A responsabilidade civil dos provedores de internet

Categoria: Ciências Humanas Subcategoria: Direito, Escrita científica

Este artigo foi revisado e aprovado pela equipe editorial.

Aprovado em 17/09/2024

10/09/2024

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Rafael Neves Guardiani

Curriculo do autor: Bacharel em direito pela UFRN.

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Resumo

Este artigo analisa a responsabilidade civil dos provedores de internet diante das interações nas redes sociais, em um contexto onde a linha entre liberdade de expressão e direito à personalidade é frequentemente contestada. Com a promulgação da Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, surgem questões sobre a responsabilização dos provedores, especialmente no que tange à sua omissão em relação a práticas ilícitas. O texto examina as distinções entre os diferentes tipos de provedores de internet — como provedores de acesso, de aplicação e de conteúdo — e enfatiza a importância de compreender suas obrigações legais e a responsabilidade que lhes cabe na gestão de conteúdos disponíveis online. O objetivo é esclarecer os deveres impostos aos provedores e seu papel na manutenção de um ambiente digital seguro e responsável.

Palavras-Chave

Responsabilidade Civil. Marco Civil da Internet. Liberdade de Expressão

Abstract

This article analyzes the civil liability of internet service providers in the context of interactions on social media, where the boundary between freedom of expression and the right to personality is frequently contested. With the enactment of Law No. 12.965/2014, known as the Civil Internet Framework, questions arise regarding the liability of providers, particularly concerning their omission in relation to illegal practices. The text examines the distinctions between different types of internet service providers—such as access providers, application providers, and content providers—and emphasizes the importance of understanding their legal obligations and responsibilities in managing available online content. The aim is to clarify the duties imposed on providers and their role in maintaining a safe and responsible digital environment.

Keywords

Civil Liability. Civil Internet Framework. Freedom of Expression

1. INTRODUÇÃO

Os novos modelos de interações nas redes sociais, em especial, trazem uma série de questionamentos, sendo um deles a responsabilidade civil dos agentes envolvidos em eventuais práticas ilícitas.

Além disso, o próprio conceito de ilícito exige maiores discussões, uma vez que invariavelmente esbarra no confronto entre o direito à liberdade de expressão e o direito à personalidade.

Nesse sentido, o legislador pátrio adotou uma sistemática própria para a remoções de ilícitos e responsabilização civil dos agentes, fazendo ele próprio o sopesamento dos mencionados direitos fundamentais.

Assim sendo, o objeto desse trabalho é a responsabilidade de cada um dos provedores de internet, não se aprofundando acerca da responsabilidade do particular, mas tão somente nos deveres impostos aos provedores e suas responsabilidades na hipótese de omissão.

(…)

2. DOS PROVEDORES DE INTERNET

2.1. A distinção entre os provedores

A lei n°12.965/2014 (Marco Civil da Internet) adota em seu corpo alguns termos técnicos que precisam ser bem esclarecidos, como por exemplo, a distinção entre os provedores de aplicação e os de serviço. Já em seu art. 5°, a referida lei traz uma breve elucidação sobre como esses termos devem ser interpretados.

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, considera-se:

V – conexão à internet: a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP; […]

VII – aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet; (grifo nosso)

Contudo, ainda se faz necessários desenvolver melhor estes conceitos com o objetivo de evitar possíveis interpretações equivocadas. Assim, expomos o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), particularmente, o da Ministra Nancy Andrighi:

Os provedores de serviços de internet são aqueles que fornecem serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela. Trata-se de gênero do qual são espécies as demais categorias, como: (i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os responsáveis pela conectividade da internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede; (ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a estes conexão com a internet; (iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de terceiros, conferindo-lhes acesso remoto; (iv) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na internet; e (v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação.[1] (Grifo nosso)

Seguindo tal orientação, compreende-se que o termo provedor de serviço de internet ramifica-se em provedores de acesso e de aplicação. Por sua vez, este ainda engloba as funções características de provedores de correios eletrônicos, de busca, de hospedagem e de conteúdo.[2]

2.2. A guarda de registros

O Marco Civil adota alguns princípios norteadores para garantir a segurança dos usuários nas redes, tais como a proteção à privacidade; o respeito a liberdade de expressão; e o caráter sigiloso dos dados pessoais. Todavia, em algumas situações, estes mesmos princípios podem vir a ser ponderados para alcançar aquele objetivo motivador, logo, atribui-se maior relevância a um outro princípio acolhido: o da responsabilização dos agentes.

