baseado nos critérios de avaliação da Sociedade Internacional de Espondiloartrites (ASAS). O critério essencial é a presença de dor lombar crônica, com duração superior a três meses e início antes dos 45 anos, em combinação com um dos seguintes conjuntos de achados:
- Sinais de sacroiliíte em exame de imagem, associados a um ou mais critérios clínicos característicos.
- HLA-B27 positivo, também associado a dois ou mais critérios clínicos característicos.
Conforme as diretrizes da ASAS, os critérios de Nova York modificados (modNY) são utilizados para o diagnóstico radiográfico de sacroiliíte. Os critérios diagnósticos radiográficos de sacroiliíte (modNY) incluem:
- Acometimento bilateral grau 2.
- Acometimento unilateral grau 3-4.
A ressonância magnética é considerada o exame de imagem preferencial nos estágios iniciais da doença, especialmente quando as radiografias são negativas, pois ajuda a diagnosticar a fase inflamatória quando a morfologia ainda está preservada. Os critérios diagnósticos para a doença em atividade são:
- Presença de edema na medula óssea: pelo menos dois focos em cortes consecutivos ou em localizações distintas.
- Capsulite.
- Sinovite.
- Entesite.
Por outro lado, os critérios diagnósticos para dano articular crônico incluem:
- Erosões.
- Lipossubstituição subcondral.
- Esclerose subcondral.
- Pontes ósseas ou anquilose.
Os critérios da ASAS demonstraram alta sensibilidade, sendo capazes de diagnosticar aproximadamente 38% dos casos de sacroiliíte na fase pré-radiográfica. Contudo, o edema da medula óssea é um achado pouco específico, frequentemente observado em outras patologias. Patologias articulares relacionadas à carga, como alterações mecânicas e osteoartrite, são muito mais prevalentes do que as doenças inflamatórias. O uso isolado do critério ASAS pode aumentar a quantidade de casos falsamente positivos, resultando em diagnósticos incorretos, custos desnecessários com terapia e exames, além de potenciais danos aos pacientes. Para aumentar a especificidade do diagnóstico e reduzir a ocorrência de falsos positivos, sugere-se a incorporação de outros critérios diagnósticos, tanto relacionados a processos inflamatórios quanto a alterações sequelares da doença.
A localização das alterações nas articulações sacroilíacas também pode fornecer indícios sobre sua natureza; por exemplo, as doenças relacionadas à carga geralmente provocam mais alterações na porção ântero-superior da sacroilíaca, enquanto as alterações inflamatórias tendem a ocorrer no corpo da articulação, com variações anatômicas na região posterior.
2. METODOLOGIA
O presente estudo consiste em um ensaio iconográfico de casos clínicos de pacientes atendidos em Natal/RN. Foram selecionados exames de imagem, incluindo radiografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética, de serviços em que médicos residentes e preceptores participavam. Destacam-se o Hospital Universitário Onofre Lopes, localizado na Av. Nilo Peçanha, 620, Natal, RN, 59012-300, e o Hospital Dr. Luiz Antônio, situado na Rua Ver. Cícero Azevedo, 2267, Natal, RN. O Software Horus foi utilizado como visualizador de imagens.
3. DISCUSSÃO
Foram analisados casos ilustrativos de cinco condições que atendem aos critérios diagnósticos de sacroiliíte nos exames de imagem e representam diagnósticos diferenciais significativos a serem reconhecidos.
3.1 Caso 1
Alteração mecânica em mulher de 45 anos com sobrepeso.
Figura 1 (descrição): Cortes coronais oblíquos ponderados em T1 (esquerda) e T2-FAT SAT (direita). Notam-se zonas de esclerose óssea e tênues focos de edema subcondral (setas vermelhas), predominando no terço anterosuperior articular, com relativa preservação do corpo principal sinovial da articulação.
3.2 Caso 2
Osteoartrite em um homem de 50 anos.
Figura 2 (descrição): Cortes coronais oblíquos ponderados em T1 (esquerda) e T2-FAT SAT (direita). Notam-se osteófitos marginais no terço anterossuperior (pontas de seta) e focos de edema em área de carga na sacroilíaca direita e nos platôs oponentes de L5-S1 (setas laranja e azul, respectivamente). Não há evidência de erosões e nota-se preservação do corpo principal sinovial da articulação.
