Parcelamento do solo urbano: disposições legais, concurso voluntário e entendimento jurisprudencial

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito

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16/12/2024

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Rafael Adachi

Curriculo do autor: Graduado em Direito. Especialista em Direito e Processo Civil. Especialista em Direito Tributário. Especialista em Prática de Direito Administrativo Avançada. Servidor Público.

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Resumo

O presente trabalho aborda as disposições constantes da Lei n. 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, promovendo uma análise dos principais conceitos e institutos dispostos no referido diploma. Ao discorrer sobre os procedimentos atinentes ao processamento do loteamento, define a chamada teoria do concurso voluntário, bem como elenca entendimentos jurisprudenciais acerca da temática tratada.

Palavras-Chave

Direito Urbanístico. Parcelamento do Solo Urbano. Concurso Voluntário.

Abstract

This work addresses the provisions contained in Law no. 6,766/79, which provides for the division of urban land, promoting an analysis of the main concepts and institutes set out in the aforementioned diploma. When discussing the procedures relating to the processing of the allotment, he defines the so-called voluntary competition theory, as well as lists jurisprudential understandings regarding the topic covered.

Keywords

Urban Law. Subdivision of Urban Land. Volunteer Competition.

1. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO. CONCEITOS, REQUISITOS E VEDAÇÕES.

 

A Lei n. 6.766/1979 dispõe sobre o estabelecimento de regras, condicionantes, parâmetros, procedimentos e vedações acerca do parcelamento do solo urbano. Trata-se de importante instrumento legal apto a conferir parametricidade ao planejamento e ordenação do território urbano. As disposições contidas no referido diploma legal visam conformar a atuação do Poder Público, bem como dos particulares imbuídos da vontade de promover empreendimentos imobiliários no seio do meio urbano.

 

O parcelamento do solo urbano pode ser levado à cabo sob duas modalidades: loteamento ou desmembramento. A primeira, conforme enuncia o §1º do art. 2º da Lei n. 6.766/79, é definida como a subdivisão da gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes. A segunda, constante do §2º, é conceituada como a subdivisão da gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

 

Verifica-se, portanto, que a diferença essencial entre os institutos do loteamento e do desmembramento encontra-se na inauguração de vias e logradouros. Quando houver referida estreia de novas vias, estaremos diante de loteamento, ao passo que, o aproveitamento das vias de circulação já existentes dá ensejo à configuração do desmembramento.

 

Resulta do loteamento ou do desmembramento a formação de lotes, que, nos termos do §4º do art. 2º, pode ser entendido como o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou por lei municipal específica para a zona que se situe.

 

Hely Lopes Meirelles, acerca da diferenciação entre loteamento e desmembramento, assim dispõe:

 

O loteamento e o desmembramento constituem modalidades do parcelamento do solo, mas apresentam características diversas: o loteamento é meio de urbanização, e só se efetiva por procedimento voluntário e formal do proprietário da gleba, que planeja sua divisão e a submete à aprovação da Prefeitura, para subsequente inscrição no registro imobiliário, transferência gratuita das áreas das vias públicas e espaços livres ao Município e alienação dos lotes aos interessados; o desmembramento é apenas repartição da gleba, sem atos de urbanização, e tanto pode ocorrer pela vontade do proprietário (venda, doação etc.) como por imposição judicial (arrematação, partilha etc.), em ambos os casos sem qualquer transferência de área ao domínio público. (MEIRELLES, p. 490)

 

Faz-se necessário apontar que a configuração legal do lote demanda a presença de infraestrutura básica dos parcelamentos, exigindo-se a presença de elementos mínimos, quais sejam:

 

Art. 2º (…)

§ 5o A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.  (Redação dada pela Lei nº 11.445, de 2007).   (Vigência)

 

Especificamente quanto aos parcelamentos situados em zonas habitacionais de interesse social, a lei suaviza as exigências, determinado:

 

Art. 2º (…)

§ 6o A infra-estrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: 

I – vias de circulação;  

II – escoamento das águas pluviais;  

III – rede para o abastecimento de água potável; e  

IV – soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar.  