Acompanhando a tendência internacional, o legislador determina que os provedores serão responsáveis por armazenas os seus dados de acesso, para que então o usuário responsável por atos ilícitos na rede seja identificado. Isto pois, há a ciência de que seria praticamente impossível um internauta conseguir desvendar o seu agressor de maneira autônoma.

Nesse sentido, os provedores de conexão estão impelidos de manter os registros de conexão em local seguro e de forma sigilosa por um ano. Os provedores de aplicação, por sua vez, apresentam duas modalidades, a facultativa e a obrigatória. A primeira é obrigatória e destinada aos provedores que são pessoas jurídicas e exercem a atividade de forma organizada, profissional, além de possuir fins lucrativos, os quais devem armazenar os registros em segurança e preservar o seu sigilo. A segunda é facultativa e incide nos provedores de aplicação que não são pessoas jurídicas, não executam atividade de forma organizada nem tão pouco possuem fins lucrativos,[3] conforme dispõe a referida legislação:

Art. 13. Na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano, nos termos do regulamento. […]

Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.

Dito isto, segue-se para a análise material dos dados recolhidos, já que há distinção entre os registros de conexão à internet e registro de acesso a aplicações de internet. O provedor de conexão à internet armazena as datas, os horários login e logout (por óbvio, a duração) e o endereço IP[4] (internet protocol) utilizado pelo terminal para a troca de dados, ignorando o que é acessado. Já o provedor de aplicação de internet guarda os dados referente à data e hora em que uma referida aplicação é usada, além do endereço IP responsável.

Dessa forma, o provedor de aplicação informa o endereço IP autor do ato ilícito, juntamente com o seu momento exato (data e hora) para o provedor responsável por aquela conexão. Em seguida, este já será capaz de indicar qual cliente recebera tal IP no momento anunciado.

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, considera-se

VI – registro de conexão: o conjunto de informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados; […]

VIII – registros de acesso a aplicações de internet: o conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP. (grifo nosso)

Entretanto, a legislação veda de maneira expressa que os provedores de conexão guardem registros de aplicação. a, proíbe que provedores de aplicação armazenem dados referentes ao acesso de outras aplicações de internet sem consentimento prévio do usuário, bem como a coleta de dados desnecessários ao objetivo assentido pelo usuário, conferindo verdadeiro abuso.

Art. 14. Na provisão de conexão, onerosa ou gratuita, é vedado guardar os registros de acesso a aplicações de internet. […]

Art. 16. Na provisão de aplicações de internet, onerosa ou gratuita, é vedada a guarda:

I – dos registros de acesso a outras aplicações de internet sem que o titular dos dados tenha consentido previamente, respeitado o disposto no art. 7o; ou

II – de dados pessoais que sejam excessivos em relação à finalidade para a qual foi dado consentimento pelo seu titular. (grifo nosso)

2.3. O acesso aos registros dos provedores

Os registros aludidos poderão ser solicitados aos provedores de serviços de internet para que as eventuais vítimas de ilicitudes online possam compor o seu conjunto probatório. Porém, em respeito à privacidade e ao sigilo dos dados, tais informações apenas poderão ser fornecidas pelos provedores por meio de orem judicial, deste que respeitados os requisitos arrolados pelo art. 22 da lei 12.965/2014: (I) fundados indícios da ocorrência do ilícito; (II) justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e (III) período ao qual se referem os registros.

Além disso, o Ministério Público, autoridade policial ou administrativa pode solicitar cautelarmente que os provedores mantenham os registros armazenados por um prazo de sessenta (60) dias a partir da solicitação. Mas, tornar-se-á ineficaz o requerimento do autor que não ingressar com o pedido de autorização judicial dentro deste prazo ou se este pedido for indeferido.

3. A RETIRADA DO CONTEÚDO INFRINGENTE

O art. 2° do Marco Civil da Internet apresenta logo de início os princípios escolhidos para nortear a sua interpretação. Contudo, assim como os direitos fundamentais, eles também não são absolutos e podem ser ponderados quando em conflito com outros princípios. Já fora mencionado aqui a tensão entre a proteção à privacidade e aos dados com o princípio da responsabilização dos agentes (item 3.2), agora, convém-se discutir os limites conferidos a liberdade de expressão, a qual é defendida com ênfase no art. 3°.

Em algumas situações infelizes, os agentes descumprem o comando de boas práticas na rede e vão além da proteção oferecida pela Liberdade de Expressão, todavia, este preciso momento é muito complicado de ser identificado com precisão. Por isso, entendeu-se ser mais apropriado delegar esta responsabilidade ao Estado-juiz, compreendendo que ele seria o mais apto para lidar com um princípio tão fundamental à uma sociedade democrática.

