Impacto do Direito do Trabalho internacional na Legislação interna: análise da influência da Convenção nº 100 da OIT na Legislação Trabalhista Brasileira de igualdade remuneratória entre homens e mulheres
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Resumo
O artigo explora o impacto da Convenção nº 100 da OIT na legislação trabalhista brasileira, com foco na promoção da igualdade de remuneração entre homens e mulheres. O direito do trabalho internacional tem um papel essencial em assegurar condições justas de trabalho, e a OIT, por meio de suas convenções, influencia diretamente as leis internas dos países membros. No Brasil, a ratificação da Convenção nº 100 em 1957 visou eliminar as disparidades salariais baseadas no gênero. A pesquisa tem como objetivo analisar as transformações na legislação trabalhista brasileira decorrentes dessa ratificação, observando o cenário antes e depois de sua implementação. A metodologia inclui uma revisão bibliográfica e documental das leis e normas brasileiras pertinentes, além de uma análise histórica das mudanças legislativas após a adoção da Convenção. Os resultados mostram que, apesar das reformas legais significativas, como a revogação de dispositivos discriminatórios na CLT e a inclusão de novos artigos para combater a discriminação salarial, a igualdade de remuneração ainda enfrenta desafios práticos. Persistem barreiras que impedem a plena concretização dos princípios de igualdade salarial, indicando a necessidade de um esforço contínuo em fiscalização, educação e sensibilização.
Palavras-ChaveConvenção n° 100 da OIT . Legislação brasileira. Impactos
Abstract
This article explores the impact of ILO Convention No. 100 on Brazilian labor legislation, focusing on the promotion of equal remuneration between men and women. International labor law plays a crucial role in ensuring fair working conditions, and the ILO, through its conventions, directly influences the internal laws of member countries. In Brazil, the ratification of Convention No. 100 in 1957 aimed to eliminate gender-based wage disparities. The research aims to analyze the transformations in Brazilian labor legislation resulting from this ratification, observing the scenario before and after its implementation. The methodology includes a bibliographic and documentary review of relevant Brazilian laws and regulations, as well as a historical analysis of legislative changes following the adoption of the Convention. The results show that despite significant legal reforms, such as the repeal of discriminatory provisions in the CLT and the inclusion of new articles to combat wage discrimination, equal remuneration still faces practical challenges. Barriers persist that prevent the full realization of the principles of equal pay, indicating the need for ongoing efforts in enforcement, education, and awareness.
KeywordsILO Convention No. 100. Brazilian legislation. Impacts
1. Introdução
O direito do trabalho internacional desempenha um papel crucial na promoção de condições de trabalho justas e equitativas em nível global. Instituições, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estabelecem convenções o recomendações que visam garantir direitos fundamentais aos trabalhadores, independentemente da nacionalidade. Isso acaba proporcionando impacto no direito interno das nações, pela necessidade de adequá-lo ao modelo internacional. No Brasil, um exemplo de como isso ocorreu se deu com a Convenção nº 100, adotada pela OIT em 1951, que busca a promoção da igualdade de remuneração entre homens e mulheres por trabalho de igual valor.
A relevância deste tema é inquestionável, pois a igualdade de remuneração não só representa uma questão de justiça social, mas também desempenha um papel crucial no desenvolvimento econômico sustentável e na promoção do bem-estar das famílias. A persistência de disparidades salariais entre homens e mulheres perpetua desigualdades sociais, limita o potencial econômico das mulheres e prejudica a coesão social.
O objetivo deste artigo é analisar as mudanças na legislação trabalhista brasileira supervenientes à ratificação da Convenção nº 100 da OIT, destacando as condições antes e depois de sua internalização.
A metodologia adotada para este estudo inclui uma revisão bibliográfica e documental das leis e normas brasileiras relacionadas à igualdade de remuneração, além de uma análise histórica das transformações legislativas ocorridas após a ratificação da Convenção nº 100.