 

A Lei n. 6.766/1979 é clara ao determinar o espectro de abrangência do parcelamento do solo urbano. Nesse sentido, o art. 3º informa que somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica. Como consectário lógico, portanto, afasta-se a inteligência desse conjunto normativo em zonas rurais.

 

Além de sua inaplicabilidade às zonas rurais, o parcelamento do solo sofre condicionamentos e vedações para determinadas regiões, seja por seu enquadramento geográfico, seja pela habitabilidade, seja por questões sanitárias. Nesse sentido, é o que prevê o parágrafo único do Art. 3º, que dispõe:

 

Parágrafo único – Não será permitido o parcelamento do solo:

I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

 

O dispositivo supramencionado elenca restrições legais de loteamento, o que não impede que outras mais sejam previstas e definidas pelo próprio loteador. Destarte, é possível o estabelecimento de restrições convencionais de loteamento, por meio das quais o loteador “estabelece no plano de loteamento, arquiva no registro imobiliário e transcreve nas escrituras de alienação dos lotes como cláusulas urbanísticas a serem observadas por todos em defesa do bairro, inclusive a Prefeitura que as aprovou”. (MEIRELLES, p. 492).

 

Essas restrições convencionais acompanham o bem loteado, impondo-se a quem adquire o lote, seja diretamente do loteador ou de algum sucessor, o dever de observância a tais limitações e condicionamentos.

 

A Lei n. 6.766/1979 também prevê requisitos urbanísticos para o loteamento, como a proporcionalidade das áreas de circulação em relação à densidade de ocupação; lotes com área mínima de 125 metros quadrados e frente mínima de 5 metros, ressalvados os loteamentos de urbanização específica; faixas com nota non aedificandi ao longo de faixas de domínio público em rodovias, ferrovias e ao longo de águas correntes e dormentes; e  articulação das vias de loteamento com vias adjacentes.

 

2. PROJETO DE LOTEAMENTO. CONCURSO VOLUNTÁRIO. APROVAÇÃO E REGISTRO.

 

O art. 8º da Lei n. 6.766/1979 determina que os Municípios cuja população seja inferior a cinquenta mil habitantes e aqueles cujo plano diretor contiverem diretrizes de urbanização poderão dispensar a fase de fixação de diretrizes. Disso decorre que, caso não hajam diretrizes previamente determinadas, o pretendente à realização de parcelamento do solo deverá solicitá-las ao ente municipal, conforme prevê o art. 6º, que impõe ao interessado a entrega à Prefeitura do requerimento e da planta do imóvel, que conterá, entre outros, informações acerca das divisas da gleba, localização dos cursos d’água, indicação de arruamentos e equipamentos urbanos e comunitários e o tipo de uso predominante a que o loteamento se destina.

 

Em síntese, o pretendente à promoção do parcelamento do solo urbano, propõe requerimento junto ao ente municipal, com indicações geográficas do local objeto do projeto e das áreas circunvizinhas, e aguarda, por parte do Poder Público municipal, a fixação das diretrizes.

 

As diretrizes fixadas pelo Município indicarão, nas plantas apresentadas com o requerimento:

 

Art. 7º. (…)

I – as ruas ou estradas existentes ou projetada, que compõem o sistema viário da cidade e do município, relacionadas com o loteamento pretendido e a serem respeitadas;

II – o traçado básico do sistema viário principal;

III – a localização aproximada dos terrenos destinados a equipamento urbano e comunitário e das áreas livres de uso público;

IV – as faixas sanitárias do terreno necessárias ao escoamento das águas pluviais e as faixas não edificáveis;

V – a zona ou zonas de uso predominante da área, com indicação dos usos compatíveis.

Parágrafo único. As diretrizes expedidas vigorarão pelo prazo máximo de quatro anos.  