Marcel Leonardi[5] expõe que os sistemas de retirada condicionados a meras notificações podem levar a remoção arbitrária de conteúdo, os quais permitem que instituições privadas tenham o mesmo poder de uma medida liminar, mas carentes de devido processo legal. E ressalta que mesmo regulando as notificações e retiradas, não seria suficiente para evitar a cesura temporária, a qual pode comprometer a divulgação de manifestações políticas e protestos. Pois ainda que o conteúdo seja posteriormente disponibilizado, não terá mais serventia após o evento já ocorrido. [6]

Logo, amenos que um conteúdo divulgado desrespeite algum os termos de uso do provedor, este estará impossibilitado de retirar a postagem do usuário sem ordem judicial que o comande. Mas, devido a velocidade com que as informações se propagam na rede e a grande proteção dada a intimidade, o provedor de aplicação de internet está legalmente obrigado a tornar indisponível de forma diligente os conteúdos que exponham sem a autorização de seus participantes, imagens, vídeos ou outros materiais que contenham cenas de nudez ou atos sexuais de caráter privado após a notificação de ao menos um dos participantes ou seu representante legal.

De mesmo modo, o Marco Civil não exige a emissão de ordem judicial para a retirada de conteúdos que desrespeitem a Lei dos Direitos Autorais, pois respeita-se a legislação especial que estipula a retirada do material de forma imediata após a notificação. Por tanto, faz-se necessário apenas uma notificação extrajudicial ao provedor, a qual deverá obrigatoriamente informar o endereço digital específico[7], para que assim o material seja ocultado em tempo hábil e nos limites técnicos de seu serviço, como ratifica a Ministra Nancy Andrighi:

  1. Ao ser comunicado de que determinada mensagem postada em site de relacionamento social por ele mantido possui conteúdo potencialmente ilícito ou ofensivo a direito autoral, deve o provedor removê-lo preventivamente no prazo de 24 horas, até que tenha tempo hábil para apreciar a veracidade das alegações do denunciante, de modo a que, confirmando-as, exclua definitivamente o vídeo ou, tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre acesso, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano em virtude da omissão praticada.[8]

3.1. O direito ao contraditório

Após a retirada do conteúdo infringente, cabe ao provedor dar ciência dos “motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo” do usuário diretamente responsável, salvo se este não houver fornecido informações de contato, de acordo com o art. 20 do Marco Civil. Ressalta-se ainda, que o provedor está impedido de assim prosseguir em casos de expressa previsão normativa ou decisão judicial que o proíba. Francisco Ilídio Ferreira Rocha[9] menciona a possibilidade de o juiz decretar o sigilo de justiça oferecido em casos de requisição de registros fornecido pelo art. 23 da mesma lei.

Ademais, a legislação determina que os conteúdos tornados indisponíveis poderão ser substituídos, desde que o usuário responsável solicite ao provedor e que este exerça atividades de forma organizada e com escopo lucrativo.

4. A RESPONSABILIDADE DOS PROVEDORES

4.1. A responsabilidade dos provedores de conexão

Os provedores de conexão (também conhecidos como de acesso) são isentos de responsabilidade civil por atos ilícitos causados por terceiros, segundo o art. 18 da lei 12.965/2014: “O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”.

Dado que estes provedores não possuem condições técnicas suficientes para monitorar e valorar a ilicitude de todo o material produzido por seus usuários, mas ainda que fosse possível, isto seria inconstitucional, pois violaria o inciso XII do art. 5°. Não somente, tal prática também entraria em desacordo com o § 3° do art. 9 da legislação que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil:

Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação. […]

  • 3° Na provisão de conexão à internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste artigo. (grifo nosso)

Um outro motivo relevante é que o provedor apenas fornece o canal necessário para que seus usuários se conectem à rede, logo, não sentindo em punir um provedor pelo mal-uso que os outros fazem de seu serviço. Comumente, utiliza-se a analogia com as operadoras de telefone, as quais também estão impedidas de monitorar os conteúdos que elas transmitem por motivos técnicos e legais, assim, também não há razões para imputa-las pelo uso improprio dos seus serviços.