O artigo está estruturado em três partes principais. Na primeira parte, será feita uma breve análise sobre os principais pontos da Convenção nº 100 da OIT. Na segunda parte, será apresentado o contexto histórico e legal antes da ratificação da referida convenção. Por fim, na terceira serão detalhadas as principais alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que reforçam a igualdade salarial, supervenientes à convenção. A conclusão refletirá sobre os avanços alcançados e os desafios persistentes.
2. Convenção nº100 da OIT
2.1. Breve análise
A Convenção nº 100 da OIT tem por objetivo a promoção da igualdade de oportunidades e remuneração no emprego e na profissão sem discriminação em razão do sexo. Foi adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho na sua 34ª sessão, em 29 de junho de 1951, e entrou em vigor, internacionalmente, em 23 de maio de 1953 (Decreto Legislativo nº 24, 1956). Foi ratificada pelo Brasil em 1957 (Decreto n° 41.721, 1957).
Composta por 14 artigos, a convenção se firma em duas premissas: igualdade de remuneração e trabalho de igual valor. A primeira é entendida como “salário ou o tratamento ordinário, de base, ou mínimo, e todas as outras vantagens, pagas direta ou indiretamente, em espécie ou ‘in natura’ pelo empregador ao trabalhador em razão do emprego deste último” (art. 1º, al. a). A segunda (igual valor) é verificada a partir de uma avaliação objetiva dos empregados sobre a base dos trabalhos que eles comportam (art. 3º, 1).
O certe da carta é impedir a distinção salarial por pura e simples questão de gênero. Como explica seu artigo 3º, as variações que refletem diferenças resultantes de uma avaliação objetiva do trabalho não devem ser vistas como violação dos princípios de igualdade de remuneração entre homens e mulheres por trabalho de igual valor.
O objetivo da convenção é buscado por meio de edição, pelos estados-membros, de atos normativos que estabeleçam claramente a igualdade salarial, além de revisar e melhorar a legislação existente, prevenindo e reprimindo práticas discriminatórias. Deve-se implementar sistemas objetivos e transparentes para avaliar o valor do trabalho, capacitando profissionais de recursos humanos e gestores para aplicar esses sistemas de forma justa.
Além da atualização legislativa, naturalmente mostra-se necessário a promoção da negociação coletiva e do diálogo social, bem como campanhas de conscientização e educação sobre a importância da igualdade de remuneração. Essas medidas, quando implementadas de forma eficaz, ajudam a criar um ambiente de trabalho mais justo e a garantir que todos os trabalhadores recebam remuneração igual por trabalho de igual valor. Iremos nos ater, todavia, ao campo normativo, que é o objetivo deste estudo.
2.2. Contexto histórico e legal da legislação brasileira pré-ratificação
Mostra-se necessário compreender o espelho normativo vigente quando da ratificação da Convenção nº 100 da OIT pelo Brasil, em 1957.
As Constituições Federais de 1934 e 1946 trouxeram proibição expressa de distinção salarial em razão do sexo, como esclarece Gomes, E. B., & Moro, F. (2013). Assim também a Consolidações das Leis do Trabalho (CLT), vigente desde 1943.
CF/46, Art. 157. A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:
II – proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; (grifo nosso)
CLT, Art. 5º. A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo. (grifos nossos)
Art. 461 – Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade. (grifos nossos)
1º – Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos.
De uma primeira leitura, a legislação parece sinalizar, há muito tempo, a proibição de discriminação remuneratória em razão do sexo. Todavia, paralelo a isso, a CLT previa dispositivos com o intuito de “proteção ao trabalho da mulher”, exigindo atestados médicos para a prestação de determinados serviços e até mesmo viabilizando a rescisão do contrato por iniciativa do marido (arts. 374/375, 378 a 380, 387 e 446 da CLT, por exemplo), como alerta Delgado (2019).
Por outro lado, para Alvarenga (2021), a Convenção nº 100 da OIT constituiu o primeiro instrumento com força obrigatória na promoção da igualdade entre homens e mulheres no trabalho.