 

Com a entrega de toda a documentação exigida dos particulares, caberá ao órgão municipal a aprovação do projeto de loteamento, e, “uma vez aprovado, a lei exige prazo para execução do projeto, sob pena de necessitar de nova avaliação junto à Prefeitura”. (CARDOSO, Fernanda Lousada. Direito Urbanístico. 2015. 6 ed. Salvador: Editora JusPodivm).

 

De acordo com o que prevê o art. 17 da Lei do Parcelamento do Solo Urbano, os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, ressalvadas as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador. Denota-se, assim, que, os espaços destinados ao Poder Público, após a aprovação do loteamento, somente poderão ser alterados em caso de caducidade da licença, que ocorrerá quando inobservado o prazo para registro imobiliário do projeto, ou havendo desistência por parte do loteador.

 

Após a aprovação do projeto de loteamento, a lei impõe ao loteador o dever de submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 dias (art. 18 da Lei n. 6.766/1979). Não atendido referido prazo, haverá a caducidade da licença. E, se ainda assim, caducada a licença, o loteador der seguimento à execução do projeto, estaremos diante do que se denomina “loteamento irregular”, ou seja, loteamentos que haviam sido aprovados pela Prefeitura, mas que não foram registrados.

 

Além da situação acima mencionada, também qualifica como loteamento irregular aquele implementado de modo diverso do aprovado pela Prefeitura, sendo tais condutas tipificadas como crime contra a Administração Pública, de acordo com o art. 50 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano.

 

Por sua vez, ainda tratando de vícios que maculam a higidez do processo de loteamento, há o que se denomina “loteamento clandestino”, sendo entendido como aquele levado a cabo sem que haja qualquer manifestação prévia da administração municipal, consubstanciado às ocultas do Poder Público.

 

Interessante observar, nesse ponto, que a despeito do §1º do art. 40 da Lei n. 6.766/1979 conferir uma faculdade ao ente municipal na regularização desses loteamentos ditos irregulares ou clandestinos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou-se no sentido de ser, em verdade, um poder-dever, e não mera facultada da administração pública.

 

ADMINISTRATIVO. LOTEAMENTO. REGULARIZAÇÃO. ART. 40 DA LEI LEHMANN (LEI 6.766/79). ESTATUTO DA CIDADE. DEVER MUNICIPAL. LIMITAÇÃO ÀS
OBRAS ESSENCIAIS. HISTÓRICO DA DEMANDA

(…)

19. O art. 40, § 5º, da Lei Lehmann determina que a regularização dos loteamentos deve observar as diretrizes fixadas pela legislação urbanística, sendo inviável impor ao Município descumprimento de suas próprias leis (quando, por exemplo, proíbe a ocupação de certas áreas de risco), por conta tão só de omissão do loteador.

20. Evidentemente, ao Poder Judiciário não compete, pois seria um despropósito, determinar a regularização de loteamentos clandestinos (não aprovados pelo Município) em terrenos que ofereçam perigo imediato para os moradores lá instalados, assim como nos que estejam em Áreas de Preservação Permanente, de proteção de mananciais de abastecimento público, ou mesmo fora do limite de expansão urbana fixada nos termos dos padrões de desenvolvimento local. A intervenção judicial, nessas circunstâncias, faz-se na linha de exigir do Poder Público a remoção das pessoas alojadas nesses lugares insalubres, impróprios ou inóspitos, assegurando-lhes habitação digna e segura – o verdadeiro direito à cidade.