4.2. A responsabilidade dos provedores de aplicação

De modo distinto, os provedores de aplicação de internet poderão ser responsabilizados por atos cometidos por terceiros, contudo, em situações bastante específicas. Então, não há mais que se falar em responsabilidade objetiva dos provedores quando estes apenas veiculam conteúdos produzidos por terceiros e sem controle editorial prévia, seja aplicando a teoria do risco ou no defeito de serviço prestado.[10] Também, este é o entendimento do STJ:

  1. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.[11]

Dessa forma, o Marco Civil expõe três situações em que os provedores de aplicação poderão ser acionados: (I) ao desrespeitar ordem judicial de tornar indisponível algum conteúdo potencialmente infringente; (II) ao omitir-se de indispor conteúdo que exponha seus participante em cenas de nudez ou práticas sexuais de caráter privado por meio de imagens, vídeos e outros formatos, mesmo após notificado da não anuência de ao menos um dos expostos ou seu representante; (III) ao continuar à exibir material infringente aos direitos do autor e conexos, ainda que já alertado.

Visto isso, pode-se afirmar que os provedores de aplicação somente serão responsabilizados por ato de terceiros quando descumprirem algum dos seus deveres. Ainda, é mister ressaltar que a notificação através dos canais eletrônicos oferecidos pelos próprios provedores é suficiente apenas para os casos II e III, não bastando para excluir materiais não enquadrados aí (como os do caso I). Entretanto, nas situações I os provedores não estarão atados à uma ordem judicial que solicite a retirada, pois poderão adotar previamente critérios específicos para a remoção de conteúdo em seus termos de uso. [12]

Após descartada a hipótese de responsabilidade objetiva, resta distinguir os casos em que os provedores responderão solidariamente ou subsidiariamente. O art. 19, que dispõe sobre o exemplo I, não define forma de imputação, contudo, defende-se que ela seja solidária, seguindo itens anteriores.[13] Além disso, é importante mencionar as disposições normativas presentes no Código Civil (CC) e no Código de Defesa do Consumidor:

Acresça-se que, nessa hipótese, a responsabilidade civil do provedor de aplicação continuará sendo solidária, por força do art. 7º, parágrafo único, do CDC e do art. 942, parágrafo único, do CC (tendo em vista que, ao não acatar a ordem judicial, o provedor de aplicação pode ser havido como coautor do ato ofensivo).[14]

Por sua vez, caso II é uma exceção nesta legislação e por isso rebe tratamento diferente, ou seja, em situações como essas o art. 21 prevê responsabilidade subsidiária para os provedores de aplicação que se omitirem do dever de excluir o conteúdo notificado extrajudicialmente. Não somente, há entendimentos no sentido de responsabiliza-los solidariamente quando não retirarem o conteúdo da rede, nem tão pouco contribuírem para a identificação do autor:

Se o provedor de aplicação não fornecer esses dados de identificação do autor da postagem à vítima, violará o dever de informação e, como tal, por dificultar ou inviabilizar a obtenção de responsabilização civil principal do autor do conteúdo obsceno, responderá solidariamente pelos danos causados à vítima, seja por conta dos arts. 186, 422 e 942, parágrafo único, do CC (pois o provedor poderá ser tido como um coautor do ato ilícito), seja com fulcro nos arts. 7º, parágrafo único, e 18 do CDC.[15]

Finalmente, a hipótese III é compreendida como a anterior, assim, por interpretação sistemática também, também responsabilizara solidariamente o provedor que desrespeita o art. 31, o qual remete para a lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Existe, também, os limites técnicos e temporais que os provedores de aplicação podem enfrentar para cumprir os comandos impostos a eles. Por este motivo, o Marco Civil delega um prazo “diligente” para a realização dos seus dispositivos, mas há de se concordar com a imprecisão deste conceito e as distintas interpretações que ele pode criar.

Em relação às limitações técnicas, é interessante discutir o caso do provedor de busca, o qual pode ser compreendido como uma variação de provedor de aplicação. Sites que ofertam tais serviços são comumente processados por expor resultados indesejados em suas pesquisas, contudo, em casos assim não há como ser falar em conteúdos gerados por terceiros, pois o resultado da busca é elaborado pelo próprio provedor. Não somente, não poderá o provedor de busca, por motivos técnicos, tonar indisponível o material armazenado em outro provedor, conseguirá somente excluir tal site dos seus resultados. [16] Logo, o usuário que sentir-se ofendido por algum conteúdo na rede deve responsabilizar o provedor de aplicação que o armazena, somente assim o material infringente será apagado e consequentemente sairá dos resultados de busca. Segue o entendimento do STJ nesse sentido:

  1. Preenchidos os requisitos indispensáveis à exclusão, da web, de uma determinada página virtual, sob a alegação de veicular conteúdo ilícito ou ofensivo – notadamente a identificação do URL dessa página – a vítima carecerá de interesse de agir contra o provedor de pesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição. Se a vítima identificou, via URL, o autor do ato ilícito, não tem motivo para demandar contra aquele que apenas facilita o acesso a esse ato que, até então, se encontra publicamente disponível na rede para divulgação.[17]

5. CONCLUSÃO

Como visto, o Marco Civil da Internet atribui a cada espécie de servidor deveres específicos, os quais devem desincumbir sob pena de serem civilmente responsabilizados.