2.3. Alterações na legislação brasileira pós-ratificação
A Convenção nº 100 da OIT foi internalizada num contexto legislativo em que já existia proibição de tratamento discriminatório em razão do sexo tanto em âmbito constitucional quanto legal no Brasil. Mas subsistiam barreiras legislativas que dificultavam, indiretamente, a concretização desse ideal.
Em 1989, a Lei 7.855/89 revogou os arts. 375 e 446 da CLT, que, respectivamente, impedia as mulheres de realizarem horas extras e possibilitava a rescisão contratual por iniciativa do marido.
Posteriormente, a Lei 9.029/95 elevou à categoria de ilícito penal a prática de discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho em razão do sexo.
Mais à frente, a Lei 9.799/99 incluiu o art. 373-A na CLT, que veicula vedações de práticas concretas que fomentam a discriminação salarial, a saber:
Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;
II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;
III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;
IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;
V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;
VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher.”
Para Gomes, E. B., & Moro, F. (2013), ao analisar os impactos da convenção em exame, os avanços na legislação brasileira foram mínimos. A crítica é corroborada por Rodrigues (2023), o qual informa que, conforme estudo especial feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em março de 2021, a desigualdade salarial persistiria, com rendimento médio feminino equivalente a 77,7% do rendimento do masculino.
3. Considerações Finais
A análise das alterações legislativas no Brasil após a ratificação da Convenção nº 100 da OIT revela avanços significativos em direção à igualdade de remuneração entre homens e mulheres. A introdução e a atualização de leis, como a revogação de dispositivos discriminatórios na CLT e a tipificação penal, demonstram o empenho do Brasil em alinhar sua legislação às normas internacionais e promover um ambiente de trabalho mais justo.
No entanto, apesar dos avanços legislativos, a implementação plena da igualdade salarial ainda enfrenta desafios. A continuidade da luta pela igualdade salarial exige mais do que reformas legais: um esforço conjunto de fiscalização efetiva, educação e sensibilização para garantir que os princípios estabelecidos sejam concretamente aplicados e respeitados no cotidiano das relações de trabalho.
4. Referências Bibliográficas
ALVARENGA, R. (2021). A Convenção 100 da OIT: Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor. Revista de Direito do Trabalho, 220. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/revista-de-direito-do-trabalho-220-12-2021/2078735515. Acesso em: 26 de julho de 2024.
CLT. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 26 de julho de 2024.
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em: 26 de julho de 2024.
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em: 26 de julho de 2024.
Decreto Legislativo nº 24, de 1956. Disponível em: https://www.trt2.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_100.html. Acesso em: 26 de julho de 2024.
Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957. Promulga as Convenções Internacionais do Trabalho de nº 11, 12, 13, 14, 19, 26, 29, 81, 88, 89, 95, 99, 100 e 101, firmadas pelo Brasil e outros países em sessões da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d41721.html. Acesso em: 26 de julho de 2024.
Delgado, M. G. (2019). Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores (18. ed.). São Paulo: LTr.
Gomes, E. B., & Moro, F. (2013). Direitos sociais e discriminação de gênero: Uma análise acerca das Convenções nº 100 e 111 da OIT e sua aplicabilidade no Brasil. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, 7(24), 134-152.
Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9029.htm. Acesso em: 26 de julho de 2024.
Rodrigues, F. A. (2023). Barreiras à efetivação da igualdade salarial de gênero no Brasil. Revista Estudos Feministas, 31, e82532.
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
OLIVEIRA JUNIOR, Eliézer Guedes de (ORCID 0009-0000-9405-6256) . Impacto do Direito do Trabalho internacional na Legislação interna: análise da influência da Convenção nº 100 da OIT na Legislação Trabalhista Brasileira de igualdade remuneratória entre homens e mulheres. Revista Di Fatto, Direito, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2023, n. 1, aprovado e publicado em 10/11/2023. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/impacto-do-direito-do-trabalho-internacional-na-legislacao-interna-analise-da-influencia-da-convencao-no-100-da-oit-na-legislacao-trabalhista-brasileira-de-igualdade-remuneratoria-entre-homens-e-mulh/. Acesso em: 22/07/2025.