21. Mesmo na hipótese de loteamentos irregulares (aprovados, mas não inscritos ou executados adequadamente), a obrigação do Poder Público restringe-se à infraestrutura para sua inserção na malha urbana, como ruas, esgoto, iluminação pública etc., de modo a atender aos moradores já instalados, sem prejuízo do também dever-poder da Administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer na sua atuação saneadora.
22. Mais importante que discutir se há discricionariedade ou dever-poder de regularizar loteamentos (e, sem dúvida, dever-poder existe!) é reconhecer que a atuação da Prefeitura não serve para beneficiar o loteador faltoso. Sem falar que vai muito além de garantir os direitos dos adquirentes de lotes prejudicados pela omissão, pois incumbe ao Administrador, também por força de lei, considerar a cidade como um todo e os direitos dos outros munícipes à qualidade urbanístico-ambiental.

(…)

26. Há um dever do Município de regularizar os loteamentos, inexistindo margem para discricionariedade. O dever-poder, contudo, não é absoluto, nem mecânico ou cego, competindo à Municipalidade cumpri-lo na forma dos padrões urbanístico-ambientais estabelecidos na legislação local, estadual e federal. Naquelas hipóteses em que os óbices legais não ensejem a regularização, a única solução é a remoção, de modo a garantir habitação digna que respeite as exigências da lei.

(…)

30. Existe o poder-dever do Município de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares, mas a sua atuação deve se restringir às obras essenciais a serem implantadas em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei 6.799/79), em especial à infraestrutura essencial para inserção na malha urbana, como ruas, esgoto, energia e iluminação pública, de modo a atender aos moradores já instalados, sem prejuízo do também dever-poder da Administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer a sua atuação saneadora.

(REsp 1164893/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/11/2016, DJe 01/07/2019).

 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER DE REGULARIZAÇÃO. 1. O art. 40 da lei 6.766/79 deve ser aplicado e interpretado à luz da Constituição Federal e da Carta Estadual. 2. A Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da população. 3. As administrações municipais possuem mecanismos de autotutela, podendo obstar a implantação imoderada de loteamentos clandestinos e irregulares, sem necessitarem recorrer a ordens judiciais para coibir os abusos decorrentes da especulação imobiliária por todo o País, encerrando uma verdadeira contraditio in terminis a Municipalidade opor-se a regularizar situações de fato já consolidadas. 4. (…). 5. O Município tem o poder-dever de agir para que o loteamento urbano irregular passe a atender o regulamento específico para a sua constituição. 6. Se ao Município é imposta, ex lege, a obrigação de fazer, procede a pretensão deduzida na ação civil pública, cujo escopo é exatamente a imputação do facere, às expensas do violador da norma urbanístico-ambiental. 5. Recurso especial provido

(REsp 448216/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, 1ª Turma do STJ. DJ 17/11/2003 p. 204)

 

Pode-se resumir, em relação a todo procedimento que envolve o loteamento, dois momentos de extrema importância. O primeiro deles ocorre com a aprovação do projeto pela Prefeitura. E o segundo, com o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

 

6. A esse registro não é equivalente o simples contrato de parceria para estudo da viabilização do loteamento, ainda que celebrado perante tabelião e mediante escritura pública, pois a regra do art. 42 da Lei 6.766/1979 deve ser interpretada conjuntamente com o restante do texto legal, de forma que a validade do loteamento está atrelada ao registro imobiliário, no prazo de cento e oitenta dias, do projeto de loteamento ou desmembramento devidamente aprovado por órgão público municipal competente (art. 18).

7. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa extensão, provido.

(Resp 877489/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL, 2ª Turma do STJ. DJ 28/02/2014).

 

O registro do loteamento junto ao Ofício de Imóveis é requisito legal obrigatório para a higidez de todo o procedimento. A oficialidade desse ato, inclusive, representa o momento no qual as áreas destinadas à afetação pública têm sua propriedade transferida ao ente público.

 

O art. 22 da Lei n. 6.766/1979 é claro ao estipular que, a partir do registro do loteamento, as vias, praças, espaços livres, áreas destinadas a edifícios públicos e equipamentos urbanos, passam a integrar o domínio do Município.