Há, portanto, um controle de proporcionalidade realizado em abstrato pelo legislador brasileiro, o qual delimita os limites da liberdade de expressão e a responsabilização dos seus abusos.

A prévia delimitação da responsabilidade de cada agente permite a pronta retirada do conteúdo ou localização do seu autor, o que é crucial nos ilícitos praticados nas redes, tendo em vista o potencial de replicação do conteúdo infringente.

Dessa forma, é preciso que os provedores de internet cooperem para tornar as redes um ambiente mais seguro, afastado a ideia de impunidade que é comumente atribuída aos ambientes virtuais, ao possibilitar a identificação do agente responsável pela criação do conteúdo impugnado.

Outrossim, ao cumprir suas atribuições legais, os provedores se eximem de serem responsabilidades pelo ilícito praticado por terceiros, uma vez que não podem responder pelos conteúdos postados pelos seus usuários, mas desde que cumpra seus mencionados encargos legais impostos pelo Marco Civil da Internet.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KUJAWSKI, Fabio Ferreira; THOMAZ, Alan Campos Elias. Da proteção aos registros, dados pessoais e comunicações privadas. In: LEITE, George Salomão; LEMOS, Ronaldo (Org.). Marco civil da internet. São Paulo: Atlas S.A., 2014. p. 677-694.

AIETA, Vânia Siciliano. Marco Civil da Internet e o Direito à Intimidade. In: LEITE, George Salomão; LEMOS, Ronaldo (Org.). Marco civil da internet. São Paulo: Atlas S.A., 2014. p. 695-726.

LEONARDI, Marcel. Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviço de Internet. 2005. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.

LEONARDI, Marcel. A garantia fundamental do direito à privacidade e a liberdade de expressão nas comunicações como condição ao pleno exercício do direito de acesso à internet. In: LEITE, George Salomão; LEMOS, Ronaldo (Org.). Marco civil da internet. São Paulo: Atlas S.a., 2014. p. 621-634.

OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Aspectos Principais da Lei nº 12.965, de 2014, o Marco Civil da Internet: subsídios à comunidade jurídica. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, abr./2014 (Texto para Discussão nº 148). Disponível em: <www.senado.leg.br/estudos>. Acesso em 09 de fev. de 2017.

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SOUZA, Adriana Cerqueira de; e NUNES, Vidal Serrano. A Finalidade social da rede como fundamento do marco civil. In: LEITE, George Salomão; LEMOS, Ronaldo (Org.). Marco civil da internet. São Paulo: Atlas S.A., 2014. p. 110-124.

[1] STJ – REsp: 1316921 RJ 2011/0307909-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/06/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2012

[2]. CEROY, Frederico Meinberg. Os conceitos de provedores no Marco Civil da Internet. 2014. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/211753/os-conceitos-de-provedores-no-marco-civil-da-internet. Acesso em: 122 set. 2024.

[3] KUJAWSKI; THOMAZ, 2014

[4] A lei 12.965/2014 define o endereço IP como “o código atribuído a um terminal de uma rede para permitir sua identificação, definido segundo parâmetros internacionais;”

[5] LEONARDI, 2014

[7] Usualmente, informa-se o Uniform Resorce Locator (URL).

[8] STJ – REsp: 1396417 MG 2013/0251751-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 07/11/2013, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/11/2013

[9] ROCHA, 2014, p. 817

[10] SOUZA, 2014, p. 110

[11] STJ – REsp: 1308830 RS 2011/0257434-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 08/05/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/06/2012 RDDP vol. 114 p. 134.

[12] SOUZA, 2014, p. 110

[13] ROCHA, 2014, p.817

[14] OLIVEIRA, 2014

[15] idem

[16] ROCHA, 2014, p.817

[17] STJ – REsp: 1396417 MG 2013/0251751-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 07/11/2013, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/11/2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUARDIANI, Rafael Neves. A responsabilidade civil dos provedores de internet. Revista Di Fatto, Subcategoria Ciências Humanas, Direito, Escrita científica, ISSN 2966-4527, Joinville-SC, ano 2024, n. 3, aprovado e publicado em 17/09/2024. Disponível em: https://revistadifatto.com.br/artigos/a-responsabilidade-civil-dos-provedores-de-internet/. Acesso em: 24/04/2025.