Nas patologias relacionadas à carga, o edema da medular óssea acontece tanto em áreas submetidas à carga quanto em áreas livres de carga.
Nesses casos, a presença de erosões ósseas é o sinal mais fidedigno na diferenciação entre espondiloartropatia mecânica e inflamatória.
As sequências ponderadas em T1-FAT-SAT possuem boa acurácia na detecção de erosões.
3.3 Caso 3
Sacroiliíte inflamatória em um homem de 28 anos.
Figura 3 (descrição): Cortes coronais oblíquos ponderados em T1 (esquerda) e T2-FAT SAT (direita). Notam-se erosões ósseas, lipossubstituição e focos de edema subcondral, predominando na porção principal sinovial (terços médio e inferior), com relativa preservação do terço anterossuperior.
3.4 Caso 4
Fratura de asa sacral.
Figura 4 (descrição): Cortes coronal oblíquo (esquerda) e axial (centro) ponderadas em T1 e corte axial ponderado em T2-FAT SAT evidenciando traço vertical de hipossinal em T1 hipersinal em T2(setas azuis) na asal sacral esquerda, compatível com fratura por insuficência.
3.5 Caso 5
Hiperparatireoidismo.
Figura 5 (descrição): Cortes tomográficos coronais oblíquos (superiores) e axiais oblíquos (inferiores) evidenciando reabsorção óssea subcondral simétrica e bilateral, promovendo pseudoalargamento do espaço articular, associados a irregularidades das superficies articulares. Nota-se ainda trabeculado ósseo grosseiro, possivelmente relacionado a osteodistrofia renal e lesões líticas circunscritas nos ilíacos, que podem corresponder a tumores marrons.
3.6 Caso 6
Sacroileíte infecciosa.
Figura 6 (descrição): Cortes coronais oblíquos das sacroilíacas evidenciando acentuado edema ósseo difuso nas margens sacral e ilíaca da articulação sacroilíaca esquerda, com realce da medular óssea subcondral, compatível com sacroiliíte. Associase edema dos planos musculares e adiposos adjacentes, de provável natureza reacional.
4. CONCLUSÃO
O diagnóstico das espondiloartropatias continua sendo um desafio na prática clínica, exigindo um olhar atento para a correta interpretação dos achados clínicos e radiológicos. A utilização dos critérios ASAS tem sido fundamental para a identificação precoce da sacroileíte, permitindo um manejo mais eficaz dos pacientes e reduzindo a progressão da doença. No entanto, a baixa especificidade de alguns achados, como o edema da medula óssea, levanta preocupações sobre a possibilidade de diagnósticos errôneos e intervenções desnecessárias.
Diante disso, torna-se essencial o aprimoramento das ferramentas diagnósticas, incluindo a incorporação de novos critérios e a valorização da distribuição das lesões nos compartimentos articulares. Além disso, o conhecimento aprofundado dos diagnósticos diferenciais e das armadilhas radiológicas é indispensável para evitar equívocos e otimizar a conduta clínica.
Portanto, este estudo iconográfico buscou contribuir para a compreensão das principais características das espondiloartropatias e suas distinções em relação a outras patologias que acometem as articulações sacroilíacas. O aprofundamento contínuo nesse tema é necessário para que se possa avançar na precisão diagnóstica e no tratamento adequado dos pacientes, garantindo melhores desfechos clínicos e qualidade de vida.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
LEAO, Tiago Dias Rodrigues. Ensaio iconográfico do diagnóstico por imagem das sacroileítes – Critérios diagnósticos, confundidores e diagnósticos alternativos.. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciências da Saúde, Medicina, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.14956535, Joinville-SC, ano 2025, n. 4, aprovado e publicado em 02/03/2025. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/ensaio-iconografico-do-diagnostico-por-imagem-das-sacroileites-criterios-diagnosticos-confundidores-e-diagnosticos-alternativos/. Acesso em: 24/04/2025.