 

A doutrina que se debruça sobre os temas afetos ao direito urbanístico trata da teoria do concurso voluntário, que representa, em linhas gerais, na transferência de áreas de natureza privada, sobre a qual incidirão os efeitos do loteamento, ao patrimônio do Poder Público, sendo um requisito legal para se poder criar e aprovar o projeto de loteamento. O concurso voluntário, portanto, representa a transferência de parcela da propriedade privada para o domínio do ente público, onde serão instalados equipamentos públicos e comunitários, construção de edifícios públicos ou vias de circulação.

 

APROVAÇÃO. ÁREA DESTINADA A UMA PRAÇA. TRANSMISSÃO AO DOMÍNIO PÚBLICO. DOCUMENTO ESPECÍFICO DE DOAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. DECRETO-LEI Nº 58/1937. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. POSTERIOR PERMUTA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. 2. A aprovação de loteamento pela Administração Pública transfere, automaticamente, os bens destinados ao uso comum ou ao uso especial da municipalidade para o domínio público, independente de registro. Precedentes do STF e do STJ.

STJ, REsp nº 1.137.710-PR, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 21/06/2013

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LOTEAMENTO. REGISTRO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. ARTIGO 535, II, CPC. ALEGADA VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
(…)
2. Quanto ao mérito, a questão cinge-se em saber se é dispensável ou não a inscrição no registro imobiliário para a comprovação do caráter público da área cujo loteamento foi aprovado pelo Poder Público. Já é pacífico no STJ o entendimento no sentido de que, independentemente do registro em cartório imobiliário, incorporam-se ao domínio do Município as áreas destinadas ao uso comum, sendo suficiente a aprovação do loteamento. 

(STJ, REsp 900873/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 15/10/2010)

 

Destarte, de acordo com a jurisprudência do STJ, para o fim de garantir a prerrogativa do Poder Público, bem como visando evitar que hajam mudanças no projeto de loteamento que possam ocasionar prejuízos, considera-se como momento da transferência da parcela do loteamento destinado ao Poder Público a partir da aprovação do projeto, independente de registro. Por certo que, tal entendimento, não dispensa a necessária realização do registro, como etapa obrigatória do procedimento de loteamento.

 

Em apertada síntese, e, considerando todo o procedimento envolvido para o loteamento de área urbana, percebe-se que o empreendedor, enquanto principal interessado em promover o loteamento de uma dada área, deverá seguir as diretrizes estipuladas pela Prefeitura em seu plano diretor ou lei específica, e, caso não existam tais diretivas, caberá solicitar ao ente municipal que as edite. Estabelecidas, portanto, as premissas básicas para loteamento, o interessado submeterá o projeto de loteamento à aprovação do Município, que, assim o fazendo, dará ensejo à imposição ao particular para que promova o registro do loteamento e a execução das obras necessárias à consecução do loteamento.

 

Conforme visto nos entendimentos jurisprudenciais acima colacionados, com a aprovação do loteamento pela Prefeitura, ocorre a afetação dos espaços destacados no projeto de loteamento destinados ao Município. Assim, consoante as disposições contidas na Lei do Parcelamento do Solo Urbano, os espaços inseridos na área objeto do loteamento e que sejam necessários para atender demandas públicas, tais quais equipamentos urbanos e comunitários, espaços livres de uso comum, vias, praças e áreas destinadas à construção de edifícios públicos, após a aprovação do projeto, serão afetados ao domínio do ente público municipal.

 

Efetivado o registro, determina a lei (art. 23) que o registro somente poderá ser cancelado por decisão judicial; a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, enquanto nenhum lote for vendido; ou a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura e do Estado. E, conforme previsto no §1º, os entes públicos somente poderão manifestar oposição ao cancelamento do registro, se disto resultar inconveniente par o desenvolvimento urbano ou se já tiver sido realizado qualquer melhoramento na área loteada.

 

3. CONCLUSÃO

 

A Lei do Parcelamento do Solo Urbano representa um relevante instrumento de regência da ordenação territorial urbana, imprimindo orientação técnico-jurídica para a efetivação dos loteamentos e desmembramentos urbanos.

 

As disposições do sobredito diploma visam conformar e dirigir a atuação de todas as partes envolvidas nos processos de parcelamento do solo, tanto daquela que propõe a execução do projeto urbanístico, quando daquela que o aprova e fiscaliza. Nesse mister, há uma necessária relação de ponderações entre o interesse particular – que busca a divisão da gleba em lotes para futura alienação, e, com isso, o auferimento de lucro, sobretudo porque se apresenta como atividade demasiadamente lucrativa – e o interesse público, que deve orientar a correta execução dos projetos de parcelamento do solo, dispondo sobre as diretrizes básicas como forma de evitar o cometimento de abusos pelo empreendedor.

 

No que toca ao direito urbanístico, seja quando se discute as disposições do Estatuto da Cidade, ou do Parcelamento do Solo Urbano, ou ainda de normas acerca da Regularização Fundiária, sempre se encontra presente a necessária consideração que se deve fazer acerca do cumprimento da função social da propriedade urbana, conforme enunciam os arts. 5º, XXIII; art. 170, III; e 182, § 2º da Constituição Federal. A promoção de alterações urbanísticas, uma vez que afetam toda uma comunidade inserida em um dado contexto geográfico e social, deve estimular o desenvolvimento da região por meio de investimentos e execução de empreendimentos, mas nunca se desgarrando das balizas administrativas e legais estabelecidas pelo Poder Público para o correto e necessário atendimento do interesse pública.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: . Acessado em 15 dez. 2024. 

BRASIL. Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6766.htm>. Acessado em 15 dez. 2024 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1164893. Ementa: ADMINISTRATIVO. LOTEAMENTO. REGULARIZAÇÃO. ART. 40 DA LEI LEHMANN (LEI 6.766/79). ESTATUTO DA CIDADE. DEVER MUNICIPAL. LIMITAÇÃO ÀS
OBRAS ESSENCIAIS. Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/11/2016, DJe 01/07/2019. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/> Acessado em: 15 dez. 2024
 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 448216. Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. NÃO OCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO AO DIREITO DE AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 302, III, 331, § 2º, 332, 333, I E II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211 DO STJ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER. ART. 40 DA LEI 6.766/79. PRECEDENTES DO STJ. Rel. Ministro LUIZ FUX, 1ª Turma do STJ. DJ 17/11/2003 p. 204. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/> Acessado em: 15 dez. 2024 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.137.710. Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. LOTEAMENTO. APROVAÇÃO. ÁREA DESTINADA A UMA PRAÇA. TRANSMISSÃO AO DOMÍNIO PÚBLICO. DOCUMENTO ESPECÍFICO DE DOAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. DECRETO-LEI Nº 58/1937. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. POSTERIOR PERMUTA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 21/06/2013. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/> Acessado em: 15 dez. 2024 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 900873. Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. LOTEAMENTO. APROVAÇÃO. ÁREA DESTINADA A UMA PRAÇA. TRANSMISSÃO AO DOMÍNIO PÚBLICO. DOCUMENTO ESPECÍFICO DE DOAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. DECRETO-LEI Nº 58/1937. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. POSTERIOR PERMUTA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 15/10/2010). Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/>. Acessado em: 15 dez. 2024 

CARDOSO, Fernanda Lousada. Direito Urbanístico. 2015. 6 ed. Salvador: Editora JusPodivm. 

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 21 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2024.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADACHI, Rafael. Parcelamento do solo urbano: disposições legais, concurso voluntário e entendimento jurisprudencial. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciências Humanas, Direito, ISSN 2966-4527, DOI 10.5281/zenodo.14507697, Joinville-SC, ano 2024, n. 3, aprovado e publicado em 17/12/2024. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/parcelamento-do-solo-urbano-disposicoes-legais-concurso-voluntario-e-entendimento-jurisprudencial/. Acesso em: 24/04/2025.